A usuária que acho mais gata atualmente no CAPS veio falar
comigo por causa da minha camisa da Marvel e puxou papo para além da camisa e
disse que eu desenho muito bem. Não sei de onde ela tirou essa conclusão pois
desde que ela entrou no serviço eu não desenhei nada de mais elaborado que eu
lembre. De qualquer forma, foi muito bom despertar sua atenção. Fez muito bem
para o meu ego. Queria ter uma conversa mais aprofundada sobre o conteúdo que
ela trouxe no grupo de arteterapia. Eu poderia criar essa possibilidade, mas
resolvi fumar. Quem sabe na hora do almoço, mas estou tão antissocial que não
acho que serei capaz de tal empreitada. Gosto muito da turma com que ela fica.
É o pessoal com quem tenho mais afinidade, os jovens, porque não me intimidam e
são pessoas legais, apesar de seus sofrimentos existenciais. Mas todos aqui têm
sofrimentos existenciais. É por isso que estão aqui afinal. Por que estou aqui?
Porque minha mãe acha que é uma ocupação, tanto é que num ato falho quando
estava saindo para cá na segunda, ela desejou “bom trabalho”. Ela não pode
conceber que eu não tenha obrigações e não consegue ver a minha escrita como o
meu verdadeiro ofício. Se bem que preciso do CAPS por questões de socialização
e terapêutica, visto que não faço terapia individual e, não posso negar, eu
também tenho questões existenciais a serem tratadas. Além disso, gosto de vir,
de estar aqui. 12h27. Meu amigo do cachorro acredita que minha mãe pode mudar de
ideia. Mas acabei de convencê-lo do contrário. Minha mãe foi irredutível. On the other hand, minha mãe ficou
superfeliz com o meu amigo que mora em São Paulo. Ele me mandou um Whatsapp
dizendo que nossas amigas podem ir desde que o encontro seja nas Graças, perto
das casas delas. Ele perguntou se eu poderia ir com ele e sem titubear disse
que sim. Vou ligar para mamãe pedindo que deixe o dinheiro para a saída, caso
ela saia. Vou ligar agora.
13h18. Ela não atendeu. Espero que esteja em casa quando
chegar. Vou tentar uma vez mais, pois o grupo já vai começar.
13h23. Falei com ela. Ela parece que está num surto
paranoico, quer falar com meu amigo antes. Que saco. Depois diz que acredita no
meu tratamento, na minha recuperação. Sei. Isso me irrita, acho invasivo e
despropositado.
15h49. Já estou em casa e vi mensagem do meu amigo de Sampa
dizendo que quer marcar o encontro para as 16h. Obviamente não cumprirei esse
prazo, visto que minha mãe ainda está dormindo. Mandei um WhatsApp para ele
avisando da minha situação. Vamos ver o que ele responde.
15h59. Ele disse que as meninas preferiram que o encontro
fosse às 17h. Sorte danada. Disse que liga quando estiver pronto. É bom que já
acordo e passo para mamãe falar com ele. Quando voltar, tenho uma conversa com
ela, como combinei com as psicólogas hoje no grupo. Meu desenho foi um enorme
olho me vigiando para eu não sair da linha. Obviamente o olho representava a
minha mãe e a linha era ela quem traçava. E chegamos à conclusão no grupo que
não pode ser assim, é muito invasivo e muito castrador o comportamento da minha
mãe em relação a mim. E piorou de súbito. De ontem para hoje. Não sei o que se
deu. O que se passou para esse excesso de desconfiança. Vai ver que ela é muito
sugestionável e que ao ler a frase que trouxe para casa do grupo da segunda, “meus
familiares não acreditam em minha mudança, em meu tratamento”, ela tenha
introjetado isso, muito embora ela tenha dito que acredita na minha mudança e
no meu tratamento, algum retetéu deu-se em sua cabeça e ela está sem confiança
alguma em mim. Então é o momento de sentar e conversar. Vai ser muito chato
fazer isso, mas vou ter que fazer, pois assim me prontifiquei com as
psicólogas. Ficou decidido lá que eu devo impor limites à minha mãe, como é que
não sei, mas vou tentar ser o mais assertivo possível com ela.
16h22. Minha mãe estava acordada e falei com ela. Ela quer
falar com o meu amigo de São Paulo. Eu fiz cara feia já indicando o meu
descontentamento. Assim dando brecha para um diálogo. Ela me questionou o que foi,
em relação à minha cara feia. Eu respondi nada. Não devia ter dito isso,
deveria ter dito, a gente conversa. Mas foi o que me saiu na hora e pronto.
16h44. Nada do meu amigo. Minha mãe está resolvendo algo do
seu remédio de tratamento contra o câncer ao telefone. Parece que meu amigo não
prima pela pontualidade, ainda bem. Acho que estou com o espírito preparado
para esse encontro. Não de todo, devido ao meu isolamento social, mas o melhor
que posso no momento. São pessoas muito amadas que encontrarei, então acho que
vai ser tranquilo.
20h19. Tenho tanto que queria contar e tão pouca memória na
cabeça. Vai o que vier. Fazia tempo que não via o meu amigo de São Paulo. Anos.
Ele guarda uma memória muito forte de mim, de um personagem que criou de mim,
aliás, e que realmente não sou. Se eu fosse um décimo do que ele julga que eu
seja, eu seria uma pessoa bem melhor e mais contente comigo. Ele agora atua na
área de cinema e me convidou para uma empreitada que me deixou boquiaberto:
retratar um ano da minha vida. Retratar de filmar mesmo. Todo o resto que
ocorreu empalidece diante desse fato. Fiquei realmente surpreso e
inenarravelmente honrado com o convite e aceitei prontamente o projeto,
ególatra que sou. Não me passa pela cabeça o que há na minha rotina que valha
ser captado, visto que esta é muito repetitiva e estéril. A maior parte do
tempo sou eu e o meu computador e música. De qualquer forma, aceitei o desafio
e resta saber os detalhes no nosso próximo e último encontro em terras
pernambucanas. Isso me deixou bastante excitado. Não sei em que bicho vai dar,
mas se ele tem essa vontade e eu tenho essa disponibilidade, fiat lux. O resto
vamos descobrindo no caminho. No mais o encontro de nós quatro foi
agradabilíssimo, as meninas tiveram dificuldade de se desvencilhar dos papéis
de mães e de educadoras, mas acredito que em algum ponto houve esse
desligamento, especialmente quando o meu amigo de Sampa sugeriu que Jesus podia
nunca ter existido, fosse uma coletânea de pessoas ou meramente uma ficção. Isso
gerou um debate interessante. Para tornar tudo ainda mais agradável no local
tocava baixinho só músicas da nossa juventude, de Ace Of Base a New Order,
passando por When In Rome e Depeche Mode. Só clássicos de discoteca de nossa
época. Isso deu um sabor ainda mais especial ao nosso raríssimo grande
encontro. Pouco falei, como sempre e muito ouvi. Do passeio multidisciplinar
que o colégio em que as meninas trabalham vai promover, da trágica história de
um casal que perdeu o bebê no nono mês de gestação o que descambou para uma
conversa sobre a perda de entes queridos, que descambou nas hilárias histórias
de família de uma de nossas amigas. E por aí seguiu até reminiscências das
nossas juventudes. Vieram os três me deixar em casa, o que foi ótimo. Lembrei que
preciso ouvir “Chico Buarque Song” do Fellini na voz de Céu. Ligarei o Spotify
assim que minha mãe chegar em casa. Meu padrasto ficou enfurecido porque minha
mãe disse que iria sozinha para o hospital fazer a radioterapia, disse que
minha responsabilidade era cuidar dela, não ficar brincando, no entanto não foi
com ela se o fato dela ir sozinha lhe causava tanta preocupação. Não sei se
discutiram sobre o assunto e brigaram, não sei. Só sei que vou permanecer aqui
na surdina, com a luz do quarto apagada e sem som para não despertar a atenção
do meu padrasto e ele vir me dar esporro. Mas não quero pensar nisso agora,
aguardarei as consequências. Não vou deixar que esse possível esporro me roube
a mágica tarde e início de noite que tive. Não esperava nunca que meu amigo de
Sampa conseguisse reunir nossas duas amigas realmente, mas isso se deu. E foi
muito bom. São pessoas maravilhosas, boas, sãs, que eu tenho o privilégio de
conhecer, todos os três. Bem, sobre o meu amigo não posso dizer que esteja com
juízo muito direito querendo fazer um documentário sobre alguém que só faz
escrever. E que se basta no mais das vezes em si mesmo. 21h19. Mamãe está
demorando muito. Geralmente chegamos por volta das 20h30. Curioso, estou
vestindo uma camisa mais velha que a minha amizade que tenho com as duas, de
1996 e, segundo a minha amiga, nos conhecemos em 2000. Confio nas anotações do
diário dela e faltou um pouco para dizer-lhe que o que faço hoje é um grande
querido diário da minha vida. Não sei porque me contive. Acho que por vergonha
de ter como ofício escrever os meus dias. Tão miúdos e insignificantes para os
demais. Antes de sair ainda tive uma rápida conversa com a minha mãe sobre sua
paranoia e acho que ter falado com meu amigo ao telefone aliviou um pouco os
seus receios. Depois ele veio aqui dar um abraço nela e compartilhar um pouco
de sua história de vida, sobre o que o trouxe aqui a Recife e daqui ao sertão
de Pernambuco. Um filme que pretende fazer baseado num livro de vários séculos
atrás em que as personagens peregrinam até um certo local religioso e o
narrador lhe pede para que cada um conte uma história de vida ou assim entendi.
Ele pretende fazer uma versão sertaneja dessa mesma narrativa, com um grupo de
pessoas que sai do sertão pernambucano em peregrinação a Juazeiro do Norte, eu
acho, onde fica o templo de Padre Cícero. Algo assim, confesso que na hora
estava meio apreensivo de o meu padrasto irromper aos berros do quarto me
ordenando a desistir do programa com meus amigos e acompanhar minha mãe, por
isso não me concentrei devidamente nos detalhes da história. Ou minha memória
está muito ruim mesmo. Lembro da apreensão, não lembro direito do projeto do
meu amigo. Apreensão esta que sinto agora. Queria que minha mãe chegasse logo,
até porque está tarde demais, já são 21h36 e nada dela. 21h40. Acabei de ligar
e ela não atendeu. Deve estar no trânsito. Assim espero.
21h44. Liguei de novo e ela não atendeu. Começo a me sentir
culpado. Quero crer que ela brigou com o meu padrasto e resolveu dar um passeio
no shopping depois do hospital. Ou então foi a chuva que congestionou o
caminho. Sei lá. Só espero que ela esteja sã e salva.
21h46. Queria muito ligar o som agora. Ouvir a bendita
música de Céu e ir para Infected Mushroom. Queria também pegar Coca na cozinha
e que minha mãe chegasse. E continuo muito empolgado com a história do
documentário que acho que tem tudo para nunca sair das nossas imaginações.
Veremos. Queria muito que houvesse o documentário e que isso servisse de
propaganda para alavancar os acessos do meu blog. Mas, pensando bem agora, com
a cabeça um pouco mais fria, acho que nada disso vai rolar. Queria muito estar
enganado, mas acho difícil. Seria quase como se a vida me presenteasse com o
que sempre quis. Não sei se está registrado aqui, mas já me inscrevi duas vezes
para o Big Brother Brasil. Ou seja, eu tenho uma certa fome de câmera, de
exposição. Por isso o blog. Se essa proposta do meu amigo me faz sentir
especial? Sim. E é um sentimento bom esse. Embora reitere que não seja quem ele
pensa que eu sou. Sou egoísta e manipulador. Sou um canalha que um dia já teve
o seu lado bom, mas que o perdeu. Será que sou assim mesmo? Um fruto podre? Eu
prefiro achar que eu sou o fruto da árvore envenenada. Hahahahaha. Imagine
quando eu contar sobre essa história de filme lá no CAPS. Meu deus, nem sei
qual vai ser a reação do povo. Hahahahaha. Eu ainda não acredito. Mas eu nunca
acredito. É um traço meu. Em que eu acredito? Na Singularidade Tecnológica.
Acredito no amor. Acredito que não consigo mais conviver em sociedade
normalmente, naturalmente. Acredito que me gosto um pouco mais hoje do que me
gostava no passado. Acredito que alguns fantasmas estão sendo finalmente
exorcizados. Acredito que serei um viciado em cola e crack até o final da minha
vida. Acredito que unificar minha coleção de bonecos em algum lugar será um
problema talvez insolúvel. Acredito que vou morrer de câncer, provavelmente de
garganta. Acredito que meu irmão e Maria de Buria são pessoas que são boas sem
precisar fazer esforço, de natureza mesmo. Acredito que coloco a palavra
acredito sem ter nem mais em que acreditar.
22h18. Falei com mamãe agora, ela estava fazendo compras no
supermercado. Que alívio. Às vezes minhas profecias chegam bem perto da
realidade. Hahahahaha. Estou botando “Hahahas” demais no texto, acho que isso é
sintoma de que estou feliz. Ou superiormente feliz do que o normal. Meu amigo
quer simular um aniversário fake para
mim para começar e terminar com o meu aniversário o ano de documentário. Isso é
muita onda. E não sei se gosto da ideia. Gostaria muito mais que o documentário
começasse no dia 27 de algum mês, pois gosto desse número. Três pessoas do
Facebook curtiram minha publicação hoje. Nunca aconteceu antes. Será que aos
poucos eu vou amealhando leitores? Que decepção terão com este post que não
contém questões filosóficas. Mas elas logo acabarão. E só terei isso mesmo para
escrever. E é com isso que vão ter que se contentar. Ou ficarem descontentes,
tanto faz. Aliás faz muita diferença ser lido do que não ser. Quando meu post
alcança mais de 50 visualizações eu fico supercontente. Será que com a
atualização de ontem o Word começou a aceitar palavras antes hifenizadas e
agora sem hífen? Deixa eu testar: supernatural, superlegal, não, nem todas, o
superlegal já foi marcada como grafia errada. Eu escrevo e fico pensando no
documentário no fundo da minha cabeça. 22h35. Mamãe chegou. Vai pedir que pegue
as compras no carro.
23h20. Peguei as compras no carro, desempacotei, organizei
os produtos por categorias e guardei o que eu sabia onde guardar e deixei o
carrinho lá embaixo de novo. Saudades dos meus amigos já.
Ouvi Céu, “Chico Buarque Song” (lembrou a primeira do disco “Moon
Shaped Pool” do Radiohead, não sei por quê) e um pouquinho mais, “A Menina e o
Monstro” e outra lá que me levou a “Abraçaço” de Caetano, que meu amigo que
mora em Sampa disse que era o melhor da trilogia com a banda Cê, que é o que
estou ouvindo agora. As melodias parecem com as do disco anterior. Ou vai ver
que já ouvi esse disco e não me lembro. Não quero mais escrever isso, por ora.
23h48.
0h15. Estava complementando um projeto paralelo que eu acho
que nunca verá a luz do dia. É um projeto de longa duração, mas pontual. Não é
nem de perto tão frequente como esse blog. É realmente estritamente pontual e
pessoal. A excitação com o documentário está mais branda, a realidade de que
isso não vai acontecer se torna mais e mais clara. Meu amigo que mora em Sampa,
lembrou de um conselho que eu dei sobre a partida do seu pai, mas realmente não
me recordo disso, se ele fizer o documentário poderá contar para o espectador,
pois não consegui nem memorizar o que disse, pareceu uma coisa sensata a se
dizer, pelo menos essa foi a sensação que me ficou. Posso estar enganado,
entretanto.
0h30. Eu fico oscilando entre a possibilidade e a
impossibilidade desse documentário acontecer. E já começo a ficar acanhado para
ele, por outro lado, bastante excitado com a possibilidade do resultado. É
melhor focar que não vai acontecer. Como o meu amigo que mora em Sampa vai
poder me filmar? Vai me filmar apenas escrevendo? Bom ele disse que vai me
contar os pormenores antes de voltar para a terra da garoa. Estou com sono.
Acho que vou experimentar uns cookies que mamãe comprou com um creme de avelã
com cacau.
1h00. O creme não é ruim. Os cookies em que passei eles é
que não são lá grandes coisas. Acho que estou desgostando de cookies. Estou
acostumado a responder aquelas questões filosóficas, então sinto meio que
falta. Como dizem, o hábito faz o monge. A verdade é que estou muito cansado.
Dormi muito pouco para os meus padrões, cinco horas e meia. Mas estou sem
vontade de me deitar. Eu não sei o que quero fazer.
1h12. Gostaria que um encontro como o de hoje acontecesse
pelo menos uma vez por mês. Sonhar não custa nada. Nem que fosse apenas com as
meninas. Novamente, sonhar não custa nada. Sei que isso não vai acontecer por
causa da rotina atribulada que ambas levam, com filhos e duas profissões, no
colégio e no consultório. Tive um déjà vu agora e tenho a sensação muito vívida
que tive outro muito semelhante da outra vez que encontrei com uma dessas
minhas amigas. Acho déjà vus bugs curiosos do cérebro. Não tem utilidade
nenhuma, são ilusões que nada acrescentam à minha vida, mas é uma sensação
estranha e diria até prazerosa tê-los. Duram pouquíssimos segundos, pelo menos
comigo. Mas a sensação de familiaridade com o momento é muito real. Só sei que
não é uma micropremonição porque não acredito nisso e porque o que se passa no
déjà vu é sempre irrelevante. Como foi? Eu inclinei a cadeira para trás e olhei
para o grampeador enquanto lembrava de uma das minhas amigas e todo esse
acontecimento me pareceu completamente familiar, como se já o tivesse
experimentado. Estou aqui bocejando. Vou me deitar. Amanhã reviso e posto.
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