15h58. Recebi duas notificações do Tinder, de duas garotas
diferentes. Vou investigar. No mais acordei tarde hoje e recebi uma carrada de
protestos e ameaças da minha mãe, as que mais me assustaram foi a de trocar de
psicóloga e psiquiatra. Não vou trocar de psicóloga, o que minha mãe não parece
entender é que não há psicóloga que vá me transformar na pessoa que ela deseja
que eu seja, simplesmente porque eu não sou nem quero ser essa pessoa. Ela acha
que eu estou obcecado por aplicativos de paquera, eu os tenho usado como último
recurso para conhecer alguém que me agrade levando a vida de ostracismo que
voluntariamente levo. Se tenho fixação é por uma garota específica, o que
outras pessoas chamariam de paixão (bastante platônica até o momento). A medida
que o tempo foi passando, minha mãe foi se acalmando e agora repousa antes de
encarar a aula que vai ter que preparar. Vou ver o que o Tinder me trouxe.
16h16. É uma supergata, do tipo que me intimida mais do que
me atrai e ela mandou a mensagem “Vielas”, não sei se isso é bom dia ou olá em
outra língua, sei que respondi “ruas estreitas”. Hahaha. Não acho que isso vá
para canto nenhum. Até porque demorei a responder.
16h34. Fui atender ao chamado da natureza, que não me deixa
esquecer que sou um bicho, colocar Coca e fumar um cigarro. Nenhuma resposta da
supergata. Perguntei o que ela achou de interessante em mim.
16h40. Apareceram novas garotas no Tinder, dei um superlike em uma. Não acho que vai
rolar. Não acho que o Tinder é o caminho e infelizmente ainda só tenho olhos
para o anjo. Vou colocar a lista 6 do começo.
16h44. Estou sem muita inspiração, mas seguirei a perseguir
palavras porque não há mais nada que me apeteça. Estou cansado de política, as
redes sociais são dominadas pelo assunto, cansa. Já se sabe o resultado do
pleito, já se sabe muito bem quem o novo presidente é como pessoa, medíocre,
preconceituoso e autoritário. Vai ser bom para o amadurecimento político da
nação. Para o meu amadurecimento político. Eu que sou um néscio politicamente
falando. E em outros muitos aspectos também. Não tenho vergonha da minha
ignorância. Tenho vergonha do meu bucho e do meu pau pequeno, o que mostra a
exata dimensão da minha ignorância. Vou mergulhar um pouco nos Instagram. Em
verdade vou ver se o anjo postou uma nova foto. Ou a Portuguesinha alguma de
suas histórias.
16h58. Nada, só minha ex-madrasta postando incansavelmente
posts em defesa de Bolsonaro e pouco mais que isso. Acho que vou fumar outro cigarro.
17h09. Não estou com vontade de nada, basta-me existir
apenas. Parece pouco e é. Mas estou começando a me acostumar a ter só isso. O
tédio não me acomete e isso para mim é o suficiente. Em verdade, não entendo
como não me acomete, mas prefiro não entender e não o sentir. Não estou nem com
saco de pensar no anjo. Quero apenas estar, me basta ser e estar. É quase um
estado meditativo. Essas coisas esotéricas me lembraram o cara da massagem.
Confesso que não tenho o menor interesse em me submeter àquilo de novo. Se há
uma coisa que deseje? Ver o Batman branco que encomendei. Afora isso, nada.
Qualquer mudança na minha atual condição me gera desconforto. Estou
extremamente bem existindo por existir nesse momento, tomando minha Coca Zero e
fumando os meus cigarros com minha mãe dormindo. Tudo na mais perfeita paz e
harmonia, todas as minhas necessidades satisfeitas. Até estranho que não sinta
tédio. Talvez a medicação tenha começado a surtir efeito. Ou eu realmente estou
em paz com a existência no momento. Quando penso na existência, a imagem que me
vem é a de uma nébula. Engraçado, nunca tinha parado para reparar nessa visão
platônica minha. Grandiosa, para dizer o mínimo, e mesmo assim uma fração
insignificante do universo, por mais que ache que nada no universo seja
insignificante, tudo tem seu sentido de ser, seu papel. Vou pegar mais Coca e
fumar.
17h35. Não sinto necessidade de nada e isso me traz uma
bem-estar singular. Não preciso, não anseio, não há vazio, estou e me sinto
pleno. Não há aperreios, estresses, angústias, incômodos. Só o contentamento de
ser eu comigo mesmo nesse momento, acho um estado muito raro de alcançar e me
surpreendo com ele. Não sei como cheguei até aqui nem quanto tempo vai durar.
Björk no som me completa e repito, não preciso de mais nada. Como investigar
esse estado? Quais as causas? Não sei e sinceramente não importa, nada mais
importa além de estar aqui e agora. Pensar no futuro gera desconforto, quero
sorver o presente, o agora, o que virá, virá, o que tiver de ser será, não há
nada que eu possa fazer, o fluxo da existência é mais poderoso que eu, o
controle é uma ilusão. Sou apenas um conjunto de átomos que se dá demasiada
importância. Um ser que finge ser especial, que se acredita especial, sou
poeira cósmica complexamente estruturada pelo acaso-destino tentando fazer o
melhor dessa condição sui generis e efêmera. Assim como Bolsonaro e Haddad.
Postei tal constatação no Facebook. Achei que deveria, segui o impulso que me
veio. Minha mãe acordou e continuo em paz. Que paz gigantesca e absoluta
experimento. Se for por causa da medicação minha profunda gratidão a ela e pelo
acesso a ela. Mas acho que há um algo mais hoje, como houve ontem. Só que hoje
o contentamento é maior, a paz é maior. É um prazer existir assim, sem
expectativas ou desejos, momento a momento.
18h14. Me perdi no Facebook. Não deveria, mas já foi,
passou. Tenho que compartilhar com a minha mãe da minha paz grandiosa e bela e
inexplicável.
18h23. Ela estava ao telefone com o meu padrasto o que me
deu uma luz sobre o que experimento nesse momento, é como se tivesse me desligado
da minha humanidade, como se, através dela, eu aceitasse o que sou e o que não
sou, que sou um fluxo do universo, me sinto em completa sintonia e harmonia com
o universo, com a existência. As questões humanas, as neuroses humanas perdem o
sentido nessa visão ampliada, elas me parecem como que ilusões, delírios,
abstrações (que deveras são) e que não me importam ou me incomodam nesse
momento. Parecem coisas pequenas e insignificantes, a paz e o desapego são mais
importantes que qualquer outra coisa, a aceitação das coisas como são é o mais
importante, a gratidão por esse momento é mais importante e a gratidão que
sinto é imensa. Até o amor me parece algo menor, a paz é maior que o amor, é
realmente uma sensação curiosa, de desligamento, de liberdade, de grandeza na
minha imensa pequenez. Minha pequenez é bela, como é bela uma pequena pérola.
Não sei quanto tempo esse estado vai durar, não sei quando aterrissarei desse
estado, mas queria continuar planando indefinidamente. Sei que isso não durará
para sempre, que pode ser um rompante de mania (é sempre o que penso e
desconfio quando estou bem). Só tenho um desejo: comprar mais Coca porque a que
tenho está no fim. Afora isso não desejo mais nada. Minto, desejo continuar
carregando essa sensação de paz comigo e com tudo o que há enquanto me for
permitido. Me lembra muito o sentimento de “nirvana” que experimentei em um
delírio de cola, só que agora completamente lúcido. Só preciso de mim e do que
me cerca, não preciso que nada venha e que nada parta. Permanecer assim é o que
me interessa. Acho que já redundo, mas que redunde, esse momento é
completamente meu, a existência me deu esse presente e agradeço. Obrigado
universo por permitir minha existência com a consciência dessa forma.
18h56. Aceitação. “Não tem jeito, Bolsonaro vai ser presidente.
É necessário para o amadurecimento político e democrático do país. As lições
mais duras são as mais difíceis de serem esquecidas”. Postei no Facebook e saí.
Entrei no meu Facebook de bonecos, preciso de um pouco de fantasia.
19h11. Minha mãe veio falar para eu deixar o Diário do Manicômio de lado, esquecer do
assunto. O livro, nesse agora que experimento, me parece uma ilusão. O meu
próprio eu me parece uma ilusão que permite ao animal Mário existir na sua
condição de homem. Tudo parece distante e irrelevante. Só o momento importa. O
momento e a paz do momento. Falei da paz que estou sentindo para a minha mãe e
ela não pensou duas vezes em dizer que era por causa do remédio. Que seja, me
importa a transcendência do momento, não suas causas. Pensei novamente no
massagista e quero desistir dele. Não faz sentido para mim. Não me agrada, não
quero. Voltando ao livro, acho que só iria me ferir com a sua publicação. Nada
mais vou fazer em relação a ele. Os estragos já estão feitos e não sei se
conseguirei desfazê-los. Isso abala a minha paz, o futuro abala a minha paz. E
o livro está entregue ao meu tio que tenho convicção que não tomará atitude
para publicá-lo, então fico mais tranquilo. É algo que teve seu momento e que
passou. Não sinto necessidade de me reconhecer escritor. Isso é outra ilusão,
fruto do egoísmo e da egolatria. A Coca acabou e minha mãe consentiu em me
financiar mais uma. Vou de café enquanto isso não acontece, mas não agora. A
garantia do café roubou a urgência que me tomava. Não devo quase nada a quase
ninguém. Devo respeito à minha mãe desde que ela me respeite em retorno. O
retorno independe de mim. Não estou preocupado com retorno. O momento é maior
que qualquer desejo. O momento é de não-desejar. De viver e apreciar essa
extraordinária condição. Esmiuçá-la em palavras ouvindo Björk no meu quarto-ilha
é tudo o que preciso. Penso no anjo do Tinder, na sua beleza extasiante para
mim. Beleza que nunca se entregará a mim. E, se a solidão tivesse sempre o
aspecto que agora possui, não me faria falta nenhuma. Seria indescritivelmente
bom e belo tê-la deitada na minha cama, mas a possibilidade inexiste, não é o
que a existência quer para mim. Só me resta ter a humildade de aceitar. Se eu
não faço nada para mudar, não há como as coisas mudarem. Simples assim. Tenho
medo que mudem. Simples assim. Dono dessa paz, para que mudar? Hoje é um dia
especial. O celebro fazendo o que usualmente faço. O que parece sugerir que
faço a coisa certa. Se me agrada e não fere a mais ninguém, não há erro. Vou no
café e cigarro.
19h55. Meu amigo jurista não gostou da colocação sobre
Bolsonaro que eu postei no Facebook. Disse-lhe que continuasse a lutar, eu
joguei a toalha, pois acho inevitável. E porque tal assunto não me importa
agora. Arcarei com as consequências das escolhas do meu país. Não estou com o
espírito de combate, só quero paz e tenho paz no momento, estou num momento
muito meu, não estou pensando em mais ninguém, só na maravilha que é a
existência, é tão raro esse alumbramento, não quero que a disputa presidencial
o atrapalhe. Vou comprar a Coca, mamãe já me deu o dinheiro. Não, não agora.
Dentro em breve. Não quero sair do quarto-ilha, não quero abandonar as
palavras. Se bem que estou sem ter o que dizer. Já me repeti demais.
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