18h49. Nada me é mais aprazível que uma folha de Word em
branco. Penso que ela guarda todas as possibilidades do universo, mas sei que
em verdade, quando a tomo, ela se limita somente ao que há em mim e ao que
estou disposto a oferecer. Mesmo assim, constrita dessa forma, me agrada muito.
Estou ouvindo In Utero, do Nirvana. É
um disco que gosto bastante, é meio desgovernado, desesperado, sombrio. Estava
dando uma navegada na internet. Vou fumar e pegar Coca.
19h16. Mamãe me comunicou que vai deixar a fantástica
faxineira em casa e que irei acompanhá-la. Saíram duas pesquisas, uma indicando
empate entre os presidenciáveis e outra com larga vantagem para Bolsonaro.
Acredito mais na segunda, não acho que tenha jeito.
21h16. Finalmente, depois de pegar os filhos e deixar a
fantástica faxineira em casa, passar no Bompreço para comprar Cocas e uns
poucos outros pertences e minha mãe botar alguns vídeos de Sandy para eu ver,
sento aqui culpado. Ela queria que eu a fizesse mais companhia. Mas faz tanto
tempo que não escrevo, escrevi pouco hoje por causa da faxina. Estou ouvindo Sandy
e pensando no Azure Dragon. Foi só falar e o anjo do Tinder me surgiu na cabeça
porque lembrei das eleições e que lhe disse que voltaria a me comunicar após
tal evento, ou seja, amanhã. Penso em beber bebidas alcoólicas amanhã. Tomar um
porre. Extravasar toda a tensão desse período conturbado da história nacional.
Não sei se faça isso mesmo, mas é uma ideia que vem ganhando força ao longo dos
dias. Não terei dinheiro, nem sei onde vende crack por aqui, não acredito que
buscaria a droga, que é a razão pela qual parei de beber. Se me bater fissura,
é realmente um sinal de que não devo beber.
21h32. Não sei o que fui fazer além de fumar outro cigarro,
mas a ideia de beber amanhã pulsa em mim. Veremos. Como já chegarei em casa
bêbado, mamãe não poderá fazer nada a não ser encarar os fatos. Talvez vá
querer me proibir de ir à Vila Edna, alguma maneira de me punir há de inventar.
Mas um porre na vida não vai me matar. Porra, é a minha vida e só vou passar
por ela uma vez! Nada vai acontecer comigo além da possível e provável ressaca.
E da retaliação da minha mãe. Vale a pena. Eu acho. Nem lembro mais como é
estar embriagado. Mas não quero mais falar disso. Talvez nem o faça. Comentei
com o meu primo-irmão e ele questionou se eu estou podendo beber. Escrevi mais
ou menos o que disse aqui.
22h24. Fiz uma coisa que não fazia há semanas: fechei o
Chrome. Confesso que me sinto meio órfão. Vamos ver quanto tempo resistirei. É
um hábito já bastante consolidado, alternar entre as palavras e a internet.
Ainda mais com o Tinder acessível pelo navegador. Peguei o tique de olhar de
tempos em tempos se surge alguém. Ainda estou decepcionado com o fato de não
ter conseguido a atenção da balconista. Não há nada que eu possa fazer. É
seguir dando os meus superlikes e
confesso que estou cada vez menos exigente em relação às garotas que o merecem,
mesmo assim os que dei não resultaram em nenhum match. Peguei no mouse para
olhar o Tinder motivado pela frase anterior, mas me lembrei que havia fechado o
Chrome. Não sei porque me privo. Acho que vou fazer uma limpeza do HD. Momento.
22h55. Em vez de abrir o aplicativo de limpeza de disco eu,
sem pensar, reabri o Chrome e, uma vez aberto, não resisti e fui navegar. Tem jeito
não. Botei para baixar o filme que mamãe queria ver, sugestão da fantástica
faxineira, e Ant-Man and Wasp.
23h05. Fui fumar um cigarro. Estou ansioso por amanhã. Acho
que mais pela possibilidade de beber. É bom trelar, quebrar barreiras, embora
não esteja certo de que realmente farei isso. Escrevendo a frase anterior me
desanimei. Não sei, não sei. Não quero ir muito tarde para lá, mas também
ignoro que horas vou acordar. Ter fechado o Chrome, mesmo que o tenha reaberto,
parece que deixou o computador mais rápido, curioso. Vou pedir ao pai da Vila
Edna que guarde o conteúdo do livro só para si. E, se preferir, nem leia. Não
sei. Estou cheio de dúvidas hoje. Coloquei o novo disco do U2 para ouvir, ele
tem um significado especial na minha vida. Significa liberdade, em particular
da cola e do manicômio. Indo além, a liberdade que experimento na minha vida,
limitada como é. Minha liberdade é de um tipo diferente, pouco correlato com a
liberdade de ir e vir, que é identificada, creio, como a liberdade mais primordial.
Eu raramente saio do meu quarto e, quando saio, não tardo a sentir falta de
estar nele. O meu isolamento eu julgo já ser algo meio patológico. Tal
isolamento acho que é reflexo da condição – e decorrente condicionamento –
experimentada no período que passei praticamente em prisão domiciliar quando
morava com meu pai. Foi a medida encontrada por ele para me impedir de usar
cola. Não guardo ressentimentos de sua decisão, morando em Boa Viagem, longe da
minha turma, não havia muitos lugares para onde quisesse ir. Sofro também
privação financeira, por mais que receba pensão, só posso utilizar dinheiro
quando outorgado pela minha mãe. Isso também não me incomoda (muito), não fora
pelas bonecas e pelos cigarros. Nossa, queria muito que mamãe passasse a me dar
uma carteira por dia. Acho que vou pedir isso de Natal a ela. Por falar nisso,
preciso ir ao banco desbloquear o meu celular para poder efetuar saques da
poupança. Não agora no final do mês, mas no começo do mês que vem. Vou fumar.
Não sei. Talvez acabe tentando ir na terça, visto que segunda tenho Ju.
0h18. Já é dia da eleição. Daqui a 7h41 minutos, começará.
Tomei os meus remédios, me despedi de mamãe e agora tenho a noite só para mim.
Meu amigo cineasta me mandou uma música de Caetano para ouvir: Amanhã. Ouvirei agora. Momento.
0h48. Era uma música linda e positiva de Guilherme Arantes,
interpretada por Caê. Resolvi botar o disco todo para ouvir. Saudade danada me
bateu do meu amigo cineasta. Amo-o muito. Me dei conta do imenso após ouvir a
música. Dei um crush para uma garota
muito interessante do Badoo. Pois, é estou apelando para dois aplicativos de
paquera. Tentando o que não me invade. Já dei superlikes e crushes para
várias garotas e nada. Aliás, houve o anjo do Tinder e a garota do Instagram,
mas não sei se são/eram perfis reais. Estou com saudade do meu anjo, apesar da
insegurança em relação à sua identidade. Findada a apuração ou confirmada a
vitória, mandarei mensagem para ela. Talvez ébrio, talvez não. A vontade que
tenho tenho que calar dentro de mim. O tempo virá, é só ter paciência. Acho que
vou comer.
1h36. Devidamente alimentado. Foi um jantar digno, gostei.
Primeira coisa que me veio? O anjo. Não que haja esperança em algo que não sei
nem da veracidade. Gostaria que a garota que curti no Badoo me desse bola, é
bastante interessante e possui um piercing argola no nariz como o anjo e é loira
como o anjo e é apetitosa como o anjo. E fuma, o que, para mim, é um plus. Bom, dei várias curtidas, pode ser
que alguma vingue apesar da minha idade e do meu bucho.
1h48. Acho que vou me retirar dentro em breve...
-x-x-x-x-
13h28. Acordei há algum tempo. Recebi um match no Badoo, mas
estou sem coragem de começar uma interação, acho que porque não é alguém que me
encante de verdade. Dentro em breve me arrumarei para ir à Vila Edna, mas
confesso que não estou muito disposto para birita hoje, agora. Botei meu
celular para carregar mesmo não tendo descarregado, pois quero ter bateria para
mandar a mensagem para o anjo do Tinder quando o resultado da eleição se der. Sei
que é contraditório querer falar com alguém que talvez seja fake e que não me dá a mínima e não
querer falar com uma garota que revelou um interesse sincero pela minha pessoa.
Façamos o seguinte: quando o meu celular carregar, eu vou me aprontar para ir à
Vila Edna. Uma vez lá, inicio o papo com a garota que me deu o match no Badoo.
14h22. Acho que vou para a Vila Edna às 16h. Um bom horário
eu creio. Nem muito cedo, nem muito tarde, bem, talvez só um pouquinho tarde. Em
verdade, acho adequado. Sobre beber lá, confesso que não me decidi. Acho que só
chegando lá. A antecipação já me causa desconforto, as vésperas sempre me dão
vontade de desistir, sei bem como sou. Coloquei uma Coca para gelar no congelador
para levar para a Vila. Estou com mil pensamentos na cabeça como formigas de
asa em volta da luz em dia de chuva. Vontade de fumar tomando uma Coca bem
gelada. Resistirei um pouco mais. Confesso que estou puto com um amigo de
infância meu que mora no Canadá e defende Bolsonaro. Mas não deixarei o
antagonismo político macular a nossa relação. Essa raiva passará. Vou fumar,
não há por que esperar. A vida é muito curta para ser desperdiçada com esperas
sem sentido. Isso deveria se aplicar ao anjo, mas em relação a ela guardo uma
terna esperança.
14h53. Não estou muito inspirado para a escrita. Estou
curioso para escrever embriagado, se isso se der. Minha mãe vai pirar na
batatinha. Vai dar um escândalo. Ameaçar, internação inclusive, sei tudo o que
me espera. Não acho que seja um ato irresponsável. Estou plenamente consciente.
Não quero me prejudicar. Não acho que vá me bater fissura de crack embora não
tenha certeza disso. Descobrirei. Ou não. Não decidi sobre a bebedeira, mas
como é um pensamento dominante, acho que levarei o meu projeto a cabo. Não sei
também se haverá resistência por parte dos habitantes da Vila Edna à minha
ideia. Creio que não, mas nunca se sabe.
15h07. Creio que ébrio eu não conseguirei resistir ao
impulso, visto que o id vai estar sem rédeas, e não encomendar uma das duas
últimas estátuas que quero. A Harley Quinn. Espero que me controle. Pretendo
beber seis long necks. Mas sei que
quando começo é difícil parar. Esse é um dia sui generis em muitos aspectos. Confesso que estou com um pouco de
medo de beber e ser inapropriado. Pedirei que me sinalizem se eu agir dessa
forma. E que me coajam a manter as estribeiras. Vixe, que fixação chata. Ainda
bem que já estou na terceira página e que daqui a pouco em vez de projetar o
futuro, estarei efetivamente vivendo esse futuro que projeto. O Brasil, meu
amado Brasil, fazendo uma escolha odiosa. E eu entendo, o povo cansou do PT, o
povo é conservador e violento. Se vão haver casualidades na guerra contra o
tráfico, isso não incomoda o eleitor porque eles creem que não será com eles.
Ansiosos por “segurança”, anseiam por armas. Sei bem que tipos vão querer ter
armas em casa. São os piores tipos. Vou fumar.
15h26. Está quase na hora de me aprontar. Está quase no
final da terceira página. Quando ela acabar, vou me preparar. Colocarei o meu
melhor perfume, colarei o adesivo de Haddad e vou para o ninho de resistência e
de amor que é a Vila Edna. Me dói um pouco deixar a minha mãe sozinha, mas ela
concordou. Ademais tem que preparar aula e prova. Não teria tempo para
companhia, companhia essa que poderia estar oferendo agora, em vez de estar
aqui a escrever e não ofereço. Então é hipocrisia da minha parte o que acabo de
falar. Ainda acho que Bolsonaro, na coletiva que dará após a apuração dos votos
dirá algo como “petralhada, agora vocês vão ter que me engolir!”. Bom, acabou a
terceira página. Vou revisar, postar, tomar banho e ir.
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