É Dia dos Namorados e estou no consultório de um médico de
coração, nada mais apropriado. Pena que dos problemas do coração que me afligem
ele não possa tratar. Hahaha. Não gosto de ir a médico. Sempre me remete a
alguma repressão ou crítica à minha rotina, que não quero mudar. O que posso
dizer sobre o amor? É o que sobrevive à passagem da paixão. Não que momentos de
paixão não haja no amor, na fase amor de um relacionamento, esses existem,
porém com menos frequência e de forma menos febril que nos primeiros momentos
de encantamento desvairado entre duas almas. A paixão é a melhor viagem que eu
conheço. O melhor efeito, o melhor estímulo ao qual o espírito pode ser
submetido, ou assim me fizeram crer as paixões recíprocas que senti. Hoje, como
é conhecido de quem me lê, subsisto de paixões platônicas. Assim não me firo e
não sou obrigado a fazer sexo. O que me faz lembrar da relação que terei com a
AT. Como espero, é uma relação desprovida de carinho mas uma relação de troca
entre duas pessoas da mesma forma. Um encontro ou uma série de encontros onde
as atenções são voltadas um para o outro. Tal qual um namoro sem toques. É uma
droga envelhecer, especialmente para as mulheres, que cada vez menos olhares
atraem, o que, se não forem bem resolvidas, deve ser deveras frustrante, se
acostumadas eram com o assédio masculino, se agradava se sentirem desejadas
pelos homens, coisa que as feministas radicais não devem sentir, visto que ouvi
rumores sobre a repressão de cantadas por parte delas. Tais feministas mais
radicais, xiitas, deverão sentir grande alívio quando deixarem de ser alvo da
atração masculina.
14:30. Fui me pesar, medir o bucho e fazer o
eletrocardiograma. Minha pressão estava normal e meu bucho se ouvi bem está com
114 cm, o que deve ser enorme, não sei. Eu acho enorme. Tirei algumas fotos do
local para ilustrar esse post. Note o slogan da clínica.
Note o slogan. |
14:36. Comecei falando do Dia dos Namorados. Não gostaria de
ter que comemorá-lo hoje, tudo deve estar lotado. Preferiria fazê-lo dois dias
antes ou depois ou celebrar a data em casa. Até me aventuraria na cozinha para
evitar o capitalismo do amor. Como a moça do eletro disse, Dia dos Namorados é
todo dia. Concordo, por mais que saiba que me cansaria de tentar fazer todos os
dias especiais, eu gosto do cotidiano da vida em casal, do rotineiro, familiar.
Não preciso de uma overdose de estímulos para achar a convivência com a pessoa
amada algo especial. Me bastam os dez anos de solidão como contraste. Amor é
muito bom de sentir, receber e dar. Escrevo isso lembrando do relacionamento
mais certo que tive, com a Gatinha. Acho que gastei toda a minha sorte no amor
ali. E valeu a pena. Vejo uma garota muito bonita no Videoshow. A beleza da
juventude feminina me hipnotiza. Não consegui parar de olhar e apreender aquilo
que a existência me empurrava aos olhos embevecidos. Ainda mais através da TV,
esse magneto de atenção para mim.
14:56. Mamãe me desconcentrou agora reclamando da demora em
ser atendida, um traço cultural dos médicos pernambucanos, pelo pouco que pude
aferir das minhas raras idas a médico.
15:01. Me encontro meio vazio de conteúdo, mas como esgotar
o conteúdo quando trato de um assunto que me é tão caro e assustador como amor
recíproco? A última vez que senti isso? Você vai ter que torcer para o
"Diário do Manicômio" ser lançado e lhe ser acessível para descobrir.
Hahaha. Estou curtindo essa coisa de botar teasers do livro aqui. Do que trata
o livro? Do cotidiano de um bando de viciados internados num manicômio privado.
Em síntese, é isso. Nossa, como a bateria está caindo rapidamente, só pode ser
o efeito de vibração quando pressiono uma letra. Mamãe acha que somos os
próximos.
Nunca vi tanto carregador de pilha junto. |
17h34. Já estou de volta do médico há um tempão. Estava
escrevendo no meu projeto paralelo. O médico não me repreendeu em nada, graças.
Ainda não saí completamente de validade. Eu estou meio vazio do que dizer.
Tenho que me reconectar a esse espaço. O que me vem à cabeça é a história de Ju
e da AT. Confesso que estou cansado de pensar sobre isso, já queimei muitos
neurônios ontem. Sofri o que tinha que sofrer ontem. Debateremos na próxima
sessão o assunto, não vou ficar remoendo sobre ele aqui porque me põe
indisposto com o mundo. Com a vida. Acredito que se não tomasse os remedinhos
da Doutora e não escrevesse, certamente já teria entrado em depressão. Me
peguei pensando do nada que queria morrer, embora não estivesse triste nem
nada. É muito estranho isso, é como se houvesse uma pulsão de morte que
consegue romper a barreira química dos remédios e se manifestar. Não deveria
estar assim, não deveria me dar por vencido ainda em relação ao livro. Ao mesmo
passou que acho ridícula a sua forma e vergonhoso o seu conteúdo. Mas isso não
é de espantar visto que me vejo como um ser desprezível de sentimentos e
motivações desprezíveis. Interessante que ao chegar ao quarto-ilha meu astral
tenha mudado para pior. Algo a se perceber se uma constante ou não. E pode ser
que eu me anime com o passar das palavras. As palavras... Dia dos Namorados e
eu em companhia de vocês. Sabe o que pensei e obviamente não farei pelo
perigoso medo de alguém aceitar? Em postar no Facebook a frase, estou só nesse
Dia dos Namorados, alguém quer comemorar comigo? Imagino quem se disporia a
fazer isso na minha companhia e nenhuma possibilidade me agrada. Por que?
Porque eu prefiro a impossibilidade. Me é mais confortável, menos ameaçadora.
Eu certamente me sinto mais confortável no mundo dos sonhos do que na minha
realidade limitada. Preciso da AT, mas precisa ser alguém com quem tenha
empatia prévia. Ou que seja uma gata. Hahaha. Não vou mentir. O aspecto
estético é tão fundamental quanto a empatia. Por isso oferecerei as duas opções
que me ocorrem a Ju, uma pela empatia e outra pela beldade (e empatia também).
18h11. Não sei, acho que vou... não acho nada, aliás, acho
um saco estar aqui a escrever agora. Tudo me incomoda, a música que toca, o
confinamento, a vida que se esvai em vão. Não adianta achar que não é em vão
pois é o que acho, essas palavras que quase ninguém lê, para que o esforço?
Para que sentar aqui dia após dia me dizendo se quase ninguém lê, é um
exercício frustrante, sou um completo frustrado. Ou é como me vejo no momento.
Queria viver num país em que peidar não fosse um tabu, onde todos peidassem sem
pudor. Seria uma país talvez mais fétido, mas também com uma grande neurose a
menos. Isso significa absoluta falta do que dizer. Mandei o livro para um
concurso que não vou ganhar. Já disse isso inúmeras vezes, mas está tudo nas mãos
do meu tio, que não sei se fará o movimento de me ajudar. Aliás, acho que não
vai me ajudar. Promessas vazias. Mas ainda guardo esperança de que ele faça
algo. Eu e minhas esperanças, só tenho esperança do que nunca vai acontecer. É
um saco isso. E ainda tem a bendita viagem. A viagem que já está a me morder os
calcanhares. A 12 dias de distância. Quero não. Mas vou ter que ir e ainda
levar bagagem para o meu amigo corretor, que conseguiu um emprego em Portugal.
Por mim, entregaria as coisas a ele e ficaria no quarto escrevendo. Eu procuro
explicação, justificativa para a existência ter se organizado em algo como eu e
não encontro. Eu procuro explicação para eu ser tão abençoado materialmente e
familiarmente falando e não encontro. Eu olho para os miseráveis na rua e não
encontro explicação para a existência deles também. Talvez daí venha a
identificação. Existência desperdiçada a minha. Inútil. Escrevo para ninguém, isso
me frustra mas como não tenho mais nada para me agarrar, não sei o que mais
fazer da minha vida e não quero fazer coisa outra, me sento frustrantemente na
cadeira do meu quarto-ilha e escrevo o que me vem à cabeça. Quase tudo. Não
importa o que deixo de fora, o que deixo de fora é o que é pessoal demais para
ser tratado aqui. O dia chegará em que não terei mais pudores. Vou é fumar um
cigarro para abreviar a minha existência.
18h49. Pronto. Um pouco menos de vida para viver, pois o
momento do cigarro passou – e com ele o tempo – e encurtei um pouco mais a
minha expectativa de vida. E fiquei pensando enquanto fumava que queria morrer,
é um pensamento muito familiar só que não estou me sentindo deprimido que era
quando ele me ocorria com justa causa. Não sei por que me ocorre agora. Mas
vamos falar de amor, pois é Dia dos Namorados. Desaprendi a amar amores reais.
Não consigo me aproximar ou me apropriar da realidade a ponto de firmar tal vínculo,
pelo menos não mais. Ou não por enquanto. Acho que vou passar o resto da vida
só. Isso me frustra deveras, mas se não tenho sequer coragem de encarar uma
relação que diferença isso faz realmente? Por que querer me aproximar de algo
que eu temo? É um contrassenso. Dane-se eu. Espero que você esteja em vias
melhores com o seu coração, que não seja como o meu, um enorme poço de solidão
com uma longínqua esperança, um brilho tão distante que quase inexistente. O que
queria? Conseguir preencher essa terceira página, revisar e postar isso. Seria
interessante que a minha amiga revisora acabasse o livro antes da viagem, mas
vejo isso como uma impossibilidade. E nem sei se quero que ela acabe. Tenho
medo disso também, do juízo de valor que fará de mim e da minha obra. Tomara
que ela se meta a editar o livro. Seria ótimo. Eu não quero saber de porra de
livro agora. Eu não quero saber de porra nenhuma. Quero que essa página acabe
logo. Mas se ela acabar o que eu vou fazer? Vou abrir outra e escrever. Grande
diferença. Poderia ver um filme, mas não estou com vontade nenhuma disso. Como
poderia transformar a minha vida em algo que goste? Não sei. Não faço ideia.
Estou perdido. Só acho meu foco quando estou escrevendo por prazer. Apesar de
estar escrevendo sobre coisas desagradáveis, dizê-las me agrada e alivia e gera
um reboliço no meu eu. Eu me agarro nas palavras, pois não há mais nada que me
segure. Eu não sei por que está me dando esse desgosto em viver. Acho que foi a
desilusão com a AT. Guardava grandes expectativas. Foda-se. Foda-se. Foda-se.
Foda-se. Foda-se. Foda-se eu. Foda-se eu. Foda-se eu. Foda-se eu. Foda-se essa
página que não acaba e que insisto em preencher até o final. Foda-se a viagem.
Foda-se tudo comigo junto. Foda-se. Não você, caro leitor, que nada tem a ver
com isso, você é um alento para a minha futilidade. Você é o que há de mais
precioso na minha vida. O que faz de mim um pouco menos nada do que sou. Eu sou
um grande nada. Insignificante, desprezível, não meritório de tudo o que tenho,
com dois sonhos impossíveis, porque ridículos e irreais. Eu sou ridículo. Eu
não gosto de mim. Faz tempo que não gosto de mim, nem me lembro quando gostei
sinceramente de mim. Achei que repetindo “eu gosto de mim” eu me amaria, mas
foi só parar de repetir que a magia se desfez. Eu tenho todos os sintomas de um
deprimido, só não estou em depressão. Estado peculiar e irritante esse. Tenho
raiva de mim e não tenho ninguém nem nada a culpar a não ser a mim mesmo.
Nossa, como é chato existir assim. Se você soubesse... e se sabe, meus pêsames,
saiba pelo menos que há alguém no mesmo barco que você. Esse barco de merda que
navega a esmo pelo oceano da existência sem destino nem expectativa de aportar
em algum lugar interessante, que ficará à deriva no desperdício até o fim. Até
a morte vir finalmente me roubar de mim, cessar o eu, me desexistir. Quero um
consolo, mas hoje é Dia dos Namorados e estou só. Foda-se. Foda-se. Foda-se.
Foda-se. Pelo menos mandar se foder me alivia um pouco da raiva que estou da
minha condição agora. E esta maldita página não acaba. Que ozzy. Mas o que
farei depois? Queria um grande porre, um grande barato, uma grande fuga. Mas
não terei e não há. Aí me lembro de quando ouvi “Landlady” depois do uso e
antes da internação. Foda-se.
O mundo que habito. Ou o que sou de mim mesmo. |
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