23h07. Mãe, obrigado por tudo que é na minha vida. Não sei
viver direito sem você. Estou lidando com isso na terapia, mas o vínculo é
muito forte. Meu maior medo é perder você, me sentirei completamente sozinho,
largado no mundo, nada substituirá a segurança que você me transmite. Ninguém. Tenho
medo do que serei sem você, do meu futuro. Espero que daqui para lá – e que
esse para lá seja muito distante – eu me torne mais dono de mim, mais Mário,
indivíduo independente, e menos filho seu. Não acho que vá conseguir,
entretanto. Estou tentando, mas é tão bom ter você por perto, gerenciando
vários aspectos da minha vida, se pudesse gerenciaria todos, mas isso seria
demasiado sufocante. Respeito muito a liberdade que me dá de fazer o que gosto,
o que amo fazer de forma irrestrita, de viver a vida como acho mais
conveniente, melhor, mais agradável, mais desejada. Passei muito tempo sem
desejar viver, você sabe disso. Acho que mereço agora curtir a vida, tentar ser
o mais feliz que posso, mais satisfeito com a minha condição, papel e lugar na
existência. Para tal satisfação sua presença é fundamental. Como você me sinto
cuidado, provido, às vezes até amado. Mas isso é raro, pois acho que todos os
dessabores que fiz você enfrentar danificaram o seu amor por mim. Você também
não o demonstra das formas mais perceptíveis, embora com o tempo tenha me dado
mais carinho, pois fui colher mais o seu carinho. Sou desesperadamente carente
de carinho. Blanka terá que me dar carinho, muito carinho para me conquistar e
tenho que o perceber sincero, honesto, querido. Mas dar carinho a mim é algo
que você não está acostumada a fazer e eu aceito, parcialmente, pois anseio
muito pelo seu carinho, não apenas na forma de guloseimas e limites. Sou muito
grato pela Coca que me provê e pelo cigarro, embora este último não seja
suficiente. Você não sabe a gratidão que tenho por isso e como ambos são fundamentais
para o meu bem-estar.
23h38. Você e meu padrasto voltaram do shopping. A verdade é
que amo você de uma maneira que não tem comparação com nenhum outro tipo de
amor, eu sinto necessidade de você e do seu carinho. Indo ainda mais fundo,
acredito que eu guarde um grande ressentimento porque não me deu carinho
suficiente na infância, tanto é que quando começou a dar demonstrações tácteis
de afeto eu senti como uma invasão, um abuso de intimidade. Hoje estou mais
aberto e acredito que se eu lhe der mais carinho, eu um dia talvez receba mais
carinho em troca. São palavras difíceis, mas não as escolho, a minha alma as
vomita, queria eu ser um escritor que lapida o seu texto à maneira de Chico ou
do meu amigo escritor, onde cada palavra é calculada, não consigo, odeio
matemática, odeio qualquer coisa que tolha a minha espontaneidade e liberdade
de me dizer. Você em muitos aspectos me censura, não consigo ser totalmente
transparente aqui, nem deveria, visto que já há um desnudamento enorme do que
sou. Mas queria dizer mais de mim e me privo por causa da sua presença, mas são
irrelevâncias, em sua maior parte, e as guardo para o Vate. Estou confortável
dessa forma, tenho a liberdade que me cabe no Profeta e ela me satisfaz. Suas
críticas à minha, aos seus olhos, não aos meus, excessiva transparência me
magoam, acho que eu, como autor da obra não deveria sofrer interferências de
ninguém, mas não me furto a desobedecê-la e seguir o que a minha consciência
pede e permite. Nossa, Coca com gelo é muito bom, sentir meu estômago gelado é
muito bom, sentir os espocar do gás no negro e doce líquido na minha boca é uma
experiência que não tem preço. Novamente obrigado por isso. Espero que você me
ajude a pagar as bonecas que já encomendei, pode ser que o truque do desconto
da MoAF não funcione, e há duas já encomendadas por Daisy (da YetiArt que pinta
os meus kits) que já pagou o depósito por mim, visto que a compra só podia ser
efetuada da China, que tenho que reembolsar e pagar o restante quando forem
lançadas no terceiro e quarto trimestres de 2019. Não são tão caras como a
Rebel Terminator. Eis a situação, tal como ela é. Se a malícia da MoAF
funcionar, estamos bem e terei economizado mais de quinhentos dólares, se não,
não sei o que fazer. Torçamos. Sei que depois disso, só quero mandar pintar os
dois kits que tenho na China (YetiArt), mas isso não tem prazo, quando puder a
gente faz. É um alívio para mim colocar tudo em pratos limpos em relação às
minhas finanças com você. Me dá medo da sua reação. Eu tenho medo de você. Isso
é tão ruim. Você tem o poder de me machucar com a maior facilidade. Às vezes intencionalmente.
Muitas vezes visando “o meu próprio bem”. Saiba que quando você desfaz de
Blanka e destila seu desgosto por ela me machuca. Pode continuar a fazê-lo, dói
mais dessa maneira, mas aceito, assimilo, tento não guardar mágoas e afirmo que
não vou desistir até que ela desista de mim. É o que de mais concreto e
desejado eu tenho em dez anos. Dez longos anos de paixões platônicas e solidão.
Não é um relacionamento simples e nem sei se é possível, mas vou vivê-lo enquanto
o acaso-destino permitir. Enquanto achar válido, enquanto for promissor,
enquanto me fizer bem. E é uma construção complicada, num contexto complicado
com uma pessoa complicada. Ambos, eu e Blanka temos essas características, ela
enfrentará tantas dificuldades quanto eu, se realmente vier a desenvolver afeto
por mim, se desenvolvermos afeto um pelo outro. Ainda não há substancialidade
para os dois lados, para os dois juntos. Talvez haja um dia, tentarei buscar
esse dia. É uma meta de vida, acho que ela tem as qualidades que se adequam à
minha pessoa e vice-versa. O tempo é senhor de todas as coisas e sonho com o
dia em que o meu quarto terá todas as bonecas magistralmente dispostas com
Blanka dormindo na minha cama. Aceita por você. É uma longa jornada, pedregosa
jornada, não é nada fácil, mas acho a recompensa válida. Posso estar me
enganando, criando ilusões impossíveis, sendo ludibriado, mas se sou, não é por
muito e minha sensibilidade detectará se tudo não passar de um embuste.
Mentiras são difíceis de sustentar. Elas tentem a inflar e explodir como balões
e a verdade se revela. Vou comer os sanduíches que você me trouxe, eu acho. Não
ainda, ainda não me bateu a fome dos remédios. Vou fumar.
00h45. É incrível como Brilho
Eterno de uma Mente Sem Lembranças consegue ser esquizoide, pastelão, fantástico,
poético, trágico e romântico. Adoro o roteirista Kaufman (não sei de Charles ou
Andy), gosto de como ele usa o fantástico para sobrepor realidades e as
conectar. Gosto muito de Her. Esse
seria o filme para me descrever, parece, senão um retrato, uma pintura de mim.
Me identifico em vários aspectos com o protagonista, talvez o filme que mais profundamente
tenha me calado, em vários momentos eu pensei, “parece que esse cara está
falando de mim”. Amo esse filme, mas não sei se o reassistiria, prefiro ficar
com a impressão inicial. E não estou muito para nada além de escrever. Estou em
um dia extremamente prolífico, estou bastante satisfeito com a minha
produtividade.
“00:59 - Eu gostaria de assistir Alita Battle Angel no
cinema com você. Legendado.”
1h00. Mandei para Blanka agora. É verdade, eu tenho essa
vontade de ver Alita Battle Angel,
foi o primeiro filme a me tocar há tempos e não conseguiria pensar em companhia
melhor que ela. Mas tenho que chamar mamãe para o cinema, vários filmes
entrarão em cartaz em 2019 que me interessam, um cara da comunidade postou os
lançamentos blockbusters mês a mês e
há vários que quero ver: Rei Leão, John
Wick 3, Avengers Endgame, Terminator e alguns outros. O Rei Leão será puro
deleite visual, aceito até ver dublado. FICÇÃO: no futuro com o aceleramento da
capacidade de processamento e da computação gráfica, pelo menos as animações
poderão ter os personagens mexendo a boca de acordo com a língua de cada país,
tudo mapeado da boca do leitor de cada nacionalidade, e várias renderizações
seriam feitas, uma para cada língua. Acredito que isso aconteça até com os
atores humanos, reais, depois que vi o FaceApp e o novo Photoshop fazerem. Ou
foi o Première, não lembro. As crianças já crescem imersas na tecnologia,
parece que têm atração por tecnologia. Muito curioso. E muito pertinente com o
que penso. Uma parte que tem que evoluir é a UI em muitos casos. Precisa ser
mais intuitiva e mais fácil, mas, mais fácil do que comandar o celular pela voz
e ditar textos, tecnologias já bem avançada e incorporadas uma a outra?
Tradutor falado de uma língua para a outra? Só falta o Google Tradutor se aperfeiçoar
mais. Parece mágica. Mas é uma parte infinitesimal do que virá. Vou comer os
sanduíches. FIM DA FICÇÃO.
1h40. Pensei que os sanduíches iam bater mais pesado, que
bom, ainda estou com gás para escrever mais um pouco. FICÇÃO. Eu acredito que o
meu organismo, meu estômago se acostumou à Coca, ele deve ter sofrido uma
alteração na acidez do suco gástrico para compensar a acidez adicional da Coca,
se tornando mais básico, sei lá. Fiquei com medo de ter câncer no estômago
pensando a respeito. É cada paranoia. Xô. Vade
retro. FIM DA FICÇÃO.
1h45. Queria que fosse difícil separar a minha ficção do
real, gosto apenas de desgrudar um pouco e, pelo que percebi, começar e
aterrissar no real. Os sandubas estão começando a me dar sonolência, é bom
também deitar na cama, depois de passar o dia curvado na cadeira, me esticar, me
espreguiçar, me espalhar ouvindo uma musiquinha baixinha, no escurinho, mas com
a noite entrando pela janela, até que o sono me leve. É um procedimento muito
gostoso e muito necessário, dar uma trégua para o corpo e a mente. Inclusive ao
estômago e ao pulmão. Penso que posso ter câncer de garganta. É a hipótese em
que acredito mais. Ou posso viver parcialmente sadio até que causa outra venha
me levar. Um enfisema pulmonar, sei lá. Sei que confio no avanço da medicina.
FICÇÃO. Descobre-se uma alteração genética que torna o indivíduo imune ao
câncer, você gostaria que o seu filho tivesse o genoma alterado para dispor de
tal segurança? E assim com a maioria das doenças. Com leucócitos mais
inteligentes, poderosos e eficientes, com um maior repertório de doenças capaz
de combater/imunizar. Quiçá nem seja necessária mudança no genoma, células
artificialmente criadas, nano-robôs, em verdade, introduzidos como uma vacina para
todos os males. FIM DA FICÇÃO. Vou comer tortinhas de limão que vi que mamãe,
gentil e amorosamente lembrou e encomendou para mim, obrigado, mãe.
2h16. Ah, mãe, obrigado também pelos sanduíches hoje e
sempre, acho que preciso comer mais comida de panela, não só farofa com feijão,
sinto falta do frango guisado com macarrão de Maria, nunca mais o terei na
vida. É triste essa constatação. Sinto falta de um cozido, talvez seja do que
sinto mais falta. E de picanha gorda com maionese de batata, vinagrete, farofa
de manteiga e arroz, de bife à parmegiana muito, muito. Pretendo levar Blanka
um dia ao Udon. Quem sabe num dos vários filmes que vão ser lançados e que me
interessam vocês duas não possam ir? Isso se durar até lá. Será que você tem
medo de encontrar com Blanka porque tem medo de gostar dela, de ficar
impressionada positivamente? Acho difícil que seja isso. Ou talvez seja, acho
que nem você sabe. Você criou um mito terrível a respeito dela. Um nojo, quase
uma fobia. Ao menos é assim que eu capto suas opiniões. Vou fumar o último
cigarro parai ir dormir. Boa noite, mãe.
2h44. Outro filme que me marcou de forma indelével foi Child
Of God, certamente está entre os melhores filmes que já vi e atuação do
protagonista é estupenda. É um filme impactante que deixa o espectador pensando
sobre o que acabou de assistir. Pelo menos assim se deu comigo. Vou me deitar
mesmo agora. Obrigado existência pelo dia de hoje, gostei muito do que vivi/produzi,
usufruí da minha peculiar vida. Faltou uma dose maior de Blanka. É a vida e
segue.
-x-x-x-x-
11h26. Meu irmão chegou aqui com minha cunhada, sempre bom.
Acabou-se a terceira página. Acabei de acordar e o meu despertar é demorado,
chato, fico chato até me aprumar em mim.
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