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19h08. Abandonei o texto ontem por me faltar palavras. Agora
preciso cuidar do processo que mamãe quer mover contra a TAP por causa da nossa
viagem que nos levou a conhecer você.
19h38. Impossível escrever sobre o tal processo se não
entendo as anotações e não sei o que se passou. Mamãe quer me delegar esse
trabalho, mas só posso fazê-lo com ela ao meu lado. Ela está mais relapsa e preguiçosa
do que eu, o que é dizer muito. Não estou num bom astral hoje. A vontade de
morrer me assola, mas não classifico como desejo suicida, apenas um
desinteresse completo por continuar sendo eu.
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13h51. Tenho terapia hoje. Meu humor só melhora lá pelas duas
da manhã. Acordo sempre muito desencantado. A vida roubou um sonho muito
esperado de um casal de amigos. Ela é crudelíssima às vezes. E dessa vez foi
praticamente sádica. Acontecimento terrível que nem consigo mensurar. A vida
perdeu o tom para eles. Momentaneamente eu espero. Há futuro depois desse momento
negro, como disse ao pai. Espero que o persigam, não desistam de sonhar, de
tentar. Tenho para mim que não desistirão. Espero estar certo.
14h18. A portuguesinha, ou você, não compreende por que sou
tão mau comigo mesmo. Eu mesmo não sei. Não acho que seja uma pessoa válida. Eu
não consigo gostar de mim, do que há por dentro e por fora. Eu sou algo que não
merece o dom da existência. E me torno cada vez pior. Não acrescento em nada,
não ajudo em nada, nem quero. Esse confortável e ao mesmo tempo dilacerante não
querer é a prova da minha pequenez e mesquinhez. Só faço dar trabalho e despesa
aos outros, sou como uma sanguessuga. Eu não sou homem para você,
portuguesinha. Nem para ninguém. Nem para mim mesmo. Apesar de me desgostar
profundamente, passo a maior parte do meu tempo em companhia de mim mesmo, o
que é uma condição torturante. Perdido em pensamentos cíclicos de rejeição levo
os meus dias de forma inglória e ingrata. Estou em sofrimento. Vou à terapia
dentro em breve mas temo repetir as mesmas lamúrias de hoje e sempre. Não há
luz no fim do meu túnel, só mais escuridão. Não tenho grandes aspirações...
15h35. Estou indo à terapia.
17h26. Voltei da terapia. Foi estranho e dolorido porque não
avancei nada. Embora Ju tenha me mostrado muito claramente que o que construo
para mim, o caminho que estou trilhando, esse do isolamento, não me faz feliz.
Ela questionou o que a terapia estava me trazendo. A melhor resposta seria um
lugar para ser eu mesmo além da solidão do meu quarto-ilha, ser eu mesmo para
outra pessoa, uma pessoa querida por sinal. Ela é a única pessoa com quem eu
não preciso fazer o mínimo esforço, encenar, falar do que não me interessa,
para interagir. A única. O que faço lá é verbalizar o que escrevo aqui e ouvir
insights de uma pessoa extremamente sensível e inteligente. Preciso desse
espaço desesperadamente. Um espaço onde possa ser eu mesmo para alguém. Nem que
seja para uma única pessoa. Isso já é um alento enorme. Não preciso de mais de
uma. Ela perguntou onde esse caminho ia dar. Eu juro que não sei. Só sei que
qualquer coisa diferente do que eu vivo me causa imenso desconforto. Eu concluí
que encaro as minhas interações sociais como “deveres de casa”, obrigações às
quais me submeto para cumprir o mínimo possível a minha meta de mudança. Não me
agradam e muitas vezes me desagradam tais interações. Mas quando penso, estando
nessas situações, que a outra opção é voltar para o já conhecido isolamento no
quarto-ilha, isso me motiva a permanecer mais um pouco. Ela me perguntou também
o que eu encaro como estar deprimido no que lhe respondi que é ter ideário
suicida. Ela achou que este era um limiar muito alto para ser a medida do meu
sofrimento. Muito extremo. Também falamos sobre o meu pai e cheguei a
conjecturar que em sendo incapaz de reproduzir dele as características boas (por
falta de caráter, disciplina e inteligência da minha parte), restou-me emulá-lo
no que tinha de pior no final de seus anos, a frustração afetiva, o isolamento,
o limitado repertório e a eterna lamúria com as coisas do mundo. Aquilo que meu
pai era sou eu hoje. Não sei se tal correlação é verdadeira, mas há muitas semelhanças
para não deixar de ser suspeito. Falamos muito de culpa, sinto-me extremamente
culpado por ser do jeito que eu sou. É uma culpa que não sei como estancar. Não
consigo me aceitar como um ser humano válido. Houve um momento, em uma de suas
colocações após um pesado desabafo que senti que iria às lágrimas. Que pena que
não vieram, necessito delas há tanto tempo. Em suma, sou um espírito
atormentado por mim mesmo. Eu sou o meu próprio carrasco, a minha própria
vítima. Me protegi de tudo o que me rodeia, fechado no conforto do meu
quarto-ilha, mas não consigo escapar de mim. Não acho que a vida está boa
assim, mas de todas as outras maneiras a imagino pior. Um relacionamento
afetivo seria a minha salvação. Mas não me sinto preparado para um. Me falta
resistência sexual, me falta disponibilidade, me falta coragem. Eu sou o maior
covarde que já existiu, por isso me escondo de tudo e de todos. Também sou o mais
preguiçoso de todos. Me falta disposição para tudo exceto para essas palavras e
o maravilhoso mundo dos bonecos. É tão pouco e incrivelmente, de forma quase
surreal, isso me basta. Será que me basta mesmo? Acho que sim. Não consigo mais
que isso nem tenho motivação para tentar. A vontade de morrer me ronda, me
olha, me cheira, me lambe. Mas não serei eu a dar cabo da minha vida. Não quero
dar cabo da minha vida, mas me sinto indisposto para vivê-la. Me falta disposição
e interesse para tudo. Exceto novamente para essas palavras e para o
maravilhoso mundo dos bonecos. Eu tenho vergonha de comer em público. Eu mal me
comunico com o meu padrasto. Eu me comunico com a minha mãe apenas porque ela
me busca, mas não consigo ser tão sincero quanto deveria com ela. Pobre mulher,
parir um ser como eu e ter que suportá-lo dependurado ao pescoço a esta altura
do campeonato. Coitada. Alguém que não lhe traz nenhuma felicidade, nenhuma
satisfação, nenhum orgulho, que não oferece nada, só suga. Um ser imprestável e
que se acostumou a ser assim, que se contenta em ser assim. Que tem imensa
vergonha de ser assim. Que sofre por ser assim. Que não aceita ser assim. Que
não consegue mais ser de outra forma. Necessito da terapia, de Ju, como quem
necessita de uma droga. Sou dependente dela. Acho que sem nossos encontros
semanais acabaria por fazer uma besteira. Eu que me encanto por mariposas. Eu
que esqueci como se faz poesia. Eu que nada tenho de meu a dar ao mundo. Eu que
não sou bom ou virtuoso. Eu que sou falho em todo e qualquer aspecto. Eu que
dei completamente errado. Tudo em mim é fracasso. Ser completamente fracassado
me traz alívio e um certo conforto, pois sei que daqui não passa. Não tenho
como piorar, já estou no meu pior. Isso me compraz. Não gosto de compartilhar o
meu enorme fracasso com o mundo. Apenas através dessas palavras. Que talvez a
portuguesinha leia, que alguns desconhecidos lerão. Eu não sou digno do amor de
ninguém, embora, por mais insensível que tenha me tornado, acho que tenho um
imenso amor para dar. Nem sei mais, me falta tudo para amar de verdade. Para
viver o amor a dois. Amo sozinho, de dentro do meu quarto-ilha. E acho
suficiente. Desaprendi e tenho medo do amor de verdade. Platonismos são tão
mais cômodos e perfeitos. E o toque? Os toques? Não me fazem mais falta depois
de dez anos, esqueci de como eram, se não lembro, não posso sentir falta. Mas
há dias, momentos em que mesmo anestesiado como estou, acovardado como estou,
eu sinto. Eu sinto, prova de que meu coração não é de todo frio, não é de todo
pedra. Eu sinto deveras, mas só os sentimentos errados, só os sentimentos
negativos, esse ódio de ser eu, essa não aceitação crítica, ácida, cruel e
violenta de mim mesmo. Eis o que sinto mais. E sinto pena de mim. Coitadinho de
mim, eu penso. E não ganho nada com essa vitimização de mim para mim mesmo. Não
mereço piedade, nem a minha própria. Muito menos esta.
19h03. Parece que a maracutaia que eu fiz para consegui 25%
de desconto na estátua do Batman não vai funcionar. O outro cara que aproveitou
a promoção da forma correta recebeu um invoice
no valor de metade do desconto sabe-se lá por que cargas d’água. A minha lapada
deve vir quando a estátua do Batman estiver para ser enviada em dezembro ou
janeiro. Mamãe vai ficar possessa. Eu contei tudo a respeito desse caso em um
texto que decidi não publicar, ou melhor, fiquei de publicar no Vate e ainda
não fiz. Nele contava também das tentativas de contatar Caetano Veloso para uma
entrevista nesse blog. Obviamente, empreitada que não rendeu nenhum fruto. Mas
não desisti ainda, tentarei a última cartada, literalmente: escreverei uma
carta e jogarei em cima do palco quando for ao show e guardarei uma cópia para,
caso ele não a pegue, pedir para o segurança entregar a ele no final do evento.
Falta confeccioná-la, que é o que vou fazer quando acabar aqui. Já estou no
final da terceira página mesmo. Para variar sonho alto e em vão. Saio pulando
de um sonho frustrado para o outro. Nada de concreto se anuncia nos meus
horizontes, pois não construo nada de concreto para a minha vida, deixo-a
exatamente do jeito que está. Paralisada. Inerte. Minto. Botei o Tinder no meu
celular e ocorreu um “match”. Enviei algumas frases para a garota e não obtive
resposta. Também comprei o Batman. E ligarei para o meu irmão daqui a uma hora
para que ele meça e pese os bonecos que quero vender que estão na casa dele nos
EUA. Imagina que até para falar com o meu irmão eu estou com vergonha? Pois é.
Isso me deixa triste. É a pessoa que mais amo e admiro no mundo. Eu sou um
merda, me sinto um merda e não sei como sair da merda. Me acostumei com o
cheiro disso aqui em que estou metido. Queria chorar por dois dias para ver se
aliviava um pouco da angústia, mas lágrimas me são tão raras como o afeto. Em
verdade, é muito fácil e cômodo viver a minha vida, desde que você não seja eu.
Hahaha. O mais curioso é que eu não trocaria o que tenho para em retorno gostar
de mim. Já me acostumei a me odiar, a dor que me inflijo me é quase insensível.
Só que quase não é o suficiente aparentemente. Mas sigo e seguirei até o fim
dos meus dias. Que são cada vez menos, ainda bem. Não sou ingrato. Sou extremamente
grato por tudo o que possuo, só não me acho merecedor. E não ser merecedor dói
deveras, não sei explicar por quê. Talvez um resquício de moralidade. Um
vestígio de algum caráter. Não sei, sei que acho profundamente injusto. E a
injustiça ainda me incomoda, o que talvez seja um sinal de que não sou de todo
corrupto. Sei lá. E acabou a terceira página. Um beijo, portuguesinha. Você me
sabe na medida e proporção exata em que me meço. É uma das poucas. É muito
vergonhoso isso para mim. Mas sem esse espaço sufocaria, enlouqueceria ou coisa
pior. E me agrada que leias, me sinto menos completamente só. Terapia é dose,
faz a vida doer mais às vezes.
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