6h22. Eu fui dormir muito cedo, acordei para comer e perdi o
sono. Mamãe apareceu aqui e, como é um comportamento diferente do dos cidadãos
normais, já achou que eu estava com algum problema de ordem psicológica. O que
ela não entende é que deixei de seguir os padrões sociais há muito tempo, a
maioria deles não me agrada, não consigo nem quero me adequar. Prefiro levar a
vida do meu modo, na minha toada. E minha toada inclui momentos como esse. Vou
fumar um cigarro, um dos últimos, ainda bem que recebo carteira hoje. A
internet está uma bosta. Mesmo assim fui completamente absorvido pelo
maravilhoso mundo dos bonecos.
6h34. Só um coração de mãe sabe o que um coração de mãe
passa e é capaz, especialmente tendo um filho tão esquisito quanto eu, com
hábitos e gostos para lá de peculiares. Sei que estou vivendo a vida da melhor
forma que posso, da melhor forma que sou capaz de viver, mas acho que tudo o
que ela vê é um grande talento, um grande potencial desperdiçado e desperdiçando
a vida. Aí já pode ser imaginação minha. Sei que faço exatamente o que gosto e
quero. Espero que ela não cancele o meu cartão até março, seria uma bronca sem
tamanho. Espero que não cancele o cartão nunca, pois agora que estou paquerando
ele se faz mais útil do que jamais foi. Além da Rebel Terminator que está
gerando estes valores elevados no cartão, pleiteio o Azure Dragon, mas tudo
depende do custo de envio para o Brasil. Espero até agora a posição do cara da
fabricante e ele não foi capaz de me dar resposta. Bom, não quero falar de
bonecos agora. Queria falar da minha mãe, mas o que dizer dela? Está mais
amorosa, mais preguiçosa, mais combalida pela idade e pelo tratamento contra a
volta do câncer. Terá grande felicidade quando o meu irmão US chegar com a sua
turma, assim como terei também. Falei de certa vergonha no lidar cara a cara
com o meu irmão na terapia, mas não preciso fazer nada que não esteja
disponível a fazer. Tenho certeza que meu irmão me compreenderá, é a pessoa que
mais me compreende no mundo. Minha mãe é a que mais sabe de mim, mas não
consegue compreender a maioria das minhas escolhas e tem dificuldade de
aceitá-las, embora esteja aceitando muito mais do que costumava fazer. E por
isso sou grato ao tempo e ao esforço dela, pois tenho certeza que se esforça
para tentar entender o que vai na minha cabeça que é tão diferente do que vai
na cabeça dela e dos demais com quem lida. Embora, como e todo e qualquer um
estou tentando levar a vida da melhor forma que consigo. Minha mãe acordou,
falei tanto nela que fiquei com saudade da sua companhia, vou lá ter com ela,
depois volto, há tempo o bastante para essas palavras. Tempo demais até.
7h55. Mamãe soltou os cachorros em relação a Blanka. O canil
inteiro. Sua total descrença na relação que pelo menos eu estou tentando
construir, falou inclusive palavras de baixo calão que não cabem a mim
reproduzir, se exacerbou tremendamente e justificou todo o seu preconceito e
desconfiança advinda desse preconceito como o desejo de uma mãe de proteger seu
filho. Que seja, disse que sentiu-se mais aliviada depois do desabafo
indiferentemente se as palavras me agrediram ou não. Sinceramente não sei que
expectativas ter em relação a Blanka se mal fala comigo desde o nosso último
encontro. Sei lá da vida. Sei que estou zumbi e gosto desse estado, traz uma
paz interior muito grande e gostosa de sentir, talvez por isso tenha ouvido o
sermão de mamãe com tamanha tranquilidade. Imaginei que a minha relação com
Blanka seria um desafio com vários obstáculos, difícil, mas não me veio à cabeça
que encontraria tamanha rejeição de mamãe.
8h33. Me perdi com conversas com o eletricista, o pintor e
no maravilhoso mundo dos bonecos. Bom mamãe está aliviada agora que desabafou
toda a sua ira em relação a Blanka comigo. Não acredita que ela vá ao Natal dos
Barros. Não acredito que ela não vá falar comigo hoje. Acharia falta de
consideração. Mas ainda é cedo. Hawkmoon
269 passando, potente e maravilhosa, U2 no seu melhor, para o meu gosto.
Ouvi muito esse vinil. Quando Blanka nasceu não havia mais vinis. Nossa, a diferença
de idade é gigantesca e eu acho isso uma vantagem. A juventude feminina não tem
preço. É o espetáculo mais belo que o universo pode proporcionar a esse primata
bípede que vos escreve. Pelo menos minha mãe disse que eu escrevo bem. Gosto de
ouvir isso, embora custe a acreditar que algo de bom parta de mim, há sempre um
bloqueio, uma negação, uma relutância, desconfiança. Quem me moldou tão
inseguro e tão desacreditado das minhas qualidades? Por que continuo a me
colocar assim? Por que não aceitar que tenho qualidades, pálidas e fugidias,
mas tenho? E, mais difícil ainda, aceitar que elas me bastam para me ver como
uma pessoa digna, não digo ilibada, mas normal, tão pecadora como qualquer ser
humano, com alguns lapsos de graça.
10h02. Nesse momento, estou meio puto de não ter notícias de
Blanka. O veneno que minha mãe enfiou-me goela abaixo fazendo efeito. E é
bastante tempo sem falar comigo mesmo. Quero só saber a justificativa.
10h18. O tempo se arrasta. Vou fumar. E beber Coca.
10h32. Me disse chateado com Blanka a esta pela falta de
comunicação.
10h40. Eu não sei mais o que dizer, nem sinto vontade de
dizer. Talvez seja o cansaço o pior que o pintor está trabalhando na porta do
meu quarto, então não posso fechá-la e ligar o ar para um cochilo.
19h31. Dormi até as 16h e fiquei conversando com Blanka até
agora. Foi bom.
-x-x-x-x-
14h51. Estou conversando com Blanka, o que é bem melhor que
escrever para quase ninguém. Depois conto do exame de pulmão que fiz hoje.
15h28. Ela tem afazeres, então cá estou de volta à escrita
solitária. Talvez nos falemos amanhã. Não sei. Sei que a médica viu meu raio-X,
meu teste de função pulmonar e achou tudo normal, não falou, como da primeira
vez, que eu havia perdido 38% da minha capacidade pulmonar. Estranhei, talvez
tenha feito o exame de forma errada da primeira vez e, como o aparelho agora
foi diferente, tenha o utilizado melhor. Realmente um mistério. Mas se nada há
de anormal, fico feliz. Pediu apenas que continuasse usando a bombinha até
acabar. Estou pensando em Blanka, em como despertar o seu afeto por mim. Para
isso é necessário, creio eu, que me deseje sexualmente, para além do carinho,
quero muito que aconteça o encontro do dia 27. Não sei se irei para Porto com o
meu irmão, entretanto. Caso vá acho que retornarei no mesmo dia, mas acho a
probabilidade de mamãe ir no dia 26 mais plausível, então no dia 27 estaria
livre. Veremos.
17h11. Não sei como o tempo passou até este momento, mas
passou. A internet está um droga, falarei com mamãe para que ela, ou eu, tome
uma medida antes de o meu irmão chegar porque ele e minha cunhada vão precisar
de internet. Mas não quero pensar nisso agora, nem quero escrever. Queria era
poder levar Blanka para Porto, mas sei que mamãe vai ser terminantemente
contra, ademais nem sei se Blanka teria disponibilidade para ir. Nem sei se
mamãe vai. Deixa para lá, já estou querendo demais. Mas queria um pernoite com
Blanka no dia 27 e sua presença na festa da piscina no dia 29, caso realmente
haja. Essas duas coisas acho mais possíveis. É, mas a prova de fogo vai ser
agora dia 22, no Natal dos Barros. Se conseguirmos sobreviver a ela, creio que
haverá uma maior consolidação do casal que pretendo que nos tornemos. Depois
desse dia, acho que a nossa relação fluirá de uma nova maneira, mais fácil, não
sei, posso estar imaginando coisas aqui. Desde que percebi que não sei
distinguir o que factual do que é mera imaginação dentre as coisas que me passam
à cabeça, acho que se projeto qualquer coisa, ela não passa de ficção. Embora
Blanka também esteja achando que esse dia 22 será um divisor de águas para a
gente. Estava tranquilo, já volto a ter receio e ansiedade quanto ao dia. Bem,
o que tiver de ser será. Estou otimista apesar do pé atrás. Encontrei a garota
que tem as particularidades que se adequam às minhas necessidades. Não sei se
preciso mais do que o que teremos à nossa disposição, nossos encontros não
serão tão frequentes, ou serão tão frequentes quanto desejarmos. Mas vai ainda
um longo caminho até ela realmente querer me ver, sentir minha falta. Ela é
emocionalmente muito fechada, especialmente no que tange a homens. Minha
intuição ou imaginação acredita ser possível, é ter paciência. É um processo,
um difícil processo, especialmente para ela. Queria que as coisas avançassem
antes da alagoana ressurgir, se bem que isso nada muda a natureza aberta da
nossa relação. Na nossa relação, para o bem ou para o mal, não há espaço para
ciúmes. Odeio ciúme, é um sentimento corrosivo e mesquinho. Odeio sentir. Até
agora não se deu. Nem pode se dar. Ela tem Dande como a pessoa da sua vida, tem
isso bem cristalizado no seu ideário.
19h53. Conversamos ainda um bom bocado, talvez nos vejamos
nos dias 22, 27 e 29. O dia 27 sendo meu presente de Natal, um pernoite no
motel que eu tanto pedi. No Senzala, que achei mais ajeitadinho que o
Olympikus, num quarto com banheira. Pedi que considerasse com carinho e me
desse a resposta após o dia 22, ela disse que daria no próprio dia. E disse que
topava vir para o aniversário do meu irmão no dia 29. Espero que após o dia 22,
mamãe encasquete menos com Blanka. Será o momento de a “sogra” conhecer a nova “nora”.
Nossa nem consigo imaginar tal encontro. Será desconfortável para ambas, mas
acho que ainda mais para mamãe, o preconceito que carrega é enorme.
20h17. Fui fumar um cigarro e me perdi do assunto por um
momento pensando que este não seria o momento apropriado para morrer, injetado
de vida que estou. Os próximos dias prometem só coisas boas, é uma época muito
boa para ser eu. Se tudo correr minimamente como planejado, tem início uma fase
muito feliz da minha vida. Em verdade acho que o embrião dela, quiçá o feto, já
esteja formado. Não sei realmente. É tudo muito novo, uma descoberta, que vai
se desnovelando a cada novo dia. É uma novela a minha vida agora, de enredo
elaborado, com drama, mistérios, verdades, segredos e o romance que se constrói
mas que não se consolida nos primeiros capítulos, os primeiros capítulos foram
em verdade bem sui generis, a novela promete ser boa, repleta de emoções.
21h17. Enquanto caminhava rumo a pizzaria uma parte autônoma
ou secundária de mim me conduzia até lá, visto que eu estava pensando em coisas
todas outras. Todos na pizzaria me receberam com um sorriso de simpatia mútua,
pois sorri também, feliz em revê-los. Quero divagar por outras paragens. Me vem
a chegada do meu irmão, mas não é sobre isso que quero falar. Bateu o modo
antissocial em mim, nossa como odeio, Blanka o conhece bem, se deu no nosso
último encontro. Lutei contra ele e agora me aparece de novo. É algo do que
devo dar um tempo agora, esse medo de enfrentar as pessoas, do social. Não
preciso disso agora. Imaginei uma cena fictícia agora, na casa de uma amiga, na
madrugada que se iniciou com o fim da celebração do seu aniversário ou, antes
ainda disso, com a missa de sétimo dia de seu pai. Ficamos o marido, dois
amigos dele e eu, depois de um bocado de cerveja, eu não estava bebendo,
acenderam um baseado e eu fumei. Entrei numa vibe legal com eles falando de
filmes de super-heróis, foi quando me deu vontade de ver Deadpool, pelo o que o
melhor amigo do marido propagandeou do filme, que ainda estava nos cinemas à
época, eu acho, até que chegou o momento que me travou: o marido botou quatro
carreiras de cocaína e cheirou uma numa nota de cem reais enrolada, ofereceu o
canudinho e o espelho a nós, os demais entraram na onda, primeiro o melhor
amigo, depois o namorido de outra amiga nossa que esticaram conosco da missa para
o bar para a casa do casal, eu fiquei mais meia-hora e chamei um Uber pra casa
enquanto discutiam se filmes de super-heróis e fantasia baseadas em séries de
livros, como Harry Potter poderiam
ser considerados clássicos, eu só considero clássicos dessas categorias o The Dark Knight Returns e Senhor dos Anéis. Gostaria de ter
coragem de colocar um da Marvel, mas não tenho, tenho da Pixar; no mínimo Wall
E, é o 2001 (outro inegável clássico)
da Pixar. Vou fumar e comer. FIM. Acabou-se a ficção. E o post.
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