Azure Dragon, versão exclusiva da SHCC (nem sei que convenção é essa) |
7h50. Uma coisa foi se emendando na outra e, perdido entre a
internet e as palavras, o sol raiou e o dia se firmou. Resolvi tomar um banho e
fazer um café negro como a escuridão (confesso que exagerei na quantidade de
café) e agora, depois de uma postagem no Desabafos do Vate, volto ao meu reduto
principal, o Profeta. Ontem não aguentei a ansiedade de dar um superlike para a balconista que gosta de
homens mais velhos e acabei comprando o recurso no Tinder por ignorância de
quando a ferramenta seria reposta. Mamãe vai reclamar, mas isso aumentou
exponencialmente a minha chance de sucesso. Ainda não recebi match da
balconista e de uma gata que certamente não vai se interessar por mim. Sei lá.
Só me resta esperar e esperar é uma desocupação que me enerva e me deixa
ansioso. Por isso escrevo mesmo que sobre a espera. Não perdi as esperanças,
especialmente em relação à balconista. Afinal, de madrugada, todos e todas dormem
e ainda está muito cedo para alguém além de mim bisbilhotar o Tinder. Acredito
que minha mãe vá acordar a qualquer momento. Vou tomar um café com cigarro.
8h08. Meu quarto é muito agradável a essa hora do dia.
Raramente o experimento nesse horário, acordo sempre em torno do meio-dia, duas
da tarde. Ouvirei da minha mãe dentro em breve. Espero que ela não demore a me
dar cigarros, pois estou sem. Vou dar uma olhada no Tinder, pode ser que haja
alguém novo nesse horário.
8h15. Nada de muito interessante, dei um like que sei que não será correspondido.
Um dos representantes da Gantaku, um dos artistas, respondeu-me. Mandei uma
mensagem de madrugada, visto que ele está na China, eu creio, para tratar do
Azure Dragon, uma das duas últimas peças que pretendo adquirir. Pelo menos até
a próxima San Diego Comic Con! Hahaha. Quero negociar a compra da versão verde
do Azure Dragon, que é exclusiva e não será acessível aos ocidentais, mas que
tentarei pleitear mesmo assim, pois considero bem mais bela que a azul escuro.
Esta também me agrada, mas se posso ter uma que me encanta mais, por que não
tentar? Vamos ver se me responde. Nossa, como detesto esperar. Acho que é uma
das únicas unanimidades que conheço, ninguém gosta de esperar. É chato para
cacete. Por isso gosto de depender o mínimo dos outros e me basto a maior parte
do tempo. Não preciso de ninguém para fazer café, fumar e escrever. E essas são
as minhas atividades principais. Sei que parece muito pouco para quem não traz
na alma um escritor, ou pretenso escritor. Bom, como já disse, abandonei as
pretensões, me é suficiente ser capaz de escrever e me publicar no blog.
8h46. Nada de interessante na internet no momento. O cara da
Gantaku aparece como online, mas nada me responde. O meu Hulk é uma peça muito
imponente, causa impressão. Não consigo fotografá-lo adequadamente, sempre sai
desproporcional, distorcido, só vendo ao vivo mesmo. Não sei como levarei esse
dia se já escrevi a noite toda, não me resta muito a dizer. Alguma coisa teria
que acontecer para haver narrativa. Bem, a vida é assim e quem construiu essa
noite insone fui eu. Arco com as consequências tranquilamente. Não há nada que
eu possa fazer. O café me mantém alerta, embora só tenha o café que está na
cafeteira, pois mamãe guardou o pó na despensa e a trancou. Afora isso tenho
três quartos de uma garrafa de Coca até que ela chegue do almoço com os alunos.
Não há motivo para preocupação, sobreviverei. O principal eu tenho: cigarro e
palavras. O resto é secundário. O
Estrangeiro é um discos mais bem produzidos de Caetano, gosto muito, foi um
show incrível de uma disco que conhecia e conheço particularmente bem, está
entre os prediletos dele. Estou ouvindo agora. Estou ouvindo desde que decidi
chutar o pau da barraca e me manter acordado. Não acredito que já entrei na
segunda página mesmo sem trazer nenhum conteúdo relevante. Sempre me
impressiono com a minha prolixidade e verborragia. Preciso de coragem e essa me
falta. Espero que a adquira quando se fizer necessária. Estou muito cansado,
talvez tire um cochilo à tarde. Me parece um ótimo projeto. Estava com tanta
esperança na balconista. Acho que não vai ser dessa vez. Talvez seja velho demais
para ela. Talvez seja o bucho que explicito no meu perfil. Talvez simplesmente
não tenha aberto o Tinder ainda. Tudo pode ser e todas as possibilidades pairam
suspensas no ar rarefeito da espera. O cara da Gantaku também não parece muito
interessado em responder os meus questionamentos. O problema está no meu
imediatismo.
9h13. Me dei um pouco de carinho agora, massageando a minha
testa e alisando os meus cabelos, foi bastante relaxante, é algo que posso
praticar com um futuro amor que pode se anunciar algum dia. Ou não, permanecerá
o meu coração mudo, sufocado pela solidão. Sei lá, estou aceitando qualquer
coisa que o acaso-destino me oferecer. Vou fumar outro cigarro.
9h28. É curioso como todos nos tornamos artistas multimídia
através da internet e suas redes sociais. Todos se publicam, se filmam, se
escrevem, se fotografam. Todos se exibem uns para os outros, todos tem os seus
segundos de fama todos os dias. Alguns são mais bem-sucedidos que outros. Eu me
encaixo no quadro dos malsucedidos, visto que minha ferramenta principal é o
texto estático, sem som, movimento, efeitos, quando muito com uma ou duas
fotos. É muito pouco e muito extenso quando comparado às pílulas frenéticas da
maioria. Somos bilhões clamando por atenção cibernética. Uma curtida, uma mensagem,
algo que faça nos sentir acolhidos e prestigiados. É meio patético pondo dessa
forma, mas é a nova realidade e participo dela, um pouco mais pateticamente que
os demais. Mas não muito. Não me envergonho do que faço, é uma pena que o
carinho que dedico aos meus textos seja apreciado por tão poucos. Nem os meus
amigos prestigiam, talvez apenas o meu amigo cineasta. É o único que me
confessou ler periodicamente estas linhas, os demais couldn’t care less. E eu entendo. O que não entendo é existir gente
que não me conhece que me leia, talvez a internet tenha realmente espaço para
todos se mostrarem.
9h46. Acho que vou de Coca agora. Estou meio empachado de café.
Retornarei a ele, mas é boa (ou percebo como boa) uma alternância. Essa é a
mensagem que o meu estômago me passa. Obviamente esse copo de Coca será
acompanhado de um cigarro.
9h58. Completei o copo e cá estou de novo a esperar pelo que
talvez não vá acontecer. É a vida e segue. Sigo com ela, tentando manter os
meus pés no chão. Nem sempre consigo, mas consigo seguir a vida sem muitos
atropelos porque me mantenho longe das ruas. Porque nada me atinge no
quarto-ilha. Só a minha mãe. Mas, para ela, amor resolve. É preciso respirar
fundo e transbordar carinho. O amor pode muito. E tudo o que pode geralmente é
bom. Há as vezes em que o amor não pode ou não consegue, é o caso das minhas
paixões. Rapaz, moçoila, estou zonzo de sono. Não sei se suportarei por muito
tempo desperto. Olhar a internet. Nada de interessante. Nada a dizer. A Coca
não está me descendo bem, parece que agride mais que alivia. “E foi e era e é e
será sim”, canta Caetano. Sim é uma palavra que me agrada. Tem todo um aspecto
positivo no cerne e ao redor. Por alguma razão que me escapa, acho o não uma
palavra mais forte e poderosa. Mais definitiva. Enquanto o sim promete o início
ou a continuação de algo, o não interrompe, freia, estanca. É uma palavra sem
dúvida muito mais bruta que o sim. O sim é maternal, o não, patriarcal. O
primeiro abre os braços, o segundo os cruza. E entre sins e nãos eu chego à
terceira página, impressionante.
10h46. Estou zumbi. E não libertarei ou acolherei meus
pretos. Prefiro a luz da manhã, a transparência da água. Agora não há espaço
para buscar os defeitos que deveras tenho e que me fazem ser quem sou.
11h40. Os óculos me pesam ao rosto, estou esgotado. Minha
mãe sugeriu que eu dormisse. É o que vou fazer quando acabar esse copo de Coca.
Acabei o copo, mas ainda não estou pronto para desistir. Não entendo por que
resisto, sei que se deitar eu durmo, mas algo treloso dentro de mim se rebela e
me ordena a permanecer. Eu sou um ser contraditório que adora burlar. Não, não
está dando mais para mim, vou fumar um cigarro e quando voltar me deito, eu
espero.
11h55. Fui, mas voltei com um copo de Coca, é um movimento
quase involuntário enchê-lo depois do cigarro, força do hábito paulatinamente
repetido. O corpo pede, num sussurro, que eu repouse, que feche os olhos, que
me deite. O problema é que gosto desse estado de sonolência, de pensar quase
não pensando. Agindo sem muita razão, sem muita consciência. Acabei o copo de
Coca, vou comer o gelo e me deitar. Pode ser que meu primo queira sair hoje à
noite, então o sono agora me será bastante útil mais tarde. O pior que vou
tomar mais um copo de Coca e fumar mais um cigarro antes de deitar. Sei não,
viu?
23h51. Dormi até bem pouco tempo atrás e pretendo voltar a
dormir dentro em breve. O cara da Gantaku me respondeu, mas estava dormindo,
pelo visto a hora boa para falar com eles é por volta das 13h30. Pena que
amanhã é sábado. Não recebi mais nem um match, que pena.
0h16. Os caras da Gantaku não estão me respondendo, mas o
momento chegará. Não há nada a fazer na internet, o meu sono se distancia de
mim e tenho medo de passar outra noite às claras. Me esforçarei para estar deitado,
no máximo às 2h.
0h43. O cara da Gantaku me respondeu, acho que vai rolar a versão
exclusiva e bem mais bela. Ele já me passou as dimensões e o seu inglês é bem
pior que o meu. Estamos tratando agora de valores. Preciso saber qual o custo de
envio para o Brasil para ver se tenho verba para tanto.
1h01. O cara da Gantaku parou de responder. Espero que
consigamos fechar a transação hoje. E espero que eu pegue a versão exclusiva.
-x-x-x-x-
17h03. Dormi bem e a resposta do cara da Gantaku foi um “ok”
para as proposições de segurar uma versão exclusiva para mim e negociarmos após
a SHCC. Semana que vem eu falo com ele. Hoje talvez saia com o meu primo-irmão,
investigarei isso agora.
17h08. Mandei mensagem para ele. Coloquei Sandy para ouvir.
Estou ligeiramente trêmulo, conversei um pouco com o meu primo urbano e
continuo achando que ele está estranho comigo. Ou será que sou eu que estou
estranho com ele? Eu acho que me ofereço com a alma aberta e desarmada eu creio.
Acho que ele se esforça para isso também. Não sei porque acho que haja ruído,
só sinto que haja. Algo que percebo, mas que não sei definir. Quase como se houvesse
um sentido para além dos cinco que conscientemente experimento, que capta essa
dissonância. Sei lá, falo asneiras porque estou trêmulo e apenas me esquentando
na escrita. A terceira página acabou. Revisar e postar.
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