sábado, 3 de junho de 2017

IRRELEVÂNCIAS

Este foi o primeiro texto que escrevi hoje:

“Olá. Eu moro no mesmo prédio que você e recebi a notícia desse seu recanto pelo Facebook. É um prazer a forma simples, singela e poética com que constrói seus textos. Sua atenção aos pequenos detalhes do cotidiano que o tornam superiormente interessante. Bom, gostaria de repartir o meu blog com você, não sei bem por quê. Talvez seja ousadia da minha parte, talvez seja exibicionismo, talvez eu queira uma opinião de alguém bem mais versada na escrita e muito mais aculturada do que eu. Não sei. Sei que sigo esse impulso e deixo aqui o endereço para o bem ou para o mal: http://jornaldoprofeta.blogspot.com.br/

Não sei porque fiz isso, mas fiz. No último post justifico essa iniciativa como um caminho para publicar meu livro. Acho que passarei vergonha e temo que ela comente com a minha mãe sobre o meu blog. Mas o que está feito está feito, embora possa ser apagado, que não será. Deixarei que esse estímulo que joguei à realidade crie suas pernas, se alguma. Eu gosto de escrever, eu tenho prazer em escrever, escrever me liberta, me faz sentir válido para o mundo. Preciso manter esse frame of mind, não posso me desencantar do meu ofício de fé. 16h46. Será que terei que acompanhar mamãe hoje à radioterapia? Provavelmente sim. Que seja. Mais preocupado estou com o meu desgosto pela escrita, por isso as frases motivacionais. Eu sou, mal e porcamente, um escritor. Não sei porque quero desistir de escrever. Talvez seja só uma fase. Acredito que todo escritor passe por fases semelhantes de se desencontrar de suas palavras. Talvez seja algo me puxando para digitar os cadernos, que é o que acho que vou fazer agora. Talvez tenha chegado finalmente a hora de levar esse projeto a cabo e esse meu atual desgosto pela escrita seja o destino se encarregando disso. Tomara. Vou lá digitar o caderno atual. Mas volto. Não vou deixar isto pela metade.

18h56. Pausa na transcrição do caderno para levar minha mãe à última sessão de radioterapia.

21h41. Acabo de chegar do hospital. Enfim as sessões acabaram e por ser a última, tinha que ser a mais demorada. O número de pessoas era enorme hoje, quando houve dias em que não havia ninguém. Bom, fato é que isso acabou e espero que tenha exterminado de vez quaisquer resquícios de tumor que tivesse ficado.

23h08. Digitei um pouco mais do diário. E comprei mais um boneco para gastar meus reward points. Estava entre a She-Ra e este, Malavestros, mas a She-Ra foi revelada hoje e para minha decepção ou resolução, não é tão bela quanto o teaser com sua silhueta sugeria, o que facilitou a minha tomada de decisão. E estou muito satisfeito com a minha decisão. Acho que, no fundo, era o que realmente queria, é uma das últimas figuras modeladas à mão e é fabulosa, muito embora seja de um personagem feio e bizarro. Mas a beleza dela está nos detalhes e, se o acabamento for tão bom quanto o do protótipo, vai ser uma adição fantástica à minha coleção. É a última figura que compro. Por falta de dinheiro e porque não sou adepto de figuras modeladas no computador. O que não deveria ser um empecilho para mim que sou sempre pró-tecnologia, mas infelizmente é. Considero a figura que adquiri uma obra de arte. Fora de brincadeira. É superdetalhada, principalmente se considerarmos que foi esculpida à mão, exceto pelo pergaminho que segura, este modelado no computador. Há uma sinistra beleza na obra. Considero que fecho com chave de ouro a minha coleção. Agora falta trazer todas as figuras que estão nos States para cá, o que será uma tarefa de formiguinha, aos poucos. A não ser quando e se eu for para lá e levar duas malas vazias só para encher das bonecas que conseguir enfiar nelas. E mesmo assim uma viagem só não será suficiente para trazê-las todas, visto que são grandes. Além disso, é óbvio que preciso remodelar meu quarto para poder exibi-las, pois não há espaço suficiente nem prateleiras adequadas para acomodá-las. Terei, com muito pesar, que me desfazer da maioria dos livros que peguei da biblioteca de papai e que nunca lerei mesmo, pois como já disse aqui, não gosto de ler, gosto de escrever. E gosto dos meus bonecos. Espero não fazer como o meu pai, que comprou milhares de livros e nunca teve tempo para lê-los, esperando uma aposentadoria que não chegou a tempo e que acho que pouca diferença faria à sua leitura, visto que tinha tempo livre e poucas vezes o vi nos anos finais o utilizando para ler. Acredito que peguei abuso pela leitura, pois meu pai quis me introduzir à leitura com livros enormes de Monteiro Lobato que para mim, além de muito volumosos, apresentavam um vocabulário muito rebuscado para os meus rudimentares conhecimentos de Português de criança. Então, em vez de me empolgar com as peripécias de Emília e companhia, eu me via perdido em um monte de palavras cujo significado ignorava. Acho que o tiro de papai não poderia ter saído mais pela culatra. Fui forçado à leitura, não a busquei, então hoje tenho extrema resistência a ler. A escrita, por outro lado, nunca me foi estimulada e isso me deu a liberdade de descobri-la e me enamorar dela. Mesmo que escrevendo sobre coisas sem a mínima importância para a humanidade. É importante para a minha humanidade e isso me basta. O fato de escrever todos os dias, disposto a fazê-lo ou não acho que está me desestimulando um pouco, então se for o caso, reduzirei o número de posts e escreverei só quando realmente sentir o desejo de fazê-lo. Não sei.



23h48. Mas voltando à comparação da biblioteca com a minha coleção de bonecos, espero que antes de morrer consiga reunir todas as minhas estátuas num mesmo ambiente – adequado – e poder admirá-las diariamente. Infelizmente considero a minha coleção um elefante branco como o é a biblioteca do meu pai para os que ficaram. Ninguém se interessará pelos bonecos e são praticamente intransportáveis – a não ser que guarde as caixas – visto que são muito frágeis para serem transportadas de forma inadequada. É certo que quero morar aqui até o final dos meus dias, entretanto, se meu irmão pegar a minha curatela depois da minha mãe, se eu não morrer antes dela, terei provavelmente que me mudar para os Estados Unidos e não vejo como levá-las todas para lá de volta, muito menos arrumar um modo adequado de expô-las lá visto que os serviços de um arquiteto e a mão-de-obra para realizar a obra são caríssimos. Se bem que parece que lá vendem estantes prontas para isso. Mas o transporte, por outro lado, me parece ser uma sinuca de bico, insolúvel. Acho que terei de vendê-las a preço de banana aqui para que não saia no total prejuízo e guardá-las no único lugar onde posso carregá-las, na memória. É uma pena. E é uma pena que acabe os meus dias não onde a minha vida está toda ancorada, mas partir para um país estranho, morar longe de tudo. Desfazer todos os laços afetivosque aqui tenho para viver na completa solidão. A única chance que tenho é que minha mãe dure mais 30 anos sã, o que dará tempo que meus sobrinhos se formem e tenham suas vidas e meu irmão possa regressa ao Brasil. Essa seria a solução ideal. E irreal. E se por acaso eu tiver um relacionamento afetivo aqui? Terei que abandoná-lo? Eu realmente não sei o que esperar da vida. Meu futuro é muito incerto, mas tudo aponta para um final de vida num país completamente estranho a mim. Certamente não seria a escolha que faria se pudesse. Provavelmente não poderei. Acho que esse vai ser um tema recorrente aqui no blog. É uma preocupação que me assombra. Mais uma razão para fincar meus pés e juízo no agora. O que será, será. Mas acho que tenho que manifestar a minha vontade para o meu irmão, para que ele tenha conhecimento dos meus anseios e receios. Gostei dessas duas palavras juntas, são perfeitas para a rima de um poema. Focando-me no agora, preciso tomar banho para ir dormir. São 0h33. Não estou com vontade de fazer nem uma coisa nem outra. Acho que vou comer. Não comi nada hoje.

0h56. Comi e tomei um belo banho. Fico por aqui esta noite.  

-x-x-x-x-

11h11. Estou de volta do CAPS. O grupo foi meio improdutivo hoje, aliás, eu fui meio improdutivo hoje no grupo. Não havia muitas questões para trazer, mesmo assim abordamos a minha preocupação com os esquecimentos da minha mãe, da ambivalência da minha relação com ela, que a minha rotina é basicamente escrever e que tenho sentido um certo desgaste nisso, também falamos sobre os patamares estéticos elevados que tenho em relação às garotas e a minha falta de ímpeto de ir a Munique (além de outras coisas que prefiro não mencionar aqui). Vendo assim, parece até que muito foi debatido, mas não foi assim que senti. Não achei que me aprofundei em nenhuma das questões realmente, apenas as enumerei. É certo que algumas ideias me foram dadas, como sair com a minha mãe para um passeio, que os meus patamares estéticos altos talvez sejam uma maneira de tornar um relacionamento impossível e manter tudo do jeito que está, que a viagem a Munique pode ser o marco inicial de um novo ciclo e outras que não me recordo. De toda forma não achei tão proveitoso quanto poderia ser. E acho que sei a razão, mas não ouço enunciá-la aqui. Bom, agora é me organizar com o meu primo-irmão para o final de semana, por mais que não esteja com disposição nenhuma para a noite ainda mais com essa chuva. Preciso ligar para a minha babá.

11h54. Me perdi na internet para variar. Não vou ligar agora para a minha babá, pois deve ser hora do almoço lá por Natal. Às 14h, ligo. Eu acho. Nem com isso ando com disposição. Não tenho disposição para nada. Acho que estou pegando a preguiça de mamãe. A única coisa que ainda me faz agir é escrever. Nem para assistir filmes eu tenho disposição. Quero ver arrumar gás para ir para a noite hoje. Mas vou arrumar. Gostaria muito que a chuva cessasse e tivéssemos uma noite sequinha.

13h27. Trouxe numa conversa com uma amiga – psicóloga, para variar – uma série de questões psicológicas que por alguma razão não levantei no grupo, talvez porque não atuais, talvez porque sempre presentes, como a minha quase incapacidade de gargalhar (trauma de infância, pois quando guri, toda vez que gargalhava, tinha uma crise de asma), o problema da falta de libido e da dificuldade com o orgasmo e a afeição que tenho à minha rotina, que é basicamente escrever e ir ao CAPS. Foi bem proveitosa a conversa. Valeu mais que o grupo até. Foi bom desabafar com alguém. Ela achou que os remédios podem estar empatando a minha libido. Tomara. Mamãe marcou uma consulta com a psiquiatra na próxima semana, parece, visando diminuir minha medicação. Será que encontrarei com esta amiga hoje na night? Não sei. Nem sei se vai ter saída hoje. 14h09. Ligar para Maria de Buria.

14h40. Falei com ela. Houve momentos de silêncio em que não soube o que falar. Estou com essa dificuldade de falar com as pessoas, de sustentar uma conversação. É impressionante como isolamento realmente destreina a pessoa a interagir socialmente. Minha amiga disse que eu sou caladão. Logo eu, que costumava ser o centro das atenções, a alegria da festa. Que mudança radical de ser. Me incomoda um pouco tão severa mudança, mas não muito, pois me sinto bem, só me encabulo com esses hiatos de comunicação. Vamos ver como vai ser hoje à noite, se houver hoje à noite para a turma.


15h56. Vou tirar um cochilo.

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