segunda-feira, 20 de agosto de 2018

FAZ PARTE DO PLATONISMO

Querida portuguesinha, faz parte do platonismo projetar qualidades exageradamente belas e boas à destinatária do sentimento, creio eu. Como creio estar sendo absolutamente sincero e não exagere as percepções que tive e com elas montei essa imagem de você que desencadeio em palavras. Você tem razão a meu respeito, não gosto de mim e não estou gostando muito da vida. Enquanto o não gostar de mim só seria resolvido com uma namorada, o não gostar da vida acho que é temporário, por mais que tenha esse sentimento muito presente dentro de mim nesse momento. Ultimamente tenho achado que não tem jeito, solução para a minha existência. Eu não consigo vislumbrar. Para mim, vai ser sempre assim. Trancado no meu quarto matando tempo. Estou acostumado, mas às vezes me parece muito pouco. E certas coisas que faço me fazem duvidar do meu caráter.

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19h08. Abandonei o texto ontem por me faltar palavras. Agora preciso cuidar do processo que mamãe quer mover contra a TAP por causa da nossa viagem que nos levou a conhecer você.

19h38. Impossível escrever sobre o tal processo se não entendo as anotações e não sei o que se passou. Mamãe quer me delegar esse trabalho, mas só posso fazê-lo com ela ao meu lado. Ela está mais relapsa e preguiçosa do que eu, o que é dizer muito. Não estou num bom astral hoje. A vontade de morrer me assola, mas não classifico como desejo suicida, apenas um desinteresse completo por continuar sendo eu.

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13h51. Tenho terapia hoje. Meu humor só melhora lá pelas duas da manhã. Acordo sempre muito desencantado. A vida roubou um sonho muito esperado de um casal de amigos. Ela é crudelíssima às vezes. E dessa vez foi praticamente sádica. Acontecimento terrível que nem consigo mensurar. A vida perdeu o tom para eles. Momentaneamente eu espero. Há futuro depois desse momento negro, como disse ao pai. Espero que o persigam, não desistam de sonhar, de tentar. Tenho para mim que não desistirão. Espero estar certo.

14h18. A portuguesinha, ou você, não compreende por que sou tão mau comigo mesmo. Eu mesmo não sei. Não acho que seja uma pessoa válida. Eu não consigo gostar de mim, do que há por dentro e por fora. Eu sou algo que não merece o dom da existência. E me torno cada vez pior. Não acrescento em nada, não ajudo em nada, nem quero. Esse confortável e ao mesmo tempo dilacerante não querer é a prova da minha pequenez e mesquinhez. Só faço dar trabalho e despesa aos outros, sou como uma sanguessuga. Eu não sou homem para você, portuguesinha. Nem para ninguém. Nem para mim mesmo. Apesar de me desgostar profundamente, passo a maior parte do meu tempo em companhia de mim mesmo, o que é uma condição torturante. Perdido em pensamentos cíclicos de rejeição levo os meus dias de forma inglória e ingrata. Estou em sofrimento. Vou à terapia dentro em breve mas temo repetir as mesmas lamúrias de hoje e sempre. Não há luz no fim do meu túnel, só mais escuridão. Não tenho grandes aspirações...

15h35. Estou indo à terapia.

17h26. Voltei da terapia. Foi estranho e dolorido porque não avancei nada. Embora Ju tenha me mostrado muito claramente que o que construo para mim, o caminho que estou trilhando, esse do isolamento, não me faz feliz. Ela questionou o que a terapia estava me trazendo. A melhor resposta seria um lugar para ser eu mesmo além da solidão do meu quarto-ilha, ser eu mesmo para outra pessoa, uma pessoa querida por sinal. Ela é a única pessoa com quem eu não preciso fazer o mínimo esforço, encenar, falar do que não me interessa, para interagir. A única. O que faço lá é verbalizar o que escrevo aqui e ouvir insights de uma pessoa extremamente sensível e inteligente. Preciso desse espaço desesperadamente. Um espaço onde possa ser eu mesmo para alguém. Nem que seja para uma única pessoa. Isso já é um alento enorme. Não preciso de mais de uma. Ela perguntou onde esse caminho ia dar. Eu juro que não sei. Só sei que qualquer coisa diferente do que eu vivo me causa imenso desconforto. Eu concluí que encaro as minhas interações sociais como “deveres de casa”, obrigações às quais me submeto para cumprir o mínimo possível a minha meta de mudança. Não me agradam e muitas vezes me desagradam tais interações. Mas quando penso, estando nessas situações, que a outra opção é voltar para o já conhecido isolamento no quarto-ilha, isso me motiva a permanecer mais um pouco. Ela me perguntou também o que eu encaro como estar deprimido no que lhe respondi que é ter ideário suicida. Ela achou que este era um limiar muito alto para ser a medida do meu sofrimento. Muito extremo. Também falamos sobre o meu pai e cheguei a conjecturar que em sendo incapaz de reproduzir dele as características boas (por falta de caráter, disciplina e inteligência da minha parte), restou-me emulá-lo no que tinha de pior no final de seus anos, a frustração afetiva, o isolamento, o limitado repertório e a eterna lamúria com as coisas do mundo. Aquilo que meu pai era sou eu hoje. Não sei se tal correlação é verdadeira, mas há muitas semelhanças para não deixar de ser suspeito. Falamos muito de culpa, sinto-me extremamente culpado por ser do jeito que eu sou. É uma culpa que não sei como estancar. Não consigo me aceitar como um ser humano válido. Houve um momento, em uma de suas colocações após um pesado desabafo que senti que iria às lágrimas. Que pena que não vieram, necessito delas há tanto tempo. Em suma, sou um espírito atormentado por mim mesmo. Eu sou o meu próprio carrasco, a minha própria vítima. Me protegi de tudo o que me rodeia, fechado no conforto do meu quarto-ilha, mas não consigo escapar de mim. Não acho que a vida está boa assim, mas de todas as outras maneiras a imagino pior. Um relacionamento afetivo seria a minha salvação. Mas não me sinto preparado para um. Me falta resistência sexual, me falta disponibilidade, me falta coragem. Eu sou o maior covarde que já existiu, por isso me escondo de tudo e de todos. Também sou o mais preguiçoso de todos. Me falta disposição para tudo exceto para essas palavras e o maravilhoso mundo dos bonecos. É tão pouco e incrivelmente, de forma quase surreal, isso me basta. Será que me basta mesmo? Acho que sim. Não consigo mais que isso nem tenho motivação para tentar. A vontade de morrer me ronda, me olha, me cheira, me lambe. Mas não serei eu a dar cabo da minha vida. Não quero dar cabo da minha vida, mas me sinto indisposto para vivê-la. Me falta disposição e interesse para tudo. Exceto novamente para essas palavras e para o maravilhoso mundo dos bonecos. Eu tenho vergonha de comer em público. Eu mal me comunico com o meu padrasto. Eu me comunico com a minha mãe apenas porque ela me busca, mas não consigo ser tão sincero quanto deveria com ela. Pobre mulher, parir um ser como eu e ter que suportá-lo dependurado ao pescoço a esta altura do campeonato. Coitada. Alguém que não lhe traz nenhuma felicidade, nenhuma satisfação, nenhum orgulho, que não oferece nada, só suga. Um ser imprestável e que se acostumou a ser assim, que se contenta em ser assim. Que tem imensa vergonha de ser assim. Que sofre por ser assim. Que não aceita ser assim. Que não consegue mais ser de outra forma. Necessito da terapia, de Ju, como quem necessita de uma droga. Sou dependente dela. Acho que sem nossos encontros semanais acabaria por fazer uma besteira. Eu que me encanto por mariposas. Eu que esqueci como se faz poesia. Eu que nada tenho de meu a dar ao mundo. Eu que não sou bom ou virtuoso. Eu que sou falho em todo e qualquer aspecto. Eu que dei completamente errado. Tudo em mim é fracasso. Ser completamente fracassado me traz alívio e um certo conforto, pois sei que daqui não passa. Não tenho como piorar, já estou no meu pior. Isso me compraz. Não gosto de compartilhar o meu enorme fracasso com o mundo. Apenas através dessas palavras. Que talvez a portuguesinha leia, que alguns desconhecidos lerão. Eu não sou digno do amor de ninguém, embora, por mais insensível que tenha me tornado, acho que tenho um imenso amor para dar. Nem sei mais, me falta tudo para amar de verdade. Para viver o amor a dois. Amo sozinho, de dentro do meu quarto-ilha. E acho suficiente. Desaprendi e tenho medo do amor de verdade. Platonismos são tão mais cômodos e perfeitos. E o toque? Os toques? Não me fazem mais falta depois de dez anos, esqueci de como eram, se não lembro, não posso sentir falta. Mas há dias, momentos em que mesmo anestesiado como estou, acovardado como estou, eu sinto. Eu sinto, prova de que meu coração não é de todo frio, não é de todo pedra. Eu sinto deveras, mas só os sentimentos errados, só os sentimentos negativos, esse ódio de ser eu, essa não aceitação crítica, ácida, cruel e violenta de mim mesmo. Eis o que sinto mais. E sinto pena de mim. Coitadinho de mim, eu penso. E não ganho nada com essa vitimização de mim para mim mesmo. Não mereço piedade, nem a minha própria. Muito menos esta.




19h03. Parece que a maracutaia que eu fiz para consegui 25% de desconto na estátua do Batman não vai funcionar. O outro cara que aproveitou a promoção da forma correta recebeu um invoice no valor de metade do desconto sabe-se lá por que cargas d’água. A minha lapada deve vir quando a estátua do Batman estiver para ser enviada em dezembro ou janeiro. Mamãe vai ficar possessa. Eu contei tudo a respeito desse caso em um texto que decidi não publicar, ou melhor, fiquei de publicar no Vate e ainda não fiz. Nele contava também das tentativas de contatar Caetano Veloso para uma entrevista nesse blog. Obviamente, empreitada que não rendeu nenhum fruto. Mas não desisti ainda, tentarei a última cartada, literalmente: escreverei uma carta e jogarei em cima do palco quando for ao show e guardarei uma cópia para, caso ele não a pegue, pedir para o segurança entregar a ele no final do evento. Falta confeccioná-la, que é o que vou fazer quando acabar aqui. Já estou no final da terceira página mesmo. Para variar sonho alto e em vão. Saio pulando de um sonho frustrado para o outro. Nada de concreto se anuncia nos meus horizontes, pois não construo nada de concreto para a minha vida, deixo-a exatamente do jeito que está. Paralisada. Inerte. Minto. Botei o Tinder no meu celular e ocorreu um “match”. Enviei algumas frases para a garota e não obtive resposta. Também comprei o Batman. E ligarei para o meu irmão daqui a uma hora para que ele meça e pese os bonecos que quero vender que estão na casa dele nos EUA. Imagina que até para falar com o meu irmão eu estou com vergonha? Pois é. Isso me deixa triste. É a pessoa que mais amo e admiro no mundo. Eu sou um merda, me sinto um merda e não sei como sair da merda. Me acostumei com o cheiro disso aqui em que estou metido. Queria chorar por dois dias para ver se aliviava um pouco da angústia, mas lágrimas me são tão raras como o afeto. Em verdade, é muito fácil e cômodo viver a minha vida, desde que você não seja eu. Hahaha. O mais curioso é que eu não trocaria o que tenho para em retorno gostar de mim. Já me acostumei a me odiar, a dor que me inflijo me é quase insensível. Só que quase não é o suficiente aparentemente. Mas sigo e seguirei até o fim dos meus dias. Que são cada vez menos, ainda bem. Não sou ingrato. Sou extremamente grato por tudo o que possuo, só não me acho merecedor. E não ser merecedor dói deveras, não sei explicar por quê. Talvez um resquício de moralidade. Um vestígio de algum caráter. Não sei, sei que acho profundamente injusto. E a injustiça ainda me incomoda, o que talvez seja um sinal de que não sou de todo corrupto. Sei lá. E acabou a terceira página. Um beijo, portuguesinha. Você me sabe na medida e proporção exata em que me meço. É uma das poucas. É muito vergonhoso isso para mim. Mas sem esse espaço sufocaria, enlouqueceria ou coisa pior. E me agrada que leias, me sinto menos completamente só. Terapia é dose, faz a vida doer mais às vezes.

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