21h16. Falei com o meu amado irmão, sempre me faz um bem
enorme. Aparentemente iremos a Areias quando ele vier no final do ano,
possivelmente com Maria e poderemos, enfim, levar as cinzas de papai para jogar
na maré de Macau. Estou sem saber o que dizer e sem vontade de dizer. Vou
bisbilhotar a internet.
21h32. Nada de interessante. Aliás, só uma garota de cabelos
azuis que é de Recife e está no Adote um Cara, mas que não apareceu no
aplicativo quando o reinstalei. Deixa para lá. Estava começando a me bater um
tédio, então voltei para cá, meu porto seguro, minha salvação, meu ofício que
amo. Não tenho nada a dizer, por que será? Sinto uma conexão maior com o
maravilhoso mundo dos bonecos. Há tempos não sentia.
22h03. Estive mergulhado no maravilhoso mundo dos bonecos
até que enchi o saco. A paz do post anterior me abandonou. Sinto que cada vez
significo menos. Não só para mim, mas especialmente para os demais. Eu me
esvazio de conteúdo, de coisas novas, de vivências. Meu irmão ficou feliz que
estou entrando em apps de
relacionamento, confessei-lhe que não tenho dado muita sorte. Para que escrever?
Para que dizer da minha miséria afetiva? Em que isso vai me ajudar, em que vai
mudar alguma coisa? É só pela catarse do desabafo? Acredito que sim. Só penso
no anjo e na impossibilidade do anjo. Me dói não ser ideal como o anjo é para
mim. Não desistirei. Ainda. Mas, como em relação à campanha eleitoral, as
coisas já estão virtualmente decididas e são contrárias ao meu desejo. Não me
espantaria nada, Bolsonaro dar um golpe de estado. Bom, o que será, será.
-x-x-x-x-
14h06. Sem a mínima disposição de ir para Ju, mas irei. O país
está doente. Ou já era doente e agora os sintomas irromperam. Estamos longe de
ser uma nação civilizada. Apostamos numa “moralização” do Estado. Os custos
dessa suposta “moralização” cabe ao futuro revelar. Às vezes me parece uma
moralização com gosto de sangue, sedenta de sangue, portanto uma moralização
que fere, inclusive a democracia.
14h25. Pouco mais de meia-hora até entrar no banho. Preciso
ver o programa de ontem de Bolsonaro.
14h41. Não achei e perdi o meu tempo na internet, li que ele
declarou que vai caçar petistas e vermelhos, ou seja, a oposição. Isso não me
soa lá muito democrático ou constitucional. Bom, espero que sejam palavras
vazias, como ele diz que todos os seus depoimentos passados foram.
14h53. A hora de tomar banho se aproxima, galopante. Não
estou com saco para nada hoje, essa é uma sensação que se apresenta
repetidamente nos últimos dias. Não me desagrada, porém não convém hoje. Queria
ficar aqui escrevendo, tomando café e Coca, ouvindo música, que ainda não
coloquei. Não terei tempo para isso agora. Quando voltar de Ju. Não sei o que
dizer a ela. Vou olhar o Tinder.
15h03. Nada que tenha feito os meus olhos brilharem, mas dei
um superlike em uma. Preciso tomar
banho. Antes, preciso tomar coragem. Estou satisfeito com a vida por me
apresentar poucas, mas grandes contrariedades. Estou com medo da censura de
Bolsonaro e de ser uma de suas vítimas.
17h32. O que ficou de mais marcante da minha consulta com Ju
foi justamente a declaração final dela: “tenho muito carinho por tu”. Me calou
bem e profundamente. Me fez muito bem, o que demonstra a enorme carência
afetiva a que me submeto. Eu poderia amar Ju, acho que seria fácil e bom. Mas
não vou misturar as coisas pois não devem ser misturadas. Nem sei bem o que
digo, estou com uma dor chata nas costas que me impede de me concentrar propriamente.
17h49. Estou sem saco de escrever.
19h43. Estava vendo um programa que meu irmão JP,
aniversariando hoje, me mandou. Sem comentários porque não estou com paciência
para eles. A dor nas minhas costas me incomoda, tenho que caminhar muito
lentamente para minimizá-la e só com algum tempo em pé a coisa melhora um pouco.
Estou ficando velho, isso jamais aconteceria aos meus 18 anos. Ficar velho me
assusta, a velhice sempre me foi assustadora e torna-se ainda mais quando vejo
como se apodera da minha mãe, debilitando-a. Tomei um Dorflex dado pela
fantástica faxineira, mas acho que ainda não fez efeito, ou se fez, não foi
muito grande. Queria muito mandar uma mensagem para o anjo do Tinder.
21h04. Minha mãe chegou, disse que vai botar uma compressa
de água morna para eu deitar em cima. Minhas costas estão demais. Se for como
da primeira vez que ocorreu, vou passar uma semana sentindo essa dor. Coisas da
vida, é aceitar e suportar. Mandei o discurso de Bolsonaro para a minha mãe
ler. Não sei se o fará. Tanto faz, em verdade. Eu pelo menos dormirei com dor
nas costas e a consciência limpa de não ter apoiado o ser. Queria tanto falar
com o anjo, mas esperarei. Tenho todo tempo que a existência me concede. A
frase de Ju ainda ecoa dentro de mim e ter vindo quando falo do meu lado
afetivo é estranho e errado. Pensei em mandar um WhatsApp dizendo que o carinho
é recíproco, mas não o farei, não sei que interpretação ela teria e não quero
abrir margens. É algo desnecessário em nossa relação. Não estou com vontade de
escrever, acho que vou comer e me deitar. Não quero isso também. Não ainda.
21h39. Interessante como a dor atrapalha o raciocínio, o
constante desconforto, meu corpo gritando que não é mais o que costumava ser.
22h37. A Gatinha me ligou. Foi bom, é bom ouvi-la, sabê-la,
sempre. Estou mais despretensioso em relação a vida, já não me importa mais ser
escritor, importa apenas escrever. Se é válido ou lixo não cabe a mim julgar,
nem me importa mais o julgamento alheio. Tenho em minha cabeça que nunca serei
publicado e tal constatação já não me afeta ou frustra como antigamente. Em
verdade tenho vergonha de como me apresento no Diário do Manicômio. Talvez hoje seja um pouco mais do que fui,
devo ser, errar e reconhecer os erros é crescer. Acho que consegui rever alguns
e não mais os cometo. Não sou uma pessoa exemplar, longe disso, nunca o serei,
mas estou contente com a minha humilde pequenez. Queria muito, muito, muito ter
uma namorada jovem, gata e legal, mas eu não sou jovem gato e não sei se sou
legal, logo a probabilidade de isso acontecer é mínima. Nas redes sociais quase
tudo é política e toda a luta da esquerda é em vão. Pelo menos teremos a
consciência limpa de que tentamos e alertamos, restar-nos-á sofrer as
consequências. O que mais me dói não é o que fará à democracia e aos
brasileiros, mas o que objetiva fazer contra a Mãe Natureza, um dano que será
irreparável, irresponsável e burro. Nossa, que desastre.
23h20. Cansei de política por hoje, já tive a minha
avalanche de notícias e contranotícias. Aceitação, acho que estou nessa fase
agora. Aceitando a vida como ela é. E sendo extremamente grato por ser assim
comigo. Acho que o meu lugar no mundo, que é muito peculiar e muito meu, valeu
todo o sofrimento pregresso pelo qual passei e me submeti. Estar livre da
depressão, da escravidão do trabalho, podendo me dedicar ao meu ofício que
tanto amo e que não me remunera economicamente, mas me recompensa das demais
formas, é sem dúvida uma existência abençoada. Apesar da dor nas costas, apesar
de Bolsonaro, apesar de não ter uma namorada e de abdicar da vida social (não
alcanço e cada vez mais distante fica), apesar desses pesares, gosto de quem
vou me tornando, gosto de ser e de estar no mundo. Não tenho lá muitas
convicções ou opiniões formadas acerca das coisas dos homens e elas não me
interessam e se interessam, interessam cada vez menos. Me fecho em mim, me
tranco na minha gaiola – o quarto-ilha – onde posso ser completamente livre
através do meu texto.
23h46. Vi as top do Tinder e havia um par de mulheres
deformadas de tanta malhação, negócio horrível, não me atrai nem um pouco. Eu
não vou mentir, o anjo não me sai da cabeça. Pode ser que outra surja, mas eu
já desenvolvi afeto por ela. Acho ela especial. Em verdade, acho que é uma
patricinha de Boa Viagem sem muita coisa na cabeça, mas é absolutamente linda e
parece ser alegre, ter a alma leve e fresca, do frescor que só a juventude
proporciona. Ela me encanta. Eu que também sou um desmiolado sem muito na
cabeça. Outra coisa que não me sai da cabeça é a liberação do desmatamento da
Amazônia pelo odioso. É de uma estupidez tão desmensurada que me faltam
palavras, é inconcebível. E pode se tornar um fato.
-x-x-x-x-
12h11. Depois de devidamente acordado pela minha dose
matinal de café e nicotina, venho me pôr à disposição das palavras. A dor nas
costas melhorou sensivelmente, mas está longe da normalidade. Acordei pensando
em garotas. A declaração de Ju ainda encontra eco em meu peito, acho que pela
imensidão da minha carência. Mas não posso nem vou confundir as coisas. Mal
começo e já me encontro sem assunto.
13h22. Postei um monte agora no Facebook para protestar
sobre Bolsonaro. É uma situação calamitosa a que vivemos.
14h27. Fiz um elogio sincero à Portuguesinha, gosto de fazer
elogios sinceros às pessoas, por outro lado, tenho imensa dificuldade em fazer
críticas, não me sinto autorizado ou com envergadura moral para criticar
ninguém. Acompanhar ciberneticamente o dia-a-dia da Portuguesinha é algo que me
traz enorme satisfação, me dá a falsa sensação de proximidade e me deixo iludir
por isso.
16h08. Embebido na política novamente. É a campanha de mais
baixo nível que já presenciei, o que demonstra o nosso nível de civilidade.
Estou com vergonha do Brasil, não o reconheço como a pátria que eu amo, a mim
me parece um monstro desfigurado moralmente. Mas sou um ser ignorante
politicamente, não entendo de política e acho uma profissão ingrata no país. Sigo
acreditando que é preciso ter uma alma muito nobre para não se corromper com o
poder. Eu não sei se eu teria essa lisura de caráter, creio que não, tendo em
vista todos os malfeitos que já cometi em minha vida. Sou uma pessoa um pouco
diferente hoje, é verdade, e seguirei me lapidando no que for capaz, mas não
afasto de mim o risco de ser corruptível. Minha reputação não é nada ilibada e
cometi diversas atrocidades morais das quais me arrependo e que não pretendo
repetir, mas cuja própria existência deixa margens para novos erros. Não quero
poder para além do que é meu e de mim. Até gostaria de ter o poder de seduzir
uma garota que me interesse (e penso logo no anjo do Tinder), mas aí paira a minha
incompetência social com o sexo oposto. E como sou incompetente nesse aspecto e
como me é custosa tal incompetência. O preço é a solidão. Pago reclamando o
mínimo que posso e não tenho outro a quem cobrar senão a mim mesmo pelo meu
absoluto fracasso. Me conforto está em já ter amado muito e profundamente e de
ter experimentado todos os ônus e os bônus do amor. Amei. Posso dizer com
absoluta convicção. Absorvi e compreendi o amor, sei o que é, do que se trata,
o que traz e o que deixa. E acabou-se a terceira página.
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