O maravilhoso mundo dos bonecos é muito frenético, muito
cheio de mensagens e postagens acontecendo, isso me deixa meio acelerado e eu
me sinto entediado quando a coisa fica mais devagar. Para manter a vida
interessante e me desligar da imensa miséria que ela é, eu corri para cá. As
novidades são, um cara me fez uma proposta para ganhar dinheiro escrevendo ou
reescrevendo textos sobre bonecos. Como acho antiético reescrever o que alguém teve
o trabalho de redigir, além de muito pouco interessante e de a remuneração ser
muito baixa, eu declinei da oferta. Tive uma ideia, entretanto, para o meu
blog: entrevistar um colecionador. Eu achei a pessoa perfeita para a entrevista,
elaborei as perguntas e mandei o convite para ver se ele se interessa. Acho que
como parece ser um cara muito auto-confiante e orgulhoso de sua espantosa
coleção, é bem provável aceitar. Só para constar ele tem 750 estátuas de todos
os tamanhos, geralmente grandes, então todo sótão dele, que não é pequeno, foi
desenhado para acomodar as peças. As fotos que ele publicou de seu “museu”
ilustrarão o provável post. Estou me divertindo milhões com o maravilhoso mundo
dos bonecos. Estou de volta com tudo. Minha excitação é tão grande que temo
estar entrando em mania, mas acho que não seja o caso. Espero que não. Sei que
quero duas estátuas, pretendo vender algumas para financiar a compra, mas tudo
está nas mãos do meu irmão, já que as peças estão lá na casa dele nos EUA.
Tenho que tomar coragem de cobrar à incrível revisora o meu livro devidamente
enxuto. Acho que vou fazê-lo agora. Eis o que vou escrever:
Sei que você quer se livrar desse projeto e nunca mais tocar
nele, então gostaria de saber se você tem uma estimativa de quando vai terminar
a “lipo” do texto. Desculpe causar-lhe tanto desconforto, não era a minha
intenção. Confesso que não olhei para o texto ainda, espero a versão enxuta
para ver tudo o que você mexeu. Foi um erro e um acerto escolher você. Erro
porque você nunca mais me verá como antes, acerto porque você conhece os
personagens e pôde me aconselhar sobre o mais sensato a se fazer. Ou seja, não
fazer. Pelo menos não por ora. O tempo é senhor de todas as coisas. ;)
Xêro, amiga, se ainda me considerar como tal. :/
18h40. Pronto. Vou mandar o que escrevi acima. Agora.
19h01. Mandei, fui fumar o meu último cigarro, dei uma
olhada no Facebook e estou de volta. Já com outra ideia na cabeça. Sinto-me
acelerado. Também tomei muita Coca e café hoje. Sinto-me bem. Quando me sinto
bem tenho medo da mania, mas acho também que tenho o direito de me sentir bem
de vez em quando. Por mais raro que isso seja. Queria que minha mãe se
aposentasse e ao mesmo tempo tenho medo disso. Pode ser que ela, por falta de
distração outra, resolva gerenciar ainda mais a minha vida. Ela melhorou
bastante nesse aspecto, devo admitir. As coisas estão melhores do que nunca
entre eu e ela.
19h54. O colecionador a ser entrevistado viu a minha mensagem
e nada respondeu até agora. Me percebo excessivamente ansioso e imediatista. Ou
sempre fui assim, não sei. Acho que me tornei mais com a velocidade
cibernética. E por ter trabalhado em publicidade onde as coisas são sempre para
ontem. Parece que realmente estou acelerado. O tempo é senhor de todas as coisas,
como disse. O que tiver que ser, será. Ou não será. Preciso sossegar o facho e
ter paciência. Melhor a falta de resposta imediata que um não. Já estou
pensando na consulta de amanhã. Vou até mandar um WhatsApp para Ju para
confirmar. Às vezes eu me sinto vivendo num sonho, numa espécie de delírio, em
algo que não é real, que é fruto da minha imaginação. É uma sensação
perturbadora. Acho que é a falta de contato humano real. Falta de mulher. É até
estranho me ver dizendo essa frase. Hahaha. Parece até que estou desesperado
por sexo. Talvez esteja e não sei. A mim não me parece. Queria tudo da mulher
menos penetração. Queria a pessoa mulher, linda e encantada. O “encantada” eu
tenho que riscar do meu dicionário por ser demasiado platônico. Aliás, não, eu
adoro a palavra e me evoca o que há de mais belo na natureza feminina.
20h29. A saciedade da comida ultimamente tem me trazido
também a vontade de morrer. De fato, me sinto morrendo, como se a força do meu
existir fosse se esvaziando diariamente, que é o que deveras acontece com a
idade que carrego, peso morto. Ou a morrer. O colecionador ainda não me
respondeu. Gostaria de saber por que. Mas isso independe da minha vontade.
Esperar. Esperanças? Tenho algumas, a maioria independe de mim, o que não é
interessante. Mas não tenho muitas. Sou um ser incomodado de ser e que não vê
maneira de ser de outra forma. Ou seja, um ser burro e inerte.
20h41. Não sei qual é a do colecionador. Mandei o link das
minhas entrevistas para ele. Talvez isso faça alguma diferença, sei lá. Que
pena. Por falar em entrevista, agora que me lembrei que este post deveria ser a
entrevista da Gatinha, mas agora que comecei, vou até o final, depois parto
para responder a entrevista. Vai ser uma boa forma de preencher a vacuidade da
minha existência. Pensei que é aqui, nessas palavras que me sinto mais acolhido
e mais eu no mundo. O blog de bonecos me traz uma sensação diferente, requer um
esforço que aqui não necessito. Sonho que um dia alguém venha a dar valor a
essas palavras, mas confesso que isso é irreal demais para ser classificado
como uma das minhas esperanças. Minha prosa não chega tão longe, embora chegue
algumas vezes a Portugal. É um lugar que me traz excepcionalmente boas
recordações. Não esperava. Muito menos poderia esperar por uma presença tão
encantadora e marcante quanto a da portuguesinha. Pobre portuguesinha que teve
o azar de cruzar sua radiante existência comigo. A vida é surpreendente, por
mais que meus olhos já tenham visto tudo o que há. Meus olhos nunca estão
cansados de ver. A beleza especialmente. A beleza talvez seja a qualidade que
mais admiro na existência. A capacidade de apreender a beleza do que julgo belo
é talvez a melhor propriedade de mim. A que mais me agrada. Estou melancólico,
minha vida definitivamente não se dá de uma forma que me contente ou me deixe
contente. O que me surpreende é que ela é minha, que eu tenho poder sobre ela,
eu e somente eu posso mudá-la e simplesmente não o faço, não de forma
significativa. A última tentativa que fiz e que requereu enorme esforço, tive
que lutar contra a minha natureza atual para fazê-lo, em nada resultou. Foi,
claro, a abordagem que fiz à portuguesinha. Para ser completamente honesto, eu
acho que estou sendo mais pessimista e miserável do que realmente sou, olhando
apenas para os cantos escuros. Não sei por que isso. Me desagrada de todo tal
comportamento e não consigo evitá-lo. Parece que o papel de vítima colou na
minha alma e não quer sair de mim. Queria ter força de viver mais plenamente,
mas me sinto fraco e débil. Fosse eu dado a misticismos, diria que há um
encosto em mim. Talvez esteja oscilando entre o estado maníaco e depressivo e
acho que estou falando merda. Quando não estou? Hahaha. A minha existência é
por demais contraditória e aborrecida.
21h36. Eu sou abençoado e as bênçãos não param de surgir. Me
sinto tremendamente culpado por isso, pois não faço nada para merecê-las. Não
sou ingrato, de forma nenhuma, tenho profunda gratidão por todas elas, só acho
injusto com os demais. Eu nada fiz, faço ou farei para merecer tudo o que a
existência tão gentilmente me proporciona. Em troca exige só a mais completa
solidão afetiva. Ou eu a imponho a mim mesmo. Eu não sei buscar e, quando
porventura tento, não surte nenhum resultado. Eu me conformei com isso. Deveria
voltar a me inconformar. Deposito todas as minhas esperanças na maior loucura
que poderia fazer na vida (afora me matar), que certamente não terei coragem de
fazer quando a hora chegar. Isso é ridículo. Se você soubesse, entenderia.
22h10. Estou em negociação com o possível entrevistado.
Estou fazendo o meu melhor, vamos ver no que é que dá.
22h40. Ele praticamente aceitou, só falta eu mandar o e-mail
com as perguntas. Dei um prazo de 15 dias para ele responder.
22h43. Como ele nada respondeu ainda, eu resolvi aproveitar
e encurtar o deadline para a próxima quarta-feira. Hahaha. Disse que era o
prazo sonhado. Hahaha. Seria ótimo, pois o post do museu que é a sua coleção
ainda estaria quente na memória dos colecionadores. A Coca está acabando. Isto
é mal. Preciso olhar o celular de mamãe para ver se tenho consulta com Ju
amanhã.
22h50. Não vai ter consulta. Saco. Talvez meu quarto fique
pronto esse ano. Assim como o banheiro. Está vendo como a minha vida é cheia de
bênçãos? Não estou confiando muito em mamãe, mas vamos ver. Preciso acabar isso
para responder a entrevista da Gatinha. Estou com uma louca superstição que em
respondendo a minha entrevista, as que fiz fluirão. Pensamento totalmente
irracional, eu sei. Não há conexão nenhuma entre os eventos. Mas agora entendo
porque protelam responder minhas entrevistas. Hahaha.
23h11. Ainda lutando para acabar a terceira página. A Coca
vai acabar, há muito pouca. Vou ter que passar para água. É bom que me dá sono
logo e vou dormir. Preciso tomar um bom banho antes. O efeito da saciedade
passou mais. Me sinto em um ânimo mais agradável. Será que sou uma pessoa agradável
pessoalmente? Aqui seu sei que pareço o último dos seres humanos. Mas aqui eu
mostro como eu realmente sou e o que realmente sinto. Ao vivo e em cores, há
sempre máscaras, o personagem eu que se amolda a situação. Por mais que tente
viver o mais autenticamente e sinceramente possível. Mas não acho que consiga
com 100% de transparência como aqui. Talvez consiga e não me aperceba disso. O
que queria conseguir era dinheiro para mais uma Coca. Não haverá. Minha mãe já
se recolheu. Acho que fico por aqui. Vou revisar e postar. Ainda falta um
pedaço de página em branco. Tudo isso para protelar a entrevista. Eu, hein? Vou
protelar, não. Vou finalizar por aqui e responder.
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