15h39. Escrevi três páginas antes dessa, mas as descartei.
Não achei relevantes. Não estou gostando da minha nova regra, mas pelo menos
toda vez me vem a minha amiga diretora à cabeça, o que é uma lembrança
graciosa. Provavelmente não farei nada nesse domingo. Além de escrever, é
claro. Vou pegar uma xícara de café, talvez a última.
15h43. Acho que ainda dá para mais uma, a xícara que estou
usando hoje é menor. A vida que estou vivendo hoje é menor também. Há ainda
dois sonhos, duas esperanças. E há a história da AT. Essa história vai ter um
choque radical de realidade amanhã na sessão com Ju. Acho que ela já está
prevendo a inevitável transferência afetiva.
15h56. O frio do ar agora me incomoda. A vida agora me
incomoda. Estou sem motivações dentro de mim. Talvez tenha dormido demais. E a
vontade é dormir mais ainda. Não me renderei. Não sei o que dizer, a vida é às
vezes como roupa apertada, incomoda, é desconfortável. É desagradável. Que
vazio enorme trago dentro de mim hoje. Maior do que as três páginas a que me
confinei. Reclamarei desse confinamento enquanto não me adequar a ele.
Confinamento que eu mesmo me impus na vã esperança de atrair mais leitores.
Espero que não faça diferença. Pois daí volto a me dar o espaço de outrora. Mas
hoje estou sem conteúdo até para preencher esse parágrafo. Estou meio para
baixo. Ainda bem que amanhã há Ju. Por mais que ela vá me desiludir em relação
à AT. O que é mais uma decepção na vida?
16h41. Falei com a minha irmã Munique pelo WhatsApp. Disse
que viu o primeiro tempo em austríaco e o segundo em português brasileiro.
Queria falar com mamãe, mas ela está dormindo. Não estou com saco de escrever.
Vou poupar o seu tempo e o meu por ora. Vou fumar é um cigarro para ver se algo
me surge. A imagem da minha amiga diretora ainda está na minha cabeça. Ela é
uma pessoa marcante na minha vida. Sem dúvida.
16h53. Estou cansado de ficar diante dessa tela o dia todo.
E não quero fazer nada que se aproveite. A AT, ah, a AT... como vou me
decepcionar com esse assunto. Sempre posso recusar. Se não for do jeito que
imagino, não quero. Simples assim. Eu estou no comando da minha vida e não vou
me submeter a uma companhia que não me agrade. Não tinha pensado nisso ainda,
na possibilidade de recusa, de não me submeter.
17h23. Estava fumando um cigarro e me lembrei de um dos
papéis mais humilhantes a que já vi uma mulher se submeter. Foi no meu
aniversário de 18 anos e me levaram a um puteiro. Nele, a principal atração,
cujo codinome era Madonna, passeava nua em cima das mesas dos clientes e era
alisada e abolinada por todos, eu que nunca havia alisado uma mulher nua
aproveitei, mas não me deu prazer sexual aquilo, atiçou mais a minha
curiosidade que a minha sede de sexo. Olhando em retrospecto, se passar por
esse papel para garantir a subsistência é rebaixar-se de forma quase desumana.
Mas cada um(a) traça o caminho de vida que lhe convém.
17h32. Nada me agrada hoje. Que tédio. Detesto esse estado
de espírito. O que me animaria hoje? Uma resposta de Seu Raimundo ou até da incrível
revisora. Nem isso me animaria muito. Acho que hoje nada me animaria. É, talvez
Aurora. Mas Aurora não há. E não haverá.
17h45. Me perdi um tanto no Instagram. De que vale a
existência sem sonhos ou aspirações? Sem um desejo que nos mova, faça querer
seguir adiante? Eu não sei, sei que tenho meus sonhos e que tinha o desejo de
escrever neste blog. Tudo me parece inalcançável agora e o desejo de me dizer
aqui está reduzido por causa da redução de páginas. Isso não está me fazendo
bem, é como se me tolhesse a liberdade de me dizer. É exatamente assim que se
afigura, vou manter essa ideia de três páginas até quando aguentar. Não sei se
por muito tempo. Por justamente ter muito tempo. Já estou na segunda página e
muito pouco satisfeito. Acho que a vida se tornou menos interessante com apenas
três páginas para escrever por vez. Não adianta fazer isso e postar múltiplos
posts. Ou adianta? Veremos. Não posso me sentir preso na única coisa que me
liberta. É pesado demais existir assim. Sem a liberdade das palavras. Será que
agora posts grandes também serão trancafiados no Vate? Saco. Estou com imagens
do Instagram na cabeça. Isso não é ruim. É só. Vou fumar e botar Coca.
18h12. Há uma coisa que eu queria gritar para o mundo, mas
não posso. Não é tempo ainda. Talvez nunca seja. É, talvez nunca seja, o que
significará, por conseguinte, que os meus sonhos não se realizarão. Me incomoda
mais agora o limite de três páginas. É uma camisa de força que coloco em mim
mesmo. Mas parece que está funcionando, o meu novo post que anuncia essa
mudança já está com 16 visualizações. Nossa, que tédio monstro. Mas estava me
lembrando, enquanto fumava e pensava a respeito, que já passei por situações e
estados de espírito muito piores e sobrevivi, isso é fichinha. Já cutuquei a
morte bem de pertinho. Porém, em continuando esse tédio, a coisa se tornará
preocupante. Ainda bem que amanhã tenho Ju. Anseio por esse encontro, ao mesmo
tempo que o temo. Mas mais anseio que temo. Ela vai querer cortar as minhas
asinhas em relação a AT. É claro que quero ter uma certa erotização da relação,
como disse muito bem a minha amiga diretora que tão presente está nos meus
pensamentos. Essa possibilidade reprimida da erotização da relação me é
suficiente para torná-la – a relação com a AT – desejável para mim. Sem isso,
toda a graça se perde. E é essa graça que não cheira bem a Ju. Que é o que ela
vai questionar e sua grande preocupação, eu suponho.
18h35. Queria que mamãe e meu padrasto fossem ao shopping,
queria estar completamente só. Tomara que aconteça. Seria uma mudança. Me
sentiria mais livre, coisa que agora a escrita não está me proporcionando. Acho
que já passei da metade do post. Começou a tocar Faith No More na lista 6,
saco. Não estou com clima para isso. Não estou com clima para nada,
profundamente entediado. Vontade de dormir e esquecer da vida, que estou vivo.
Que nada se dará como eu espero. Nem a AT, nem os meus sonhos. Estou condenado
à frustração. Serei sempre meio ser humano. Sem uma obra e um amor concreto.
Como transformar essa provável realidade em algo diferente eu não sei.
18h47. Fui pegar mais Coca. Poupar palavras porque não
encontro o que dizer.
19h05. Pelo visto, o casal vai ficar em casa. Eu vou comer
uma fatia de algum dos bolos que estão na geladeira.
19h10. Comi uma farta fatia do delicioso bolo-pudim. O casal
ainda está no quarto. Não sei qual vai ser a deles. E agora tanto se me dá. Estou
indo pegar mais uma fatia do bolo-pudim.
19h19. Não dá vontade de parar de comer. O próximo ataque
vai ser ao cheese cake. Parece que
não vão sair. Nossa, que ozzy. Vou fumar um cigarro. E vou guardar o restinho
de espaço que disponho para quando tiver algo de mais produtivo a dizer.
20h11. Estou na piscina ouvindo “Bastards” de Björk. O clima
mudou, meus ares também. Fumando um cigarro escrevendo. A beleza feminina, como
a julgo bela, é algo divino, encantador, praticamente mágico, repleto de
fantasias e projeções. Poder apreciá-la existindo é uma dádiva, enamorar-se de
uma, se for uma pessoa legal, se os dois se apaixonarem, se admirarem, é um dos
principais ápices da existência humana. Lembrei da minha amiga diretora agora,
mas ela está com um semblante preocupado a mão comprimindo o lábio inferior como
costuma fazer quando pensa ou apreende algum assunto. Um belo cacoete, mas seu
olhar, é de preocupação. Um leve e rápido choque e preocupação se formam em seu
rosto simultaneamente, e eu sei porquê. Ela ainda não sabe. Não queria que isso
acontecesse, mas se o sonho um se realizar, tornar-se-á imperativo. Acendi
outro cigarro. Pensei coisas indizíveis aqui. Se você quiser saber o que lhe
causará tal choque torça para o “Diário do Manicômio” ser publicado e talvez
até você tenha a mesma expressão em seu rosto. Talvez de choque e raivosa
repulsa. Sabe-se lá. “Tô te devendo uma, viu?” Será que chegarei algum dia ter
a ousadia de cobrar?
20h47. Não sei por que me decidi me levantar e ir jogar as
guimbas de cigarro no lixo. Acho que era a poluição visual. Olhar para aquilo
me incomodava, ainda mais depois das imagens mostradas pelo meu amigo da
piscina. Ozzy. Björk agora, nessa música em questão, não me agrada muito.
Mosquitos fazem a festa na minha perna, mesmo assim, prefiro estar aqui, onde
estou mais livre para a escrita, num ambiente que tem a amplidão do céu. No chão
da cidade, só que separado do público por muros e grades, mas é a mesma cidade,
afinal o privado também faz parte da cidade. Chão recifense. Mas eu prefiro
chão da cidade, gosto por ser mais impessoal e misterioso; recifense me lembra
logo as manifestações culturais de Recife e Pernambuco, muito propaganda de
turismo do estado, não me agrada. Prefiro essa coisa impessoal e, para mim,
nesse momento mais noturna da cidade; é mais fria, é mais de cimento, concreto,
carros, superlotação de carros, um inferno. Bem, cá estou no chão da cidade a
escrever, já fiz uma profecia, aliás, duas se o livro se concretizar. Nossa,
essa parte de Björk é transcendental.
22h46. Estava no meu projeto paralelo. Foi bem produtivo
hoje. Tratei de vários assuntos, dei uma desabafada. Sobre o que penso agora?
Não pensava em muito, ainda reminiscências do outro projeto. Vou botar o
“Medúlla” para ouvir. “The Pleasure Is All Mine” de estar aqui tecendo essas
palavras. A terceira página está para acabar, eu suponho. Tomara que não. É
muito invocado esse “Medúlla”.
22h55. Me perdi ouvindo o disco. É fenomenal, genial.
Obra-prima. Um diamante da discografia mundial, clássico, atemporal. É
magnífico. Não tenho adjetivos. Talvez seja mais significativo criativamente
falando que o “Disintegration” do The Cure e eu amo esse CD demais. Talvez até
hoje seja o que amei mais, mais completamente, amei com a alma, é um diamante
que está encrustado na minha alma. Mas acho musicalmente mais criativo, ousado,
inovador o “Medúlla” de Björk. Esta página três é longa. Sobre o que falar. Estava
relembrando a bela Björk, a de antes das máscaras. Que a transformaram numa freak para mim. Não é agradável de ver.
Não gosto. Há algo de macabro naquilo. Talvez seja algo ancestral, já que havia
tantas máscaras no passado em tribos africanas e indígenas. Será que posso ter
isso escrito nos genes e ter-me sido trazido do genoma do meu pai ou da minha
mãe ou de ambos para aparecer em mim, estar impresso na cadeia de DNA do
cérebro essa memória ancestral de repulsa a máscaras? Ou eu o apreendo do
inconsciente coletivo que traz nele traços ancestrais da humanidade? Ou é uma
fobia que desenvolvi na infância e ficou mal resolvida para mim? Não sei e
talvez nunca saiba, o fato é que acho aquilo de Björk muito esquisito. Acabou a
página. Vou me delongar só mais um pouquinho. Ou não? Já me desconectei do
outro projeto. Começo outro post, né? Melhor. Manter a regra.
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