Mamãe ficou chateada com a mensagem que mandei. Qual seja,
“Mãe, me acorde amanhã de 9h30 com uma garrafa de café já
pronta. Eu me levantarei. Faça isso todos os dias, que adequarei o meu sono de
acordo. Só não venha me monitorar à noite, é desgastante para nós dois. Deixe
eu administrar o meu sono. Há dias que quererei dormir mais cedo, noutros mais tarde.
É um direito que me assiste. Me acorde todo dia às 9h30 com uma jarra de café
pronta. Vamos ver se isso não vai funcionar. E aí você me terá de manhã como
anseia. Kisses. Good night. :*”
Espero que ela respeite ao menos. Quem sabe não faça as tais
garrafas de café? Hoje foi a faxineira fantástica que fez. Não recebi nenhum
dos e-mails que tanto anseio e o som e o computador não estão se entendendo
para variar. Teria que reiniciar o notebook, mas não estou com disposição de
fazê-lo agora que comecei a escrever, às 10h46 dessa quinta coberta por fina
garoa. A espera, a espera... a espera por algo esperado, muito ansiado gera-me
muita ansiedade. E com ela pensamentos disfuncionais, de que tudo deu para
trás. Tomara que não. Minha mãe acha que eu não devo cobrar os dados da
incrível revisora, eu também acho que não. Dei a solução a incrível revisora e
ela não se mexeu. Fiz o pedido, mais do que isso fica chato. Se já não está.
Deixar a vida e suas estranhas curvas e surpresas se desenrolar. Está fora do
meu alcance fazer alguma coisa. Se Seu Raimundo não me respondeu em quatro
dias, só pode significar duas coisas, ou não vai responder ou vai me mandar uma
resposta massa. Como não acredito na resposta massa, tendo a crer que ele não
vai responder. Mamãe disse que vai ligar para o Cassi para ver se não consegue
com a ligação um comprovante de residência, embora tenha se comprometido a
procurar por um aqui em casa. Com cafeína a vida é outra coisa, ela é o
espanta-tédio da minha vida. Não fora o café, sinto que agora estaria profundamente
entediado. A falta de som é uma das coisas que me entedia, acho que dentro em
breve reiniciarei a máquina. Antes posso colocar o “Homogenic” que está no
toca-CDs para ouvir, embora ache que não vá rolar também. Vou tentar.
11h00. Pelo menos começou tocando. E pulando a primeira
faixa, o que me decepciona. Não sei é falha do som ou do disco. Qualquer um dos
dois é frustrante, pois só tenho esse CD do “Homogenice” e esse som. Que não
pule na versão 5.1 que está em formato DVD no verso do disco que agora toca. Até
agora está rolando “Joga”. Acho que publicarei o meu texto hoje, no final do
dia, o de ontem. Tem umas partes que nem parece que sou eu que escrevo. Achei
isso legal, ter emergido essa outra voz que não me é familiar, mas na qual me
reconheço. Queria que emergisse de novo, trazia um lirismo que não me é
peculiar. Não sei que danado eu fiz para ela surgir. Agora me lembro, tentei
fazer um poema, por assim dizer, e fui tomado por um pouco de poesia. Não
acredito que consiga produzir outro poema agora que acabei de acordar e Tico e
Teco ainda se espreguiçam, mas vou tentar.
Corpo meu
Lar do meu eu
Somos indissociáveis
Não gosto do teu aspecto
Mas gosto da tua obediência
E resistência
Não as trocaria por corpo mais belo
E mais frágil
Podias ser mais gracioso
De movimentos menos brutos
Mas me contento contigo
Que é me contentar comigo
Pois eu emano de ti
E é através de ti que sinto e percebo
É graças a ti que sou
Findando tu, findo eu
Então um brinde à tua saúde
Que é a minha saúde
Ao teu riso
Que é meu riso
Que venha mais e venha solto
Sei mais não corpo meu
Sei que é meu único bem inalienável
Agora que a escravidão foi abolida
Sou escravo apenas das palavras
E tu, como canal para materializá-las
Também o é
Sei que preferias que te levasse a se exercitar
Mas sou mais de pequenos exercícios intelectuais
Com este que faço em teu nome
Sobre ti e mim
Essa relação que já foi mais conflituosa
E que hoje serenou mais
O que é bom para ambos
Se não cuido de ti
Também não te faço muito mal
Aparte alguns cigarros
Não parta agora corpo meu
Ainda há muito a ser dito
E um tanto a ser visto
11h18. Que besteirada. Apenas escrevi o que poderia ser um
texto e o quebrei em linhas, não vi poesia ou lirismo em nada do que disse. Mas
está dito, assim ficará. Mostrar o meu ridículo nem me apoquenta mais, o faço
tão cotidianamente que me tornei inerte à vergonha de me mostrar de todas as
maneiras. Ou quase todas.
11h23. Fui pegar mais uma xícara de café. Estou sem cigarros
e acho difícil minha mãe me dar uma carteira hoje, mas vou tentar. Quando a
vontade bater forte, depois do almoço, se conseguir almoçar com ela. Fazendo
ela feliz com a minha companhia e por comer na hora, pode ser que libere a
carteira. Isso é um jogo de manipulação, típico de um adicto. E eu estou sem cigarro
nenhum e sou adicto do cigarro. Pode ser que não funcione. Pode ser até que me
dê o cigarro sem que almoce com ela. Almoçaria se fosse uma farofa do resto da
picanha.
11h29. Fui dar a ideia de uma farofa de picanha, mas mamãe a
fritará fatiada com cebolas. Meio que me comprometi a almoçar com ela. Bifes de
picanha são um prospecto que me agrada, pode ser que coma. Só não sei sobre o
cigarro, mas estou otimista. Pode ser que me negue, a probabilidade é de 50%, é
o acaso que vai decidir. Espero que a meu favor. Da mesma forma em relação a
Seu Raimundo e a incrível revisora. Pelo visto vai ser mais um e-mail remoendo
a espera da comunicação dessas duas pessoas que não têm a mesma urgência que eu
em relação à minha obra. O negócio é relaxar e ver se achamos comprovantes de
residência meus, recentes, aqui em casa, para que eu possa enviar o texto para
o concurso. Tenho ainda menos esperança disso. Vou ligar um pouco o ar, estou
com calor, acho que por conta do café quente.
11h49. Uma amiga com quem tentei puxar conversa ontem me
respondeu enfim e batemos um papo. Pessoa superlegal. Muito feminista, mas com
as devidas justificativas na ponta da língua, e com namorado, então é uma
feminista de bom tamanho. Não é inimiga dos homens. Mas acha a sociedade, tal
qual se organiza, injusta com a mulher. Também acho.
12h20. Estava até agora conversando com Nina. Ela
aparentemente está bem. Tem tudo sob relativo controle o que é ótimo, afinal
ninguém tem tudo sobre controle. E para ela a questão do controle é bem mais
complexa que para os demais mortais. A vi bem, feliz, sentindo-se mais madura,
afinal a experiência que vivemos amadurece, não tem como não amadurecer, ainda
mais ela que começou nessa vida de internamento aos 19 anos, se não me engano.
É muito cedo para começar nessa Via Crúcis de internamentos. Tenho até pena de
ter ocorrido dessa forma, mas se ela acha que agregou algum valor a quem ela é
hoje, tanto melhor. Ela é uma pessoa boa, obviamente possui todas as máculas e
malandragens adquiridas nos internamentos como eu mesmo as carrego.
12h40. A questão do boleto – comprovante de residência – foi
esclarecida, porém não solucionada. Ainda, ao menos. O pagamento do meu plano
de saúde é feito através de débito em conta, então não enviam boletos, a moça
que nos atendeu, disse que repassou o meu pedido de comprovante de residência
para o setor responsável e repassou meu e-mail. Se houver solução, é essa. Só
me resta esperar. Quatro e-mails em espera, plano de saúde, Seu Raimundo,
incrível revisora e o ateliê de pintura. Nada me resta senão esperar. Mas já
estou meio desiludido de que Seu Raimundo vá me responder. Segunda que vem,
mando um e-mail perguntando, caso ele não me responda antes.
12h53. Nossa, já estou na terceira página de hoje! Nem
senti. Hahaha. Mamãe me deu o cigarro, mesmo antes do almoço, julgou ser o dia
válido. Ótimo, o prazo para recebimento da outra carteira era o que esperava
mesmo. É o justo, é um com o qual consigo conviver sem precisar comprar
cigarros extras. O problema é o meu amigo da piscina, que sempre me pede
cigarros e isso dilapida a carteira. Tenho uma contramedida para isso que é
levar apenas quatro cigarros, dois para mim, dois para ele. Mesmo assim, são
quatro cigarros do universo de 20, por mais que dois quem fuma sou eu. Não os
fumaria se estivesse aqui no quarto-ilha a digitar. Bem, que seja. É a vida e
gosto da companhia do meu amigo da piscina. Se bem que não estou disposto a me
encontrar com ele nesse sábado. Estou sem disposição de deixar o meu
quarto-ilha. Um dia o Word vai se tornar tão esperto que quando eu começar a digitar
quarto-ilha, ele vai me sugerir o complemento. Acho que o Swiftkey, o teclado
do meu celular é assim já, embora não reconheça gramática, é um teclado com
assistente bem mais inteligente que o do Word. Não sei se o Word em modo touch tem a opção de sugestão de
palavras, nunca tentei. Nem me inclino a fazê-lo.
13h03. Agora que vi poque está com tantas páginas, escrevi
uma baboseira em forma de poema, nem lembro o que disse no dito. Mas está lá,
fica.
13h05. O que falar, se os acontecimentos da minha vida hoje
dependem muito mais de terceiros que de mim mesmo? E assim será, essa espera,
até que receba as devidas respostas. Será que a incrível revisora não está se
comunicando comigo porque a menciono aqui? Acho que não. Eu queria saber o que
danado é que não me enviou os dados para pagamento ainda. Isso me deixa
supernoiado. De que ela vá dar para trás. Mas não vou cobrar, só depois que
receber resposta do escritor. Ou seja, não sei quando. Espero que ele replique
o e-mail que o mandarei na segunda, se até segunda não receber notícias suas.
Bem que hoje poderia ser o dia das respostas, né? A vontade que tenho é a de
pedir uma intervenção divina, mas não o faço nunca a meu favor e manterei esse
protocolo. Até porque não acredito Nele. Seria desrespeitoso demais da minha
parte e de um egoísmo sem tamanho. O livro nada mais é que um exercício de
egocentrismo, então dispensável, por mais que seja um dos dois maiores sonhos
da minha vida. Que seja. Ou que não seja. Já me encontro meio sem esperanças.
Por mais que julgue estar sendo catastrófico. Talvez a minha amiga revisora
apenas tenha esquecido de mandar ou só queira receber quando de fato puser a
mão na massa, pode ser um detalhe pequeno circunstancial. Sobre o escritor, eu
realmente não sei. A minha suposição catastrófica ou realista, sabe-se lá, é
que achou uma grande porcaria e que para não me magoar se privou de comentar.
Numa hipótese iluminada, ele gostou do material e está dando uma remodelada
nele para torná-lo mais palatável. Só acho extremamente difícil acreditar
nisso. A existência estaria conspirando muito a meu favor caso isso se desse,
não acho que mereça tanto. Até porque acho o texto uma bosta hoje em dia. Acho
que aí estou o rebaixando demais, mas acho que não se enquadra na forma de
dizer que se espera de um livro. Não sei. Quem me dera o escritor achasse que a
minha voz fosse diferente, o que não acho que seja o caso, mas, sei lá, com as
minhas metalinguagens isso não torne a escrita um tanto diferenciada. Mas acho
que seja um recurso batido, usado por muitos. Para mim a mais óbvia razão para
não ter recebido um e-mail de seu Raimundo é porque ele simplesmente achou uma
porcaria e não teve coragem de me dizer isso, prefere que eu quebre a cara de
outra forma, se eximindo de me dar a triste notícia. Estou me coçando para
mandar um e-mail para ele hoje. Mas vou segurar a minha ansiedade, exercer o
meu autocontrole e só importuná-lo na segunda mesmo.
13h43. Tem hora em que o assunto me falta. Está tudo bem,
desde que não me falte café. O café faz desaparecer quase que por completo o
tédio, é uma verdadeira poção mágica para mim. Estivera sem ele, já estaria
angustiado com o vazio que a existência agora se me afigura.
13h45. Vazios existenciais. É, minha vida, não fora a
escrita, seria um enorme vazio. Ou quem sabe jogasse videogame? Hahaha. Sei que
prefiro escrever a quase qualquer coisa. Acho que vou fumar um cigarro para ver
se algum assunto se alevanta. Senão vou ficar remoendo sobre as respostas dos
e-mails que espero receber.
13h54. Bom, espero que pelo menos o plano de saúde me mande
alguma notícia mesmo que negativa. Queria que todos me respondessem mesmo que
negativamente, para que eu possa tomar uma atitude. Ou deixar de tomá-la, sei
lá. Mas a minha esperança torce por um final feliz. Acho que vou aproveitar
essa falta de assunto para reiniciar o meu computador e ver se o som e ele se
entendem. Não ainda, acabei de botar “Homogenic” de Björk para tocar novamente.
E dessa vez começou da primeira, “Hunter”, que gosto. O clipe é invocado e fofo
ao mesmo tempo. Fofo é uma palavra tão feminina, me sinto afeminado quando a
uso. Não que me incomode, mas estranho. Espero que pelo menos o plano de saúde
me contate e quiçá resolva o meu problema de comprovante de residência, mas
duvido que o faça na hora do almoço. Nossa, como revolvo sobre esse assunto de
e-mail, encheu, já. Vou parar de falar sobre isso mesmo que para isso seja
preciso calar. Só falarei se receber algum. Isso mereceria honrosa menção aqui.
Acho que vou divulgar o meu novo post.
14h34. Faltou luz por alguns segundos e meu computador
desligou. Se perdi texto não foi muito nem interessante. Pelo menos agora o som
e o notebook se entenderam e “Songs of Experience” volta a dominar as ondas
sonoras do meu quarto. Experiência, é uma coisa que me falta. Senão não já
teria dominado melhor a minha ansiedade. E olha que não me considero um cara
ansioso, mas percebo que quando é algo que quero muito e dependo de terceiros,
me torno altamente ansioso. Como criança à espera do dia de abrir os presentes
de Natal. É ridículo isso e inevitável também. O negócio é relaxar o bigode,
como dizem, e esperar. Como a minha prima crente disso, tudo a seu tempo, tudo
no tempo Dele. Vamos ver o que “Ele” se ele vai viabilizar a minha obra ou não.
Talvez...
15h40. A fantástica faxineira me pediu para sair do quarto
para que pudesse arrumar. O que ia dizer é que talvez “Ele” ache que seja
melhor que essa obra nunca veja a luz do dia. Ou será que sou eu que penso isso?
Eu estou em cima do muro, mas a vontade de ver publicado é maior que o medo da
rebordosa social que receberei. Sobre paciência, percebo que a minha anda curta
para várias coisas. Para muitas coisas, coisas demais para o meu gosto. Estou
muito focado no meu mundinho. Na minha escrita, nesse tempo imediato entre
pensamento e sua manifestação em palavras. E estou sem paciência para situações
que me ponham passivo, como assistir algo ou ler. Só se for algo de absoluto
interesse para mim, o que é raro.
15h47. Meu amigo corretor está aqui no prédio, ou voltará
para o prédio, está almoçando aqui perto. Posso encontrá-lo na piscina quando
voltar. Mandei a mensagem sugerindo isso. Pelo menos é um evento para
desanuviar daqui. E eu agora estou com o cacoete de olhar para a caixa de
entrada do e-mail de dez em dez minutos praticamente, toda vez que me distancio
do texto. Mas disse que não trataria mais disso aqui. Tratemos do meu amigo
corretor. Acalentou por muito tempo o sonho de ser jogador de futebol, mas não
conseguiu por motivos que ignoro, pois era o melhor jogador das peladas que
fazíamos aqui no prédio. De toda sorte, a vida o fez corretor de imóveis e como
o mercado está ruim por causa da crise, está de mudança para Portugal, tentar a
sorte lá. Espero que seja bem-aventurado. É alguém por quem rezar, então, ó,
mestre(a) do universo faça com que as coisas deem certo para o meu amigo em
Portugal. Que tenha sustento honesto e digno e viva bem. Pronto, está pedido.
Estou queimando muitos pedidos ultimamente. Mas acho que esse vale a pena, meu
amigo precisa se encontrar na vida e talvez seja este caminho intercontinental
a via para isso. Eu me encontrei na vida, graças. Se a minha vida não mudar,
exceto pelos meus dois sonhos, eu estarei exatamente onde quero estar, fazendo
exatamente o que quero fazer. Não estou num dos momentos mais inspirados, com a
mente convoluta pela expectativa e espera, mas não trocaria de lugar com
ninguém. Bem, talvez com Bono cantando para um estádio lotado. Isso demonstra a
minha grandiosidade. Hahaha. Talvez trocasse de lugar com o eu que já recebeu
os benditos e-mails. Esse eu que me aguarda sei lá quando. Mas não vou tratar
disso. O cheiro de limpeza e seus produtos me é agradável e emprestam frescor
ao ambiente. O meu quarto é tão caótico que, mesmo que se arrume, fica desorganizado,
como se faltasse lugar para tantas coisas. Aliás, falta. Se reforma houver, a
arquiteta vai pegar um baita pepino. Aparentemente só mando pepinos para que me
presta serviços ultimamente. Hahaha. Quem aceitou que se vire para resolvê-los.
Cansei de alertar e pagarei o preço combinado pela solução.
16h07. Nenhuma resposta do meu amigo corretor. Queria que
meu amigo da piscina também arrumasse um caminho profissional para a sua vida.
Peço só mais isso, ó, ser maior de todos os seres. Só mais uma coisinha que a
casa da minha irmã role mesmo. Pronto, é só. Não peço mais nada esse ano. Ou
espero não pedir. Que coisa mais idiota, eu a rogar para um ser que não
acredito que exista. Mas a fé é algo meio irracional, embora abstrata, o que é
contraditório, visto que abstrações são coisas que só seres racionais são
capazes de conjurar, até onde sei. E sei muito pouco. Talvez a fé seja a forma
de abstração primeira, pois as religiões existem desde que o homem é homem.
Estou a me colocar em papel ridículo querendo opinar sobre um tema em relação
ao qual não tenho o menor domínio. Sei que quando peço por alguém eu sinto fé,
experimento a fé de que eu vou ser atendido no meu pedido, o que é deveras
curioso, pois racionalmente eu sei que sou apenas eu falando comigo mesmo e não
acredito que esse diálogo interior possa operar mudanças como as que rogo. Bom,
as preces estão feitas para os meus dois amigos e minha irmã. Com esses, são
quatro os pedidos que fiz esse ano. Está demais até. Não acho justo, ainda mais
sendo pessoas do mesmo extrato social que eu, ou seja, da elite, por quem
intercedo. Por outro lado, vendo-os perdidos e à deriva me sinto impelido a
ajudar, nem que seja na forma de uma prece ateia. Hahaha. Estou trocando todas
as bolas agora. Por falar nisso, preciso trocar de parágrafo pois já voltei do
encontro com o meu amigo corretor.
17h17. Cheguei há alguns minutos do encontro com o meu amigo
corretor. Tivemos um papo profundo onde chegamos até a debater qual o sentido
da vida. Ele me pareceu bem mais maduro e cheio de conteúdos interessantes do
que poderia julgar. Fez o melhor e o pior de si ao mesmo tempo, mas acredito ou
espero que o saldo seja positivo. Me pareceu dessa forma. Realmente fiquei
impressionado com sua mentalidade e a profundidade de seus pensamentos. Vê
Recife como provinciana, com traços de uma sociedade do interior onde todos se
conhecem e todos falam da vida um do outro. E mais, uma sociedade que tem o
hábito de falar mal das pessoas pelas costas, o que me causou ainda mais temor
em relação ao meu livro e reverberação social negativa que este terá. Mas não
quero falar desse bendito livro agora. Já lhe enchi de palavras, já lhe dei uma
cara que de nenhuma forma pode ser encarada com a final, mas é a que me
preenche a cabeça agora. Já mandei para Seu Raimundo e para a incrível
revisora. Só me resta esperar. E isso tem sido uma tarefa chata e difícil.
Estou quase mandando um e-mail para a incrível revisora. Mas tenho que me
conter e disse que não tocaria mais nesse assunto. Mas faz um tempo que não me
apodero dele. Mas tentemos evitá-lo. Meu amigo quer um lar temporário para o seu
cachorro. O plano final é leva-lo para a Europa e ele viver na casa dos pais da
ex dele no sul da França. Ele não quer se desfazer do cão, mas não tem como
levá-lo agora, então não quer doar para um dono novo. Quer que ele fique em
algum lugar. Sugeri a Vila Edna ou a Granja. Ele aparentemente gostou das
sugestões. Vai tentar botar as engrenagens para girar nesse sentido. Me vi pelo
reflexo no elevador e realmente estou ficando corcunda de tanto escrever. É uma
visão triste de um ser que, pela postura, parece ser ainda mais velho do que é,
mas é preço pequeno a se pagar visto que estou fadado à solidão e amo a
escrita. Não queria, entretanto, ter esta postura encurvada, não gosto dela.
17h42. Migrei do café para a Coca atendendo a pedidos e
ordens da fantástica faxineira e da minha mãe respectivamente. Tanto melhor.
Espero que as Cocas durem para hoje. Nossa, Coca com muito gelo é algo muito
delicioso para mim. É um prazer quase que de um beijo de língua. É bom assim.
Muito embora, nem sei se ainda sei beijar. Hahaha. Como disse, o celibato aqui
impera. E do jeito que as coisas caminham, ou melhor, não caminham, esse
celibato não tem hora para acabar. Minha vontade é mandar e-mails para Seu
Raimundo e minha amiga revisora, mas tenho que me controlar. Tenho que me
conscientizar que os dias são muito mais longos para mim do que para eles, quem
tem urgência sou eu, que eles não têm pressa nenhuma. É difícil enfiar isso na
cabeça e relaxar. Quando quero uma coisa, quero para agora. Coisa de adicto, eu
acho. Pois vou ter que lidar com essa ansiedade e esperar. O plano é o mesmo,
esperar até segunda à noite e então mandar um e-mail para Seu Raimundo. Em
recebendo a resposta dele, contatar a minha amiga revisora. Eu vou acabar
mandando os e-mails hoje. Estou me coçando todo para isso, mas tenho que focar
em outra coisa, preciso ir no oculista. Fazer novos óculos, já vejo as linhas
do texto curvas e a minha armação soltou uma lasca, o que me dá aparência de
desleixo, que é muito real, mas que não precisa ficar estampada na minha cara.
Meu amigo corretor disse que as mulheres reparam nisso. O que reparei das
mulheres ultimamente é que acho que algumas amigas do meu primo-irmão não vão
com a minha cara, especificamente duas que foram para a Casa Astral. “Landlady”
toca. É uma bela música, se você tem Spotify deveria ouvir uma vez, sem
preconceito. É a minha canção de liberdade. É realmente uma canção importante
para mim. Quando tive uma ou duas horas de liberdade entre a escravidão do
vício e o cárcere do Manicômio. E meu iPod morreu naquele fatídico dia sabe-se
lá por quê. Muita energia negativa, talvez. Embora, se não acredito em Deus,
nisso é que não acredito mesmo. Mas acho minha energia carregada e melancólica,
sem vida, sem vivacidade, fechada, que impõe barreiras às pessoas, exceto às
que deixo penetrar. Que cada vez são mais poucas e raras. Mas não acredito em energias,
acredito em postura, como a pessoa se põe no mundo e me coloco de modo muito
indisponível. Minha postura, o meu silêncio, o meu posicionamento, tudo evoca
distanciamento, reclusão em mim mesmo. Preciso mudar a forma que me coloco no
mundo, embora não haja interesse sincero para isso. Me interesso pouco pelo
mundo, pela sua camada superficial que é onde geralmente orbito, visto que
emudeço e não posso me aprofundar nas pessoas com quem estou convivendo. É um
beco meio sem saída. Resta ter coragem de dar meia volta e sair deste beco e
tentar novas vias. Coragem que me falta. Preguiça de ser diferente. Me sinto
tão bem, seguro e acolhido com as palavras que me aceitam do jeito que eu sou e
são do jeito que eu sou, pois elas são manifestação de quem deveras sou, que me
basto nelas. Se saio à procura de uma namorada, estou me enganando, pois saio
já certo de que não a encontrarei. Estou me isolando do mundo, estou indisposto
para as pessoas, desinteressado delas. Ou talvez esteja interagindo com as
pessoas erradas. Há pessoas cuja a companhia me desperta prazer. Mas é bom esse
movimento de isolamento, pois, no caso de o livro ser publicado, o ostracismo
será a única escapatória da crucificação social. O pior que omitir o tal fato
do livro é roubar metade dele, não posso e não farei. Que me tachem do que
quiserem. Quero a minha obra completa e completamente honesta. Pensar que a
minha família paterna vai ler me deixa de cabelos em pé. Qualquer um que ler em
verdade. A minha verdade é muito feia para os olhos do público. E há esse
detalhe do meu maior segredo que vai ser o prego definitivo no meu caixão.
Nossa, como queria que Seu Raimundo me respondesse. Queria tanto que ele
gostasse da obra, mas parece não ser o caso. Só consigo ver essa publicação
como uma atitude de um surtado em mania. Que não mede as consequências dos seus
próprios atos. Um irresponsável que só faz se prejudicar a si mesmo. Porque
grandes sonhos têm que ser tão caros? Estou quase mandando um e-mail para os
dois que estão em posse do livro. Que agonia eu estou. Queria saber qual é logo
a real. A espera me dilacera a alma. A resposta de Seu Raimundo pode nunca vir,
por isso mereço cutucá-lo. A minha amiga revisora ficou de passar os dados na
terça à noite e já é quinta. Só quinta. Faz muito pouco tempo. Eu estou sendo
ansioso demais. Relaxe, homem. Se segure até segunda. São só mais quatro dias.
Quatro enormemente longos dias. Mas é melhor que aperreio. Afobação não leva a
nada e apressado come cru. Tudo a seu tempo. Ou tudo perda de tempo. Essa é que
é minha grande dúvida se uma coisa ou outra e a queria esclarecida agora, já.
Me aliviaria tanto mandar os e-mails hoje. Pelo menos o de Seu Raimundo, em
verdade os dois. O plano de saúde também não respondeu, tampouco o ateliê de
pintura dos bonecos. Ninguém tem todo o tempo do mundo como você, Mário. Tente
relaxar, deixar as coisas fluírem com naturalidade, de acordo com o movimento
universal. Seu Raimundo pode e deve ser um homem muito ocupado para dar atenção
a um detalhe besta como a sua obra. Se for tirar pelo meu tio, todos irão dar
para trás. Estou tão, mas tão ansioso que nem sei. Só faz quatro dias desde que
você enviou a obra para Seu Raimundo, com um feriado no meio. Só faz dois dias
que você pediu os dados para depósito da sua amiga revisora. Só ontem você
mandou o e-mail para o ateliê. Já o plano de saúde deveria ter me respondido.
Bom tudo no seu tempo, se esse tempo não chegar, o que fazer então? Esquecer
né?
18h56. Fui fumar um cigarro. Mas continuo com essa agonia na
alma. Que coisa chata. Tenho que esperar. E não consigo. Vou acabar mandando os
e-mails hoje mesmo. Parece até fissura de droga, esse imediatismo todo. Essa
agonia, essa impulsividade. Autocontrole, autocontrole, autocontrole. A
recuperação é arte de se contrariar. O que poderia fazer para me desvencilhar
disso? Ir para o Desabafos do Vate. Revisar o que escrevi ontem, acrescentar
algo lá. É isso. Desfocar do danado do livro. Pode ser que as respostas estejam
para chegar.
19h20. Que onda, acabei a última frase do Desabafos com
“chegar” também. Embora falando de assunto completamente diverso do daqui. Eu
não sei mais sobre o que falar e não quero escrever no Desabafos do Vate agora.
19h29. Outro post chatésimo que não vai nem vem. Fica neste
estica e encolhe. Eu deveria mandar os e-mails e me ver livre dessa angústia ou
trocá-la por nova angústia decorrente da resposta dos novos e-mails. Estou meio
sem saída. Escrever os e-mails agora é trocar seis por meia-dúzia. Tenho que
esperar até segunda. Quatro dias, o que são quatro dias diante da possibilidade
de ter o meu livro analisado por um premiado escritor? O que são quatro dias de
espera para perguntar a minha amiga revisora se está havendo algum problema?
Tomara que eu faça algo diferente de escrever nesse final de semana. Talvez
amanhã haja saída, quem sabe.
19h36. A sensação que me dá é que tudo são sonhos, minha
amiga não vai revisar, tampouco o escritor vai dar sua opinião sincera sobre o
texto. Será que vale a pena esse sofrimento existencial todo, essa ansiedade
toda, se posso mandar dois e-mails e me sentir mais relaxado, como se estivesse
tomando alguma atitude?
19h56. Estou muito mais aliviado agora, mandei os e-mails e
que se dane se pareço afobado ou apressado. Parece que levantei o bico da
panela de pressão. Nossa, como me sinto mais tranquilo. Mesmo que sejam
notícias ruins, que venham logo. Quem me dera receber as respostas ainda hoje.
Mas não mereço tanto do universo.
20h05. Já me sinto envergonhado pela mensagem que mandei
para Seu Raimundo. Mas a vergonha não me causa a sufocante ansiedade que me
tomava. Estou acostumado a passar vergonha. Como também posso estar jogando uma
pá de cal na possibilidade de ele ler o livro. Sei lá. Sei que não aguentei. Eu
não sei é de mais nada, minha mãe achou um equívoco mandar a mensagem ao
escritor. Eu ajo com sinceridade e transparência e não estava suportando a
espera sem tomar uma atitude. Pressionar um sujeito tão importante que deve ter
vários afazeres, mas ele anda, come e caga como eu. Dane-se. Mandei, ele ache o
que quiser. Só queria uma resposta. Acho que me deixei levar pela conversa da
minha tia que eu escrevia bem, mas em verdade sou uma farsa. A mais sincera
farsa. Ele deve ter achado uma merda muito grande. Só posso pensar que foi por
isso que não me respondeu. Quanto à minha amiga, realmente não sei qual foi a
dela. Tudo converge para um desastre. Qual seja, não receber resposta de Seu
Raimundo e minha amiga dizer que desistiu do projeto. Sei lá, não sei de nada,
sei que meu peito voltou a ficar calmo com as mensagens enviadas. As
expectativas agora são pequenas quase nulas. A esperança praticamente morreu.
Acho que o Anexo II é pesado demais para a maioria das pessoas. Indigesto e imoral
demais. Sei lá. Só queria respostas. A pior que poderia receber é o silêncio de
ambos. A segunda pior seria minha amiga me dizer que me deve uma carteira de
Marlboro e Seu Raimundo dizer que é um texto ruim e primário que não merece ser
publicado. A melhores que poderia receber é que Seu Raimundo vai ler o texto no
fim de semana e segunda me dá o retorno e os dados da minha amiga para efetuar
o pagamento. O meio-termo, não sei. Que o escritor está sem tempo para olhar o
meu texto até sei lá quando, e minha amiga dizer que pegou um trabalho urgente
para revisar e não acha certo receber sem ter começado o trabalho. Sei lá. Só
queria respostas ao invés dessa espera. Será que o meu texto é tão ruim assim,
tão desprovido de mérito? Novamente, sei lá. Foi o melhor que pude fazer. Nem
sempre o melhor de alguém é o suficiente. Me dei conta disso relativamente cedo
quando num exercício de natação, para ver quem fazia mais piscinas, eu fui além
dos meus limites e ainda cheguei em segundo lugar. Foi a primeira grande
decepção que tive em minha vida, descobrir que o meu melhor nem sempre é o
suficiente. Talvez este seja outro caso. Se for, pelo menos eu fiz o meu
máximo. E fui até além, com esses e-mails talvez insensatos. Isso já está muito
grande. Vou parar por aqui e me lamentar no Vate, que não tem limite de texto.
23h00. Minha amiga revisora já começou a revisar o meu livro
e me mandou os dados para o pagamento! Um e-mail já se revelou um bom
investimento. O de Seu Raimundo, por outro lado, pode se mostrar um grande
vacilo da minha parte. O tempo dirá. Precisava acrescentar isso. Metade do meu
aperreio já sumiu. Que ótimas notícias. Minha incrível revisora é para se
torar.
-x-x-x-x-
12h26. A minha amiga da Asuka também respondeu e mandou
fotos da produção! Só falta Seu Raimundo. E o meu plano de saúde. Mas desses
estou desacreditado. Vou revisar e publicar esse monstrinho.
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