sexta-feira, 24 de agosto de 2018

ALERTA


“Eu sou o herói só Deus e eu sabemos como dói”
Caetano Veloso

Ontem passei umas boas duas horas em depressão. Não sei por que veio ou como passou. Sei apenas que é um sofrimento existencial tão intenso que chega a ser físico, que se sente no corpo, não apenas nas abstrações da mente. Não é uma dor física, mas algo oprimindo o corpo, apertando o peito, é terrível. E não tem causa, explicação, motivo. Confesso que fiquei desesperado acreditando que não iria passar e que não me sentia emocionalmente ou racionalmente preparado para enfrentar isso de novo. Pensava que nunca mais experimentaria tal angústia novamente. Estou com medo. Agora eu sei a diferença da depressão para a tristeza e melancolia apenas.

-x-x-x-x-

16h00. Não ando bem essa semana. Não sinto nem vontade de escrever aqui. Isso me preocupa. Não há nada de errado com a minha vida eu é que estou completamente errado, todo o meu sofrimento decorre das minhas escolhas e do desamor que tenho pelo pouco que sou. Queria compor um post para o blog de bonecos, afinal sempre posto nas quartas-feiras, mas não tenho assunto ou interesse. Fiz um café para mim, estou sem Coca, e foi algo diferente que me ajudou a fugir do tédio que me assola. Há tantas contradições dentro de mim. Eu queria simplesmente gostar ou estar em paz com quem eu sou, mas não sou capaz disso. Não sei nem por onde começar. Há algo muito profundo, antigo, arraigado no meu eu que não imagino como descolar de mim. Todo e qualquer aspecto de mim me traz desgosto. Eu não me sinto merecedor da vida que tenho tampouco quero abrir mão dela. O isolamento é pesadíssimo, mas não quero encontrar com ninguém. Sinto-me culpado e não cesso de fazer coisas que me incutem mais culpa. Eu me sinto culpado de ser eu. Julgado e condenado a ser eu. Julgado por mim mesmo. Eu olho para o meu irmão, a pessoa que mais amo e admiro no mundo, e isso, além de me provocar tremendo afeto, me diminui enormemente. Ele é sobrenaturalmente bom, eu sou sobrenaturalmente odioso. Eu sou o inverso das expectativas que meu pai tinha a meu respeito. Eu fiz quase tudo errado e fracassei em absolutamente tudo. Eu me vejo como uma aberração, não há melhor definição. Ademais sou um inútil que não quer ser útil. Eu penso na enormidade de recursos que roubo da existência para manter a minha própria e acho um completo desperdício. Em nada acrescento ao mundo. Nada dou em troca do que tomo. E mesmo assim recebo e não paro de receber. Sei que a minha morte ainda tarda, então essa troca injusta com o mundo ainda continuará por bastante tempo. O mais curioso é que não quero mudar o meu modo de vida, não tenho motivação para isso. Não tenho interesse e, mais, tenho medo. Só deus e o diabo sabem o que passei para alcançar a vida que agora tenho. Ela é tudo o que eu sonhei, o que mais desejei. Não ser escravo do estresse e das complexidades do trabalho e da vida adulta no geral, ser livre para escrever, o que achei ser o meu ideal de vida quando me encontrei sem saída outra que não a morte. Alcancei tudo o que queria, não quero perder nada disso. É extremamente precioso e querido para mim. Mas falta algo que não previa. O acaso/destino se encarregou de satisfazer todos os meus desejos. Mas a minha atual condição e tudo o que passei para chegar aqui me transformaram de uma forma inesperada. Vou parar de reclamar. Acho que a cafeína está fazendo seu efeito benéfico. Eu não olho para as fotografias de pessoas amadas que tenho no meu quarto. Me sinto culpado por isso. Me sinto culpado por não sentir, afora pelo meu irmão, afeto verdadeiro por mais ninguém. Talvez pela minha mãe e pela minha tia-mãe. E minhas paixões platônicas. Repassando as pessoas próximas na minha cabeça, vejo que exagero. Que guardo afeto por várias delas, só não sinto afeto suficiente. É tão duro dizer isso. Vou perdendo intimidade, a fluidez das interações já não existe para mim, tornou-se um líquido espesso o lidar com os demais. É necessário esforço e encaro interações sociais cada dia mais como obrigações às quais me forço para não sucumbir ao isolamento total. Queria muito não precisar ir fazer compras com mamãe. Ela me fez concordar em acompanhá-la ontem. Não gosto de fazer compras com ela. O único período em que gostei de fazer compras foi quando tive um lar com a Gatinha e comprávamos coisas para a nossa casa. Estou incomodado no momento. Por me revelar uma pessoa tão reles e fria. Por querer-me só para mim mesmo. Por desejar que ninguém venha me interromper, me tirar do quarto-ilha. Eu queria ter delicadeza nos gestos e toques, não ser essa coisa bruta e desengonçada. E trêmula. Tenho pensado muito em carma. Do ponto de vista de ter um carma que não compreendo. Carma para mim é folclore, mas me vem à mente. Penso que se continuo a receber as benesses do mundo é porque eu estou cumprindo o meu carma de acordo. Por mais que não se me afigure assim. Tanto faz, não existe carma. Eu dei muita sorte apenas. Eu sou extremamente sortudo. Sou constantemente abençoado pela vida. O Batman que comprei me incomoda. Mas não voltaria atrás na compra. Me incomoda o transtorno que darei a meu irmão. Eu só trago transtornos para as pessoas. A única a qual faço bem, aparentemente, é à portuguesinha. As minhas palavras pelo menos para isso servem, fazer bem a uma pessoa de bem, uma garota muito fixe que o acaso/destino me agraciou conhecer. Pensar nela me faz bem, me envergonha sobremaneira saber que lê essas verdades negras a meu respeito. Eu me percebo insensível para com o mundo ao mesmo passo que me sinto em carne viva, hipersensível por dentro. Odeio as minhas contradições. Eu sou a pessoa mais desprezível que jamais conheci. Me comparo sempre com os outros e em todas as esferas me considero menor, pior do que eles. A única coisa que tenho a mais do que elas são bonecas e o número de palavras digitadas. Coisas insignificantes, ridículas, que são minhas principais ocupações. Preciso levar a vida de alguma maneira. Não consigo só ficar sentado ou deitado a cismar, saindo para o hall para fumar um cigarro ou outro. Transformar as minhas cismas em palavras é melhor que nada fazer. Mergulhar no maravilhoso mundo dos bonecos é melhor que nada fazer. E pronto, eis a minha vida e todas as minhas atividades e ocupações.

17h37. Pelas minhas contas eu terei 15 estátuas de 1/4 e uma de 1/3 (o bendito Batman) para exibir no meu quarto, sem contar algumas dezenas de bonecas menores de PVC. Eis todo o espaço que disponho e que espero que a arquiteta tenha a capacidade de transformar para que toda a minha coleção caiba e, se possível sobre espaço para mais aquisições. Tarefa dificílima. Levando ainda em conta os filmes, games e livros que possuo. É o meu maior sonho material.








17h46. A minha memória já não é a mesma. Outra parte defeituosa de mim. É necessário ser algo realmente marcante ou muitas repetições para que eu memorize algo. Passo pela vida sem prestar atenção nas coisas, ensimesmado, nada se fixa.

-x-x-x-x-

16h28. Meu fabuloso irmão mandou-me ontem as medidas das bonecas que queria colocar à venda no eBay, o que ocupou meu tempo e me distraiu. Descobri hoje quando acordei que havia sido bloqueado do Facebook que uso para me comunicar com os colecionadores por ter divulgado “nudez”, no caso uma boneca que coloquei à venda na rede social. Sem poder interagir com eles, me sinto restrito em minhas opções, além de punido injustamente, tal puritanismo do Facebook me enerva, a nudez deveria ser encarada com algo natural. E até onde me constava só maiores de 18 anos podiam entrar nele. Bom, ainda restam 22 horas de bloqueio, me lembra um episódio de “Black Mirror” onde o condenado se torna invisível aos demais, situação curiosa. Ainda bem que tenho, com a ajuda indispensável do meu irmão, o eBay para me entreter.  

17h17. Acho que esta semana foi uma das piores que passei comigo mesmo em muitos anos. Não estou bem. Não estou absolutamente péssimo como na fugaz crise de depressão, mas rumino pensamentos negativos a meu respeito e um desencanto permanente com a minha vida. Como Ju me pontuou, parece que estou me enfiando num buraco para ver até onde ele vai dar, o quanto eu suporto. Mas não consigo vislumbrar caminho alternativo. Não vejo mais saída. Estou tentando o Tinder, mas sem interesse sincero por isso. Recebi apenas um “match” até agora que não me responde.

17h50. Sem saco para isso aqui. Sem saco para nada. Isso é um saco. Acho que vou escrever a proposta de entrevista para levar para o show de Caetano.

18h30. Acabei e acho que não ficou persuasiva at all. Hahaha. Veja e julgue.





18h32. Sábado tem encontro da minha família paterna na casa da minha tia-mãe. Uma saída socialmente menos hostil com grades possibilidades de ser aprazível. Não requer muito esforço para ir. O tipo de socialização que preciso. Ou que não recuso, não me gera repulsa, resistência. Nossa, como estou me sentindo mal por dentro. Não é nem um pouco legal me sentir assim. Esse sentimento me acompanha desde a minha última sessão com Ju, não sei sobre o que conversamos que me deixou tão para baixo. Sinto como se estivesse entrando em depressão. Espero que não seja. Tentarei não me entregar. Mas há algo de muito errado comigo. Minha amiga diretora disse que vai ligar para conversar comigo amanhã. Não queria falar por telefone com ela. Odeio falar por telefone. Mas confesso que estou curioso já que ela quer a minha opinião e especialmente a minha pelo modo de vida que levo. Estarei armado da minha sinceridade e honestidade e espero ajudá-la. Se pudesse contar tudo para ela. Mas não posso. E não vem ao caso. Acho que ela quer a minha opinião sobre o ostracismo em que vivo. Tudo o que mais quero hoje é beber Coca-Cola e café e fumar. O café acabou e a Coca rende mais um copo e meio, o que significa que terei de ir ao supermercado comprar. Tenho que me preparar para esse inevitável fato. Estou aliviado que já estou na terceira página. Troquei as tintas da impressora. Ela agora está funcionando e é com ela que imprimirei o meu ingresso para Caetano e a carta. As cartas. Preciso fazer uma sem os dizeres maiores para, caso ele não pegue a que jogarei em cima do palco, eu possa entregar a um segurança ou ao técnico de som para que entregue ao cantor.

19h08. Comi um donut de creme e isso me fez me sentir melhor. Aconteceu da mesma forma quando da crise de depressão que me assolou. Comi uns docinhos trazidos da casa da minha avó e aquilo me aliviou a alma. Acabou-se a terceira página, enfim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário