Assunto: Casa Astral
Estou em frente à Casa Astral e me sinto ridículo, pela minha postura curva, o
saliente bucho que tanto maior parece com a apertada camisa polo laranja e,
fechando o conjunto em grande estilo, um enorme copo rosa, bem “cheguei”, de
plástico.
20:49. Eu dancei forró com talvez a mulher menos
interessante da festa, mas ela é uma velha conhecida e não tive como me
esquivar. Ainda no campo das ousadias da noite, abordei a menina mais bela da
festa e disse-lhe que era a aparição mais linda da noite. Por incrível que
pareça, ela está agora nesse canto isolado bem na minha frente. Tenho que tirar
duas dúvidas ou fazer uma adivinhação.
20:57. Fiz uma das perguntas a ela e a adivinhação. Ela é
realmente namorada do cantor da banda. Passei meu blog e, pasmem, ela acessou.
Disse que amanhã teria um post sobre ela, em parte, pelo menos, e com uma
poesia a ela dedicada. Terei que me esmerar, há uma probabilidade de que ela
leia, mas sei tão pouco além da sua beleza que me confesso sem palavras. Espero
que elas me afluam quando retornar à solidão do quarto-ilha. Mas chega de
escrever, é momento de viver o que me é exterior, a singular noite que estou
experimentando.
21:13. Antes de voltar ao terreiro, preciso dizer que por
conta da Coca-Cola, vou ter que partir de 23:30, para poder comprar o negro
líquido na pizzaria em frente de casa. Vou me enviar logo isso para me
desvencilhar do texto.
23h47. Acabei de chegar em casa e ouvir um comentarista
dizendo que o governo brasileiro entregou nos três primeiros minutos do
primeiro tempo 14 bilhões de reais a terroristas, se referindo à greve dos
caminhoneiros. Uma opinião bem radical, diferente. Mas não existe o direito
constitucional a greves? Não sei, não lembro. Curioso anyway. Bem, estou de volta ao meu quarto-ilha e a noite foi nada
menos que mágica. Dancei forró pela segunda vez na Casa Astral, mais uma vez com
alguém por quem não tinha a mínima atração, a primeira foi com a Gatinha, minha
ex, e nada nutro por ela além da mais profunda amizade.
23h58. “Avisa que dei o ninja. Não queria perder as Cocas,
você sabe como são de suma importância, como sabe que a possibilidade de ser
lido por uma garota apaixonante me traz ao teclado. As companhias estavam
maravilhosas, mas meu alimento são as ilusões.” Acabei de postar para o meu
primo-irmão essa mensagem de WhatsApp. Como será que me passarei para moça? Da
forma mais sincera possível. Contando a história. Bem, a noite foi mágica,
pois, além de dançar, interagi com um grupo de pessoas de forma satisfatória,
divertida e me colocando nas conversas, fazendo a minha voz, interior inclusive,
aparecer. Foi muito bom, mas isso seria excelente, não mágico. Mágico é algo
maior, é algo encantado, uma raríssima oportunidade com a qual o acaso-destino,
a existência, me agracia. Só me agraciou, nesses dez anos de solidão, duas
vezes a possibilidade de ser lido por alguém que me encanta. Na primeira, não
deu em nada. Com esta não vai ser diferente porque ainda mais encantadora que a
outra, mágica. É como se uma luz, um brilho hipnótico emanasse dela, tudo
perdia o sentido e só sua visão me importava. Apreciar o que de mais belo há na
natureza aos meus olhos, uma garota mágica, é um evento raríssimo de ocorrer. E
praticamente impossível a possibilidade de ser lido. Mas se deu, porque além de
tudo é simpática, apesar do terror de ser assediada ou abordada por todo tipo
de homem, dada a sua singular perfeição, aos meus olhos, pelo menos. Nossa,
como não gostaria de ser mulher e linda. Nem gostaria de ser um homem lindo
tampouco, não me agradaria o assédio sexual feminino meramente pela minha
aparência. Gostaria apenas se isso me desse o poder de despertar interesse na
Garota da Rabeca. É assim que a chamarei. Eu chego lá. Pera aí, eu já não
contei o que vou contar no e-mail? Preciso averiguar. Bem, a vi quando olhei
para o terraço elevado da frente da Casa Atral. E lembrei na hora, ela é a
possível namorada do cantor da banda, ele canta muito bem, por sinal, tem uma
voz bastante agradável, eu gosto. Ela é a que me encantou naquela noite no A
Caverna, onde não conseguia tirar os olhos, que me mesmerizou com sua beleza,
me levando ao ponto de, após o acaso-destino fazer com que ficássemos próximos
e depois nos cruzássemos, não me aguentar e perguntar a ela se o que ela
carregava e protegia consigo era um violino ou uma rabeca. Ela respondeu
sorridente que era uma rabeca. Daí Garota da Rabeca. Quando vi o cara da banda
alisando ela, deduzi que era namorado, daí a adivinhação do e-mail. Não sei me
repito. Mas ao vê-la eu senti a necessidade, a obrigação, o dever de
comunicar-lhe que era a aparição mais linda da festa. Era algo mais forte do
que eu. Eu acho que saber disso não a ofenderia, era apenas o elogio de um
desconhecido que acha pouco, muito pouco de si. Preciso fumar um cigarro e
tomar um Coca gelada. E ainda preciso pensar num poema, sem rimas, sou péssimo
com rimas. Rimo limão com macarrão. Hahaha. Vou lá.
0h47. Fumei e não consigo parar de pensar que estou
escrevendo para ela. Nem ao menos sei seu nome, Garota da Rabeca. Eu tentei e falhei,
acho que não vou conseguir escrever um poema, vai na prosa mesmo. Vamos ver. Voltando
a história, atravessei as pessoas me aproximei dela ela inclinou a cabeça – protegendo
o rosto – para me ouvir; anos de assédio eu creio, até dos mais intrusivos,
geralmente dos bêbados, eu suponho. E disse-lhe o que me propus a dizer ela riu
e agradeceu, depois disso não me lembro de mais nada. Lembro que estava
escrevendo, que precisava descrever aquele evento, magnífico para mim, mágico,
eu expor a minha mais sincera admiração, não, admiração não, pois admiração necessita
de intimidade, convívio para brotar; exprimir meu mais completo arrebatamento com
a sua existência. Um pequeno milagre do universo, da evolução das espécies. Só tive
esse impacto quatro vezes na vida, com a minha primeira namorada, com a minha
terceira namorada, com a Garota da Rabeca e a quarta e mais impressionante de
todas só será revelada se o meu livro vier a público, qual seja, for publicado
porque uma editora acha válido publicá-lo. O que acho difícil de acontecer.
Quase tão impossível, não, menos impossível que eu vir a ter alguma coisa com a
Garota da Rabeca.
Tempo cristalizado
Um diamante da existência
Ali diante dos meus olhos
Que não eram suficientes
Para apreendê-la
Visão, uma visão
Saí da minha caverna
Num ato tão distante de mim
E totalmente necessário
Para louvá-la
Como os poetas de verdade
Fazem com suas musas
Eu, torto com as palavras
O fiz e pequena troca se deu
Mas a concretude, me escapa às mãos como areia
A realidade me presenteia com o impossível
Quem sou eu para sonhar tão alto?
Não tenho em meus sonhos, o medo do pai de Ícaro.
Ícaro que sou
Em sonho
E dei de cara com um
Ali posto na minha frente
A existência se configurando sonho
Por alguma razão que me escapa
E perto de mim
Tive que ousar
Tive que ir além de mim
Tudo em minha alma implorava por aquilo
Como um escravo anseia a liberdade
E fui por breves momentos
De uma felicidade rara e preciosíssima
Quem eu sou e como vivo
Não me permitem muito disso
E é bom, virtuoso até
A expectativa tocar de leve a realidade
O sonho se materializar
E se permitir
Uma nada que fosse e tenha sido
Momento que tenho para sempre meu
Ninguém irá roubá-lo
O contato com a musa
Nossas almas se cruzando para um breve diálogo
Sandices
Ilusões
Palavras
Vãs
Sem sentido ou vocação para fazer sentir
As digo porque me escapolem ao peito
E me agrada que o façam
Fico encantado com as infinitas realidades
Que a realidade irá me negar
A realidade?
Esta segue reta o caminho da solidão
Ainda bem que me permite olhar para os lados
E de vez em quando para o lado perfeito
Mas que eu e a solidão sabemos impossível
Por isso ela deixa
Porque sabe que não dá em nada
Que minha quota de amor já foi vivida e esgotada
E permanecemos eu e as palavras
A fazer companhia um às outras
Completa solidão, porque as palavras nada mais são
Que um pedaço de mim
Ficou uma bosta, me perdoe, gerar uma expectativa em você e fazer
um lixo desses. Sei não. Mário... vou jantar. Não comi nada e a terceira página
acabou de acabar. Ela não me sairá da cabeça hoje, eu já sei.
1h56. Preciso contar das amigas do meu primo-irmão, muito
divertidas, com opiniões fortes. Achei agradabilíssimo. Andamos até as margens
do Capibaribe. E nada vimos. Foi uma noite sui generis na minha vida. Especial de
diversas formas. Até da mais especial possível. Amanhã escrevo mais, estou com
sono por causa do jantar.
-x-x-x-x-
12h27. Vi uma barata agonizante no banheiro, provavelmente
por conta do veneno de dedetização e não tive coragem de abreviar o sofrimento
desesperado dela. Eu sou um covarde realmente. Mas tenho uma neura com baratas
e em tirar a vida de outros seres de forma geral. Mesmo que o ser esteja em
agonia. Bem, vou continuar a revisar o texto.
12h36. Acabei de revisar. Achei tudo uma porcaria. Me perdoe,
Garota da Rabeca. Você me encantou desde A Caverna. Quando pensei em ir para a
Casa Astral, me veio difusa a possibilidade de reencontrá-la. Mas foi
pensamento ligeiro, que logo me escapuliu. Nunca iria imaginar ver o meu blog
em suas mãos. Isso foi completamente além da minha imaginação, no entanto, com
a sua ajuda, construímos essa coisa miraculosa para mim. E agora sonho estar me
dizendo para você. Como se isso fosse fazer alguma diferença na sua vida.
Parece que o tempo passa e mais ridículo me torno. Se você soubesse,
entretanto, quão pequena é a probabilidade de algo assim acontecer na minha
vida, você entenderia a maravilha que estou vivendo no momento. “E ainda por
cima, simpática”, confesso que não esperava por essa parte. É crível que você
seja uma pessoa legal. Como é igualmente crível que você nunca vá querer nada
com alguém como eu, tão distante estou das suas expectativas em relação aos
homens. Ademais seu coração tem dono, sua vida já está devidamente
compartilhada com quem de direito. Não quero me intrometer ou quebrantar isso.
Longe de mim. Saiba, porém, que você, se estiver lendo isso, me deu um dos
maiores presentes que eu poderia receber. Me repartir com uma garota que
provoca profundo encantamento. Isso é mais do que aspiro nos meus dias.
Imensuravelmente mais. Você tornou minha existência superiormente interessante.
13h06. Fui fumar um cigarro e vi a primeira transmissão da
Copa em 4K, confesso que só me impressionou porque, como o meu padrasto
salientou, mostra um campo de visão mais amplo, dá para entender melhor o posicionamento
dos jogadores no gramado, o contexto. México e Alemanha. Mas isso aqui é tão
mais interessante para mim, tão mais importante, tão delicado de se tocar – e me
trocar –, dada a sua natureza frágil, que preciso estar todo aqui. Estou ouvindo “Songs
Of Experience” do U2, o mais novo, porque ele traz um gosto único de liberdade
para mim. Quem sabe um dia eu não lhe explique o porquê. Já estou viajando
demais, né? Imaginar um diálogo com você é ir além das possibilidades de
existência que se afiguram para mim. Mas podemos conversar pelo Facebook, se
for do seu interesse. O endereço do meu Facebook, se não me engano é
mario.barros.75. Não dou certeza e tenho quase certeza que você não
vai me adicionar como amigo. Não acho que tenha demonstrado qualidades para
tanto. Não importa, o mundo sou eu e a realidade que me cerca, que chega até
mim, e eu preciso estimulá-la, afinal todos nós temos impacto, por mínimo que
seja, na realidade, da forma que me apetece. A fim de moldar as coisas da forma
mais salutar para mim. Acho que é o que todos nós fazemos em última instância. Parece
uma atividade egoísta e é. Todos nós somos, até Madre Teresa de Calcutá, que
cuidava dos leprosos porque aquilo lhe satisfazia o ego de alguma forma, muito
generosa é verdade, mas egoísta da mesma forma. Não sou dado a atos tão
magnânimos, não nasci para ser grande, eu acho. Se sou grande é em sonhos. Você
é um sonho meu. Algo que mais do que provavelmente nunca se concretizará. Mas
talvez se concretize uma parte do sonho que é você me ler. Isso já está de
ótimo tamanho para mim. Por mais que esteja me esforçando, não me sinto
satisfeito com o texto porque para você. Você merecia algo mágico como me
proporcionou. Ah, a minha foto do Facebook sou eu abraçado com uma simpática e
sorridente senhora, a minha amada e idolatrada babá. Preciso até ligar para
ela, mora em Natal com a minha tia, que se ocasião se der e eu me lembrar conto
a história. Não é das mais interessantes, mas não é das menos interessantes
também. Prepare-se para ver algo inusitado, uma foto do meu quarto-ilha. É um
lugar peculiar, eu acho, como quem o habita e passa a maior parte enfurnado
nele a escrever. Eu poderia tentar outra poesia, achei aquela tão fraquinha.
No mundo de perdas
Ou de nenhum ganho
Onde habito
Decidi me jogar na noite
E a reencontrei
O que seria óbvio
Se não fosse mágico
Palavras repetidas
Podem se tornar verdades
Alguns dizem
Poderiam se tornar amor
Ah, não tenho tal sorte
Nem sei o que faria com ela
Fato é que ontem
No meio do animado povaréu
Avistei um sonho
De carne, osso e coração
Esse último já com dono
E me joguei nesse sonho
E o destino me sorriu
Por isso essas linhas
Esse ponto brilhante
Na minha alma
13h35. Deixa para lá, poderia sair escrevendo em versos o
que já disse em prosa. Preciso é acabar esse post. Que acho que a Garota da Rabeca
não vai ler. Certamente já esqueceu do nosso rápido encontro. Que seja, cumpri
a minha parte do acordo. Se é que podemos chamar assim. Sim, caso as amigas do
meu primo-irmão leiam o blog! Foi muito bom, compartilhar minha vida com vocês,
me senti sinceramente interagindo, foi interessante conhecer mulheres
assumidamente feministas e poder me expor, me colocar, haver troca, geralmente
fico no meu papel de poste ou figurante, mas dessa vez tomei para mim um papel
mais ativo porque houve receptividade, acolhimento e o sincero interesse de me
ouvirem e se comunicarem comigo. Fico muito grato por isso a vocês e grato à
Garota da Rabeca por ter me proporcionado o improvável sucesso meu comigo mesmo
e com isso ter enchido a minha bola e me tornado mais confiante para me soltar
socialmente. Foi ótimo encontrar com vocês e ouvir suas opiniões a respeito de
homens, filhos, empregos e diversos. Vou postar a foto do meu quarto-ilha para
fechar o post. Me excedi hoje. Peço perdão ao leitor. O que mais eu queria?
Duas coisas, que a Garota da Rabeca me adicionasse no Facebook e deixasse um
comentário aqui sobre o que achou do texto. Tenho até medo do que ela vai
achar. Tenho é que parar de escrever. Pronto.
14h25. Fui ao banheiro e o sofrimento da barata havia
acabado, estava toda curvada em si mesma, imóvel. Sua existência como barata
cessou de ser. Um dia vai ser a minha vez ou a sua. Temos que fazer o melhor de
nossas vidas nesse intervalo. Essa é a minha tentativa.
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