domingo, 21 de outubro de 2018

COMO QUE ILUMINADO



15h58. Recebi duas notificações do Tinder, de duas garotas diferentes. Vou investigar. No mais acordei tarde hoje e recebi uma carrada de protestos e ameaças da minha mãe, as que mais me assustaram foi a de trocar de psicóloga e psiquiatra. Não vou trocar de psicóloga, o que minha mãe não parece entender é que não há psicóloga que vá me transformar na pessoa que ela deseja que eu seja, simplesmente porque eu não sou nem quero ser essa pessoa. Ela acha que eu estou obcecado por aplicativos de paquera, eu os tenho usado como último recurso para conhecer alguém que me agrade levando a vida de ostracismo que voluntariamente levo. Se tenho fixação é por uma garota específica, o que outras pessoas chamariam de paixão (bastante platônica até o momento). A medida que o tempo foi passando, minha mãe foi se acalmando e agora repousa antes de encarar a aula que vai ter que preparar. Vou ver o que o Tinder me trouxe.

16h16. É uma supergata, do tipo que me intimida mais do que me atrai e ela mandou a mensagem “Vielas”, não sei se isso é bom dia ou olá em outra língua, sei que respondi “ruas estreitas”. Hahaha. Não acho que isso vá para canto nenhum. Até porque demorei a responder.

16h34. Fui atender ao chamado da natureza, que não me deixa esquecer que sou um bicho, colocar Coca e fumar um cigarro. Nenhuma resposta da supergata. Perguntei o que ela achou de interessante em mim.

16h40. Apareceram novas garotas no Tinder, dei um superlike em uma. Não acho que vai rolar. Não acho que o Tinder é o caminho e infelizmente ainda só tenho olhos para o anjo. Vou colocar a lista 6 do começo.

16h44. Estou sem muita inspiração, mas seguirei a perseguir palavras porque não há mais nada que me apeteça. Estou cansado de política, as redes sociais são dominadas pelo assunto, cansa. Já se sabe o resultado do pleito, já se sabe muito bem quem o novo presidente é como pessoa, medíocre, preconceituoso e autoritário. Vai ser bom para o amadurecimento político da nação. Para o meu amadurecimento político. Eu que sou um néscio politicamente falando. E em outros muitos aspectos também. Não tenho vergonha da minha ignorância. Tenho vergonha do meu bucho e do meu pau pequeno, o que mostra a exata dimensão da minha ignorância. Vou mergulhar um pouco nos Instagram. Em verdade vou ver se o anjo postou uma nova foto. Ou a Portuguesinha alguma de suas histórias.

16h58. Nada, só minha ex-madrasta postando incansavelmente posts em defesa de Bolsonaro e pouco mais que isso. Acho que vou fumar outro cigarro.

17h09. Não estou com vontade de nada, basta-me existir apenas. Parece pouco e é. Mas estou começando a me acostumar a ter só isso. O tédio não me acomete e isso para mim é o suficiente. Em verdade, não entendo como não me acomete, mas prefiro não entender e não o sentir. Não estou nem com saco de pensar no anjo. Quero apenas estar, me basta ser e estar. É quase um estado meditativo. Essas coisas esotéricas me lembraram o cara da massagem. Confesso que não tenho o menor interesse em me submeter àquilo de novo. Se há uma coisa que deseje? Ver o Batman branco que encomendei. Afora isso, nada. Qualquer mudança na minha atual condição me gera desconforto. Estou extremamente bem existindo por existir nesse momento, tomando minha Coca Zero e fumando os meus cigarros com minha mãe dormindo. Tudo na mais perfeita paz e harmonia, todas as minhas necessidades satisfeitas. Até estranho que não sinta tédio. Talvez a medicação tenha começado a surtir efeito. Ou eu realmente estou em paz com a existência no momento. Quando penso na existência, a imagem que me vem é a de uma nébula. Engraçado, nunca tinha parado para reparar nessa visão platônica minha. Grandiosa, para dizer o mínimo, e mesmo assim uma fração insignificante do universo, por mais que ache que nada no universo seja insignificante, tudo tem seu sentido de ser, seu papel. Vou pegar mais Coca e fumar.

17h35. Não sinto necessidade de nada e isso me traz uma bem-estar singular. Não preciso, não anseio, não há vazio, estou e me sinto pleno. Não há aperreios, estresses, angústias, incômodos. Só o contentamento de ser eu comigo mesmo nesse momento, acho um estado muito raro de alcançar e me surpreendo com ele. Não sei como cheguei até aqui nem quanto tempo vai durar. Björk no som me completa e repito, não preciso de mais nada. Como investigar esse estado? Quais as causas? Não sei e sinceramente não importa, nada mais importa além de estar aqui e agora. Pensar no futuro gera desconforto, quero sorver o presente, o agora, o que virá, virá, o que tiver de ser será, não há nada que eu possa fazer, o fluxo da existência é mais poderoso que eu, o controle é uma ilusão. Sou apenas um conjunto de átomos que se dá demasiada importância. Um ser que finge ser especial, que se acredita especial, sou poeira cósmica complexamente estruturada pelo acaso-destino tentando fazer o melhor dessa condição sui generis e efêmera. Assim como Bolsonaro e Haddad. Postei tal constatação no Facebook. Achei que deveria, segui o impulso que me veio. Minha mãe acordou e continuo em paz. Que paz gigantesca e absoluta experimento. Se for por causa da medicação minha profunda gratidão a ela e pelo acesso a ela. Mas acho que há um algo mais hoje, como houve ontem. Só que hoje o contentamento é maior, a paz é maior. É um prazer existir assim, sem expectativas ou desejos, momento a momento.

18h14. Me perdi no Facebook. Não deveria, mas já foi, passou. Tenho que compartilhar com a minha mãe da minha paz grandiosa e bela e inexplicável.

18h23. Ela estava ao telefone com o meu padrasto o que me deu uma luz sobre o que experimento nesse momento, é como se tivesse me desligado da minha humanidade, como se, através dela, eu aceitasse o que sou e o que não sou, que sou um fluxo do universo, me sinto em completa sintonia e harmonia com o universo, com a existência. As questões humanas, as neuroses humanas perdem o sentido nessa visão ampliada, elas me parecem como que ilusões, delírios, abstrações (que deveras são) e que não me importam ou me incomodam nesse momento. Parecem coisas pequenas e insignificantes, a paz e o desapego são mais importantes que qualquer outra coisa, a aceitação das coisas como são é o mais importante, a gratidão por esse momento é mais importante e a gratidão que sinto é imensa. Até o amor me parece algo menor, a paz é maior que o amor, é realmente uma sensação curiosa, de desligamento, de liberdade, de grandeza na minha imensa pequenez. Minha pequenez é bela, como é bela uma pequena pérola. Não sei quanto tempo esse estado vai durar, não sei quando aterrissarei desse estado, mas queria continuar planando indefinidamente. Sei que isso não durará para sempre, que pode ser um rompante de mania (é sempre o que penso e desconfio quando estou bem). Só tenho um desejo: comprar mais Coca porque a que tenho está no fim. Afora isso não desejo mais nada. Minto, desejo continuar carregando essa sensação de paz comigo e com tudo o que há enquanto me for permitido. Me lembra muito o sentimento de “nirvana” que experimentei em um delírio de cola, só que agora completamente lúcido. Só preciso de mim e do que me cerca, não preciso que nada venha e que nada parta. Permanecer assim é o que me interessa. Acho que já redundo, mas que redunde, esse momento é completamente meu, a existência me deu esse presente e agradeço. Obrigado universo por permitir minha existência com a consciência dessa forma.

18h56. Aceitação. “Não tem jeito, Bolsonaro vai ser presidente. É necessário para o amadurecimento político e democrático do país. As lições mais duras são as mais difíceis de serem esquecidas”. Postei no Facebook e saí. Entrei no meu Facebook de bonecos, preciso de um pouco de fantasia.

19h11. Minha mãe veio falar para eu deixar o Diário do Manicômio de lado, esquecer do assunto. O livro, nesse agora que experimento, me parece uma ilusão. O meu próprio eu me parece uma ilusão que permite ao animal Mário existir na sua condição de homem. Tudo parece distante e irrelevante. Só o momento importa. O momento e a paz do momento. Falei da paz que estou sentindo para a minha mãe e ela não pensou duas vezes em dizer que era por causa do remédio. Que seja, me importa a transcendência do momento, não suas causas. Pensei novamente no massagista e quero desistir dele. Não faz sentido para mim. Não me agrada, não quero. Voltando ao livro, acho que só iria me ferir com a sua publicação. Nada mais vou fazer em relação a ele. Os estragos já estão feitos e não sei se conseguirei desfazê-los. Isso abala a minha paz, o futuro abala a minha paz. E o livro está entregue ao meu tio que tenho convicção que não tomará atitude para publicá-lo, então fico mais tranquilo. É algo que teve seu momento e que passou. Não sinto necessidade de me reconhecer escritor. Isso é outra ilusão, fruto do egoísmo e da egolatria. A Coca acabou e minha mãe consentiu em me financiar mais uma. Vou de café enquanto isso não acontece, mas não agora. A garantia do café roubou a urgência que me tomava. Não devo quase nada a quase ninguém. Devo respeito à minha mãe desde que ela me respeite em retorno. O retorno independe de mim. Não estou preocupado com retorno. O momento é maior que qualquer desejo. O momento é de não-desejar. De viver e apreciar essa extraordinária condição. Esmiuçá-la em palavras ouvindo Björk no meu quarto-ilha é tudo o que preciso. Penso no anjo do Tinder, na sua beleza extasiante para mim. Beleza que nunca se entregará a mim. E, se a solidão tivesse sempre o aspecto que agora possui, não me faria falta nenhuma. Seria indescritivelmente bom e belo tê-la deitada na minha cama, mas a possibilidade inexiste, não é o que a existência quer para mim. Só me resta ter a humildade de aceitar. Se eu não faço nada para mudar, não há como as coisas mudarem. Simples assim. Tenho medo que mudem. Simples assim. Dono dessa paz, para que mudar? Hoje é um dia especial. O celebro fazendo o que usualmente faço. O que parece sugerir que faço a coisa certa. Se me agrada e não fere a mais ninguém, não há erro. Vou no café e cigarro.


19h55. Meu amigo jurista não gostou da colocação sobre Bolsonaro que eu postei no Facebook. Disse-lhe que continuasse a lutar, eu joguei a toalha, pois acho inevitável. E porque tal assunto não me importa agora. Arcarei com as consequências das escolhas do meu país. Não estou com o espírito de combate, só quero paz e tenho paz no momento, estou num momento muito meu, não estou pensando em mais ninguém, só na maravilha que é a existência, é tão raro esse alumbramento, não quero que a disputa presidencial o atrapalhe. Vou comprar a Coca, mamãe já me deu o dinheiro. Não, não agora. Dentro em breve. Não quero sair do quarto-ilha, não quero abandonar as palavras. Se bem que estou sem ter o que dizer. Já me repeti demais. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário