14h26. Meu amigo cineasta disse que vai se atrasar e chegar
às 15h. Teve que ficar mais tempo que planejava na casa da sogra. Ele parece
estar levando esse projeto realmente a sério. Não arrumei o meu quarto, nem
arrumaria mesmo, para dar uma ideia o mais real possível de como é o meu
cotidiano. Mas confesso que dormi esses dias só com lençol, sem edredom, para a
cama não ficar muito desarrumada e coloquei uma camisa menos ozzy do que a que
estava usando, que mais parece um vestido, pois pertenceu a um interno
esquizofrênico supergordo do Manicômio, quando este surtou e começou a me dar
todas as suas roupas. Obviamente devolvi a maioria ao seu irmão igualmente
gordo, mas mais são à época, embora tenha mantido três para mim, que uso até
hoje por serem bastante confortáveis. Acho que hoje é o aniversário de Maria, a
babá que me criou. Ela não está em casa, chegará no final da tarde, quando minha
tia disse que me ligaria pelo Skype. Não sei porque o meu vídeo não funcionou,
só conseguia ver o vídeo da minha tia. 14h35. Vou pegar um copo de Coca.
14h37. Meu primo-irmão não vai mais para a Casa Astral,
arrumou lugar na casa de um amigo nosso em Gravatá e vai para lá. Me convidou,
mas, além de ter a suposta filmagem eu não estou preparado nem financeiramente nem
espiritualmente para passar três dias num ambiente estranho. Se bem que eu
poderia levar o computador, mas, enfim, não vou. Acho que ele já deve ter
zarpado. Não gostei que a postagem do meu blog, que só publico em grupos de
escritores, tenha aparecido, não sei por que cargas d’água, na minha página principal.
Não quero que meus amigos leiam. Pois aí sentiria a necessidade de ser mais
cauteloso. De medir palavras e temas abordados. O que é um saco. Espero que não
ocorra mais. Não entendo de Facebook e porque isso se deu, mas vou tentar
apagar o a postagem de lá.
14h53. Apaguei e me perdi no Facebook, principalmente lendo
um trecho de Foucault que uma querida amiga publicou. Me identifiquei um pouco,
pelo pouco que entendi, pois o que faço aqui senão uma constante investigação
de mim e do pequeno mundo que me cerca? A diferença é que estou me isolando
cada vez mais, deixando de ser um ser social. Isso me incomoda, mas confesso
que meu espírito não é mais de baladas, mas de um vinho com os amigos. Eu na
Coca, é claro. Odeio vinho, por sinal. 14h56. Já deixei a porta do quarto
aberta e tirei o som para ouvir a possível chegada do meu amigo cineasta. Incrivelmente,
não estou ansioso com as filmagens. Estou mais ansioso em ir para a Casa Astral
sozinho hoje. Para ser sincero, não sinto a mínima inclinação de fazê-lo.
Talvez nem vá. Ainda mais com esse tempo incerto, esse chove e para. Vou pegar
Coca. 14h59.
15h01. Foi só falar, começou a chover de novo. Acho que não
vou. Casa Astral não combina com chuva para mim. Confesso que não faço, mais
das vezes, uma investigação muito aprofundada sobre mim como deve sugerir
Foucault. Mas faço o que me dá prazer e pouco se me dá se é superficial ou
profundo. Escrevo pelo simples prazer de escrever e isso me basta. Não sou
filósofo – talvez me torne um pouco mais após ler “O Mundo de Sofia” – sou apenas
eu. Eu e meu Word, que, por sinal, não travou, apenas ficou com a tarja
vermelha indicando falha de ativação no topo do programa como havia comentado
em outro post. Graças. Vai ficar feio no filme, o escritor ter uma cópia pirata
de sua ferramenta de trabalho, mas é o que é. E não vou gastar 400 reais para
mudar isso. Nem tenho tempo para tal feito. Meu amigo deve estar chegando a
qualquer momento. Minha mãe e meu padrasto dormem ou cochilam, sei lá. A
cozinheira já foi, então me sinto meio que só em casa. O problema é que minha
mãe trancou a despensa e a Coca está no fim. Acho que, no máximo, dá para dois
copos. Claro que oferecerei um ao meu amigo, o que me deixará apenas com mais
um copo para beber até que decidam sair do quarto. Se o desespero bater, bato
na porta e peço a chave para pegar outra. Vou limpar meus óculos, estão muito
sujos e atrapalhando a minha visão. 15h12.
15h24. Não tenho muito o que dizer no momento. Acho que vou
dar uma olhada no Facebook do meu alter ego de bonecos.
15h29. Meu amigo cineasta me mandou um WhatsApp. Está
subindo.
16h14. Ele trouxe um equipamento bem profissional para a
filmagem. Demorou até agora para montar tudo. Há luzes até, para compensar a
iluminação deficitária dessa tarde chuvosa. Engraçado, não estou muito
intimidado com a câmera. Talvez por ser o meu amigo filmando. Ou porque ele
botou de um ângulo muito baixo, se bem que quando eu olho para baixo, para o
teclado, eu o vejo com o canto dos olhos. É uma experiência. Eu não sei bem o
que escrever estão me reservarei a registrar as minhas impressões desse momento.
Queria que ele mencionasse a Singularidade nos textos que fosse selecionar do
meu blog, mas darei a ele total liberdade para escolher o que quiser. Afinal é
o filme dele. O que me desagrada é o fato de simularmos que é meu aniversário.
Queria que fosse o mais real possível. Que fosse o dia de hoje, 23 de junho de
2017. O início desse um ano de filmagem. Esporádica, pois é raro ele vir aqui.
16h27. Tivemos uma pequena conversa sobre cinema. Sobre Hitchcock,
para ser mais específico. Sobre a diferença entre suspense e terror. Suspense é
quando o espectador sabe que há uma bomba embaixo da mesa onde a família janta
e não se sabe se ela vai explodir ou não. No terror nem o espectador nem a
família sabem que há uma bomba embaixo da mesa e supreendentemente a mesa
explode. Gostei da definição e não teria como não gostar vinda de um dos
maiores mestres do cinema, que começou, segundo o meu amigo, fazendo cartelas
de cinema mudo, as letrinhas e tudo o mais. Mas agora parece que a filmagem começou
para valer. Estou um pouco intimidado, mas seguirei escrevendo, dentro do meu
espaço protegido que são essa tela e essas letras. Espero não cometer muitos
erros de digitação. Bom, acabei de encher o Vaporfi, para dar mais dinâmica à
narrativa. Hahahahaha. Estou fumando, e escrevendo. Se fosse para ficar real
mesmo, eu teria que botar Infected Mushroom para tocar, pois é o que sempre
faço. Minha cabeça não sabe mais o que dizer no momento, mas tenho que pensar
em alguma coisa, para que a filmagem tenha alguma continuidade. Ele mexe na
câmera. Eu tento fingir que não há uma apontada para mim. A iluminação que ele
pôs é muito semelhante à do quarto. Porém assim, com mais luz, me é mais
agradável. Ele mudou a câmera de posição, não faço a mínima ideia do que esteja
captando agora ou se ainda vai captar. Minha mãe trouxe o disco de Mallu para
cima. Gostaria que ela o mantivesse no carro e ouvisse. Vai ver que não gostou.
Espero que dê mais uma chance. Ou duas ou três. Mas presente dado, missão
cumprida. Não posso fazê-la escutar o que não lhe agrada. Tudo bem que seria
legal se ela curtisse o presente, mas pouco se me dá. A felicidade dela ao recebê-lo
foi o suficiente. Espero que tenha mais sorte com as minhas amigas psicólogas.
16h43. Tenho a câmera bem perto de mim nesse momento. Estou
fazendo o máximo para parecer normal. Graças aos céus tenho o meu computador
para me distrair. Essa é a minha principal forma de distração. É meu escape. É
o que preenche o meu vazio existencial. É a minha vida, enfim. Eu passo os dias
a escrever ininterruptamente, por mais que nesses últimos dias esteja retomando
o hábito de ver filmes e tentando acompanhar o noticiário sobre os escândalos
da política nacional. Estou com vontade de ir pegar mais Coca e é o que vou
fazer.
16h53. Deveria poupar assunto, mas não vou. O meu amigo
cineasta foi conversar com a minha mãe e meu padrasto na varanda. Por algum
motivo sinto um bloqueio em participar da conversa. Acredito que, se me sentar
lá, eu vou prolongar ainda mais a conversa e empatar as filmagens.
16h58. Ele voltou. Alterou as luzes para compensar a tarde
que vai caindo bruscamente. Não é realmente o melhor período do ano para luzes,
visto que o tempo anda num constante nublado. Estou curioso para ver como ele
vai extrair conteúdo visual de um homem que escreve. Um homem, não, um
adolescente num corpo de 40 anos. Um quase ancião que se recusa a crescer. A
minha vida como ele vai ver não tem muita variedade.
17h05. Conversamos um pouco agora sobre autodepreciação, e
autopiedade. Meu padrasto vai descobrir que eu fumo Vaporfi no quarto, porque
depois de pronto vai querer ver o filme.
17h20. Acabei de falar com Maria, desejando-lhe feliz
aniversário. O meu amigo disse que foi um take bom. Que bom, espero que se
utilize da conversa. Eu ia escrever o que eu ia falar para ele, que doideira,
deu um tilt na minha cabeça. Hahahahahaha. Queria que ele captasse detalhes do
meu quarto para ilustrar a minha vida. O meu quarto-ilha. Estamos conversando.
Um filme sobre um homem que escreve. Que dinamismo isso terá?
Pelo menos, com as nossas conversas talvez haja algum tipo de depoimento, de
conteúdo falado que acrescente algo à narrativa. É impressionante, a quantidade
de filmagem que um cartão de memória desses pode armazenar. Estamos filmando há
cerca de uma hora, hora e meia, com algumas interrupções, é vero, mas mesmo
assim. Pensei que era uma coisa que acabava em minutos. Bom, mas continuemos
escrevendo, divaguei agora. A coisa é que acabou meu copo de Coca e eu preciso
de outro, mas temo que meu amigo cineasta, que agora está na frente da porta,
encerre as gravações. Paramos uma vez mais para conversar, talvez ele vá para a
Casa Astral, o que seria uma ótima para mim, pois teria alguém com quem
interagir lá. Alguém muito amado e querido cuja presença é uma raridade nos
dias de hoje. Lembro de nós bem mais jovens, no carro do meu tio, indo para o
cinema, quando a turma do prédio toda morava aqui e éramos muito unidos.
Período ótimo da vida. Tirando alguns percalços com a minha segunda namorada.
Culpa minha, obviamente, ela era totalmente apaixonada por mim, eu é que não
soube retribuir esse amor exigente. Ele mudou a câmera de lugar de novo, aproximou
de mim uma vez mais. Está bem na minha cara agora. Aparentemente, eu sou um
ator natural, pois estou conseguindo fazer de conta que a câmera não está aqui.
Por outro lado, ela está completamente presente no texto. Isso meio que dilui a
minha vontade de olhar para ela. Estou digitando e ele deu um tapa agora bem na
minha cara, que susto danado eu levei. Essa foi até engraçada. Meu amigo está conversando,
não consigo me concentrar na escrita, o que não é ruim, é ótimo, mas acho que
não é isso que ele quer captar com a câmera, acho que ele quer me captar
escrevendo. Ele estava me mostrando um jogo de basquete no celular
incrivelmente bem feito e desenvolvido pela 2K que é uma grande desenvolvedora
de games para videogames.
19h12. Ele foi embora. Vai para a Casa Astral. E vem aqui me
pegar. Perfeito. Espero só que cheguemos antes de lotar, pois acho que hoje vai
lotar. A não ser que chuva espante o público. Ele disse que eu posso falar, não
preciso só digitar. Que bom. Eu acho. Isso acrescenta algum conteúdo a uma
coisa que de outra forma seria muito estéril. Ele quer a coisa bem real. Massa,
estamos em sintonia em relação a isso. Mas falar acho uma boa ideia, se me der
na telha, é claro. Não me daria nesse exato momento, pois o meu eu antissocial
está se manifestando. Estou com sono. Por mim tiraria um cochilo antes de ir
para o forró. Acho até que daria tempo, mas não quero arriscar e pegar em sono
profundo, não ouvindo o aviso do WhatsApp dele dizendo que está vindo. Não
posso me esquecer de levar o meu copo rosa, é essencial para o meu
aproveitamento da festa. Preciso comprar uma carteira de cigarros também para a
noite. Queria achar o meu sapato antigo.
19h38. Achei meu sapato, atendi a três telefonemas (minha
avó, engano e telemarketing) e comi quase todo o resto do bolo de milho (é bem
verdade que havia muito pouco bolo de milho restante). Estou com sono, quase
fazendo um café para mim. Ainda não assimilei a experiência da filmagem, está
tudo ainda muito novo para mim. Mas confesso que achei que olharia
inevitavelmente para a câmera e, para a minha surpresa, se olhei foram algumas
vezes por microssegundos.
19h56. Estou sem saco de ir para a Casa Astral, mas vou,
pois a companhia do meu amigo vale a pena. Vou ligar um pouco o ar. Ou abro a
janela? Vou abrir a janela. Está chovendo. Que ozzy. Talvez com essa chuva até
desistam da Casa Astral. Estou com vontade de fumar um cigarro de verdade. Mas
vou segurar no Vaporfi mesmo. 20h09. Ao pensar em mandar o diário do Manicômio
para um concurso literário eu percebo o quanto me envergonho dele. Quanto acho
bobo e sem substância. E tedioso. E repetitivo. Não acho que Mallu tenha muito
apego pela filha, pela forma como fala da criança. Me lembrou como me referiria
a uma. Hahahahaha. Posso estar redondamente enganado. Espero estar. Como
miraculosamente eu poderia me tornar um pai maravilhoso. Não, essa parte não
aconteceria. Não acontecerá. Não tenho paciência. Não vai ser nessa encarnação
que me reproduzirei. Já tenho problemas demais para carregar só a mim pelo
mundo, que dirá com uma criança. É muita responsabilidade para quem tem
ojeriza, repúdio a responsabilidade. E com a vida sexual que eu tenho as
chances de algum acidente acontecer são mínimas. Hahahahaha.
20h43. Acho que se formos nesse horário, pegaremos uma fila
para entrar, se conseguirmos entrar at
all. Vamos ver o que rola, estou nas mãos do destino. Do destino do meu
amigo cineasta e sua esposa. Estou sem inspiração para escrever. Geralmente
frases com essa me dão um gás para escrever, mas o problema é que estou com
sono e já disse muito hoje. Vou dar uma olhada no Facebook dos bonecos.
22h33. O destino – e não, não foi
o casal – não quis que eu fosse para a Casa Astral, quando chegamos lá, os ingressos
estavam esgotados. Amigos deles haviam comprado os ingressos para eles, mas não
contavam obviamente comigo, então nem desci do táxi, voltei. Não tem problema
acho que, com essa chuva e lotado, o evento não iria fazer a minha praia mesmo. O que valeria era a companhia do
meu amigo, da qual privarei amanhã num encontro que é muito mais a minha cara,
pois será cheio de amigos e conhecidos. Espero que amanhã faça sol. Ou que pelo
menos não chova. Muito. O que me resta fazer é escrever aqui ou ver um filme.
Por enquanto fico com a primeira opção. Confesso que estou aliviado por não
enfrentar o inferno Astral. Gostou do trocadilho? Infame, eu sei. Hahahahaha. A
chuva deu uma trégua. Ainda bem para eles, coitados, estão no meio da maior
muvuca, para comprar cerveja deve estar um inferno. Espero que aproveitem
alguma coisa. É uma rotina corrida danada a deles nessas viagens relâmpago, mil
e um eventos para ir com curtíssimo intervalo de tempo entre eles. Adoro ouvir
o meu iPod. Coloquei plugado no som para que descarregue logo e eu possa
colocar para carregar e levá-lo amanhã completamente carregado para o evento.
Gostaria muito que as minhas amigas psicólogas fossem. Parece que vai ser nas
Graças e elas moram perto e conhecem a galera. É difícil, mas não impossível.
Talvez tenham viajado, não sei. Novamente, o destino dirá. Já me bastam as
pessoas que sei que irão. Ainda pensando sobre a filmagem e o fato de poder
falar durante ela. É uma oportunidade curiosa que não sei como utilizarei e se
utilizarei. Teremos um ano para captar isso. Um ano é bastante tempo. A depender
de quantos encontros se deem nesse intervalo. Nossa, adoro o meu iPod, só
músicas que eu amo, agora “Breathe”, B-side do Cure. Poderia, eita o “poderia”
foi a palavra de número 2777, que coincidência eu ter olhado. 22h51. O iPod já
está sinalizando “battery low”, com a voz de um cara que não sei por que não
puseram de mulher. Ou a opção de escolher entre um gênero ou outro. Ainda mais
para dar uma notícia chata dessas quando não se tem onde carregar o iPod, o que
não é o meu caso agora, claro. Mas seria se eu estivesse na festa. “Blue Moon
Revisited” do Cowboy Junkies. Uma das baladas mais perfeitas já gravadas, na
minha modestíssima e inculta opinião. Eu que não conheço muitas baladas.
Baladas para dançar junto, digo. Para falar a verdade só conheço essa e “As The
World Falls Down” de David Bowie, que também consta no iPod. “O Vento” do Los
Hermanos. Adoro. Isso me lembra que tenho o documentário que comprei para
assistir. Mas para isso teria que desmontar o Wii U ou o PS3 para plugar o
Blu-ray player. E nem lembro mais se ele é bivolt ou não, nem se consigo
enxergar as letrinhas na fonte dele, além de que desmontar o Wii U seria uma
complicação. O monte de fios que tem aqui embaixo, vocês não têm ideia. Vou
tirar uma foto. 23h06. Tirei. Vou bisbilhotar a internet um pouquinho.
Foco de incêndio? |
23h11. A chuva castiga os Astrais.
Que pena da galera. Espero que haja espaço dentro da casa e debaixo do toldo. E
agora está caindo forte.
0h07. Fui comer e me deixei estar
na internet. Não estou com mais disposição para escrever, acho que vem da
saciedade da comida isso. Fico por aqui. Vou revisar para publicar.
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