segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

MAIS UMA FESTA: O ANIVERSÁRIO DO MEU SOBRINHO




23h29. Não estou com alma de escrever, vou ver o mundo dos bonecos. Minha mãe precisa resolver o imbróglio do cartão.

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15h48. Está havendo ainda outra festividade hoje, o aniversário de um dos filhos do meu irmão. Meu primo que morava no Pará, se não me engano, já chegou e me encomendou um desenho. Não faço mais desenhos, seria uma tortura me submeter a fazer, ainda mais com tema tão abstrato quanto o que eu acho do ser que ele é. Sei que é uma pessoa que coloca a família em primeiro lugar e não sei mais que isso.

17h30. Mandei para a Gatinha:

“Brigado, Gatinha. Desculpe se me torno uma pessoa cada vez menos admirável. É o que o tempo vem fazendo de mim. E as escolhas que faço, claro”.

17h31. Me encolho no meu quarto-ilha para não enfrentar as socializações do aniversário, que transcorre com poucos convidados. Meu português está ruim e escrever me é mais penoso que o normal, acho que por causa de ontem. Espero que com o tempo volte um pouco ao meu ritmo habitual de escrita. Talvez haja pessoas dos Gonçalves em Porto, por isso o esvaziamento desse evento. Me sinto culpado em me isolar. Mas não o suficiente para sair do meu covil.

17h45. Passeei um pouco pela internet, queria dormir mais. Estou de baixo astral hoje. Minha mãe disse que vai cancelar o outro cartão, não acho que deveria fazer isso comigo. Sei que exagerei e que já exagerei outras vezes, mas gostaria muito de uma nova chance, tolher a minha capacidade de ir e vir comprando créditos de Uber acho profundamente injusto e me põe inseguro ao sair de casa usando o serviço. Gostava da garantia de que, onde quer que eu estivesse, eu conseguiria chegar em casa. Isso deveria ser preservado. Respeitado. Ainda vou conversar com ela a respeito. E tenho compromissos financeiros até o final de 2019. Duas bonecas chinesas que serão lançadas nos terceiro e quarto trimestres do ano vindouro. Me comprometi com Daisy, ela assumiu a dívida por mim, fazendo as encomendas. Estou desgostoso com o mundo. Acho que a ausência de comunicação é um dos fatores. É a vida e segue. Cada vez que vou pegar gelo para a Coca, me deixo estar um pouco na festa. Foram festas demais num curto período e mais haverá amanhã, quiçá a última. Certamente a última desse ano. Acho que a melhor definição para o que sinto é falta de ânimo, ainda estou combalido do dia de ontem e a idade pede mais descanso do que me foi permitido. Eu sinto vontade de estar um pouco na sala.

18h28. Não sinto que o eu que se dá hoje – e ultimamente – caiba adequadamente na situação. A de ontem foi muito mais convidativa, tinha mais a minha cara, eu revi pessoas que há muito não via e que fizeram parte de uma fase muito boa da minha vida, a juventude nas Ubaias. Nossa, eu era totalmente outro, a ponto de ser considerado “role model” por uma das pessoas mais inteligentes que conheci. E de ele ter desenhado o seu futuro inspirado nos passos que ensaiei caminhar no ingresso formal na vida adulta. Ingresso esse que não passou de fato do ensaio. Tudo o que decorreu, à exceção do período da Gatinha, foi excessivo e descontrolado e infeliz. Meu lugar é aqui, com minha mãe, entregue aos auspícios dela. É como consigo me sentir melhor no mundo. É como sei e decidi viver. O acaso-destino e as minhas escolhas me trouxeram até essa condição e não me arrependo dela. Privo-me de quase tudo para me possuir e ser o mais completamente meu. Vou dar outra circulada na festa.

18h56. Os meninos vieram aqui e um deles identificou que o meu quarto fede. Tem um olfato muito aguçado. Não sei a que fede, não perguntei. Não sei se é a cigarro ou algo além. Fiquei curioso, mas também acho que a minha cadeira fede, vítima que foi de infindas flatulências. Encruou. É uma cadeira bastante resistente, sem dúvida e pretendo a manter na reserva, mesmo que nova venha, não sei da durabilidade das cadeiras de hoje. Queria conforto, ergonomia e resistência, talvez braços, não sei. Seriam úteis para jogar videogames. Por sinal a minha TV não está ligando. Espero que seja apenas a pilha do controle, mas temo ser algo pior. Meu irmão achou que é tedioso ler o meu blog. Deve ser. É o que ofereço e apenas isso. Faço isso para emprestar algum sentido à minha vida. Aliás, foi o sentido que escolhi lhe dar e estou satisfeito com ele, por mais que desagrade os demais. Talvez devesse reduzir ainda mais o tamanho dos posts, mas aí multiplicaria o número de postagens, é necessário dar vazão, é necessário não parar de escrever. Só é necessário parar de escrever para amar, para o que é desejável socialmente, para apreciar os meus bonecos e para fumar. Interrompo de todas as outras maneiras à minha escrita regada à internet a contragosto. Acabaram de cantar os parabéns, vou lá aparecer nas fotos.

19h25. Apareci e desapareci, cá estou de volta na minha incansável busca para manter a sanidade. Meu banheiro também fede, talvez eu mesmo feda, não sei, ninguém nunca reclamou, é um insulto do qual poucos seriam capazes independentemente do odor que exalo. Preciso conversar com o meu irmão a respeito da ida a Areias e das informações colhidas com o meu primo urbano ontem. Acho que há algum ruído que surgiu na minha relação com este último depois que mudou os seus hábitos de vida. Toca Arisen My Senses, eu aumentei o volume, acho uma música mágica, principalmente se se prestar atenção nela, o que não faço dedicado às letras. Mas há tanto barulho lá fora que me dei ao luxo de ouvir música mais alto. O que eu queria? Só comunicar a meu irmão os detalhes de Areias. E que mamãe lesse o post que reparti com ela pelo WhatsApp. Talvez que ela viesse conversar comigo. Conversaríamos então.

20h23. O resto da família veio conhecer o meu Hulk e ver a minha coleção de figuras, mesmo dentro das caixas, quem sabe 2019 seja o ano de libertá-las para aprisioná-las uma vez mais e definitivamente em vidro e madeira. Quando finalmente chegar o momento de apreciá-las. Quando o quarto-ilha evoluir para o seu estado final, completo. Completo só estará quando todas as peças que estão/estarão na casa do meu irmão aportarem aqui. Isso levará anos, no meu prospecto. Aguardarei pacientemente. Como tenho aguardado ao longo dos anos que passaram. Que vão se acumulando, assim como se acumulam figuras aqui e lá. Mas isso terá um fim. Sonho com esse dia, por mais distante que esteja. Só está o nosso núcleo familiar na sala e mesmo assim me sinto indisposto a me juntar a eles. Estou com certa indisposição física no momento. Sei que é passageira, entretanto. Não sou mais a pessoa que costumava ser, sou uma versão depurada dela, de sabor mais forte e amargo, que cada vez menos se oferece à apreciação alheia e, contraditoriamente, se expõe o mais nu e cru que consegue para o mundo, que não tem o mínimo interesse pela minha nudez ou crueza. Escrevo para mim, não para o outro, para satisfazer as minhas necessidades, não a de algum suposto leitor. Mesmo assim sonho ser descoberto e desvendado. Não se dará. Faço isso há tempo demais e, se não se deu até agora, nunca se dará. A principal razão, direção e motivação da minha existência é um enorme desperdício de tempo e esforço. Não ouso utilizar a palavra talento entre as coisas desperdiçadas pois creio que, caso o possuísse, seria lido. Fato é que eu sou o único interessado na minha vida desinteressante. Grande osso desse meu ofício. Osso duro de roer. Mas não me resta alternativa senão aceitar que as coisas são assim. O acaso-destino escolhe poucos para serem grandes. Não foi, não é e não será o meu caso. Acreditei por algum tempo que fosse. Acho que todo mundo acredita nisso em algum período da vida, eu, que decidi não crescer, continuo com ilusões pueris. Mais pessoas do que o normal têm me perguntado o endereço do meu blog e vejo nos olhos deles que não lerão, é um interesse vazio de qualquer intenção sincera, uma forma de serem polidos apenas. Mesmo assim lhes indico o caminho, movido por uma oca esperança. A minha esperança em relação a Blanka se torna também a cada novo dia mais oca. É uma pena. É a vida e segue. Começo a acreditar que pelo ofício que exercem, professores são mais comunicativos em geral, para além da sala de aula. Nas situações sociais e cotidianas. Eu sou uma espécie de não-professor, nada ensino, quase nada falo. São raras as pessoas com quem eu sinto abertura para me abrir ou menos me dou a tais situações tão absorto estou em criar este monólogo de mim mesmo.

21h52. Em breve todos da casa estarão dormindo. A noite será minha, embora não esteja com disposição para esticá-la. Veremos até onde chego. Tenho expectativa de começar um novo post depois deste, visto que este já vai bem adentrado na terceira e última página. Estou considerando para 2019 diminuir o número de página para duas, mas isso é algo que demanda muita ponderação. Entretanto, se me acostumei às três, talvez me adeque às duas somente.

22h18. Aparentemente mamãe está lendo o post que dediquei a ela. Os resultados verei amanhã, se algum. Espero que não sejam negativos ou só negativos. Estou me dispersando do texto pelos sons advindos das demais pessoas no corredor. Meu sobrinho, filho caçula do meu irmão, está com febre. Eu sinto um amor genuíno pelo primogênito e é mais forte do que imaginava, diferente também. Uma descoberta. Me amedronta. Não sei se estou preparado para esse amor nem sei como vivê-lo ou expressá-lo, não é constante, mas irrompe em certos momentos e vislumbro o que pode ser o amor de um pai por um filho, obviamente numa ordem de grandeza menor, mas é arrebatador. Nunca havia me sentido assim com nenhum dos meus sobrinhos, mas acho que tenho especial identificação com esse, embora ache os demais adoráveis, tanto os outros dois do meu irmão quanto o casal da minha irmã.

22h48. Meu irmão é uma máquina movida a responsabilidades, muitas delas que nem são completamente suas, mas basta apenas um vestígio de que aquilo lhe caiba para que faça. Não poderia ser mais oposto e me sinto pequeno e inútil diante dele. Não é um sentimento bom, mas sinto-o como pertinente. Talvez só seja mais disposto que eu. Ou condicionado a levar a vida dessa forma e eu tenha me condicionado no completo oposto. Mesmo assim, culpa vem porque acho o seu condicionamento imensamente mais positivo, proativo e virtuoso que o meu. Por outro lado, me conformo que cada um consegue ser apenas o que é capaz de oferecer, todo mundo faz o melhor de forma diferente, todos buscam uma maneira de estar melhor no mundo.

0h27. Há rótulos que nos empregamos que são completamente inúteis; “o menos inteligente dos três”. Por que carregar isso na cabeça? Algo que não tem o menor fundamento, evidência, é uma especulação fantasiosa, uma ilusão que faz mal à autoestima. Agora já não acho que ser o mais alienado de todos os da minha geração, todos os adultos que conheço seja uma falácia. Eu me movo nessa direção porque acho que vivo melhor assim, sem saber do macrocosmo em que estou inserido. Só partes específicas dele, pelo menos no que diz respeito ao maravilhoso mundo dos bonecos. Acabou-se a terceira página.    


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