“Eu sou o herói só Deus e eu sabemos como dói”
Caetano Veloso
Ontem passei umas boas duas horas em depressão. Não sei por
que veio ou como passou. Sei apenas que é um sofrimento existencial tão intenso
que chega a ser físico, que se sente no corpo, não apenas nas abstrações da
mente. Não é uma dor física, mas algo oprimindo o corpo, apertando o peito, é
terrível. E não tem causa, explicação, motivo. Confesso que fiquei desesperado
acreditando que não iria passar e que não me sentia emocionalmente ou racionalmente
preparado para enfrentar isso de novo. Pensava que nunca mais experimentaria
tal angústia novamente. Estou com medo. Agora eu sei a diferença da depressão
para a tristeza e melancolia apenas.
-x-x-x-x-
16h00. Não ando bem essa semana. Não sinto nem vontade de
escrever aqui. Isso me preocupa. Não há nada de errado com a minha vida eu é
que estou completamente errado, todo o meu sofrimento decorre das minhas
escolhas e do desamor que tenho pelo pouco que sou. Queria compor um post para
o blog de bonecos, afinal sempre posto nas quartas-feiras, mas não tenho
assunto ou interesse. Fiz um café para mim, estou sem Coca, e foi algo
diferente que me ajudou a fugir do tédio que me assola. Há tantas contradições
dentro de mim. Eu queria simplesmente gostar ou estar em paz com quem eu sou,
mas não sou capaz disso. Não sei nem por onde começar. Há algo muito profundo,
antigo, arraigado no meu eu que não imagino como descolar de mim. Todo e
qualquer aspecto de mim me traz desgosto. Eu não me sinto merecedor da vida que
tenho tampouco quero abrir mão dela. O isolamento é pesadíssimo, mas não quero
encontrar com ninguém. Sinto-me culpado e não cesso de fazer coisas que me
incutem mais culpa. Eu me sinto culpado de ser eu. Julgado e condenado a ser eu.
Julgado por mim mesmo. Eu olho para o meu irmão, a pessoa que mais amo e admiro
no mundo, e isso, além de me provocar tremendo afeto, me diminui enormemente.
Ele é sobrenaturalmente bom, eu sou sobrenaturalmente odioso. Eu sou o inverso
das expectativas que meu pai tinha a meu respeito. Eu fiz quase tudo errado e
fracassei em absolutamente tudo. Eu me vejo como uma aberração, não há melhor
definição. Ademais sou um inútil que não quer ser útil. Eu penso na enormidade
de recursos que roubo da existência para manter a minha própria e acho um
completo desperdício. Em nada acrescento ao mundo. Nada dou em troca do que
tomo. E mesmo assim recebo e não paro de receber. Sei que a minha morte ainda
tarda, então essa troca injusta com o mundo ainda continuará por bastante
tempo. O mais curioso é que não quero mudar o meu modo de vida, não tenho
motivação para isso. Não tenho interesse e, mais, tenho medo. Só deus e o diabo
sabem o que passei para alcançar a vida que agora tenho. Ela é tudo o que eu
sonhei, o que mais desejei. Não ser escravo do estresse e das complexidades do
trabalho e da vida adulta no geral, ser livre para escrever, o que achei ser o
meu ideal de vida quando me encontrei sem saída outra que não a morte. Alcancei
tudo o que queria, não quero perder nada disso. É extremamente precioso e
querido para mim. Mas falta algo que não previa. O acaso/destino se encarregou
de satisfazer todos os meus desejos. Mas a minha atual condição e tudo o que
passei para chegar aqui me transformaram de uma forma inesperada. Vou parar de
reclamar. Acho que a cafeína está fazendo seu efeito benéfico. Eu não olho para
as fotografias de pessoas amadas que tenho no meu quarto. Me sinto culpado por
isso. Me sinto culpado por não sentir, afora pelo meu irmão, afeto verdadeiro
por mais ninguém. Talvez pela minha mãe e pela minha tia-mãe. E minhas paixões
platônicas. Repassando as pessoas próximas na minha cabeça, vejo que exagero.
Que guardo afeto por várias delas, só não sinto afeto suficiente. É tão duro
dizer isso. Vou perdendo intimidade, a fluidez das interações já não existe
para mim, tornou-se um líquido espesso o lidar com os demais. É necessário
esforço e encaro interações sociais cada dia mais como obrigações às quais me
forço para não sucumbir ao isolamento total. Queria muito não precisar ir fazer
compras com mamãe. Ela me fez concordar em acompanhá-la ontem. Não gosto de
fazer compras com ela. O único período em que gostei de fazer compras foi
quando tive um lar com a Gatinha e comprávamos coisas para a nossa casa. Estou
incomodado no momento. Por me revelar uma pessoa tão reles e fria. Por
querer-me só para mim mesmo. Por desejar que ninguém venha me interromper, me
tirar do quarto-ilha. Eu queria ter delicadeza nos gestos e toques, não ser
essa coisa bruta e desengonçada. E trêmula. Tenho pensado muito em carma. Do
ponto de vista de ter um carma que não compreendo. Carma para mim é folclore,
mas me vem à mente. Penso que se continuo a receber as benesses do mundo é
porque eu estou cumprindo o meu carma de acordo. Por mais que não se me afigure
assim. Tanto faz, não existe carma. Eu dei muita sorte apenas. Eu sou
extremamente sortudo. Sou constantemente abençoado pela vida. O Batman que
comprei me incomoda. Mas não voltaria atrás na compra. Me incomoda o transtorno
que darei a meu irmão. Eu só trago transtornos para as pessoas. A única a qual
faço bem, aparentemente, é à portuguesinha. As minhas palavras pelo menos para
isso servem, fazer bem a uma pessoa de bem, uma garota muito fixe que o
acaso/destino me agraciou conhecer. Pensar nela me faz bem, me envergonha
sobremaneira saber que lê essas verdades negras a meu respeito. Eu me percebo
insensível para com o mundo ao mesmo passo que me sinto em carne viva,
hipersensível por dentro. Odeio as minhas contradições. Eu sou a pessoa mais
desprezível que jamais conheci. Me comparo sempre com os outros e em todas as
esferas me considero menor, pior do que eles. A única coisa que tenho a mais do
que elas são bonecas e o número de palavras digitadas. Coisas insignificantes,
ridículas, que são minhas principais ocupações. Preciso levar a vida de alguma
maneira. Não consigo só ficar sentado ou deitado a cismar, saindo para o hall
para fumar um cigarro ou outro. Transformar as minhas cismas em palavras é
melhor que nada fazer. Mergulhar no maravilhoso mundo dos bonecos é melhor que
nada fazer. E pronto, eis a minha vida e todas as minhas atividades e
ocupações.
17h37. Pelas minhas contas eu terei 15 estátuas de 1/4 e uma
de 1/3 (o bendito Batman) para exibir no meu quarto, sem contar algumas dezenas
de bonecas menores de PVC. Eis todo o espaço que disponho e que espero que a
arquiteta tenha a capacidade de transformar para que toda a minha coleção caiba
e, se possível sobre espaço para mais aquisições. Tarefa dificílima. Levando
ainda em conta os filmes, games e livros que possuo. É o meu maior sonho material.
17h46. A minha memória já não é a mesma. Outra parte
defeituosa de mim. É necessário ser algo realmente marcante ou muitas
repetições para que eu memorize algo. Passo pela vida sem prestar atenção nas
coisas, ensimesmado, nada se fixa.
-x-x-x-x-
16h28. Meu fabuloso irmão mandou-me ontem as medidas das
bonecas que queria colocar à venda no eBay, o que ocupou meu tempo e me
distraiu. Descobri hoje quando acordei que havia sido bloqueado do Facebook que
uso para me comunicar com os colecionadores por ter divulgado “nudez”, no caso
uma boneca que coloquei à venda na rede social. Sem poder interagir com eles,
me sinto restrito em minhas opções, além de punido injustamente, tal
puritanismo do Facebook me enerva, a nudez deveria ser encarada com algo
natural. E até onde me constava só maiores de 18 anos podiam entrar nele. Bom,
ainda restam 22 horas de bloqueio, me lembra um episódio de “Black Mirror” onde
o condenado se torna invisível aos demais, situação curiosa. Ainda bem que
tenho, com a ajuda indispensável do meu irmão, o eBay para me entreter.
17h17. Acho que esta semana foi uma das piores que passei
comigo mesmo em muitos anos. Não estou bem. Não estou absolutamente péssimo
como na fugaz crise de depressão, mas rumino pensamentos negativos a meu
respeito e um desencanto permanente com a minha vida. Como Ju me pontuou,
parece que estou me enfiando num buraco para ver até onde ele vai dar, o quanto
eu suporto. Mas não consigo vislumbrar caminho alternativo. Não vejo mais
saída. Estou tentando o Tinder, mas sem interesse sincero por isso. Recebi apenas
um “match” até agora que não me responde.
17h50. Sem saco para isso aqui. Sem saco para nada. Isso é
um saco. Acho que vou escrever a proposta de entrevista para levar para o show
de Caetano.
18h30. Acabei e acho que não ficou persuasiva at all. Hahaha. Veja e julgue.
18h32. Sábado tem encontro da minha família paterna na casa
da minha tia-mãe. Uma saída socialmente menos hostil com grades possibilidades
de ser aprazível. Não requer muito esforço para ir. O tipo de socialização que
preciso. Ou que não recuso, não me gera repulsa, resistência. Nossa, como estou
me sentindo mal por dentro. Não é nem um pouco legal me sentir assim. Esse
sentimento me acompanha desde a minha última sessão com Ju, não sei sobre o que
conversamos que me deixou tão para baixo. Sinto como se estivesse entrando em
depressão. Espero que não seja. Tentarei não me entregar. Mas há algo de muito
errado comigo. Minha amiga diretora disse que vai ligar para conversar comigo
amanhã. Não queria falar por telefone com ela. Odeio falar por telefone. Mas
confesso que estou curioso já que ela quer a minha opinião e especialmente a
minha pelo modo de vida que levo. Estarei armado da minha sinceridade e
honestidade e espero ajudá-la. Se pudesse contar tudo para ela. Mas não posso.
E não vem ao caso. Acho que ela quer a minha opinião sobre o ostracismo em que
vivo. Tudo o que mais quero hoje é beber Coca-Cola e café e fumar. O café
acabou e a Coca rende mais um copo e meio, o que significa que terei de ir ao
supermercado comprar. Tenho que me preparar para esse inevitável fato. Estou
aliviado que já estou na terceira página. Troquei as tintas da impressora. Ela
agora está funcionando e é com ela que imprimirei o meu ingresso para Caetano e
a carta. As cartas. Preciso fazer uma sem os dizeres maiores para, caso ele não
pegue a que jogarei em cima do palco, eu possa entregar a um segurança ou ao
técnico de som para que entregue ao cantor.
19h08. Comi um donut
de creme e isso me fez me sentir melhor. Aconteceu da mesma forma quando da
crise de depressão que me assolou. Comi uns docinhos trazidos da casa da minha
avó e aquilo me aliviou a alma. Acabou-se a terceira página, enfim.
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