15h51. Adoro esses números que são iguais de trás para
frente e vice-versa. Houve uma coincidência incrível ontem quando pegamos o
Uber, meu primo-irmão começou do nada a falar de uns OVAs (desenhos animados
japoneses mais adultos) que passavam na extinta TV Manchete nas noites da
sexta, eu acho, no programa US Manga. Ou seja, um assunto super de nicho. E não
é que o motorista do Uber, na faixa dos cinquenta anos, era fã do programa e de
animes em geral? E não era conversa mole dele não, ele contou detalhes dos OVAs
que não deixaram dúvida de que realmente os assistia. Se disse um apaixonado
pelo gênero. Foram então os dois conversando sobre o tema até o Bar Central, o
nosso destino da noite. Aniversário de um amigo nosso. Achei esta conversa dos
OVAs uma em um milhão, um virtuosismo da existência que fez convergir uma série
improvável de fatores para gerar aquele diálogo. Primeiro, ter batido não sei
por que cargas d’água o saudosismo do meu primo de ver os tais desenhos essa
semana. Segundo, ser o tema que trouxe à conversa, terceiro pegarmos um Uber no
momento certo, do lugar certo para irmos com um coroa que viu e curtia tais
animes. A probabilidade disso acontecer é muito pequena e, no entanto, eu a
presenciei. Aposto que o motorista do Uber deve ter ficado tão impressionado
como nós. Disse que era a última corrida que faria na noite, já estava
trabalhando há 13 horas. Fechou com chave de ouro, pois acho difícil que tenha
com quem falar sobre um assunto tão específico. Se bem que com grupos de
Facebook e WhatsApp, tudo é possível. De toda sorte, não é todo passageiro que
fala dos OVAs que a TV Manchete passava. É uma pequena loteria dessas que a
vida nos apresenta. Como disse, uma manifestação mais requintada, peculiar e
particular da existência. Algo como um solo na sinfonia de átomos do universo.
Sobre o encontro que sucedeu esse memorável encontro? Foi ótimo, conversamos
bastante e é muito bom conversar. Eu inevitavelmente, com a boca grande que
tenho, tinha que falar do meu livro. A líder com a sagacidade feminina que lhe
é peculiar aproveitou os peitos grandes porque lactante e os destacou com um
ousado decote. Bela visão. Espero não ter dado muita bandeira apreciando esse
detalhe. A parte mais interessante foi quando tratamos de relacionamentos e
porque os três homens que restavam na mesa – o aniversariante, meu primo-irmão
e eu – estavam solteiros, ouvi atentamente os conselhos da líder. Nós três nos
admitimos românticos e com tendência a colocar as mulheres num pedestal, duas
falhas críticas, segundo a líder, na abordagem de desconhecidas. Sei que findei
minha noite cometendo a insanidade que foi o post anterior, uma carta para a
coisa mais próxima de uma paquera que eu tenho. Não vai dar em nada só em mais
um papel de bobo que faço, mas pouco se me dá. O “não” já tenho e continuarei o
possuindo depois da carta, então nada mudou na minha vida, exceto que me
diverti escrevendo para ela e me divertir é algo válido nessa estrada que vai
do nada ao nada. Não alimento esperanças em relação à Garota da Noite. Ela deve
me ter por um maníaco ou coisa que valha. Hahaha. Eu disse a ela que não sou
pegajoso, mas demoro para largar o osso e... ah, se quiser, você lê aqui http://jornaldoprofeta.blogspot.com.br/2018/05/carta-garota-da-noite.html
.
16h23. Meu amigo da piscina mostra a sua nova conquista
sexual, uma moça bonita, que parece ser boa gente. É uma mãe dedicada, aparentemente,
pela orgulhosa foto que tirou com a feliz filha de cerca de 10 anos de idade.
Meu amigo é meio malandro, mas é gente boa. Provavelmente nos encontremos hoje
na piscina para conversar sobre a vida. Acho que foi para ele que contei dos
eletrochoques, não mencionei essa parte com detalhes no livro. Talvez valha
detalhar um pouco mais, acrescentar umas três a cinco linhas sobre o tema. Nada
de muito grande. O porquê, o como, o onde, o com quem, o quando (que não me
recordo, talvez mamãe saiba). Basta isso e a sensação gostosa da anestesia.
Como se a consciência fosse se esvaziando como areia passando por uma ampulheta
rumo à inconsciência. Era rápida e interessante a sensação, despertava algum
prazer. Mas não darei detalhes que podem entrar no livro. Não aguento mais
falar desse assunto parece que tudo o que sou é o livro. E o pior que com o meu
bocão fico espalhando para todo mundo, pois percebi que é algo que agrega valor
à minha pessoa, mesmo quando digo o nome do livro, que revela sua deplorável
temática, parece que as pessoas se atém mais à palavra livro que ao resto e
parece que ter a ousadia ou a capacidade de escrever um livro é algo muito bem
visto socialmente. De posse dessa percepção, querendo me valorizar um pouco, se
me perguntam se tenho alguma novidade, eu digo que escrevi um livro. E que já
está na revisão e que mandei para Seu Raimundo. Por sinal, a turma me acalmou
muito em relação a esse assunto que estava me assombrando. Disseram que poderia
levar meses para ter uma resposta, pois ele é um cara muito ocupado. E que se a
sua reação fosse negativa, não desanimasse. Acreditasse no conteúdo. Fiquei
reconfortado com pontos de vista menos ansiosos que o meu. A incrível revisora
também me aconselhou ter paciência em relação ao assunto. E realmente é tudo o
que posso fazer. Aguardar. Se vier, veio, senão um abraço. Confio na minha
revisora e sei que ela fará o seu máximo para transformar o livro num texto
melhor, extrair do que eu escrevi o melhor. Queria que o livro fosse
interessante até o final, mas não sei se consegui ou se ela vai conseguir tal
intento. O ápice da narrativa, a meu ver, se dá no primeiro quarto do livro,
mas não posso ferir a cronologia dos acontecimentos e botá-lo para o final, não
faria sentido algum e aí estaria fantasiando o que de fato aconteceu e não
quero isso. Quero que a sinceridade seja o grande diferencial desse livro. É o
único que possui. Fora que mudar o ápice para o final seria completamente
incoerente. E nem sei se há ápice de fato no livro. Para mim, que estava
vivendo lá, foi o acontecimento mais marcante, mas pode ser que para o leitor
não seja. Sei lá, mas acho que vai ser. Uma hora e meia para me encontrar com
meu amigo da piscina. Confesso que não queria mas vou lá. Será bom no final das
contas. Melhor do que ficar aqui escrevendo. Ou tão bom quanto. Acho que a
incrível revisora vai ficar cheia de dedos de ser citada aqui no blog, mas só
trato dela em relação ao livro, não comento de sua pessoa e se o faço é para
louvar suas qualidades, que foram o que me fizeram optar por ela. A admiro como
pessoa e como profissional. Sei que pode acrescentar muito à obra e conto com
isso. E não acho que estou tendo expectativas exageradas quanto ao seu
trabalho. Acho que é exatamente o que fará, lapidar a pedra bruta. E
principalmente ajeitar a loucura com os números no texto, não sei usar numerais
nos textos, sou completamente analfabeto nisso. Acho que fiz tudo errado, cabe
a nossa intrépida caçadora de erros achar e consertar todos os meus vacilos
numéricos. Estava querendo mandar um e-mail para Seu Raimundo pedindo desculpas
pelo e-mail anterior depois que meus amigos me aliviaram a alma. Seria assim:
“Seu Raimundo,
Me desculpe pela afobação do e-mail anterior, meus amigos,
que ficaram muito felizes com o prospecto de o senhor emitir opinião sobre o
meu livro, disseram que o senhor é muito ocupado, que poderia levar meses para
receber uma resposta e que independentemente da resposta que viesse, eu deveria
acreditar no meu material. Mesmo assim, continuo achando que suas opiniões ou
conselhos ou críticas não têm preço e são fundamentais para ajudar a lapidar a pedra
bruta que lhe enviei.
Eu lhe disse que escrevia para além desse livro. Bem, eu
escrevo um blog. É a minha ocupação, meu ofício de fé, o que faço com o maior
prazer. Sou lido por muito poucos, vinte, quarenta pessoas no máximo, mas isso
é o que menos me interessa, interessa a liberdade de poder me dizer. Caso o
senhor queira dar uma olhada, o endereço é http://jornaldoprofeta.blogspot.com.br/
.
Novamente peço desculpas pelo e-mail anterior. Como tenho
todo o tempo do mundo para escrever, tendo a achar que os demais têm a mesma
disponibilidade que eu, o que não poderia estar mais distante da realidade.
Ainda mais em se tratando do senhor.
Grande abraço e obrigado por ter acolhido a obra da minha
vida,
Mário Barros.”
17h20. Não sei se mandarei esse e-mail, me parece pertinente
frente ao que meus amigos me disseram ontem.
17h40. Ainda não sei se mande. Queria a opinião de mais
alguém, mas não sei a quem perguntar. O meu amigo da piscina, o mais
disponível, não me parece o mais adequado. Adequada seria a líder ou a incrível
revisora. Mas não tenho cara de aperreá-las. O negócio é relaxar e decidir
depois do encontro com o meu amigo da piscina, que se dará em menos de uma
hora. Acho que vou levar o computador hoje. Quero escrever lá embaixo. Espero
que não esteja chovendo. Tenho que olhar do hall da área de serviço. Se estiver
molhado, mas tiver estiado, eu me arrisco e levo. Senão, escrevo no celular
mesmo.
17h55. Agora, passado um tempo, acho besteira mandar o
e-mail para Seu Raimundo, pelo menos da forma caudalosa como o escrevi. Poderia
ser mais sucinto:
“Seu Raimundo, desculpe pelo e-mail anterior, estava numa
afobação danada. Meus amigos me tranquilizaram (e ficaram muito felizes com a
notícia). Grande abraço e obrigado por acolher a minha única e última obra.
Mário.”
18h00. Esse me parece mais adequado. Sobre qual e-mail
mandar, eu posso perguntar ao meu amigo da piscina. Ou até à minha mãe. Aos
dois, talvez. Ou a nenhum visto que já me decidi pelo segundo. Vou mandar logo.
Não, não vou. Vou esperar.
18h26. Estou aqui na piscina à espera do meu amigo da
piscina. Por isso o apelido, porque é aqui que geralmente nos encontramos.
18h46. Cancelar o boneco do Evolve. De novo.
19h03. Será que a incrível revisora depois de saber de sua
alcunha e participação neste espaço vai ler o post do dia em que estava
particularmente neurótico e ansioso? A figura que sou agora não se reconhece
naquela. Muitas coisas mudaram desde então. Meu amigo da piscina sugeriu que eu
instalasse o Tinder e correlatos, mas não é a minha vibe. Talvez tenha medo de relacionamentos reais e certamente não
quero relacionamentos com mulheres da minha idade. No máximo até os 30. Como é
o caso da Garota da Noite, conteúdo do blog anterior, coincidentemente. Mas
estou hoje mais a brincar com ela, usá-la como uma forma de diversão, na qual
os dois se divertem, eu creio. Mas tem data para acabar. No dia no aniversário
dela. Será o meu presente deixar de ser seu amigo no Facebook.
19h15. Estávamos a olhar fotos e conversar sobre Björk. Meu
amigo da piscina me perguntou se era pessoal o assunto que tratava e disse-lhe
que era público, mas em verdade é pessoal que torno público. Como se este fosse
o palco onde atuo, onde sou mais eu. Estamos ouvindo “Bastards”, por isso o
diálogo e pesquisa sobre Björk, me achei muito mais bem informado do que
imaginava sobre ela. Estou achando esse “Bastards” absolutamente genial.
19h29. Vi meu amigo da piscina sendo pai. Ele me pareceu um
bom pai. A menina se sentiu superfeliz com o carinho dele. O menino já
respondeu mais reciprocamente. Foi uma experiência social bonita. Gostei de
observar. Está valendo muito a pena estar aqui. Com o meu amigo da piscina. Me
desconcentrei do som, mas quando volto é sempre muito novo e original, uma
reinvenção das músicas do “Biophilia”.
19h38. Vamos ver como as coisas me saem agora. Pensei em ir
para o Vate, mas vou ficar por aqui. Para quem eu poderia dizer que estou
ouvindo “Bastards” de Björk? Mexer no celular para mandar o link dos OVAs para
o meu amigo da piscina me fez entrar em contato com o WhatsApp e me deu essa
vontade de usar o aplicativo para divulgar meus gostos à revelia da
disponibilidade dos meus contatos. Discutimos sobre Bombril agora, foi interessante
pensar num Bombril é uma coisa na qual peguei poucas vezes na vida, achei sua
textura interessante, já peguei em Bombril se esfarelando, ou pelo menos tenho
essa lembrança de senti-lo esfarelando, minhas memórias de Bombril são vagas
devido às pouquíssimas interações e ao enorme tempo que me separa delas. Que
pena, acho que mamãe não compra Bombril, mas vou dar uma olhada na despensa.
Primo urbano, eu mostrei sua última música ao meu amigo da piscina e ele pensou
que era para o filme e me imaginou numa cena de costas andando, ou seja foi uma
visão bastante pictórica da música para ele. É curioso, qualquer um que perceba
de uma forma, acho isso interessante na sua música, por ser inclassificável,
cada um pode dar o seu significado, quase como um quadro abstrato. Meu amigo da
piscina sentiu falta de um elemento que se repita na música, algo como um
refrão melódico, eu creio, como creio que não seja a intenção do meu primo
urbano tornar sua música mais fácil e acessível, acho que a viagem dele é liberdade
criativa total. Aplicar os conhecimentos e equipamentos que possui da forma que
bem entender, inclusive desconstruindo regras, como sobrepor sons em andamentos
diferentes.
20h00. “É uma coisa, que... num sei nem dizer...”, foi a
frase de conclusão do meu amigo da piscina sobre o fato que acabou de me
narrar, qual seja, foram na casa matar o cara e, como este não estava, mataram (ou
matou, não sei quantos foram) o tio e uma criança de dois anos. Imagine o que
se passa na cabeça de um homem que não hesita em disparar contra a cabeça de
uma criança de dois anos. É uma completa aberração social, até mais que eu. E
há um lugar que fabrica homens desses, pois homens como esse há, para quem a
vida humana perdeu completamente o seu valor, o seu sentido. É uma homem que
tem um distanciamento do todo, que vê os que não sejam do seu grupo como
possíveis vítimas. Se o viciado não tem, matam a criança de dois anos, o que
talvez seja até uma punição maior se a pessoa amava a filha, e isso é ficção
desde que sugeri que o cara era viciado em crack, se era, amou mais a droga, se
tornou o animal insano e esqueceu a família e até a própria filha para ficar em
boca de fumo, pegava dinheiro do tio, e traficava para saciar o vício, vacilou,
perdeu a filha, quando a sanidade voltar, se não for morto logo adiante, a
culpa desse homem vai ser tão grande que ele vai chegar a pensar que perder a própria
vida seria menos doloroso do que conviver com aquela constatação de que o seu
vício levou sua filha a levar um tiro na cabeça, estourando um dos seus olhos.
Aquele ser tão puro que lhe amava incondicionalmente. Botei o som bem alto
agora que meu amigo da piscina subiu para que a galera da outra mesa ouça, se
chegar lá, não sei. Me parece alto o suficiente. Estou com essa sanha de
divulgar o “Bastards” de Björk... se você tiver Spotify se dê uma chance e ouça
atentamente o disco e pense que são remixes do álbum “Biophilia” que
descontroem e reconstroem a música de uma forma nova e muito fresca, muito o
som do futuro mesmo, acho que foi a melhor definição que vi do som da cantora
islandesa, dizer Björk como uma desbravadora das fronteiras da música (e não só
da música). Esse disco de remixes é muito invocado, acho que é um para se ouvir
como se ouvisse Coltrane. Não faço mais isso mas entendo muito bem. A cena da
criança morta me veio muito claramente e não foi uma visão nada bonita, vejo o
homem agarrando violentamente a cabeça da menina para junto da arma e dando um
tiro. Talvez nem tenha olhado para o bebê na hora, preferindo não ver a cara da
morte de uma criança, por temer se comover. Quem sabe o que vai no coração dos
homens? Obviamente ele não teria essa percepção conscientemente, mas talvez
inconscientemente. Ele de cabelo quase Bombril.
20h32. Quis me distanciar daquele papo de assassinato, isso
rende na minha cabeça esse mergulho nas possibilidades, um imaginar e supor
hipóteses sobre o caso, visto que a informação é só que, na ausência do cara
procurado mataram o tio e uma criança de dois anos, o resto é pura fantasia. Se
você ouvir enquanto lê isso o “Bastards” de Björk, você estará muito próximo do
que estou passando agora. Vou botar a música próxima música porque esta está
mais ou menos. Bom vou dizer o nome da música que eu vou botar que daí vocês vão
ter a mesma experiência sonora que eu com uma diferença de segundos. “Thunderbird
(Death Grips Remix)”. Vou botar agora, vocês já estão prontos? É só apertar?
Agora. Pronto é isso que eu estou ouvindo nesse exato no momento nas caixas
Bang & Olufsen do meu notebook, numa mesa redonda de mármore encerado, numa
cadeira de vime e metal, rodeado de outras cadeiras semelhantes, em número de
quatro ao redor da mesa, cinco com a minha. Na que está à minha esquerda está a
minha mochila preta que me acompanha em todas as viagens, pois sempre levo o
meu computador. Não queria lembrar da viagem que terei que fazer, que saco. Acima
de mim há um grande toldo segurado por um braço de ferro. O Toldo é verde
escuro. As partes de metais e as cadeiras são marrons escuras, o reflexo das
plantas no metal do tronco principal, de onde protubera o braço, dá uma
esverdeada no marrom.
20h49. À minha esquerda, continuando o meu exercício de
descrição, estão a Coca (copo e garrafa) e o celular Galax S8 Plus, de 64 giga,
não é o de 128. Atrás de mim está o balde de gelo branco, sem gelo, ao lado
deste o copo do meu amigo, próximo à cadeira em que estava sentado, que por
sinal está afastada da mesa. Há folhas amareladas de mangueira caídas pelo chão
de pedra, ao redor há um agradável “muro verde”. À minha frente, junto de mim,
o meu computador e ao longe o poste de luz com um design muito interessante
iluminando toda a cena. É um momento muito salutar da existência. Meu amigo me
deixou com a criança morta para pensar e subiu. Ah, também me deixou com a lembrança
da satisfação de ser pai, que não sei se sentiria, acho que não sou capaz desse
sentimento, tão egoísta que sou. Culpar o egoísmo, um egoísmo tão grande que
supera a necessidade natural, o impulso animal de procriar é de uma sinceridade
dura. Desejo de procriar para o qual viemos naturalmente programados e que a
sociedade ela mesma programa para a continuação da raça humana. Me vem à cabeça
a imagens de fetos de meninas jogados pelas sarjetas da China. Fetos bem
desenvolvidos, a ponto de se saber o sexo. Sexo, uma palavra que não me seduz
também. Me masturbo e tal, mas não diariamente, não sou dependente do orgasmo
para viver, sou muito mais viciado em Coca e café do que em sexo. Em cigarro do
que em sexo. Sem dúvida. Escrever eu já talvez trocasse por sexo, o fato é que
sexo não me interessa. Começou a chover ao redor de mim. Está molhando as
minhas pernas.
A prova que uma imagem vale mais do que mil palavras.
21h06. A chuva deu uma cessada, era para eu me arrumar e
vazar antes que venha de novo, mas ainda chove um pouco, engrossou de novo. O
negócio é dar um tempo aqui até passar. Está respingando inclusive. Dei pausa
no som para ouvir o barulho da chuva, que está alto e interessante, me envolve
360 graus, é massa, mais do que 5.1. Um inseto, um tipo de besouro verde eu
diria, ou uma mistura de gafanhoto com esperança do tamanho da palavra não que
acabei de escrever, bem, talvez um pouco menor talvez ião. Agora sim do tamanho
certo. A chuva está molhando a minha máquina, se não diminuir, vou guardar. Ela
não foi criada para suportar água. Que ozzy, vou fazer isso, mas parou mais, só
a umidade do ar é que deve estar alta, principalmente para padrões americanos
de onde vem o computador. Mas deve ser feito na China e projetado para aguentar
o clima de qualquer país do mundo. É uma incrível rede de distribuição desses
produtos. É uma pena o Brasil não ter uma supermarca como sei, lá, LG. Já
pensou ter a marca Google? Para mim, a marca mais cara do mercado. Embora saiba
que Apple é mais valiosa. O besouro apareceu novamente parece que gostou da
minha tela. Uma companhia peculiar, a chuva praticamente acabou, vou embora
antes que comece de novo. Continuo lá em cima. 21h15
21h41. Estou devidamente instalado no meu quarto-ilha.
Deixei a chuva para lá. É bom estar aqui. Eu gosto daqui, eu gosto meu velho e
vasto estranho reino. Coloquei “Bastards” para rolar novamente. E troquei a
bermuda por outra bem velhinha, que antigamente era uma calça, mas que, de tão
velha, rasgou no joelho e daí eu cortei as pernas e transformei numa bermuda,
então imagine como o tecido está amaciado. Ela só está um pouco apertada.
Estivesse cinco quilos mais magro, me caberia mais confortavelmente,
perfeitamente confortável, mas estacionei no meu peso. Agora preciso lutar para
reverter, estou comendo menos, eu acho, e mais proteína. Ouvi um menino na
piscina dizer que para quebrar proteína em energia gasta-se mais energia do que
é gerada, logo, quebrar proteínas emagrece, então me foco nas proteínas e venho,
vez ou outra, comendo a salada do Mário. Que está bastante diferente do que eu
vejo como a salada que eu quero. A minha consiste apenas em abacaxi, cebola,
tomate, pepino e kani; nada de coentro – e bote coentro nisso – e cenoura ralada,
embora a cenoura desça, mas o centro tem um sabor muito ativo, muito forte que
rouba o sabor dos demais ingredientes, e o caule tem um sabor estranho. Logo,
vou pedir que se quiserem fazer a salada com coentro para meu padrasto e minha
mãe que façam. A minha eu quero sem coentro e com kani. E o abacaxi deve ter o dobro
da quantidade dos demais componentes. Ou seja, coloca-se 2x de abacaxi e x de cada
um dos demais ingredientes. Mando ou não mando o e-mail para Seu Raimundo?
21h56. Mandei o e-mail. O mais sucinto. Seja o que Deus
quiser. Também não mando mais nenhum. Mas não queria me ocupar disso agora,
como não queria estar tomando Coca choca e quase quente. Virei o copo. Estou
muito mais de ações e percepções do que de pensamentos ou é impressão minha? Ou
tudo são pensamentos, tudo que manifesto são pensamentos, pensamentos sobre
situações e coisas, mas pensamentos, é o meu cérebro recebendo e processando
todos os estímulos que o ambiente me dá e decidindo o que fazer de posse dessas
informações. A consciência decide se dá atenção a eles ou não. Por exemplo,
estou achando que o ar que bate frio do ar condicionado em meu braço talvez se
torne em breve, frio demais e me faça desligar momentaneamente o aparelho.
Talvez quando trouxer o próximo copo cheio de gelo isso se dê. Nossa, agora que
lembrei, tive um desempenho social pífio agora há pouco, quando vinha para a
casa ao chamar o elevador rosa. Pois é, elevador rosa. Devido a substituição ou
modernização do elevador de serviço, o social que é novinho, recém-instalado,
foi recoberto por tapume rosa numa clara homenagem às moradoras do sexo
feminino do prédio, embora muitos digam que gênero não tem cor, o rosa é
associado pela maioria das pessoas ao feminino, é culturalmente assim. A Barbie
talvez seja a maior difusora global dessa cultura. Todos os brinquedos da
Barbie são rosa, de um rosa específico. Ou era assim quando eu era criança. Então
pelo inconsciente coletivo, como se dá hoje, há a orientação para a percepção
do rosa como cor feminina, o elevador seria uma homenagem a esse sexo que em
diversas coisas é diminuído na sociedade machista, que é machista desde os
primórdios, salvo raras exceções, e que cada vez mais abre os braços e acolhe a
mulher como uma igual socialmente, mas sem exageros por favor, ou o processo de
sedução pode ficar bastante difícil e vai acabar um preconceito feminino em
relação ao homem, como, em vez de companheiro para todas as lutas, fosse o
inimigo a ser derrotado. Só a necessidade de maternidade poderia mudar esse
sentimento, ou então usariam os homens só como reprodutores. Fui longe agora.
Caramba. Mas estou de volta ao quarto-ilha. E vou desligar o ar um pouquinho e
pegar uma Coca Cola. A Coca sem gás me desanima um pouco, mas vou detoná-la e
abrir uma nova.
22h18. Detonei, mas não abri a nova, acho que o livro de Clarice
Lispector citado pelo meu primo-irmão em que ela, pelo que entendi descreve os
atos corriqueiros do seu cotidiano, me pegou agora e me vem a vontade de contar
acontecimentos. Fui pegar uns biscoitos Tortinha de Limão para comer na
despensa e me deparo com quê? Bombril. E ele tem mesmo essa característica farinhenta
e solta resíduos de si mesmo nos dedos, é uma palha bem fina e esquisita. Pelo
menos satisfiz minha curiosidade táctil sobre Bombril. Uso muito “pelo menos”.
E aspas. Hahaha. Já estou ficando sem muito entusiasmo de escrever. Nessa hora
vêm a minha nova paixão, o tão falado livro. Botar para a minha amiga, a
incrível revisora, revisar dá uma visibilidade que pode chegar a pessoas que
não quero que chegue. Eu pensei em lançar um post no Facebook que se todos
continuarem meus amigos depois de saberem do meu segredo mais secreto, eu
lanço. Eu acho o Andarilho mais culpado do que eu em relação a um fato que
rolou no Manicômio. Mas eu tenho a minha parcela de culpa, fui cúmplice. Só não
fui o mentor e o que organizou todo o esquema. Mas paguei o justo. Não sei se o
justo. Mas mais do que imaginei que iria pagar. Não quero pagar a severa pena
que, imagino, vai decorrer do livro. Bom, a incrível revisora vai me dizer se devo
ou não publicar. E decidirei a partir daí. A sinceridade absoluta para mim tem
um custo muito alto.
22h47. Fui comer mais Tortinha de Limão e comi também um
iogurte de frutas vermelhas, muito bom. Coloquei um copo de Coca Nova para mim
e estou com vontade de fumar um cigarro.
22h56. Fumei e pensei que o primeiro disco dos Los Hermanos
é quase de hardcore melódico, em sua maior porção. Mas extremante melódico e
com uma batida instigante, foi uma combinação muito feliz. É o disco mais
vigoroso da discografia deles. Bom, “Bastards” acabou. Vou ouvir o bom e não
tão velho novo disco do U2. Não, vou ouvir o primeiro do Los Hermanos. Coloquei.
Estou sem muito assunto.
23h08. Minha amiga líder, gostou do texto que fiz para a Garota
da Noite. Fiquei muito feliz.
23h16. Obviamente recobriram o elevador social de tapume
para protegê-lo dos serviços pesados a que vai ser submetido com o elevador de serviço
sendo substituído e desligado. Mas gostaria que a mulheres e sentissem prestigiadas
num lugar por onde inevitavelmente passam todos os dias. Que bobagem a minha.
Mas olha como ficou curioso:
Estava pensando em algo, mas me escapuliu. Vi agora que
mandei o e-mail para Seu Raimundo e começo a achar que a emenda saiu pior que
soneto. Novamente não dá para desmandar. Agora já foi. Resta esperar.
23h52. Coloquei U2 de novo. E jantei. E o sono está batendo.
23h57. Estou sem assunto. Falei com o meu amigo da piscina para
nos encontrarmos amanhã de novo. O que se passa na minha alma? Sinto calor e
chove lá fora. Aqui, U2 toca. Vou ligar o ar uma vez mais. Estou sem cabeça
para escrever. Isso é tão chato. Se bem que as ideias fluíram bem hoje, acho
que a colheita foi farta e variada, o que apreendi da realidade foi muito
válido. E aprendi também. Mas não vou botar Tinder no meu celular, nunca deu
certo comigo. Abri na página para instalar o aplicativo agora, mas retrocedi.
Acho que prefiro viver de platonismos irrealizáveis. É a forma menos dolorosa
que divisei de amar. Eu carrego o sentimento amor dentro de mim, mas a quem é
destinado não poderia estar mais distante. E distante do real. Mas nada me
incomoda, pois nutro o sentimento e não sofro por causa dele. Também não recebo
o bem maior que é a troca, as experiências juntos. Vamos ver se a Garota da
Noite me dá notícia de vida. Mas acho improvável. Estou pensando em ir dormir. De
ontem para hoje dormi pouco para os meus padrões, cerca de sete horas. Quero
ver se durmo 11 ou 12 agora. Vou trocar de roupa mais uma vez e colocar a mais
confortável de todas, já que todos foram dormir, meu calção do pijama e a
camisa que um esquizofrênico gordão me deu num surto. O tecido da camisa
esticou ao longo dos anos e hoje a camisa bate nos meus joelhos, é praticamente
dormir de camisola. E é confortabilíssima, assim com o calção de pijama que
mamãe comprou com o tema de Star Wars, cheio de capacetes de Darth Vader. Acho
que passeei hoje por diversas searas e fui particularmente descritivo. Não acho
o conteúdo mais interessante par se ler, mas me senti inclinado a isso. Me
divertiu. Foi um bom passatempo. Espero que você tenha pelo menos em parte
sentido os sentimentos que experimentei. Sim falar do desempenho social pífio. Não
o contei. Eu estava a esperar o elevador rosa, quando dois vagamente conhecidos
meus chegaram para a festa de aniversário do vizinho do 20, ambos superlegais,
mas com os quais tenho intimidade mínima, quase um sopro. Quando pensei em
subir o elevador com o casal me deu um mal-estar pelo silêncio que se faria. A
moça eu desconhecia. O silêncio se fez pesado e constrangedor à espera do
elevador. Fiquei muito envergonhado com aquela espera. Foi então que chegou
mais um casal que também do homem, ou jovem adulto, compartia da mesma frágil
intimidade. O elevador parou no 15. Torci para ser o meu amigo da piscina para
me salvar do constrangimento de subir no elevador com os dois casais. E não é
que foi ele, meu amigo da piscina que saiu do elevador, o peguei a qualquer
pretexto para conversar e disse aos meninos que estavam dentro do elevador à
minha espera que podiam subir, que eu ainda tinha algo a conversar com o meu
amigo da piscina, o rapaz insistiu, dizendo que esperaria que a conversa acabasse
e que caberia tranquilamente dentro do elevador, eu redargui que não precisava,
que podiam subir pois eu tinha coisas a tratar com o meu amigo, mesmo sem
conseguir balbuciar assunto qualquer com ele. O rapaz se deu por vencido e
entrou no elevador. Quando o elevador subiu contei toda a história ao meu amigo
e até que batemos um papo legal enquanto o elevador subia e descia todos os
vinte andares. Talvez, tivera eu entrado no elevador, me chamassem para casa do
aniversariante, para onde acho que iria com o maior prazer. Mas amarelei feio.
Ia ser socialmente estranho. Se bem que podia interfonar agora para a casa do
aniversariante e perguntar se podia passar lá. Mas não vou, é quase 1h00, minha
mãe vai querer que eu durma cedo, por mais que, pela receptividade do rapaz
acho que seria bem-vindo e me sentiria acolhido lá. Nossa, me veio a viagem para
a Europa agora e me encheu de insegurança. Queria ficar em casa o dia todo
escrevendo, se for possível com as crianças maiores, tomara que sim. Tomara que
haja um cantinho isolado para eu escrever. Algum lugar onde possa me sentar e escrever,
com o meu computador. É tudo que eu quero. Nossa, já vai na nona página, melhor
ficar por aqui.
1h39. Meu amigo da piscina disse que caiu outra vez da moto,
dessa vez devido à chuva. Eu digo que andar nessas coisas é perigoso, ela não
me ouve. Sem mais mensagens no WhatsApp. Ou estão desfrutando o final de semana
ou já se retiraram. A julgar pelos meus contatos, estão todos ou quase todos a
dormir. Hora de eu bater em retirada também.
-x-x-x-x-
14h11. Mandei um e-mail pedindo para cancelar o boneco do
Evolve, assim que acordei hoje e antes de revisar essa porqueira que ficou o post
de hoje.
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