domingo, 29 de abril de 2018

REITERADA PENA DA INCRÍVEL REVISORA


17h53. Meu preconceito em relação a mim foi o mote deixado para eu pensar ao final da terapia anteontem. Tinha escrito algo sobre isso, mas perdi o arquivo por burrice e porque faltou luz. Passei os últimos dias (e voltarei para lá em breve) revisando o tal do livro sobre o Manicômio. Cada vez que leio acho pior, o que me angustia. Ainda bem que a minha amiga revisora vai revisá-lo e construir melhor alguns trechos que luto para melhorar e não consigo. Enviarei para o concurso assim mesmo. Não, revisarei uma vez mais. Por mais que precise me sentir satisfeito para achar que tenho alguma chance. Embora não tenha chance nenhuma. Trato de temas que são tabus sociais e isso não agradará. Ainda mais quando admito que passei bons momentos num manicômio privado. Vai na contramão de todo o movimento de reforma antimanicomial, de direitos humanos e sei lá mais o quê. É uma pena que a minha amiga revisora não será capaz de revisar o texto a tempo de enviá-lo para o concurso. Mas prefiro que a obra final tenha o toque mágico dela, que certamente melhorará e muito a construção do texto, em especial as partes em que estou me enrolando e transformando o texto num monstrinho. Aliás o texto é enorme. 233 páginas de Word. Soube que o outro livro que revisou possuía 75 páginas de Word. O meu é três vezes maior. Pobre coitada, ler um monte de asneira e ainda lutar com meu português trôpego para lhe emprestar alguma mínima estrutura e coerência. Realmente estou com pena dela. Até por isso vou tentar melhorar o que escrevi. Mas confesso que estou sem saco de fazê-lo agora. Já passei dois dias nessa pisada. Acho que aparei muita coisa, mas cada vez que releio acho mais partes incoerentes e construções malfeitas. Parece uma maldição. Acho que se me dessem cem anos para revisar o texto não chegaria à forma ideal simplesmente porque me falta o distanciamento necessário e o domínio da língua essenciais ao trabalho. Estava até com esperança de ganhar o concurso pela originalidade da obra, mas com construções tão pobres, português por vezes – várias – chulo e pela falta de profundidade dos personagens, inclusive do narrador, que é esse que vos fala, um ser incoerente que muda de opinião o tempo todo, ou seja, totalmente inconsistente, não há chance mínima de ganhar o concurso. Não tem problema, em setembro tem a seleção da Bagaço, espero até lá ter o livro reconstruído como o Robocop por minha amiga revisora e daí se tornar algo minimamente publicável. Sei que há fatos pitorescos, peculiares narrados, mas há muita repetição, afinal a rotina de um manicômio torna-se repetitiva e tediosa. Acho que essas duas palavras são a definição do meu livro, repetitivo e tedioso. E demasiado longo. Nossa, me sinto pressionado a revisar uma vez mais antes de entregar à minha amiga revisora no sábado. Minha mãe já está agoniada com tanta revisão que eu faço, acha que eu estou obcecado pelo livro. Ela precisava ver papai e suas incansáveis revisões de sua obra que, devido a seus esforços, tornou-se referência na área. Até hoje recebemos meus irmãos e eu, royalties da venda do livro. E meu pai morreu há quase dez anos, eu acho. Nem sei. Sei que ele, ou que restou dele, está no meu armário, aguardando o dia em que algum dos filhos possa lançar suas cinzas sobre a maré de Macau, como tantas vezes enunciou ser o destino a dar aos seus restos mortais. Obviamente o cremamos, meu irmão o fez, meu santo e iluminado irmão. E as cinzas estão até hoje no meu armário. No começo, achei mórbido e desconfortável e pensando bem, ainda é, mas me acostumei com essa realidade. Acho que será o meu irmão, único dos três que não foi ao enterro, quem fará esse rito, quando levar a família para conhecer Macau e Areias. Não haverá espaço no carro para mim, a não ser que minha cunhada não queira ir, embora ache que ela deva ir. Ela merece conhecer Areias e acho até que deve isso ao meu irmão. Se ela não se mostrar disposta a tal empreitada, eu posso acompanhar ele e os meninos na viagem. Estou achando que estou escrevendo supermal. Que ozzy. Isso só me intimida mais ainda a mexer no texto. Até porque ou eu estou sendo hipercrítico ou perdendo o senso crítico em relação a ele. Só sei que a cada leitura eu o acho pior. Há algumas partes que se salvam, mas outras estão uma vergonha. Há dias completamente sem inspiração. Talvez tais dias devam ser cortados. Não sei. Vou dar carta branca à minha amiga revisora para brincar e mudar o que quiser no texto. Ela vai sofrer um bocado, coitada, se meteu numa cilada que vai ser difícil e trabalhosa de ajeitar. Pense num texto mal construído. E parece que a cada vez que mexo fica pior. Sei não. Tenho pena da minha amiga. Quando ela pegar esse dia que estou achando uma m... e que tiver de reconstruí-lo ela vai ver que pegou em bomba. Eu vou dar mais uma olhada para ver se melhoro. Mas está difícil até para mim que sou o pai da criança. Vou mandar para o concurso, sobre isso não resta dúvida, sem a revisão transformadora dela. O pior é que é um livro tão vazio de conteúdo. São 233 páginas de quase que absolutamente nada. Sei que é difícil escrever tanto sobre tão pouca coisa, mas consegui esse feito. Nossa, toda vez que penso na bomba que minha amiga vai pegar, tenho pena. Mas vamos ao que tenho preconceito em mim. Praticamente tudo, é melhor começar pelo que me orgulho (ou me orgulhava): do que escrevo. Gosto de estar sendo uma pessoa melhor com a minha mãe, ela está me dando a chance disso, acho que vamos findar senão zerando o nosso carma, chegando quase lá. Achava isso impossível, a gente se entender, se respeitar, se curtir, ter uma relação boa e decente, mas ela vem melhorando muito e acho que, de alguma forma, eu melhoro também. Queria muito que ela ficasse boa do joelho. Não vou pedir a Deus ainda porque já pedi que a divindade intercedesse na causa (ou casa) da minha irmã. Acho que não posso pedir tanto. Senão fico mal-acostumado. Não creio em Deus, mas quando rezo, funciona, o que é deveras estranho. Nunca o peço nada por mim, entretanto, não acho justo, há causas mais urgentes para o todo-poderoso se preocupar. Saberia exatamente quais seriam os meus dois pedidos, mas não os farei. Pois acho egoísta da minha parte, já me considero abençoado demais com o que tenho. Pedir mais é mesquinho da minha parte. Se eu tenho dois sonhos, eu tenho que batalhar para realizá-los. E estou fazendo isso da forma que sei. Um deles vou voltar a fazer que é estruturar o livro da melhor forma que posso. Vou para ele agora, já dei uma respirada escrevendo coisa nova, deu para desopilar. Pensei em ler um pouco de Fernando Pessoa para me inspirar embora nada pudesse estar mais distante da minha obra e até por isso, mas acho que a voz tem que ser o mais minha possível, sem interferências externas. Quanto mais minha, melhor. Acho que a minha amiga revisora concordaria comigo nesse aspecto. O problema principal é quão contraditória é a minha narrativa e o pior que ela é o mais sincera possível, eu é que sou um cara contraditório, então acho que as contradições têm que ser mantidas. Sei lá. Vou voltar para lá. Quando travar volto para cá. Sim, antes de ir, elencarei os principais preconceitos que tenho a minha pessoa: estéticos (bucho, cara e pau), morais (esperto demais em alguns aspectos), culturais (alienado completo do mundo), profissional (sou curatelado, não consigo me considerar um escritor), sexuais (não tenho muita vontade de fazer sexo, acho que sexo é a obrigação de satisfazer a parceira, não consigo ver como uma brincadeira de adulto a dois), sociais (dificuldade de interagir com os outros habitantes do planeta pela via oral). Acho que está bom por ora. Depois volto, eu acho. Não prometo. Mas tentarei.

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11h46. Sexta-feira. Revisei o texto pela quinta vez, minha amiga revisora virá pegar o arquivo – e o cheque – amanhã para iniciar sua parte do trabalho. Neste exato momento, estou receoso que ela leia o conteúdo, pois transformará para sempre e para pior, muito pior, a imagem que tem de mim. Penso em revisar o texto uma última vez para ver se corto mais alguma coisa, mas já formatei o texto para envio para o concurso do qual pretendo participar, deu 270 páginas, se o formatei corretamente. Aguardo uma resposta da moça da editora sobre as últimas dúvidas relativas à formatação. Mas ter ficado com 270 páginas, nas minhas absurdas superstições, é um bom sinal, visto que 27 é um dos meus números da sorte. Pretendo revisar o arquivo, não a versão que criei para o concurso, está ficará do jeito que está, faltando apenas acrescentar-lhe a devida documentação, o que pretendo fazer hoje à noite, mas revisar o que repassarei à minha amiga revisora, embora não tenha certeza de que terei paciência para enfrentar o texto de novo e se dará tempo de revisar tudo. Estou com mais sede de palavras fresquinhas como estas do que disposição para reler mais uma vez o tal suposto livro. Acho que minha amiga revisora terá um trabalho enorme para revisar tudo e acredito que meu livro será descartado logo pelo seu capítulo inicial que relata o uso da cola com suas frases incoerentes. Bom, não deixarei de enviar. Preciso criar coragem para montar a impressora aqui no meu quarto para escanear e imprimir o que é necessário ao concurso. É, meu universo está revolvendo muito o livro, não poderia ser diferente, pois só tenho me dedicado a isso. Quando acabar o líquido do Vaporfi, vou lavar o tanque e jogar os resquícios do líquido antigo fora, o líquido está com uma cor escura, remetendo a café, quando o líquido é cor de mel, deve estar para lá de queimado e sujando o filtro do aparelho. Estou criando coragem para revisar mais uma vez o texto, consegui extirpar duas páginas dele, o que, de um universo de 234, não parece muito, mas é um corte significante. Eliminei quase todas as menções a videogames e bonecos. Acho até que tiraria os momentos que passei em casa, mas por ora ainda continuo os achando pertinentes. Fico triste que o ápice do livro se dê antes da sua metade, mas não posso adulterar os fatos de forma a mudar isso, aí estaria transformando o livro numa ficção e, mais do que obviamente, este não é o meu intento. Estou criando coragem para reler uma última vez antes de entregar o meu filho à minha amiga. Nossa, ela vai me ter pela pior pessoa do mundo. Reforçarei o sigilo absoluto sobre o conteúdo. Que apenas ela me odeie por quem me revelo naquilo. Fiquei feliz com o 27 do 270 no arquivo do concurso. Se bem que ainda entrarão os documentos, mas dificilmente ficará com 280 páginas. São uns quatro anexos, somente, pelo que me recorde.

12h40. Estou papeando pelo WhatsApp com o meu primo urbano e com as minhas primas maternas.

12h59. Acho que vou recomeçar a revisão do meu texto. O certo seria revisar a versão já formatada para o concurso e assim aperfeiçoá-la, mas não sinto esse impulso, ironicamente. Prefiro revisar o que vou mandar para a minha amiga, até porque prefiro ler com fonte Calibri que com Times New Roman. Será a última vez que reviso. Até porque não há mais tempo. Minha amiga vai vir aqui amanhã após o almoço. Espero conseguir melhorar a cadência, deixar o texto mais enxuto e menos enfadonho. Só não quero mutilar os acontecimentos e minhas percepções deles. Pelo menos das partes que vivi no Manicômio. As partes de casa podem até ser suprimidas. Preciso repensar também os títulos dos capítulos. Ai, ai, ainda bem que amanhã entrego a ela, senão revisaria ad infinitum. É uma coisa muito louca querer fazer o melhor para que a única obra da minha vida fique o mais aceitável possível.

22h48. Tentei revisar mais uma vez, mas confesso que não consegui de todo, me dei por vencido. Já formatei o texto para as especificações do concurso, que segundo a moça da editora, pedia fonte 12, o que ampliou sensivelmente o número de páginas. Mas entregarei à minha amiga revisora a versão em Calibri mesmo. Que inclusive contém os agradecimentos e o texto da contracapa. Estou supersaturado do texto. Não aguento mais olhar para ele. Agora é com ela. E com os juízes do concurso. Mas acho que estes vão desclassificar logo pela primeira página, infelizmente. Duvido que gostem que expressões em inglês sejam utilizadas. Estou com pena da minha amiga. Ela vai pegar uma bronca pesada para revisar. Um quebra-cabeças cheio de redundâncias. Fiz o melhor que aguentei fazer, o meu máximo, o resto deixo em mãos de uma pessoa que saca muito mais e tem muito mais memória do que eu. E que espero que guarde segredo do conteúdo. E que opere um milagre deixando o texto mais gostoso de ler. Quem sabe mais curto, sei lá. Ela que entende, que fará as mudanças. Agora estou livre para escrever sobre o que me der na telha, mas me confesso mentalmente esgotado. E sei que deixei muitas coisas por consertar.

23h22. Eita! Amanhã tem aniversário da minha prima na casa da minha tia-mãe. É claro que eu vou.

0h32. Mandei o texto para revisão por e-mail. O cheque com a primeira parte do pagamento, entregarei a meu primo urbano quando esse vier almoçar aqui na casa da mãe no domingo.

0h48. Estou animadíssimo com o prospecto de a minha amiga revisora dar uma guaribada no texto. Meu Vaporfi acabou a bateria e o outro não carregou, pois a tomada não estava bem enfiada. Que ozzy. Terei que apelar para os cigarros até dormir. Mais um sonho que se realiza, pelo menos parcialmente. Sempre sonhei ter o livro revisado. E acho que a minha amiga revisora será supercuidadosa e respeitará o meu estilo. Mas há várias coisas que sei que ela vai alterar, vai vir cheia de sugestões para me dar. Espero acatar todas. Ela perfeccionista e cuidadosa, então vai ser uma revisão massa. Ainda por cima vai fazer o trabalho de edição. Eliminar redundâncias e repetições excessivas. Já me passam coisas na cabeça que eu alteraria, mas não vou mais mexer no texto. O arquivo para o concurso já está formatado, faltam os anexos. Para isso preciso da impressora/escâner que se tiver saco, ligo quando acordar para já aprontar o arquivo e mandar amanhã mesmo antes de ir para a festa da minha prima, o que foi uma grata surpresa. Acho que minha amiga revisora vai achar estranho o primeiro capítulo do livro, vai estranhar bastante e não sei como ela pode formatar para ficar melhor. Estou com sono. Vou dormir. Ainda não. Deveria ficar acordado até a bateria carregar para poder colocar a outra para carregar também. Elas duram cada vez menos e só tenho mais uma bateria reserva. Nova, virgem, digo.

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11h46. Parece que o meu amigo da piscina está de volta e querendo falar comigo. Não lhe darei atenção agora pois tenho todas as minhas atenções voltadas para a festa de aniversário da minha prima professora.

11h57. Contrariando o parágrafo anterior, tentei interfonar para o meu amigo, mas caiu na casa errada por alguma incompetência minha. Pelo menos tentei. Agora só quando eu voltar da festa, o que não sei que horas vai ser dar. Estou com preguiça, indisposto para enfrentar o evento social, mesmo que no seio da minha família. Coisas do despertar. Ainda estou com sono, talvez pelo grande esforço mental empreendido nos últimos dias na revisão da minha obra, que cada vez mais vejo como uma infrutífera produção. Mas enviei à minha amiga revisora e talvez seja a primeira amiga que perderei. Vamos ver se ela terá o distanciamento entre obra e autor que apregoa. O que acho difícil sendo uma obra de cunho tão pessoal. Queria que ela achasse o material digno de publicação, o que para mim é uma grande incógnita. Às vezes acho que é, noutras não. Na maioria, não. Mas enviarei mesmo assim para o concurso. Queria receber algum comunicado dela, mas acho muito cedo. Ela passou a manhã no curso de francês e deve agora estar almoçando. É mais pertinente que só comece a dar uma olhada no arquivo que lhe enviei à tarde. Se olhar, afinal é sábado. Mas acho que a deixei curiosa dizendo que vai me achar um canalha imoral e pervertido. Hahaha.

13h48. O celular carregou. Preciso me aprontar para ir. Sem disposição nenhuma. Embora ache que vá ser bom.

14h13. Falei com o meu irmão, o que é sempre ótimo, contei-lhe, como não podia deixar de ser, do livro e de que o mandei para a minha amiga revisora cuidar dele, pois eu não conseguia mais olhar para o conteúdo. Ela pegou em bomba, a coitada. Nem sabe. Vai descobrir hoje, se abrir o arquivo. Tenho pena, mas fiz o meu melhor para aparar e cortar tudo o que podia, além de lapidar o português até os meus parcos limites de domínio da língua.

14h25. Nossa, como amo o meu busto do Hulk. Não saberia viver sem ele. Olho para a estátua frequentemente, ela me dá uma sensação de familiaridade com o meu quarto-ilha, de ele ter a minha cara e ser o meu domínio.

14h30. Passei os olhos rapidamente pelo começo do livro, da versão que vou mandar para o concurso e desgostei do que li. Achei horrível e despropositado. Começo a crer que esse livro nunca verá a luz do dia. Não tem muito para quê. A não ser que a minha amiga revisora opere um milagre. Desculpem a redundância, é porque estou realmente excitado por ter um livro revisado. Vou me arrumar para o aniversário.

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Achei curioso o ato de nacionalismo dessa fabricante de isopores de colocar a bandeira
do Brasil no verso da tampa.


20:18. Estou na varanda da casa da minha tia-mãe ouvindo U2 e como não tenho com quem conversar no momento, escrevo. Prometi que veria o filme "The Wall", se porventura houver no Netflix. Estou com uma preocupação, já há muitos interessados da família em ler o livro e isso me deixa deveras constrangido pois ele revela meu lado mais podre, corrupto e doente. É uma exaltação dos meus defeitos de caráter e me dispo de qualquer pudor ao me retratar no meu momento mais negro, revelando os meus segredos mais secretos. Dos quais não me orgulho nem um pouco. Não sei tampouco se algo que fiz como fuga para o tédio do Manicômio, que não foi pouco, transformado em caudaloso, para dizer o mínimo, texto é um exercício digno de ser publicado. Horas sem fim de escrita compulsiva, muitas vezes repetitiva e incoerente. Muito mais que este blog, que já possui textos enormes. Tenho medo de isso vir a público e ao mesmo tempo faço o movimento de publicá-lo, digitando tudo o que escrevi e, passo mais ousado, confiando a uma amiga a revisão e o devido sigilo (pelo menos tomei a precaução de pedir-lhe isso e sei que ela é muito correta a esse respeito, como em relação a todo o resto). Certamente vai se chocar com as minhas obscuras verdades. Com o lado mais negro, degradante e doente de um adicto bipolar abjeto e infantil. Não é uma obra edificante em nenhum sentido. É uma descrição pejorativa de um ser humano de baixa autoestima e nada exemplar. Se há uma qualidade na narrativa é a absoluta sinceridade. Não que isso me exima de algo. Pelo contrário, me compromete até à medula. Acho que vou para casa. Quero escrever no meu computador, tendo por companhia o Hulk, ouvindo "Songs of Experience". Me reencontro comigo dentro em breve. 21:21.

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21h51. Estou devidamente instalado no meu quarto-ilha, depois de pego um Uber e ter fumado um cigarro na piscina observando de longe um grupo de jovens que ouvia uma música jovem e agradável, para a minha surpresa. O som e o computador não se entendem. Só me resta ouvir CDs. Acho que é o “Post” de Björk que está no som. Vai ele mesmo, eu gosto. Errei, é “Homogenic”, do qual também gosto. Minha mãe disse que daqui a pouco passará aqui no quarto, acho que para me inquirir sobre o aniversário. Foi um prazer encontrar com minha tia, irmã da minha tia-mãe, que é uma leitora assídua do blog. E é uma das que disse que quer ler o livro. Meu deus, o que será que estou construindo para mim? Quem me dera a minha amiga visse algum valor literário no que escrevi, pois eu não consigo ver nenhum. Também não acho informativo do que é a vida em um manicômio, são apenas as impressões, reflexões e atos de um viciado em meio a viciados fazendo coisas viciosas. Se bem que “Trainspotting” não é muito mais que isso. Fiz uma enquete se o subtítulo “uma história real” atrairia mais leitores e a maioria dos que perguntei, afora meu primo-irmão, achou que sim. Então manterei o subtítulo. Isso se a minha incrível revisora achar pertinente. Espero que ache, pois eu mesmo acho que atrai mais leitores. Minha mãe pode chiar em relação a isso, como em relação a todo o conteúdo do livro. Mas é a minha obra e a minha vida e eu tenho direito de contá-la. Desculpe se revolvo sobre o assunto do livro, é que desde muito tempo, antes até de ter tido a epifania de ser escritor, eu sonho em publicar uma obra em formato livro. Meu padrasto acha uma tolice, que livro é coisa do passado, que eu deveria publicar em formato digital, mas para mim não é a mesma coisa. Sonho ter o objeto com minhas palavras negras impressas no papel. E quero que seja meritório, que eu não publique apenas para me satisfazer o ego, mas que outro ou outros achem meritório. Eis aí um dos meus dois maiores sonhos, o outro é impossível e não ouso reparti-lo aqui. É comprometedor demais. Mas revelo no livro. Eis aí um teaser para o “Diário do Manicômio”. Hahaha. Sobre o que posso escrever mais se só este assunto me toma? Continuarei nele, então. Meu primo irmão caiu na gargalhada quando eu disse que o outro livro que a incrível revisora revisou tinha 75 páginas e que o meu tinham absurdas 232. Isso porque consegui cortar duas páginas de conteúdo, eliminado o que achava dispensável na narrativa. Talvez a incrível revisora consiga cortar mais. Incrível o que se pode produzir no ócio praticamente completo ao longo de dois meses de internamento. Contando os anexos, que foram colocados depois e cuja permanência é coerente, por mais que eles amplifiquem substancialmente a má impressão a meu respeito. Pretendo amanhã mandar o livro para o concurso literário, o que não consegui fazer antes de ir para o aniversário.    

22h22. O que mais posso dizer sobre a festa de aniversário de hoje? Conversamos sobre corrupção e sua presença entranhada em todos os estratos do sistema. O que não mencionei é que me acho eu mesmo alguém corrupto. Não tenho a retidão de caráter que é de se esperar de um cidadão de bem. Isso me ficou claro pelas atitudes que tomei no dito internamento. Mas deixemos para falar do livro depois. Conversamos também sobre o mestrado do meu primo-irmão que parece agora, na minha humilde opinião, ter tomado um rumo mais prático e factível de produzir conteúdo tão intangível quanto o sentido maior da vida de um ser humano adicto. A solução foi simples, mas efetiva, uma mudança do público a ser estudado. Estava achando, com o que me foi narrado no nosso encontro anterior, que seria muito difícil ele extrair o conteúdo que ambicionava. Mas sob essa nova ótica o material torna-se acessível, o que é ótimo. E ele disse que é uma seara pouco explorada, o que distingue ainda mais a sua tese de mestrado, se conseguir fazer a aproximação adequada do público em questão, único porém que vejo. Ademais contei da experiência com o U2 em realidade virtual para ele, minha prima crente e seu marido o que despertou moderada curiosidade neles. Também mencionei ao marido dela do DVD que tenho com um show em Paris da turnê original do “The Joshua Tree”. Além disso, como mencionado debatemos muito o “The Wall” como obra cinematográfica, espetáculo e disco. Minha tia disse que eu tenho uma maneira de escrever muito gostosa de ler e isso me encheu a alma. Quem sabe o livro não tenha essa mesma pegada, mesmo tratando de uma faceta muito mais sombria da minha pessoa? Seria ótimo. Mas tenho para mim que quem o ler achará tedioso. Afinal são 232 páginas de Word. Nem sei quantas de um livro isso daria, visto que, via de regra, um livro tem dimensões menores que um A4. Tenho até curiosidade em saber em quantas páginas as 75 que meu amigo escreveu se transformaram quando convertidas em formato de publicação. Só para ter uma estimativa de quantas páginas o meu livro teria. Mas acho que meu amigo não chegou ainda a essa parte do processo. Vou pegar Coca e quando voltar boto o “Homogenic” de novo para rodar.

22h46. Conversei com o meu padrasto sobre o interesse dos meus familiares fãs do U2 de ver o clipe em VR da banda, ele me falou que a CNN está com um canal em VR. Deve ser interessante. Gosto de vídeos reais em 3D, gráficos de computador não me interessam. “Joga” toca no som, por algum motivo, o toca-CDs do som não lê a primeira do disco, que julgo ser “Hunter”. E que gosto. É o CD da coleção “Surrounded” de Björk cujos discos têm um lado CD e o outro DVD (em 5.1), talvez por isso dê pau. Mas desde o meu som antigo eu já havia perdido a confiança nos tocadores de CDs atuais. Quem me dera eu conseguisse conectar o Bluetooth ao computador de novo, mas isso se mostra um a missão ineficaz. Talvez se reiniciar a máquina, visto que reiniciar o som não resolveu de nada. Mas não tenho paciência para isso agora, além do que eu amo Björk, então não empata ouvi-la um pouco. Usar o verbo “empatar” com o significado de atrapalhar/desagradar só me lembra Maria de Buria. Herdei dela esse uso que nem sei se é da norma culta. Que não seja! É da norma desse blog, não empata a vida de ninguém. Hahaha. Estou sem conteúdo para escrever e isso me incomoda, dá aquele desconforto do tédio na alma. Mas seguirei escrevendo, se penso, posso escrever tais pensamentos. Gostaria que a incrível revisora viesse ao meu quarto ver o Hulk. Me encontro mais fortalecido contra a cola do que jamais estive. Isso me dá um alívio tremendo. A pior coisa é ter o fantasma do vício a me rondar e se insinuar se eu der brecha. Tenho para mim que os meus dias de cheira-cola estão definitivamente relegados ao passado. É talvez um excesso de autoconfiança isso, mas o prefiro que a eterno temor de fracassar. Quando mais deixar a cola para trás, mais longe e distante ela parecerá ao olhar pelo retrovisor da minha vida. Minha fissura agora é ver que destino darei aos meus escritos do Manicômio. Confio muito na incrível revisora e em suas opiniões. Se decidir por cortar dias inteiros, a depender do dia, pouco se me dá. Não pode ela tentar amenizar as coisas para o meu lado e me salvar da condenação pública, pois isso seria adulterar a essência do livro. Talvez ela queira me proteger de alguma forma, mas acho que a voz da revisora se sobreporá à da amiga, no que faz muito bem. Ela pode me indagar se quero manter ou omitir algo mais comprometedor, mas quero a minha negra verdade lá. Queria que ela tornasse o livro dinâmico e agradável de ler, o que acho que não consegui alcançar por mim mesmo. Bem, aguardo ansioso um primeiro contato dela a respeito da obra. Como ela vai solucionar o primeiro capítulo sem roubar-lhe as peculiares características. O desafio da incrível revisora começa logo na primeira página. Coitada. Tenho uma pena danada, sério. A bichinha com o seu perfeccionismo e profissionalismo vai acabar endoidando com a minha escrita preguiçosa e desleixada. Palavrões abundam. Não os queria remover. Nem acho que ela o fará. Visto que um de seus objetivos é não macular a voz do escritor. Estou bastante curioso, talvez como um pai que espera o nascimento de um filho. Acho isso um exagero, mas estou louco para saber notícias, ver a abordagem dela, que sugestões trará à mesa. E seu choque com o conteúdo. Mas o que mais queria é que ela achasse uma obra passível de ser publicada. Não confio no meu próprio julgamento. Minha baixa autoestima me faz ver o texto como uma enorme perda de tempo.

23h37. Fui dar uma relida no começo do texto que enviarei à editora e já achei dois erros. Vou parar de fazer isso, está entregue. Não aguento mais olhar para o texto, quanto mais olho, mais desgosto. Tomara que a infalível revisora me renove o ânimo em relação à minha obra. O que considero difícil. Manter o leitor por 232 páginas de Word engajado na leitura é tarefa para poucos. E eu não sou um desses abençoados. Por falar em bênçãos, minha prima crente disse que vai orar por mim para que a publicação ocorra.

0h22. Fui jantar, mas antes mandei para o meu tio, o que eu achava que poderia me ajudar, um e-mail falando que mandei o livro para a revisão e que contava com ele para consecução da publicação. Não adianta, estou morto de sono. Vou dormir. Espero ter assunto amanhã para escrever. Desculpe se redundo tanto no assunto e repita incontáveis vezes a pena que tenho da coitada da minha amiga revisora, mas tal piedade é um sentimento que me domina toda vez que penso no assunto.

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