14h49. Acabei de receber uma resposta do Albergue de Drogados sobre o post que mandei com os originais do texto do livro para apreciação dos donos da instituição. Eis a resposta:
“Boa Tarde Mário,
Venho através deste informar que o RAID como instituição não
faz esse tipo de trabalho.”
14h52. Bom, uma das cartas está fora do baralho. Só conto
com o meu tio e tenho que me preparar para o pior. Ou seja, que esse livro
nunca veja a luz do dia. Não vou morrer de véspera, mas acho que é o que
acontecerá. Não tem valor, substância ou forma para que meu tio ache publicável.
Não porá seu nome em jogo por causa das minhas sandices. O que é uma pena, pois
é o meu maior sonho. Bem, está entregue às mãos do destino. Quando falo com
deus, ele geralmente me atende, por mais que não acredite nele. Mas não tenho
coragem de pedir coisas para mim pois tenho uma vida abençoada demais para
querer mais alguma coisa, geralmente peço para os outros e muito raramente. A
última vez que apelei para a inexistente divindade foi essa semana, por sinal,
pedindo que permita que minha irmã consiga o financiamento do banco para
comprar o tão sonhado imóvel próprio. Acho isso muito mais válido e importante
que o meu livro. E, como disse, não peço nada para mim porque simplesmente não
acho justo ou que o mereça, ainda mais por fazer pouco da suposta deidade. Vejo
esses meus pedidos como uma espécie de superstição, não como fé de fato, embora
seja tomado de profunda fé quando realizo os pedidos. É uma coisa contraditória
em mim. Não acredito realmente em Deus. Não acho que haja essa consciência
universal que atenda os desejos e aspirações dos seres humanos que acreditam nela.
Acho isso de um absurdo sem tamanho. Mas quando algum dos meus pede que eu
torça por ele eu bato meu papo imaginário com o suposto criador de tudo o que
existe. No princípio era o verbo e eu solto o verbo para esse princípio. Fico
surpreso que, nas vezes que me recordo, a situação saiu a favor do meu pedido.
Não tenho coragem de interceder em meu nome, entretanto, acho egoísta demais,
como acho que já deixei claro.
15h07. Havia combinado com o meu amigo cineasta que
começaríamos as filmagens às 14h00. Ele disse que iria pegar as sobrinhas no
colégio e vinha. Não sei o que aconteceu, mas espero que não seja nada de
grave. Já acho a história de filmar o Manicômio da varanda do vizinho um pouco
ousada demais, mas vou reparti-la mesmo assim. O diretor decide o que quer
fazer, como já disse eu sou apenas objeto da filmagem, não sou eu quem decide
como captar tal objeto. Dou algumas sugestões que me ocorrem – e não me ocorrem
muitas – e só. Não sei sobre o que escreverei se ele for me filmar digitando.
Acho que como sempre descreverei o que me passa na cabeça enquanto tenho uma
câmera apontada para mim.
Eu estava a contemplar o meu Hulk para a filmagem. Terei que
voltar a olhar para ele, eu estou fazendo o movimento de novo.
Continuo a escrever e olhar para o Hulk. Quando eu não
escrevo, eu olho para o Hulk, via de regra, mesmo sem filmagem. Escrever torto
é bem mais difícil, mas é por conta do enquadramento. Acho que não faremos as
externas hoje, já são 16h35. É muito pouca luz para filmar lá fora. Acredito
que amanhã será o dia das externas. Hoje o foco foi e está sendo no Hulk e na
presença que ele traz ao quarto. Por isso estou numa posição diferente da que
normalmente escrevo, o que me está sendo um tanto desconfortável, mas o que não
se faz por um bom take! Hahaha.
O Hulk é o meu xodó, estou escrevendo só para encher
linguiça nesse momento. É uma coisa que sempre faço quando estou sendo filmado,
pois nada me ocorre.
Meu amigo cineasta quer que eu mande cópias do livro para
mais pessoas analisarem, mas não consigo conceber mais ninguém para quem
mandar. Talvez o meu professor de Publicidade! Mas não vou mandar até receber
resposta do meu tio.
16h56. Meu primo urbano chegou e se uniu à trupe
cinematográfica. Não sei o que escrever. Estou envergonhado com a plateia.
Espero que Ju leia o texto que mandei na íntegra. Agora ocupado que estou com
amigos e com a filmagem, a paranoia com a camisa evasneceu por completo. Ainda
a desejo, não me entenda mal, mas sem a ânsia insana de antes, acho que essa
nova perspectiva da vida, com esses fatores externos me faz pôr a camisa sobre
uma perspectiva realista. E eu que cheguei a querer me internar só para roubar
outra fronha. Tal ideia agora me parece ridícula. Estou tenso com o encontro
com as minhas amigas, principalmente depois do livro. Mas seja o que a vida
quiser. Estou realmente impressionado com as ideias que me cruzaram a cabeça a
respeito da camisa, insanidades todas elas, motivadas pela frustração
inominável que sofri. A próxima será a do livro. Que eu agora acho um material tolo,
até mais tolo que as tolas palavras que coloco hoje aqui nesse blog. Não sei, o
destino se desenrolará um pouco à minha revelia. A vontade do meu tio é que vai
fazer toda a diferença. Segundo o meu amigo cineasta, a meta de filmagens do
dia já foi cumprida. Achei que produziríamos mais, mas ele elencou hoje como o
dia do Hulk, então que assim seja. Eu acho o Hulk o bicho e tê-lo
protagonizando algumas cenas do projeto do meu amigo é algo que me faz
regozijar. Estão falando do livro e sugerem que eu lance o livro por mim mesmo.
Isso me deixou em dúvida sobre o que fazer. Continuo na esperança do meu tio.
Mas não sei. Pelo menos estão me motivando a levar o projeto adiante, me
apontando outras vias. Não sei o que fazer, estou ouvindo “Damn.” de Kendrick
Lamar. Não consigo ouvir o disco direito por causa da conversa, mas rap, hip
hop, sei lá, me parece tudo igual. Vou escutar com mais calma sozinho. Foi
eleito em vários lugares como o melhor disco de 2017.
18h38. Os meninos – meu primo urbano e meu amigo cineasta –
já foram. Meu primo vai para a aula de harmonia e nós iremos encontrar com as
nossas amigas psicóloga e diretora. Meu amigo cineasta foi tomar banho e é o
que farei em breve, só preciso aliviar a vontade de me dizer um pouco. Estou
apreensivo em relação ao encontro com as minhas amigas como é de praxe com
eventos sociais até os mais queridos e desejados como esse é. Não sei o que
serão das minhas amizades, especialmente essas, se tiverem acesso ao conteúdo
do livro. Soube que a namorada do meu primo urbano faz revisão de textos, era a
pessoa que escolheria para revisar minha obra se ela prometesse manter o sigilo
absoluto até do meu primo urbano. Preciso me preparar para o encontro, me bateu
um frio na barriga agora. Mas meu intento é que tenha o livro pelo menos
revisado. 18h49. Preciso realmente tomar banho.
19h16. Estou devidamente pronto. Vou esperar às 19h30 para
descer. Me sinto muito mal pelo que o livro, caso livro venha a ser, vá causar às
minhas relações com as minhas amigas. Acho que será um dano irreversível.
Aliás, será impactante para todos que conheço que lerem o livro. Não sei se
vale a pena. Quero muito, mas não queria ser rejeitado pelos meus devaneios.
Principalmente por elas. Acho que meu primo urbano e meu amigo cineasta ainda
manterão a relação comigo. Essa é a minha esperança. Mas estou falando tolices,
o livro não será publicado. Esta é a realidade como a vejo e tenho em mãos.
Pretendo pegar o contato do amigo do meu amigo cineasta que possui uma gráfica
ou coisa do gênero. 19h23. De 19h27 eu desço. Ainda teremos filmagens hoje. A
simulação de eu indo dormir. E a conversa com meu irmão pelo Skype. Acho que
tem alguma coisa errada com o meu último dente superior esquerdo. Tenho essa
suspeita desde a limpeza nos dentes que fiz. Pode ser só a minha imaginação
também. Como pode ser só a minha imaginação que a namorada revisora do meu
primo urbano está com alguma cisma comigo. 19h27. Vou lá. Até a volta.
-x-x-
0h13. O encontro foi muito bom ao mesmo passo que me fez
sentir muito mal. Por causa do livro, é claro. Tudo, da camisa ao livro, me
parece um grande despropósito e isso me deixa perplexo. Ainda anseio muito que
o meu tio ache válido e use de sua rede social para publicá-lo, mas temo pelo
impacto social que terá em minha vida. Negativo, é claro. Não consigo imaginar
que impacto positivo possa acarretar. Que vexame ter mandado para o meu tio. O
que deve estar pensando de mim? Nossa, o que fui fazer. Será que valerá pagar
um preço tão alto pela realização do meu maior sonho? Será que estou
hiperbolizando o impacto negativo? Creio que não. Ele é diretamente
proporcional à vontade de ver o livro publicado e nisso me ponho de novo numa
encruzilhada que deixarei nas mãos do meu tio decidir. Ou seja, nas mãos do
destino que lhe encaminhei. Não sei ao certo o que queria mais, aliás, sei,
publicá-lo, senão em vez de estar escrevendo aqui, eu estaria agora compondo um
e-mail para o meu tio dizendo que esquecesse a empreitada. Não quero falar mais
disso no momento.
0h28. Fomos para o Anjo Solto, um lugar especializado em crepes,
na Galeria Joana d’Arc no Pina. Nossa amiga diretora parecia esgotada e ainda
estava com dor de garganta, nossa amiga psicóloga estava rouca. A noite foi
agradabilíssima com conversas interessantes. Sobressaiu-se para mim o debate
sobre flatulência e a ideia do meu amigo cineasta de que pessoas da elite, mais
esclarecidas, deveriam colocar seus filhos em escolas públicas e com seus
padrões e expectativas relativas ao ensino fazerem uma mobilização para que a
escola pública atinja o grau de qualidade e excelência das escolas privadas
exemplares. Ele acha que se a classe média abastada tomasse essa iniciativa,
organizariam e mobilizariam os demais pais, menos preparados e mais conformados
com o status quo, e com isso gerariam uma revolução no ensino público. Achei a
ideia interessante, ou como a compreendi. Os demais assuntos, confesso que não
os recordo todos nem os seus detalhes, nem acho cabível coisas de cunho mais
pessoal de outrem serem expostas aqui. Aqui a única intimidade é a minha.
Senti-me em alguns momentos como um traidor por causa do bendito livro, como
possuidor de um terrível segredo que geraria a repulsa de todos à mesa. Toda
vez que o livro me vinha à cabeça era assaltado por essa terrível sensação que,
confesso, foi esparsa, ainda bem. Pois é, não consigo fugir desse tema. Eu não
sei o que será do meu futuro caso a obra veja a luz do dia. Não sei, não sei,
não sei. Só consigo pensar no pior cenário. Vou fumar um cigarro. E vou dormir.
Que o destino se encarregue de mim e meus escritos.
-x-x-
13h17. O segundo dia de filmagem começou com uma manhã
filmando tomadas externas, primeiro a prova de vida no banco, depois em frente
ao Manicômio, o que foi detectado pela clínica, eu acho, e não sei em que isso
vai dar na próxima consulta que haverá com a Doutora. Espero que nada. O livro
é mais impactante eu acho, mas não quero lembrar ou falar dele agora, pois me
desperta sentimentos muito antagônicos. Depois do Manicômio meu amigo cineasta
filmou-me caminhando pelas ruas do Poço da Panela e foi quando encontramos o
meu amigo esquizofrênico e talvez meu amigo cineasta tenha o filmado dando as
suas impressões nefastas sobre o Manicômio. Depois o meu amigo esquizofrênico não
mais parou de falar. É um ser até certa medida solitário, mas muito menos que
eu, tem vários conhecidos e muitos o conhecem de Casa Amarela ao Poço, passando
por Casa Forte, mas acho que tem poucos amigos de fato, eu penso que me aproximo
desse papel em sua vida e me sinto honrado com isso. Fazia muito tempo que não
nos cruzávamos pelo mundão. Foi bom, embora quase não tenha deixado que
partíssemos comentando sobre um suposto grupo policial de extermínio que
visitava as redondezas onde estávamos filmando. Acho que o depoimento sobre o
Manicômio uma pequena pérola que poderia ser acrescida ao projeto do meu amigo
cineasta e emprestaria um tom heroico ao fato de eu ter estado e sobrevivido lá
visto que sua descrição sobre o local foi de um lugar muito ruim, bicho de sete
cabeças total. Contou inclusive alguns causos. Sei lá, fica a cargo do meu
amigo colocar ou não um trecho dessa fala. Ele quer filmar o quarto vazio, eu
indo dormir e talvez uma entrevista. Além de uma conversa com o meu irmão pelo
Skype. Acho que o dia de filmagem foi proveitoso so far. Não sei por que achei que meu amigo não achou tão legal
assim. Bom, é a obra dele, como já disse, sou apenas o objeto em torno do qual
a narrativa se construirá, ou assim entendo, não sou roteirista nem codiretor. Nem
quero ser, acho que ter liberdade criativa total é essencial. Não queria
ninguém dando pitacos nos meus textos. Não quero ninguém dando pitacos no meu
texto. É incrível como a minha vontade de ter a camisa do manicômio esmoreceu.
Ainda bem. Seria interessante a entrevista, eu acho. Mas nem sugerirei ao meu
amigo cineasta, se estiver nos planos dele, que ele tome a iniciativa. Estou
conversando com a minha cunhada pelo WhatsApp, é uma beleza ter o WhatsApp pelo
computador. Não preciso ficar ciscando teclas no celular. Bem mais fácil e
cômodo. Eu não sei sobre o que vá conversar com o meu irmão hoje à noite. Mas
na hora sai. Posso falar da primeira interação com VR que tive. E do joelho de
mamãe. Perguntar se meu sobrinho caçula está realmente melhor. É, dá para
desenrolar um papo. Sobre a sensação de estar traindo as minhas amigas, este
sentimento está mais fraco agora, mas nem por isso deixa de ser menos real.
Acho que se for publicar o livro cortarei a amizade com elas antes. Não sei se
exagero, mas sincera e infelizmente, creio que não. Essa triste sina de me
revelar por inteiro é no mínimo polêmica e agride diretamente elas. Mas meu tio
pode – e é mais provável que o faça – dizer que não pode me ajudar. Eu acho que
devia extirpar os dias que passo em casa do “Diário do Manicômio”, por serem
tão desconexos do contexto. É um caso a se pensar. E falo muito em videogames.
Sei lá. Está entregue. Meu tio ele mesmo pode se sentir agredido pelo meu maior
segredo, esse que me destruirá socialmente. E pelos atos imorais que pratico ao
longo da internação. Quanto à camisa com a marca do Manicômio, acho que o santo
da Doutora é forte e fez até a fronha sumir. Se for forte mesmo, o livro não se
materializará. Eu não sei mais o que quero e posso dizer sobre o assunto. Acho
que vou tentar reconstruir a marca da clínica no Corel para passar o tempo. Ou
não. Agora não, está tão bonzinho escrever aqui. Meu amigo cineasta perguntou
se o livro tem a mesma “pegada” do blog. Fiquei sem saber o que responder pois
perdi o senso crítico a respeito do estilo após reler tanto o texto, mas
pensando bem, acho que a minha voz é a mesma, isso que faço no blog seria como
a orgânica continuação dos Diários. O da Clínica de Drogados, que escrevi anos antes
do do Manicômio, eu já vejo como uma voz diferente. Acho que estava em surto de
mania quando o escrevi. Achei repulsivo demais o eu que narro lá. O da
internação do Manicômio se aproxima mais do eu de agora, é uma extensão dele.
Só que aqui ainda meço o que dizer e lá digo tudo. Tudo que me vem à mente vai
parar no papel. Aqui não fico muito distante disso. Aliás me aproximo o máximo
que posso de mim e do que observo, percebo. Minha mãe está muito neurótica
comigo e ela mesmo se percebeu assim, o que achei um gesto de autocrítica
bonito da parte dela. Espero que ela relaxe mais depois dessa constatação. Caso
esteja lendo isso, mãe, saiba que não tenho a menor intenção de usar cola
novamente. Para mim é algo do passado. Como disse à minha tia-mãe, é uma coisa
que já valeu muito a pena para mim, já valeu todos os riscos e confinamentos,
hoje não vale mais. O custo/benefício, por assim dizer se tornou demasiado
negativo para que queira passar por tudo que a cola me obriga a passar por um
prazer que não mais me encanta, não faz mais sentido para mim, em suma. Sei que
sou um adicto e que tudo pode acontecer, mas tenho forte e firme em mim a
convicção que os meus dias de cheira-cola estão relegados ao passado. E que
assim seja até o final dos meus dias.
15h11. Nenhuma notícia do meu amigo cineasta, deve estar
curtindo a família ou descansando, pois dormimos tarde ontem e acordamos cedo
hoje. Sei lá, não sou adivinho para saber o que ele anda fazendo, sei que os
canais de comunicação estão abertos. Menos o interfone e a campainha, pois não
consigo ouvi-los daqui devido ao “Songs Of Experience” que rola no som no
volume 10.
15h16. Abri a janela e a porta para entrar um pouco de mundo
dentro do meu quarto e ele dar uma respirada, é bom fazer isso às vezes, me dá
a sensação de reciclagem da atmosfera do quarto e, como o meu padrasto não está
aqui, posso fumar o Vaporfi de porta aberta. Não gosto de passar muitos dias
com a janela fechada, embora não raro aconteça, pois me parece que atmosfera
vai se tornando de alguma forma viciada. Pensei agora na aparente tendência da
água de se organizar em forma de esfera quando em gravidade zero. Parece que o
universo tem preferência por este formato visto que planetas e estrelas todos
tem tais contornos. Acho isso curioso. Mas confesso que não tenho certeza
quanto à água, vi isso num filme de Hollywood e creio que vi também um
astronauta filmando a mesma coisa. Mas não tenho certeza desse último. Então
posso só estar conversando água agora. Hehehe. Primeira vez que uso a risada
marota nos meus textos. Será que se tornará uma constante a partir de agora?
Não gosto muito de usar esse artifício das risadas mas às vezes me escapa
porque estou de humor mais elevado. Me perdoe o leitor pela pobreza de estilo.
Meu amigo cineasta disse que vai escovar os dentes e sobe.
15h31. Amanhã completa-se mais uma volta que dou em torno do
sol, mais um ciclo se inicia. Nada realmente acontece, apenas um número a mais
na minha idade, um pouco mais de experiência, mas confesso que o ciclo começa
promissor com o fechamento das filmagens da obra do meu amigo cineasta sobre
esse que vos escreve e a possibilidade de publicar o livro. Coloco artigo
definido, pois não pretendo publicar outros, não tenho mais histórias tão
interessantes para contar (se é que uma internação tediosa num manicômio
privado pode ser tida como um momento interessante de ser narrado) e me revelo
inteiro nesta obra, não haverá mais pecados a serem postos luz. Me exponho até
demais, tanto é que arrisco me submeter ao repúdio social e consequente ostracismo
com a minha obra. Isso tem incomodado o meu juízo como fica claro nesse post.
15h51. O meu amigo cineasta está aqui e trouxe um pequeno
braço mecânico para estabilizar a GoPro. É bastante interessante, me lembrou os
movimentos dos robôs de Guerra nas Estrelas. Um brinquedinho novo que acho que
vai entreter meu amigo a tarde inteira. Ele quer filmar o meu quarto vazio. E
mais uma externa usando o apetrecho. Vai dar para ele brincar um bocado.
15h59. Coloquei, a pedido do meu amigo cineasta, “Utopia” de
Björk. Percebi como estava com saudade desse disco e como ele me remete a estadia
na casa do meu irmão e ao Nintendo Switch. Me deu até vontade de jogar. Talvez
o faça mais tarde. Se estiver ouvindo “Utopia” até lá. Sempre posso ouvi-lo,
nada me impede.
16h06. Meu amigo está tentando dominar o equipamento. É
engraçado. Parece que a GoPro atende a comandos de voz. Estamos testando
possibilidades do negócio que parece ser mais complicado de manusear do que o
vídeo sugere. Ele quer fazer um travelling
na minha bancada. Agora não sei o que ele está fazendo, pois estou de costas.
Mas não está gravando.
16h15. Ele estuda possibilidades de takes. E ainda se
embanana com o negócio. Espero que haja luz para captar o que deseja hoje.
16h23. Ele agora baixou o aplicativo do aparelho para
celular, adicionou mais uma camada de complexidade ou de comodidade e
informação ao processo. É bom descrever a filmagem, acho um divertimento
diferente, uma ocupação das palavras de forma diversa da que normalmente faço,
ou nem tanto, pois descrevo a realidade que me cerca também. Mas é uma
realidade peculiar ser filmado, uma peculiaridade que finda amanhã. E, muito
provavelmente nunca serei filmado de novo. É um acontecimento único na minha
vida, muito especial, me empresta uma importância que eu mesmo não me dou e me
sinto incrivelmente honrado com isso. Tanto que gostaria que não tivesse fim. A
companhia mesmo que silenciosa do meu amigo me faz um bem enorme às
sensibilidades. É bom tê-lo aqui. É bom viver com a sua companhia. Me anima
mundos. O convidei para ir almoçar no Spettus amanhã com a minha mãe. Acho que
nós três sejamos uma reunião do tamanho ideal, nem mais nem menos. São exatamente
as duas pessoas com as quais me sentiria mais confortável para compartilhar um
almoço. Talvez meu primo-irmão, mas acho que ele não vai poder devido ao
trabalho. Mas acho três o número mágico. Está bom. Infelizmente não vou chamar
o colega de CAPS que encontrei no banco, embora me pareça ser um cara bom de
boca, mas não privo da companhia dele há muito tempo. Não acho que ele seria um
grande problema, também é uma pessoa de fala fácil. Poderia muito bem chamá-lo,
mas me sentiria muito mais confortável com o meu amigo cineasta e minha mãe
apenas. É, está decidido, acho melhor.
16h55. Estou agora em meio às filmagens com ângulos muito
loucos possíveis com a GoPro. Espero já de forma positiva a ida ao Spettus
amanhã. Se se der dessa forma, só nós três, estou completamente aclimatado com
a ideia, passei a gostar dela de fato. Colocarei uma condição, entretanto, que
não haja “Parabéns para Você”.
17h32. As filmagens acabaram por hoje. Meu amigo foi se
encontrar com o meu primo urbano. O personagem das tomadas de hoje à tarde foi
o quarto-ilha. Sem a minha presença, mas com todos os gostos que ajudam a
definir quem eu sou expostos por todos os cantos. Acho que daria uma boa
introdução para a obra. Não sei o que vai decidir o meu amigo cineasta, se
sequer vai usar tais imagens. O ciclo se fecha amanhã, data do meu aniversário.
Um ciclo de praticamente um ano da minha vida, que atravessa o mundo e passa pela
Alemanha e Estados Unidos em péssimas filmagens que fiz e que talvez nem sejam
utilizadas. Bom, a captação termina justamente nessa fase de transição para uma
nova idade. Ao que tudo parece, eu iniciarei esta fase sendo alguém totalmente
outro de quem fui no ano anterior. Alguém que rejeita a ideia de voltar a usar
cola, com um livro escrito capaz de destruir a minha vida social que pode ou
não ser publicado e a possibilidade de ter uma obra cinematográfica a meu
respeito. Será um ano cheio de possibilidades em botão. Que floresçam as que
merecem ver a luz dos olhos do mundo. Meu sonho, por mais que tenha vergonha
disso, essa vergonha agora não se apossa de mim por se afigurar uma
impossibilidade, seria fazer o lançamento do livro e exibir concomitantemente a
obra do meu amigo cineasta. Acho que ambas as coisas se complementam. Mas isso
não vai acontecer simplesmente porque acho que o livro não vai acontecer. É por
demais fútil, por demais vago, por demais mal escrito, por demais humilhante. Por
outro lado, é absolutamente honesto e transparente. Meu primo urbano, com quem
nosso amigo cineasta foi se encontrar, e este motivaram-me a fazer uma edição
independente o que realmente não queria fazer. Queria e quero que algum editor
veja mérito no material e faça ele acontecer. Meus amigos acham muito difícil isso
acontecer. Me apoio totalmente nos ombros do meu tio e nele aposto todas as
minhas fichas. Me bateu uma saudade agora de alguém que me é muito cara. E para
quem eu sou pouco mais que um nome e um rosto familiares. Pouco se me dá, sou
eu com os meus moinhos de vento. São eles que lufam a minha alma, que a mantém
arejada mesmo na estagnação em que amo estar. Amanhã escreverei a próxima etapa
do meu outro projeto. A data é importante. Não sei se terei tempo para isso,
visto que tenho um almoço no Spettus e as últimas filmagens a serem feitas. Mas
o dia do meu aniversário começa às 0h00. Então posso adiantar o meu projeto
agora e finalmente dar o pontapé inicial, mais concreto nele. Não sei. É uma
tremenda perda de tempo. Mas esse arquivo já está muito grande, se é para
começar um novo ano de vida com mais alguma coisa em andamento, uma que só
depende de mim, vai ser este projeto.
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