Coçou o queixo com um de seus tentáculos e acendeu um
cigarro. Cigarros o faziam pensar melhor. A cabeçorra, maior que uma melancia,
estava repleta de suspeitas sem relação umas com as outras. Estava confuso e,
perdido em pensamentos disparatados, deu um profundo trago. Só depois do
segundo copo de uísque as ideias foram sem encaixando. O homem escorregadio e
libidinoso da noite anterior era inocente. Não havia nada que o incriminasse,
apesar de sua personalidade pastosa e um tanto lúgubre. O terno do homem
escorregadio atraía especialmente a sua atenção. Parecia ser imune ao visgo que
como um suor viscoso emanava de todos os seus poros. A mulher formiga era a sua
principal suspeita. As aparências enganam, mas não por muito tempo, pensou ele,
enquanto dava outro profundo trago no cigarro seguido do último gole da dose.
É, nada como uma página em branco. Queria eu ter criatividade para escrever
romances ou contos. Já escrevi contos, mas isso faz tempo, ainda era
publicitário à época. Ainda amava a publicidade e me julgava criativo. Isso
realmente faz tempo. Hoje odeio o fazer Publicidade e não escrevo mais contos.
A Publicidade me deu grandes amigos e grandes crises depressivas e de pânico,
regadas a abuso de drogas e tentativas de suicídio. Na quarta crise, decidi que
já tinha tido o meu quinhão de sofrimento profundo e negro e que não poria mais
os pés dentro de uma agência. Ainda me aventurei mais uma vez, mas pulei fora
quando as nuvens negras começaram a se formar no meu horizonte emocional. Desde
então, me tornei curatelado o que é ao mesmo tempo uma maldição e uma bênção. A
maldição é a eterna dependência e a extinção de quase todos os meus direitos
civis visto que sou declarado judicialmente como incapaz civilmente. A bênção é
a pensão vitalícia que me garante um amparo para quando minha mãe se for e
outra pessoa tome seu lugar como minha curadora. Quem se apresentou para
substituí-la foi o meu amado irmão. O único problema é que ele mora nos Estados
Unidos. Isso vai ser um complicador burocrático para o recebimento da pensão,
tenho absoluta certeza. A não ser que haja um Banco do Brasil acessível ao meu
irmão lá, o que acho bastante difícil. Talvez em Nova Iorque, que fica a
algumas horas de onde meu irmão mora. Sei não e espero que esse momento demore
bastante para chegar. Quero ter a minha mãe por muito tempo junto a mim. Estou
com sono.
15h22. Peguei no sono e minha mãe me chamou para almoçar.
Acho que vou dormir um pouco mais.
18h51. Acordei, aliás, fui acordado novamente por minha mãe.
Sinto que dormi um bom sono, mas que dormiria mais. Mas já estou mais desperto.
Ma non tropo. Por mim, emendaria o
sono até amanhã. Espero despertar, quero ver se assisto “Fragmentado”. Mamãe
quer que eu vá comprar Coca Zero, pois amanhã é feriado, Sexta-Feira da Paixão,
ou coisa que o valha. Estou fazendo hora, primeiro porque acho que os
supermercados devem estar lotados por causa do feriado e queria comprar na
pizzaria que fica aqui em frente ao prédio. Aposto que não vou conseguir o meu
intento e minha mãe já-já aparece aqui me dizendo para ir comprar as Cocas.
19h14. Fui pegar Coca e ela não falou nada sobre a compra
dos refrigerantes. Perguntou se eu queria uma sopa de copo no que disse que
sim. Sinceramente não queria pegar uma fila enorme de supermercado para comprar
três Cocas Zero. Prefiro pagar a mais pela Coca e pela comodidade com o
dinheiro da minha pensão. Afinal será com o dinheiro da minha pensão que
comprarei num lugar ou no outro, pois eu que banco as minhas Cocas.
19h45. Estou sem inspiração nenhuma para escrever. Que ozzy.
Isso vem me acometendo recentemente. Acho que porque a minha vida está meio sem
conteúdo novo. Ainda não fui aos Correios reenviar a boneca que era para ir
para o destinatário e sempre acaba vindo para mim. É a segunda vez que isso
ocorre. Vou pedir para ver se o cadastro computadorizado não está invertido, se
no sistema dos Correios eu não estou como destinatário em vez de remetente. Só
pode ser isso. Ou muita burrice mesmo. A sopa está muito quente e desce queimando
as entranhas. Escolhi frango com queijo. Lembra um pouco esses dois
ingredientes. A outra era carne com jerimum, eu acho. Eu já tomo muita sopa de
real jerimum aqui em casa, então optei pela mais diferente do meu cotidiano.
20h11. Concordei em ir ao supermercado comprar as benditas
Cocas. Disse que daqui a meia-hora eu iria.
20h12. Me dei conta, alavancado pela lembrança de um mal que
há muito não me aflige, de como é bom ter o corpo respondendo a todos os
comandos da minha mente. É uma coisa que tendemos a nem levar em conta, essa
subserviência do corpo aos ditames da nossa vontade, mas para quem já “acordou
antes do corpo” e tentou, sem êxito, se mover ou, como era o meu caso, até
mesmo respirar, sabe o quão angustiante essa situação de aprisionamento (e
sufocamento) pode ser. E quando finalmente conseguimos fazer com que o corpo
“desperte”, depois de muita luta de nossa vontade, há uma sensação de alívio
tremendo. Fico imaginando como deve ser difícil para alguém que é tetraplégico,
que está escravizado à própria cabeça, aceitar tal condição. Minha ignorância
não me permite saber se sente as demais partes do corpo, se possui tato nelas,
ou se lhe são inacessíveis quaisquer estímulos impressos a tais partes. Acho
que, nessas condições preferia não sentir o que a mim, à minha vontade, me é
inútil. Aí eu me dou conta de quão afortunado eu sou de possuir completa
liberdade de movimentos, não estar claustrofobicamente preso apenas à minha
cabeça. Por mais que não use muito as pernas, gosto de tê-las sob meu controle
e sempre prontas a responder às minhas vontades. E de sentir o meu corpo todo.
Isso só seria ruim se me ateassem fogo. Puxa, estou com pensamentos
catastróficos hoje. Imaginando as piores situações que podem se dar a um
cidadão. É a falta de assunto. Deveria só escrever quando tivesse realmente
algo de novo a dizer, mas não me controlo. Vejo o Word e ele me atrai. E, uma
vez sentado, preciso despejar nele algumas palavras. Minha alma pede isso.
Preciso ir ao supermercado. Saco. Mas é para o meu próprio benefício, então não
deveria reclamar. 20h32. Vou lá.
21h52. Fui, voltei, tomei banho e cá estou. Recebi a minha
camisa com uma das irmãs de Sandman estampada (Insanidade, talvez? Não lembro o
nome). Gostei muito. Embora a impressão não tenha ficado 100%, na minha
opinião, mas a ilustração é bela. Talvez vá a Porto amanhã com ela. Apesar de
estar meio amassada pelo envio. Não sei, amanhã no calor dos acontecimentos eu
decido. Estou ouvindo “The Joshua Tree” do U2; me veio à mente quando estava
cantando no banheiro. Ah, adoro cantar no chuveiro. Como já disse em posts
antigos, uma coisa para a qual não tenho a mínima consciência ecológica é a
economia dos recursos hídricos, especialmente no que condiz a banhos. Eles,
para mim, são momento de relaxamento e prazer, de meditação. Tomo-os mornos.
Não muito quentes, pois o clima daqui já é bastante quente, de preferência com
um jato forte de água massageando o meu corpo, em particular cabeça e costas.
Escovo meus dentes geralmente durante os banhos, então meu banho pode ser
considerado demorado e não desligo o chuveiro em momento sequer, a não ser
quando me dou por satisfeito. Então os meus sobrinhos-netos vão sofrer com a
falta de água em parte por causa de mim. E sou realmente insensível a isso. Deve
ser me sangue indígena, acostumado com a fartura encontrada no paraíso tropical
que meu lado português veio dominar e destruir como o superego se sobrepuja ao
id relegando a este o espaço dos sonhos. Por falar em sonhos. O de ontem me
deixou com Clementine na cabeça, o que é péssimo para mim. Espero que essa
paixonite se esvaia de novo ao lugar que lhe é de direito, o limbo emocional.
Não devia ter mencionado Clementine, agora ela vai pairar sobre minha cabeça
como um fantasma. Saco. E não posso falar nem rememorar a paixão que a
substituiu e a pôs em seu devido lugar aqui. Acho que vou digitar os diários. É
o melhor que eu faço. Faz tempo que me devo isso. Nossa, 22h21! O tempo voou.
Há pouco eram 20h. Vou lá. Se levar o computador para Porto e me for permitido
ligá-lo lá, continuo o meu post da praia.
23h41. Terminei um dia do diário e me dei por satisfeito.
Muito chato digitar sem criar, sem ao menos descrever algo novo. Já está tudo
posto lá. Embora tenha chegado num dia decisivo do diário em que terei que
narrar fatos que omiti para poupar a cabeça de um funcionário do Manicômio que
acabou sendo posto para fora do mesmo jeito. Estou com uma fome de comer
bagana, biscoito, Torcida. Vou me esbaldar neles agora.
23h54. Acho que vou dormir. Comi meio pacote de Torcida
sabor cebola – delícia – e três Bono de chocolate. Mas a fome dos remédios
persiste. Acho que vou comer o resto da paçoca com feijão.
0h. Não havia mais paçoca, então apelei para minha velha e
querida farinha láctea. Caramba até chegar no episódio do meu reencontro com a
farinha láctea no diário do Manicômio ainda leva um tempão. Que saco. Se o meu
padrasto for dormir na próxima meia-hora, certas coisas podem ser diferentes. Para
melhor. Ter a noite só para mim é sempre bom. À noite todos os gatos são
pardos, já dizia o ditado. Mas não planejo nada demais, talvez jogar o
Zeldinha. Por falar em Zeldinha, eu tenho o Zeldinha mesmo, do SNES no Wii U.
Foi o primeiro – e único até agora – jogo que comprei no eShop da Nintendo.
Quero muito comprar o Super Metroid, o Metroid Fusion e o Metroid Zero Mission,
mas não faz sentido comprar se não jogo os que já tenho. Se zerar um que eu
tenha, eu posso até me dar ao luxo de comprar um dos Metroids. Mas antes
preciso zerar algum. Essa é a condição que eu acho justa me impor.
0h48. Quase comprei o boneco de Malavestros com os meus reward points agora. Vou é dormir, que é
o melhor que faço. E mais econômico também. Meu padrasto não vai dormir, então
quem vai sou eu. Vai ser um saco acordar cedo amanhã. Quer dizer, hoje, né?
0h55. Queria fumar o meu cigarro antes de dormir, mas com
meu padrasto na sala, acho que complica. Vai de Vaporfi mesmo a saideira.
E ela parou sua dança para acolhê-lo. Bailava solta e bela,
mas a presença dele se fez mais importante que o delicado e vibrante movimento
do seu corpo. Foi como se a canção que a embalava cessasse com a sua presença.
Era necessário tomá-lo nos braços, pois, antes de mulher, se sentia agora e
primeiramente mãe. Só para acabar com um pequeno texto de ficção como quando
comecei este post e mostrar o poder de uma página em branco.
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