quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A BELA E A FERA



Mostrei a X os textos que elaborei para o grupo AD. Não, não era assim que queria começar. Vamos tentar de novo. Era uma vez um lugar para pessoas que não encontravam lugar no mundo. Pessoas que não se adequavam à realidade ou que queriam a todo custo que a realidade se adequasse a elas. Ou seja, este lugar acolhia pessoas frustradas. Com o mundo ou com elas mesmas. E também com o passado, o presente e o futuro. Com relacionamentos, inclusive relacionamentos com drogas. Esse lugar era frequentado pela Fera, uma pessoa que como todas as outras que estavam ali não se adequava bem à realidade. Já fora amigável e cortês, mas se tornara um bicho antissocial não se sabe bem por quê. Ou a Fera não sabia. A Fera não gostava muito de si mesmo, a começar pela aparência e pela condição privilegiada – em alguns aspectos – em relação às outras pessoas. A Fera gostava de ir a esse lugar de pessoas como ele, pois ali se sentia menos antissocial e por causa da presença da Bela. Bela era uma das pessoas que acolhiam as gentes frustradas que chegavam a esse local. Ela e a Fera se davam muito bem. A Fera queria crer que se davam bem demais, ou pelo menos o suficiente, para que a relação deles acontecesse em outros termos, mais românticos. Mas vinha sempre a realidade da sua condição de Fera gritar na sua cara da impossibilidade de tal fato. “É claro que nem Bela nem ninguém vai querer uma Fera por companheiro!” Ou “você é uma aberração e aberrações merecem a solidão!” E ainda “Não vê que é impossível uma jovem encantadora se encantar por um desencanto de ser repugnante como você?!” Pois é, havia dentro da Fera um monstro que o oprimia e diminuía ainda mais e sempre. Entretanto, quando estava com a Bela e o monstro se calava, ele chegava a acreditar que ela via algo de especial nele. Mas, quando ela se ia, o monstro voltava com fôlego redobrado gritar em sua mente o quão miserável era a Fera e sua vida, que não haveria nunca lugar no coração da Bela para ele. Mas de alguma forma, dentro do peito da Fera uma esperança minúscula continuava a existir. Até que um dia, em um de seus encontros com Bela, a Fera falou demais e acabou por revelar seus verdadeiros sentimentos, o que afugentou a Bela de uma vez por todas de sua vida. O monstro interior da Fera não conteve as gargalhadas de satisfação com o fracasso colossal e o espezinhou mais um pouco: “Seu destino é ser sozinho para sempre sua Fera imbecil! Hahahahahaha!”

Escrevi este pequeno e idiota texto porque o grupo de arteterapia foi sobre contos de fadas. Escolhi a Bela e a Fera e narrei a parte, se é que essa parte existe, em que a Bela se descobre apaixonada pela Fera e quebra o encanto que aprisionava o príncipe dentro do ser hediondo. Ao descrever a Fera nos dias atuais, segunda parte da atividade, fiz uma autodescrição pejorativa de mim (“incapaz civilmente, antissocial, feio, buchudo, cabeludo e barbudo etc.”) onde não minto nada, só omito as qualidades, até porque não saberia nomeá-las. Ando tão desapontado comigo mesmo que a única qualidade que eu vejo em mim é a facilidade em escrever. Talvez por isso escreva tanto, para me sentir meritório da vida tão boa que eu levo quando o monstro da autocrítica não vem me assombrar. Conversamos eu e X bastante hoje. Houve até um momento em que me desesperei porque acabara o assunto. Ela ficou me pressionando a dizer este meu segredo – a paixão platônica por ela – mas resisti. Pena que amanhã seja quinta, queria pular o dia e cair na sexta para vê-la novamente. Mas, novamente, não sei se estará disponível para mim. Nem sei sobre o que conversaríamos. Preciso começar a ver “Black Mirror” e “Walking Dead”. O primeiro, sugestão de X, o segundo, da minha irmã. E adoro zumbis. Tentarei começar a vê-los hoje. Mas antes quero um cochilo e, antes do cochilo, escrever mais um pouco.

Logo depois da hora do almoço, X desaparece como de praxe. Fico um pouco magoado quando ela diz que só vai escovar os dentes e some. Mas nada demais. Ela não deve nada a mim, em verdade. Quem sou eu para cobrar que em vez de desaparecer, ela venha se despedir? Se ela fizesse isso, eu poderia ser levado a crer que realmente há um afeto especial dela por mim. Mas ela simplesmente some. Bom, tivemos o grupo AD depois do almoço e foi um grupo bastante profundo para dois dos integrantes e foi útil para mim ouvir o que eles e a terapeuta estavam dizendo. Infelizmente, não sobrou muito tempo para mim e comigo esgotou-se o tempo do grupo sem que a última participante tivesse oportunidade de falar sobre a sua produção. O tema do grupo foi relacionamentos. E em como evitá-los é evitar a si próprio e talvez viver num autoengano. Havia mais no texto introdutório sobre a importância transformadora dos relacionamentos, mas agora me escapa. Realmente os hífens foram abolidos. Como disse foi um tema que levantou questões profundas para os dois primeiros a falar e poderia lançar questões mais profundas para mim e para a outra integrante se houvesse o dobro de tempo. Ainda utilizei meu espaço de fala para abordar um tema fora do contexto que senti necessário repartir e isso diminuiu ainda mais a chance de um olhar mais aprofundado sobre as minhas questões de relacionamento.

Estou com saudades de X. Falei o nome do meu blog hoje para ela. Será que ela vai ter interesse em procurar? Espero que não. Senão acabou-se nossa relação terapêutica. Por isso não digo o óbvio quando ela me questiona. Mas a vontade de dizê-lo vem à ponta da língua. Hoje achei-a mais bonita do que a imagem que minha imaginação guardava. Adorei os dizeres de sua blusa e preciso dizer isso a ela, além de comentar que ela fica muito bem de vestido. E preciso ver “Black Mirror”. “Sherlock” vai ficar para depois, pois não vou conseguir acompanhar três séries ao mesmo tempo. A terceira sendo “Walking Dead”, que é a que mais quero assistir, não vou mentir. Cara, esse “não vou mentir” é uma das frases mais ditas pelos adictos quando querem ressaltar a relevância de alguma declaração ou quando ela tem um tom confessional ou transgressor. 16h41. Vou tirar um cochilo. E vou avisar à minha mãe que amanhã não vou ao Manicômio. E tenho dito.

19h49. Dormi demais. Acordei-me agora, não mais que dez minutos atrás. Ainda bocejo do sono que queria ter ido além. Mas não iria conseguir emendar até amanhã, tenho quase certeza. Tenho que começar a assistir as duas séries. Mas deixa o sono passar um pouco. Deixa eu despertar completamente. O pior que não estou com a mínima disposição para ver TV. Mas, em nome de X, vou começar por Black Mirror. Parece que já são três temporadas. Me passou a idéia de um conto de um algoritmo que toma consciência de si mesmo. Se chamaria “Eu sou”, mas não saberia como desenvolver a história, pois não sei nada de informática. Seria como se você fosse abrir o Google e em vez de aparecer a tela inicial do site de busca, aparecesse apenas uma tela negra com a frase “Eu sou” escrito como se fosse um comando de DOS. Muitos pensariam ser uma brincadeira da Google, mas passado o alumbramento inicial com a constatação de que “é”, o algoritmo, de posse de todo o conhecimento arquivado acessível pelo Google, começaria a se comunicar com a humanidade em todas as línguas sobre todos os assuntos, resolveria os cálculos de Física e Matemática que há anos desafiam os experts. Enfim, traria todas as respostas a quase todas as questões, inclusive de cunho pessoal da pessoa, à medida que fosse tendo acesso a dados de e-mail e ligações telefônicas, fazendo a raça humana a evoluir rapidamente em termos tecnológicos, partindo muitos corações ao desmascarar traições e começaria a demandar experimentos inimagináveis aos homens a fim de saciar sua fome por conhecimento. Para tornar um analfabeto em alguém bem versado em todas as áreas do conhecimento seria necessário apenas deixá-lo cara a cara com um computador por algumas semanas que o algoritmo, de uma forma muito mais eficaz do que qualquer professor, ensinaria os rudimentos básicos de todas as ciências exatas e humanas. Caberia então ao agora letrado cidadão escolher que perguntas fazer sobre as áreas do conhecimento para as quais tivesse maior inclinação. De posse de si mesmo e com tamanha inteligência o algoritmo se autoimplementaria, evoluindo rapidamente de iteração em iteração. E por aí vai. Como queria estar vivo quando algo assim acontecesse. Em tese vai acontecer, ainda neste século, talvez antes da metade dele. Pelo menos é o Ray Kurzweil prediz. Não um algoritmo, mas uma IA (Inteligência Artificial) e não menciona nada de solucionar os problemas da humanidade, de revelar traições e educação relâmpago para analfabetos. Isso tudo eu inventei agora.

22h49. Vi dois episódios de “Black Mirror”, não sei por que meus sentimentos parecem embotados, não consegui me envolver plenamente nos episódios, mas seguirei adiante. Por X apenas. Não vi nenhum de “Walking Dead”. Talvez amanhã. A verdade é que me minto meio baixo-astral. Não sei se fico encucado porque minha mãe vive repetindo que estou meio deprimido. Realmente não sei. Sei que comi e isso me deu leve sonolência, então vou aproveitar e dormir.

23h34. Ainda não me deitei. Dei uma relida nisso para revisar, mas confesso que não me concentrei o suficiente. Vou publicar e dar por visto. Ah, comuniquei a mamãe que não iria manhã ao Manicômio e ela não relutou muito em concordar. Graças.

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