23h29. Não estou com alma de escrever, vou ver o mundo dos
bonecos. Minha mãe precisa resolver o imbróglio do cartão.
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15h48. Está havendo ainda outra festividade hoje, o
aniversário de um dos filhos do meu irmão. Meu primo que morava no Pará, se não
me engano, já chegou e me encomendou um desenho. Não faço mais desenhos, seria
uma tortura me submeter a fazer, ainda mais com tema tão abstrato quanto o que
eu acho do ser que ele é. Sei que é uma pessoa que coloca a família em primeiro
lugar e não sei mais que isso.
17h30. Mandei para a Gatinha:
“Brigado, Gatinha. Desculpe se me torno uma pessoa cada vez
menos admirável. É o que o tempo vem fazendo de mim. E as escolhas que faço,
claro”.
17h31. Me encolho no meu quarto-ilha para não enfrentar as
socializações do aniversário, que transcorre com poucos convidados. Meu
português está ruim e escrever me é mais penoso que o normal, acho que por
causa de ontem. Espero que com o tempo volte um pouco ao meu ritmo habitual de
escrita. Talvez haja pessoas dos Gonçalves em Porto, por isso o esvaziamento
desse evento. Me sinto culpado em me isolar. Mas não o suficiente para sair do
meu covil.
17h45. Passeei um pouco pela internet, queria dormir mais.
Estou de baixo astral hoje. Minha mãe disse que vai cancelar o outro cartão,
não acho que deveria fazer isso comigo. Sei que exagerei e que já exagerei
outras vezes, mas gostaria muito de uma nova chance, tolher a minha capacidade
de ir e vir comprando créditos de Uber acho profundamente injusto e me põe
inseguro ao sair de casa usando o serviço. Gostava da garantia de que, onde
quer que eu estivesse, eu conseguiria chegar em casa. Isso deveria ser
preservado. Respeitado. Ainda vou conversar com ela a respeito. E tenho
compromissos financeiros até o final de 2019. Duas bonecas chinesas que serão
lançadas nos terceiro e quarto trimestres do ano vindouro. Me comprometi com
Daisy, ela assumiu a dívida por mim, fazendo as encomendas. Estou desgostoso
com o mundo. Acho que a ausência de comunicação é um dos fatores. É a vida e
segue. Cada vez que vou pegar gelo para a Coca, me deixo estar um pouco na
festa. Foram festas demais num curto período e mais haverá amanhã, quiçá a
última. Certamente a última desse ano. Acho que a melhor definição para o que
sinto é falta de ânimo, ainda estou combalido do dia de ontem e a idade pede
mais descanso do que me foi permitido. Eu sinto vontade de estar um pouco na
sala.
18h28. Não sinto que o eu que se dá hoje – e ultimamente –
caiba adequadamente na situação. A de ontem foi muito mais convidativa, tinha
mais a minha cara, eu revi pessoas que há muito não via e que fizeram parte de
uma fase muito boa da minha vida, a juventude nas Ubaias. Nossa, eu era
totalmente outro, a ponto de ser considerado “role model” por uma das pessoas
mais inteligentes que conheci. E de ele ter desenhado o seu futuro inspirado
nos passos que ensaiei caminhar no ingresso formal na vida adulta. Ingresso
esse que não passou de fato do ensaio. Tudo o que decorreu, à exceção do
período da Gatinha, foi excessivo e descontrolado e infeliz. Meu lugar é aqui,
com minha mãe, entregue aos auspícios dela. É como consigo me sentir melhor no
mundo. É como sei e decidi viver. O acaso-destino e as minhas escolhas me
trouxeram até essa condição e não me arrependo dela. Privo-me de quase tudo
para me possuir e ser o mais completamente meu. Vou dar outra circulada na
festa.
18h56. Os meninos vieram aqui e um deles identificou que o
meu quarto fede. Tem um olfato muito aguçado. Não sei a que fede, não
perguntei. Não sei se é a cigarro ou algo além. Fiquei curioso, mas também acho
que a minha cadeira fede, vítima que foi de infindas flatulências. Encruou. É
uma cadeira bastante resistente, sem dúvida e pretendo a manter na reserva,
mesmo que nova venha, não sei da durabilidade das cadeiras de hoje. Queria
conforto, ergonomia e resistência, talvez braços, não sei. Seriam úteis para
jogar videogames. Por sinal a minha TV não está ligando. Espero que seja apenas
a pilha do controle, mas temo ser algo pior. Meu irmão achou que é tedioso ler
o meu blog. Deve ser. É o que ofereço e apenas isso. Faço isso para emprestar
algum sentido à minha vida. Aliás, foi o sentido que escolhi lhe dar e estou
satisfeito com ele, por mais que desagrade os demais. Talvez devesse reduzir
ainda mais o tamanho dos posts, mas aí multiplicaria o número de postagens, é
necessário dar vazão, é necessário não parar de escrever. Só é necessário parar
de escrever para amar, para o que é desejável socialmente, para apreciar os
meus bonecos e para fumar. Interrompo de todas as outras maneiras à minha
escrita regada à internet a contragosto. Acabaram de cantar os parabéns, vou lá
aparecer nas fotos.
19h25. Apareci e desapareci, cá estou de volta na minha
incansável busca para manter a sanidade. Meu banheiro também fede, talvez eu
mesmo feda, não sei, ninguém nunca reclamou, é um insulto do qual poucos seriam
capazes independentemente do odor que exalo. Preciso conversar com o meu irmão
a respeito da ida a Areias e das informações colhidas com o meu primo urbano
ontem. Acho que há algum ruído que surgiu na minha relação com este último
depois que mudou os seus hábitos de vida. Toca Arisen My Senses, eu aumentei o volume, acho uma música mágica,
principalmente se se prestar atenção nela, o que não faço dedicado às letras.
Mas há tanto barulho lá fora que me dei ao luxo de ouvir música mais alto. O
que eu queria? Só comunicar a meu irmão os detalhes de Areias. E que mamãe
lesse o post que reparti com ela pelo WhatsApp. Talvez que ela viesse conversar
comigo. Conversaríamos então.
20h23. O resto da família veio conhecer o meu Hulk e ver a
minha coleção de figuras, mesmo dentro das caixas, quem sabe 2019 seja o ano de
libertá-las para aprisioná-las uma vez mais e definitivamente em vidro e
madeira. Quando finalmente chegar o momento de apreciá-las. Quando o
quarto-ilha evoluir para o seu estado final, completo. Completo só estará
quando todas as peças que estão/estarão na casa do meu irmão aportarem aqui.
Isso levará anos, no meu prospecto. Aguardarei pacientemente. Como tenho
aguardado ao longo dos anos que passaram. Que vão se acumulando, assim como se
acumulam figuras aqui e lá. Mas isso terá um fim. Sonho com esse dia, por mais
distante que esteja. Só está o nosso núcleo familiar na sala e mesmo assim me
sinto indisposto a me juntar a eles. Estou com certa indisposição física no
momento. Sei que é passageira, entretanto. Não sou mais a pessoa que costumava
ser, sou uma versão depurada dela, de sabor mais forte e amargo, que cada vez
menos se oferece à apreciação alheia e, contraditoriamente, se expõe o mais nu
e cru que consegue para o mundo, que não tem o mínimo interesse pela minha
nudez ou crueza. Escrevo para mim, não para o outro, para satisfazer as minhas
necessidades, não a de algum suposto leitor. Mesmo assim sonho ser descoberto e
desvendado. Não se dará. Faço isso há tempo demais e, se não se deu até agora,
nunca se dará. A principal razão, direção e motivação da minha existência é um
enorme desperdício de tempo e esforço. Não ouso utilizar a palavra talento
entre as coisas desperdiçadas pois creio que, caso o possuísse, seria lido.
Fato é que eu sou o único interessado na minha vida desinteressante. Grande
osso desse meu ofício. Osso duro de roer. Mas não me resta alternativa senão
aceitar que as coisas são assim. O acaso-destino escolhe poucos para serem
grandes. Não foi, não é e não será o meu caso. Acreditei por algum tempo que
fosse. Acho que todo mundo acredita nisso em algum período da vida, eu, que
decidi não crescer, continuo com ilusões pueris. Mais pessoas do que o normal têm
me perguntado o endereço do meu blog e vejo nos olhos deles que não lerão, é um
interesse vazio de qualquer intenção sincera, uma forma de serem polidos
apenas. Mesmo assim lhes indico o caminho, movido por uma oca esperança. A
minha esperança em relação a Blanka se torna também a cada novo dia mais oca. É
uma pena. É a vida e segue. Começo a acreditar que pelo ofício que exercem,
professores são mais comunicativos em geral, para além da sala de aula. Nas
situações sociais e cotidianas. Eu sou uma espécie de não-professor, nada
ensino, quase nada falo. São raras as pessoas com quem eu sinto abertura para
me abrir ou menos me dou a tais situações tão absorto estou em criar este
monólogo de mim mesmo.
21h52. Em breve todos da casa estarão dormindo. A noite será
minha, embora não esteja com disposição para esticá-la. Veremos até onde chego.
Tenho expectativa de começar um novo post depois deste, visto que este já vai
bem adentrado na terceira e última página. Estou considerando para 2019
diminuir o número de página para duas, mas isso é algo que demanda muita
ponderação. Entretanto, se me acostumei às três, talvez me adeque às duas
somente.
22h18. Aparentemente mamãe está lendo o post que dediquei a
ela. Os resultados verei amanhã, se algum. Espero que não sejam negativos ou só
negativos. Estou me dispersando do texto pelos sons advindos das demais pessoas
no corredor. Meu sobrinho, filho caçula do meu irmão, está com febre. Eu sinto
um amor genuíno pelo primogênito e é mais forte do que imaginava, diferente
também. Uma descoberta. Me amedronta. Não sei se estou preparado para esse amor
nem sei como vivê-lo ou expressá-lo, não é constante, mas irrompe em certos
momentos e vislumbro o que pode ser o amor de um pai por um filho, obviamente
numa ordem de grandeza menor, mas é arrebatador. Nunca havia me sentido assim
com nenhum dos meus sobrinhos, mas acho que tenho especial identificação com
esse, embora ache os demais adoráveis, tanto os outros dois do meu irmão quanto
o casal da minha irmã.
22h48. Meu irmão é uma máquina movida a responsabilidades,
muitas delas que nem são completamente suas, mas basta apenas um vestígio de
que aquilo lhe caiba para que faça. Não poderia ser mais oposto e me sinto
pequeno e inútil diante dele. Não é um sentimento bom, mas sinto-o como
pertinente. Talvez só seja mais disposto que eu. Ou condicionado a levar a vida
dessa forma e eu tenha me condicionado no completo oposto. Mesmo assim, culpa
vem porque acho o seu condicionamento imensamente mais positivo, proativo e
virtuoso que o meu. Por outro lado, me conformo que cada um consegue ser apenas
o que é capaz de oferecer, todo mundo faz o melhor de forma diferente, todos
buscam uma maneira de estar melhor no mundo.
0h27. Há rótulos que nos empregamos que são completamente
inúteis; “o menos inteligente dos três”. Por que carregar isso na cabeça? Algo
que não tem o menor fundamento, evidência, é uma especulação fantasiosa, uma
ilusão que faz mal à autoestima. Agora já não acho que ser o mais alienado de
todos os da minha geração, todos os adultos que conheço seja uma falácia. Eu me
movo nessa direção porque acho que vivo melhor assim, sem saber do macrocosmo
em que estou inserido. Só partes específicas dele, pelo menos no que diz
respeito ao maravilhoso mundo dos bonecos. Acabou-se a terceira página.