Este foi o primeiro texto que escrevi hoje:
“Olá. Eu moro no mesmo prédio que você e recebi a notícia
desse seu recanto pelo Facebook. É um prazer a forma simples, singela e poética
com que constrói seus textos. Sua atenção aos pequenos detalhes do cotidiano
que o tornam superiormente interessante. Bom, gostaria de repartir o meu blog
com você, não sei bem por quê. Talvez seja ousadia da minha parte, talvez seja
exibicionismo, talvez eu queira uma opinião de alguém bem mais versada na
escrita e muito mais aculturada do que eu. Não sei. Sei que sigo esse impulso e
deixo aqui o endereço para o bem ou para o mal: http://jornaldoprofeta.blogspot.com.br/”
Não sei porque fiz isso, mas fiz. No último post justifico
essa iniciativa como um caminho para publicar meu livro. Acho que passarei
vergonha e temo que ela comente com a minha mãe sobre o meu blog. Mas o que
está feito está feito, embora possa ser apagado, que não será. Deixarei que
esse estímulo que joguei à realidade crie suas pernas, se alguma. Eu gosto de
escrever, eu tenho prazer em escrever, escrever me liberta, me faz sentir
válido para o mundo. Preciso manter esse frame
of mind, não posso me desencantar do meu ofício de fé. 16h46. Será que
terei que acompanhar mamãe hoje à radioterapia? Provavelmente sim. Que seja.
Mais preocupado estou com o meu desgosto pela escrita, por isso as frases
motivacionais. Eu sou, mal e porcamente, um escritor. Não sei porque quero
desistir de escrever. Talvez seja só uma fase. Acredito que todo escritor passe
por fases semelhantes de se desencontrar de suas palavras. Talvez seja algo me
puxando para digitar os cadernos, que é o que acho que vou fazer agora. Talvez
tenha chegado finalmente a hora de levar esse projeto a cabo e esse meu atual
desgosto pela escrita seja o destino se encarregando disso. Tomara. Vou lá
digitar o caderno atual. Mas volto. Não vou deixar isto pela metade.
18h56. Pausa na transcrição do caderno para levar minha mãe
à última sessão de radioterapia.
21h41. Acabo de chegar do hospital. Enfim as sessões
acabaram e por ser a última, tinha que ser a mais demorada. O número de pessoas
era enorme hoje, quando houve dias em que não havia ninguém. Bom, fato é que
isso acabou e espero que tenha exterminado de vez quaisquer resquícios de tumor
que tivesse ficado.
23h08. Digitei um pouco mais do diário. E comprei mais um
boneco para gastar meus reward points.
Estava entre a She-Ra e este, Malavestros, mas a She-Ra foi revelada hoje e
para minha decepção ou resolução, não é tão bela quanto o teaser com sua silhueta sugeria, o que facilitou a minha tomada de
decisão. E estou muito satisfeito com a minha decisão. Acho que, no fundo, era
o que realmente queria, é uma das últimas figuras modeladas à mão e é fabulosa,
muito embora seja de um personagem feio e bizarro. Mas a beleza dela está nos
detalhes e, se o acabamento for tão bom quanto o do protótipo, vai ser uma
adição fantástica à minha coleção. É a última figura que compro. Por falta de
dinheiro e porque não sou adepto de figuras modeladas no computador. O que não
deveria ser um empecilho para mim que sou sempre pró-tecnologia, mas
infelizmente é. Considero a figura que adquiri uma obra de arte. Fora de
brincadeira. É superdetalhada, principalmente se considerarmos que foi
esculpida à mão, exceto pelo pergaminho que segura, este modelado no
computador. Há uma sinistra beleza na obra. Considero que fecho com chave de
ouro a minha coleção. Agora falta trazer todas as figuras que estão nos States
para cá, o que será uma tarefa de formiguinha, aos poucos. A não ser quando e
se eu for para lá e levar duas malas vazias só para encher das bonecas que
conseguir enfiar nelas. E mesmo assim uma viagem só não será suficiente para
trazê-las todas, visto que são grandes. Além disso, é óbvio que preciso
remodelar meu quarto para poder exibi-las, pois não há espaço suficiente nem
prateleiras adequadas para acomodá-las. Terei, com muito pesar, que me desfazer
da maioria dos livros que peguei da biblioteca de papai e que nunca lerei
mesmo, pois como já disse aqui, não gosto de ler, gosto de escrever. E gosto
dos meus bonecos. Espero não fazer como o meu pai, que comprou milhares de
livros e nunca teve tempo para lê-los, esperando uma aposentadoria que não
chegou a tempo e que acho que pouca diferença faria à sua leitura, visto que
tinha tempo livre e poucas vezes o vi nos anos finais o utilizando para ler.
Acredito que peguei abuso pela leitura, pois meu pai quis me introduzir à
leitura com livros enormes de Monteiro Lobato que para mim, além de muito
volumosos, apresentavam um vocabulário muito rebuscado para os meus rudimentares
conhecimentos de Português de criança. Então, em vez de me empolgar com as
peripécias de Emília e companhia, eu me via perdido em um monte de palavras
cujo significado ignorava. Acho que o tiro de papai não poderia ter saído mais
pela culatra. Fui forçado à leitura, não a busquei, então hoje tenho extrema
resistência a ler. A escrita, por outro lado, nunca me foi estimulada e isso me
deu a liberdade de descobri-la e me enamorar dela. Mesmo que escrevendo sobre
coisas sem a mínima importância para a humanidade. É importante para a minha
humanidade e isso me basta. O fato de escrever todos os dias, disposto a
fazê-lo ou não acho que está me desestimulando um pouco, então se for o caso,
reduzirei o número de posts e escreverei só quando realmente sentir o desejo de
fazê-lo. Não sei.
23h48. Mas voltando à comparação da biblioteca com a minha
coleção de bonecos, espero que antes de morrer consiga reunir todas as minhas
estátuas num mesmo ambiente – adequado – e poder admirá-las diariamente. Infelizmente
considero a minha coleção um elefante branco como o é a biblioteca do meu pai
para os que ficaram. Ninguém se interessará pelos bonecos e são praticamente
intransportáveis – a não ser que guarde as caixas – visto que são muito frágeis
para serem transportadas de forma inadequada. É certo que quero morar aqui até
o final dos meus dias, entretanto, se meu irmão pegar a minha curatela depois
da minha mãe, se eu não morrer antes dela, terei provavelmente que me mudar
para os Estados Unidos e não vejo como levá-las todas para lá de volta, muito
menos arrumar um modo adequado de expô-las lá visto que os serviços de um
arquiteto e a mão-de-obra para realizar a obra são caríssimos. Se bem que
parece que lá vendem estantes prontas para isso. Mas o transporte, por outro
lado, me parece ser uma sinuca de bico, insolúvel. Acho que terei de vendê-las a
preço de banana aqui para que não saia no total prejuízo e guardá-las no único
lugar onde posso carregá-las, na memória. É uma pena. E é uma pena que acabe os
meus dias não onde a minha vida está toda ancorada, mas partir para um país
estranho, morar longe de tudo. Desfazer todos os laços afetivosque aqui tenho
para viver na completa solidão. A única chance que tenho é que minha mãe dure
mais 30 anos sã, o que dará tempo que meus sobrinhos se formem e tenham suas
vidas e meu irmão possa regressa ao Brasil. Essa seria a solução ideal. E
irreal. E se por acaso eu tiver um relacionamento afetivo aqui? Terei que
abandoná-lo? Eu realmente não sei o que esperar da vida. Meu futuro é muito
incerto, mas tudo aponta para um final de vida num país completamente estranho
a mim. Certamente não seria a escolha que faria se pudesse. Provavelmente não
poderei. Acho que esse vai ser um tema recorrente aqui no blog. É uma
preocupação que me assombra. Mais uma razão para fincar meus pés e juízo no
agora. O que será, será. Mas acho que tenho que manifestar a minha vontade para
o meu irmão, para que ele tenha conhecimento dos meus anseios e receios. Gostei
dessas duas palavras juntas, são perfeitas para a rima de um poema. Focando-me
no agora, preciso tomar banho para ir dormir. São 0h33. Não estou com vontade
de fazer nem uma coisa nem outra. Acho que vou comer. Não comi nada hoje.
0h56. Comi e tomei um belo banho. Fico por aqui esta noite.
-x-x-x-x-
11h11. Estou de volta do CAPS. O grupo foi meio improdutivo
hoje, aliás, eu fui meio improdutivo hoje no grupo. Não havia muitas questões
para trazer, mesmo assim abordamos a minha preocupação com os esquecimentos da
minha mãe, da ambivalência da minha relação com ela, que a minha rotina é
basicamente escrever e que tenho sentido um certo desgaste nisso, também
falamos sobre os patamares estéticos elevados que tenho em relação às garotas e
a minha falta de ímpeto de ir a Munique (além de outras coisas que prefiro não
mencionar aqui). Vendo assim, parece até que muito foi debatido, mas não foi
assim que senti. Não achei que me aprofundei em nenhuma das questões realmente,
apenas as enumerei. É certo que algumas ideias me foram dadas, como sair com a
minha mãe para um passeio, que os meus patamares estéticos altos talvez sejam
uma maneira de tornar um relacionamento impossível e manter tudo do jeito que
está, que a viagem a Munique pode ser o marco inicial de um novo ciclo e outras
que não me recordo. De toda forma não achei tão proveitoso quanto poderia ser.
E acho que sei a razão, mas não ouço enunciá-la aqui. Bom, agora é me organizar
com o meu primo-irmão para o final de semana, por mais que não esteja com
disposição nenhuma para a noite ainda mais com essa chuva. Preciso ligar para a
minha babá.
11h54. Me perdi na internet para variar. Não vou ligar agora
para a minha babá, pois deve ser hora do almoço lá por Natal. Às 14h, ligo. Eu
acho. Nem com isso ando com disposição. Não tenho disposição para nada. Acho
que estou pegando a preguiça de mamãe. A única coisa que ainda me faz agir é
escrever. Nem para assistir filmes eu tenho disposição. Quero ver arrumar gás
para ir para a noite hoje. Mas vou arrumar. Gostaria muito que a chuva cessasse
e tivéssemos uma noite sequinha.
13h27. Trouxe numa conversa com uma amiga – psicóloga, para
variar – uma série de questões psicológicas que por alguma razão não levantei
no grupo, talvez porque não atuais, talvez porque sempre presentes, como a
minha quase incapacidade de gargalhar (trauma de infância, pois quando guri,
toda vez que gargalhava, tinha uma crise de asma), o problema da falta de
libido e da dificuldade com o orgasmo e a afeição que tenho à minha rotina, que
é basicamente escrever e ir ao CAPS. Foi bem proveitosa a conversa. Valeu mais
que o grupo até. Foi bom desabafar com alguém. Ela achou que os remédios podem
estar empatando a minha libido. Tomara. Mamãe marcou uma consulta com a
psiquiatra na próxima semana, parece, visando diminuir minha medicação. Será
que encontrarei com esta amiga hoje na night? Não sei. Nem sei se vai ter saída
hoje. 14h09. Ligar para Maria de Buria.
14h40. Falei com ela. Houve momentos de silêncio em que não
soube o que falar. Estou com essa dificuldade de falar com as pessoas, de
sustentar uma conversação. É impressionante como isolamento realmente destreina
a pessoa a interagir socialmente. Minha amiga disse que eu sou caladão. Logo
eu, que costumava ser o centro das atenções, a alegria da festa. Que mudança
radical de ser. Me incomoda um pouco tão severa mudança, mas não muito, pois me
sinto bem, só me encabulo com esses hiatos de comunicação. Vamos ver como vai
ser hoje à noite, se houver hoje à noite para a turma.
15h56. Vou tirar um cochilo.
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