7h59 (11h59 PT). Estou no bar do restaurante, tomando Coca e
escrevendo. Está passando os minutos finais de França e Dinamarca na imensa TV,
jogo chato, pelo pouco que observei. Estou aqui embaixo porque lá em cima
arrumam o quarto. Talvez já tenham terminado, mas me deixarei estar um pouco,
confesso que não estou muito confortável de escrever aqui, sinto-me como digitasse
em um palco, ao olhar de estranhos. É só manter o foco nas palavras que estarei
bem. Não estou com a mínima disposição de ir à Praça do Comércio hoje. Irei,
entretanto. Preciso respirar um pouco de Lisboa, viver um pouco de Lisboa para
além do universo do hotel. Embora aqui seja como uma versão ampliada e
melhorada do quarto-ilha. Penso na Garota do Hotel, até porque acabei de
revisar o que escrevi sobre ela. Confesso que me decepcionei com o resultado do
meu texto, o que não é nenhuma surpresa. Estou triste porque não a verei muito
hoje devido ao programa turístico. Talvez nem a veja, embora vá me esforçar
para alcançar tal intento. Será que ela teria uma terceira transformação de
visual para hoje? Estou deveras curioso, mas a forma que mais gostaria de
vê-la, sem nenhuma maquiagem, não vá se dar. Voltando um pouco para o evento de
hoje, o jogo do Brasil, não sei nada da posição do Brasil nessa Copa. Não sei
sequer quem é o oponente. Sei que o Brasil erra muitos passes em comparação com
outras seleções que pude apreciar. A situação é preocupante. Já se aproxima a
hora do almoço. Acho que vou. Me retirar
do restaurante, fumar um cigarro e subir. Este é o terceiro dia em que estamos
aqui, faltam cinco. Ruim será quando tivermos passado cinco e só restarem três.
8h39 (12h39 PT). Estou de volta ao meu quarto-ilha lisboeta
e já com vontade de fumar outro cigarro. Ela, a Garota do Hotel, me parece
oscilar entre extremos em relação à segurança, muito segura e decidida em
relação a tudo que lhe é externo, mas insegura ao que vai dentro. Novamente,
escrevo ficção, não tenho base factuais para intuir isso. Me passo por cada papel,
nossa. Que seja, o meu canal com o mundo é esse e aqui vai quase tudo que se
passa em meu espírito. Não consigo me expressar com palavras ditas com a mesma
precisão, por falta de termo melhor, da palavra escrita. Coloquei enfim o chip
português que meu amigo me emprestou, depois de muita insistência dele.
9h18. Conversando com ele até agora. Quer que eu conheça
pontos turísticos da cidade. Não poderia estar mais desinteressado. Por mim,
nem saía do hotel hoje.
13h21 (PT). Aprendi a configurar o relógio do Windows para
mostrar a hora de acordo com o fuso-horário local. Bem simples. O tempo será
marcado a partir de agora com o horário daqui.
10h31. Será que a Garota do Hotel pensou sobre o que escrevi
depois do nosso encontro? Será que isso gerou alguma curiosidade nela? Seria
surpreendente se isso acontecesse. Surpreendentemente ótimo. Mas não vou sonhar
tão alto.
14h25. Não sei o que fiz nesse ínterim, entre o parágrafo
anterior e esse. Ah, lembrei. Estava revisando e postando o segundo texto que
aborda a Garota do Hotel. Ela parece ter pavio curto, mas ser bastante
racional, esse conflito para ela deve ser complicado. Já estou criando um
perfil psicológico da Garota do Hotel sem nem a conhecê-la de fato. Hahaha. É
ridículo. Preciso tirar um cochilo antes de ir para o bendito jogo. Vou lá. O
tempo encurtou bastante e pouco mais tenho que uma hora de sono para que chegue
às 16h30 de táxi lá.
18:02. O gramado começa a ser tomado por pessoas de amarelo,
rola música brasileira da pior qualidade, na minha opinião. Funk e subgêneros
que não me agradam. Música de morro do Rio de Janeiro. Não entendo como esse
tipo de música chega aqui. Curioso. Meu amigo vai chegar em cima do jogo. O sol
está torrando ainda.
18:10. Só música ruim, gajo. Incrível, acho que os lusitanos
importam tudo que faz sucesso no Brasil, sem se preocupar com a realidade
socioeconômico que governa a música de massa do Brasil. Realmente o povão dita
as paradas de sucesso. Isso não é realmente um problema é a maioria e a voz do
povo é a voz de Deus. Para um burguesinho filho da puta como eu, criado com
Chico e Caetano, que viveu a vida inteira sobre os ombros e escombros dos
oprimidos, aceito meio à revelia as músicas que cruzam o oceano e preenchem o
local e os meus ouvidos. Agora passam músicas do meu tempo, que são um pouco
mais ricas, mas pode ser nostalgia. A era das "danças", do bumbum, do
ventre, da garrafa etc.
18:27. Estou escrevendo o grande espetáculo humano ao meu
redor. E foi isso que vim ver. Então, vou parar e ver.
20:17. Ouço o jogo e olho para o que julgo ser a costa de
Lisboa. À minha frente um imponente navio de carga, eu suponho, e atrás de mim
uma magnífica estátua de um cavalo com um poderoso homem olhando o infinito de
uma tarde igualmente magnífica. A temperatura é perfeita. Parei de assistir o
jogo, sim, faz-se necessário presenciar o que está além, o mundo, Portugal, que
se apresenta linda, gloriosa ao meu redor. Não sei o que faço para merecer
isso, mas é o que tenho. Parece uma pintura. É emocionante contemplar isso. E a
temperatura? Um personagem em si.
FOTOS (SE EU RECUPERAR O CELULAR)
20:41. "Olhou e sorriu, é macaxeira no Bombril."
Espero que a Garota do Hotel não entenda essa expressão, acho-a muito machista
ou vai que é a verdade que os meus olhos não querem ver. Estava interagindo com
o meu amigo. Acho que vou dar o ninja para não pegar a galera saindo do jogo.
21h06. Vocês não acreditam no que aconteceu, eu perdi ou
roubaram o meu celular. Espero que tenha caído no carro do taxista, daí mamãe
pode ligar para o meu número pelo WhatsApp e meu celular não tem trava, pode
ser que o motorista descubra como destravar ele. Se mamãe ligar
insistentemente, pelo menos. Ele vai ver o nome da minha mãe e do lado
“(Mamãe)” e pode lembrar do nosso papo e trazer aqui mesmo se não atender. É a
única solução. Mas é um preço a se pagar depois de ter visto tantas coisas
belas. Obviamente minha mãe vai ficar desesperada.
21h15. Vou descer para fumar um cigarro. Queria ter coragem
para tomar uma Coca no bar. Ela está lá. De cabelos soltos novamente. Mas estou
com muita vergonha de interagir com ela. Preciso me acalmar mais. E tem Coca
aqui. Vou tomar um copo e descer para fumar. Vou ficar sem nenhuma Coca no
quarto-ilha. Ou muito pouca. Isso é preocupante. Vou ficar no bar até mais
tarde hoje. Porra, agora que lembrei. Meu celular não tem Wi-Fi! Não dá para
mandar mensagem nenhuma. Nem se eu tivesse deixado transmissão de dados ligada.
Agora perdi mesmo. Só se mamãe ligar pelo telefone mesmo talvez chame. Ou de um
telefone português. Tomara que dê para ver o número. Eu mesmo não sei.
22h32. Vim para o bar escrever, embora esteja muito perto de
fechar. A Garota do Hotel me atendeu. Contei-lhe meu drama. Disse também da
complexidade do trabalho dela. É muito difícil ser simpática, cordial e
disponível por tantas horas, ter a humildade, o jogo de cintura para se
esquivar e até prevenir situações socialmente difíceis com os hóspedes. Eles,
todos os funcionários, estão em posição servil pelas funções que desempenham
frente aos todo-poderosos hóspedes, mas mesmo assim tem uma personalidade que
empresta uma equidade à situação. A simpatia é peculiar, nunca fui tão bem
servido em toda a minha vida. E a Garota do Hotel que meio que rege a turma junto
com o bonitão é a melhor coisa que vi em Portugal, uma das pessoas mais
encantadoras que eu já conheci. Ah, acho que teríamos conversas incríveis. Vi
mulheres muito bonitas hoje, de várias nacionalidades, mas não trocaria nenhuma
pela minha portuguesinha. Tenho tanto a conversar, a conhecer, a desvendar e a
possibilidade de chegar além da ponta do iceberg é quase impossível. Isso é
frustrante.
22h44. Aqui me sinto num palco, é estranho, como escrever
num picadeiro. Mas se é o preço a se pagar para ter um pouco mais de
convivência com a portuguesinha, acho mais carinhoso que Garota do Hotel, vou
adotar esse novo codinome. Fico mais satisfeito com essa decisão. E a põe em
local privilegiado em relação às demais “Garotas”. As outras duas. Que nunca me
deram bola. Ah, preciso narrar a conversa que tive com o taxista quando disse
que estava há uma década só, me sugeriu pagar umas meninas para “dar uma
fodinha” de vez em quando. Eu disse a ele que não fazia o meu estilo. Isso
decorreu da conversa que teve ao celular com a sua amada, combinando os dias
que passariam juntos. A garçonete a quem pedi a Coca-Cola não me trouxe, será
que é porque vai fechar? Bom, eu preciso pagar a conta, anyway. Acho que aqui em Portugal devem odiar o uso de
estrangeirismos no texto. Perdoem-me, perdoe-me portuguesinha, mas escrevo para
mim em primeiro lugar. Quanto tempo ainda durará na minha cabeça depois que eu
voltar ao Brasil? Com essa intensidade, digo, porque esquecer eu não vou nunca
mais. Ela acaba de passar por aqui com um carrinho com frutas embrulhadas e
outros quitutes, perguntei-lhe o que era, disse que era para “pessoas
importantes” no que redargui “não é o meu caso”, mas acho que ela não ouviu. A
Coca-Cola virá. Quando falo Coca aqui, eles estranham, pois só chamam de Coca a
cocaína, o refrigerante ou é “Coca-Cola” ou “Cola”.
23h06. Fumei e pedi um bonito bolo de chocolate. Há um casal
falando em inglês atrás de mim, espero que breve torne-se ruído branco. Estava
pensando na reação da minha mãe quando souber do celular. É um pensamento que
não me abandona. Mas confio na honestidade portuguesa. E acredito que o celular
há de aparecer. A portuguesinha voltou. Ela além de tudo tem um belíssimo
corpo, que me agrada bastante. O bolo tem uma fina camada do que suponho ser
framboesa. Simplesmente divino.
23h13. Estava comendo o bolo, sem dúvida um dos melhores que
já comi. Seria um dia perfeito com uma dose final da portuguesinha e com minha
mãe conseguindo contatar o taxista. Melhor seria não ter perdido o celular.
Estou com meu amuleto aqui. Eita, não estou. Eu deixei no quarto-ilha para não
amassar. Que curioso, a mulher do casal perguntou em inglês ao cara se ele a amava.
A coisa não vai’ muito legal na relação. Amanhã descerei mais cedo para cá. Não
tenho nada a fazer. Ela agora está com cara de cansadinha. É melhor eu tomar a
minha Coca e vazar. São 23h18 já. É um papo bastante cabeça o do casal.
23h24. Preciso perguntar se posso ficar até o último cliente
sair. Se não estarei sendo cruel demais fazendo isso. Claro que queria
perguntar à portuguesinha, mas não sei se terei essa oportunidade. Aproveitaria
para fazer duas perguntas além dessa. Veremos. Haverá oportunidade. Mas há uma
mais urgente que preciso fazer. Onde conseguir o ingresso para o Rock in Rio
Lisboa.
23h28. Estou assimilando o ambiente e isso me desconcentra
tremendamente. Me peguei aqui divagando que um projeto de doutorado para a
portuguesinha seria focar em famílias de imigrantes de certa nacionalidade,
talvez a que sofra mais rejeição e em como é a dinâmica familiar deles. Com a
simpatia dela e o domínio de inglês acho que não seria algo impossível. Mas não
sei se é um tema muito pouco específico para um doutorado, ou se ela gostaria
de ser doutora nessa área. Tudo ficção para variar. E para variar estou
passando por paspalho aqui. Para ela, caso leia isto. Perguntei a uma garçonete
se podia ficar até o último cliente e ela disse que eu posso ficar até o espaço
fechar, mas não farei isso, obviamente. Perguntei quando o bar fecha agora, ela
respondeu à meia-noite e meia. Vou acabar abrindo outra carteira hoje. Detesto
essa minha fixação em coisa absurdas, na mesma medida em que amo me sentir
assim, alumbrado por uma figura feminina. E minha mãe que não chega? Não é
possível que não veja o bilhete.
23h50. A coisa mais surpreendente aconteceu agora, minha
prima, seu marido e o filho acabaram de chegar ao hotel e ficarão até o dia 30.
Fiquei surpreso agora. Não sabia que eu tinha a fama de perder celulares em
táxis. Não me lembro de tê-lo feito antes disso. Meu Vaporfi caiu no carro da
minha tia uma vez, mas acho que se isso contar, conta meio ponto. Nossa, para
de pensar na portuguesinha, cara. Ela não vai aparecer mais esta noite. Relaxe
o bigode. Pedir uma Coca se for possível. O que diria a ela, se pudesse dizer
alguma coisa? Não seria “fica comigo”. Isso é uma impossibilidade, não
desperdiçaria com impossibilidades, mas com possibilidades. Diria que mamãe
entende todas as burocracias para entrar com um pedido para ser professora na
UFPE. Acho que diria isso. Os sul-coreanos jogaram com mais obstinação que os
alemães porque havia mais em jogo para eles, os seus futuros como jogadores
como li num Twitter. Ou assim me lembro. E não confio na minha memória.
12h05. Vou pedir a última Coca e a conta para ir para o meu
quarto.
1h23. Tomei um não tão relaxante banho de banheira (com
mamãe no quarto e sem som), foi meio apressado e constrangedor. Mas voltei aqui
para dizer que, nossa, como é bom encontrar quem a gente gosta todos os dias,
olhar para a pessoa admirada existindo de forma tão bela e desenvolta no mundo,
no caso em seu ambiente de trabalho, onde tem enorme controle da situação e
profissionalismo impecável. É um deleite. Tinha me esquecido de como isso é
bom, a convivência com uma pessoa querida, desejada, não posso dizer amada pois
aí é trocar as mãos pelos pés, não chega a tanto, mas chega muito perto de
estar apaixonado. Perigosamente perto. E do impossível. O mais tétrico de tudo
isso, o calamitoso mesmo, triste até talvez, é que isso é o mais próximo de um
relacionamento que cheguei nesses últimos dez anos. É tão tremendamente pouco
para os demais e tão tremendamente importante para mim que chega a ser surreal
e ridículo. Não sei como fui me meter nessa situação, acho que porque não
consigo me apegar a ninguém além de musas para mim, pessoas que me inspirem e a
quem aspire. Tem que me tocar de alguma forma e a portuguesinha me tocou. Vi
várias garotas bonitas hoje, lindas até, de várias nacionalidades, mas quando
via uma, a vontade que tinha era de rever a minha querida portuguesinha. Sei
que isso parece estranho e é. Eu, afetivamente falando, não sou normal. Sou
tremendamente seletivo e tremendamente tímido, só consigo construir diálogo com
a convivência. Convivência. É este o principal diferencial dessa empreitada
para todas as outras. Para mim tem sido incrível, para ela deve ser só mais um
cliente a agradar. Esse abismo relacional que há entre nós me parece
intransponível. E deve ser. Eita, já estou na quinta página. Revisarei e
publicarei amanhã, aliás hoje, mais tarde.
2h00. Mandei mensagens para o meu amigo que mora aqui para
ele ligar para o número antes que a bateria arreie. Preciso me informar sobre o
Rock in Rio com ele. A outra solução que diviso é a portuguesinha, ela foi ao
Rock in Rio no final de semana passado, talvez saiba como conseguir ingresso.
Mas vou tentar primeiro o meu amigo, até porque mais cedo. O que ela vai achar
desse circo de um só palhaço? Por falar nisso, me lembrei de várias músicas de “O
Grande Circo Místico”. Se você estiver lendo isso e quiser ouvir o que a música
popular brasileira tem de melhor num disco singular, escute “O Grande Circo
Místico” de Chico Buarque e Edu Lobo. Mas já passei e muito da minha cota de
três páginas. Acho que “portuguesinha” é mais acolhedor que “Garota do Hotel”,
que acho muito frio e distante. Não sei o que você vai achar. Acho que vai me
achar um louco por tecer essas palavras para você, em sua grande parte. Eu acho
apenas que utilizo o meu tempo da forma mais aprazível que conheço, escrevendo
sobre o que ou quem gosto. Gosto de você, gosto de te ver, gosto mais ainda de
conversar e lhe admiro muito. Fazia tempo que não admirava uma mulher que me
fizesse palpitar o peito. A última foi minha ex, há dez anos. 2h24. Vou dormir
que é o melhor que eu faço. Seu babaca, trouxa sonhador a lutar contra moinhos
de vendo. Você não vai conseguir encantar ninguém com esses textos porque você
é muito... você! Obrigado, superego, pela finalização, mas devo lhe informar
que a portuguesinha tem dúvidas a seu respeito. Hahaha.
-x-x-x-x-
15h57 e até agora nada de celular. Acho que foi-se.