14h02. Mais um dia de existência. Este começa tedioso,
modorrento. Não consegui fazer o exame de sangue pois não achei a prescrição da
Doutora. Estou agoniado de ficar trancado aqui no quarto. Acho que vou dar um
passeio até o shopping só para desopilar um pouco. Será que o meu amigo jurista
vai querer ver o filme hoje? Gostaria de saber, mas não vou perguntar porque já
o pressionei na semana passada em relação ao Odyssey, não vou me passar por
chato e insistir essa semana. E a comunicação é uma via de mão dupla, se houver
interesse, motivação da outra parte, ele há de se manifestar. Queria saber
porque daí não iria ao shopping duas vezes no mesmo dia.
14h27. Há certas posições e gestos que reforçam o sentimento
que carrego. Por exemplo levei a mão à têmpora e percebi que isso intensificou
o meu sentimento de marasmo. Hoje, até agora, tem se mostrado um dia bastante
banal. Não que eu desgoste da minha vida, mas nem todos os dias são de
maravilha. Há os dias banais. Surpreendente seria se eu morresse hoje. Mas
tenho certa convicção de que isso não vai acontecer. Não sei de onde vem essa
certeza. Acho que porque a probabilidade é pequena. Por mais que aumente com a
idade, não cheguei à idade em que ela é um fator real de preocupação. Se morrer
hoje é atropelado quando e se for realmente ao shopping. É a única
probabilidade de morte que consigo aferir. Ou um latrocínio.
15h03. Dane-se se eu for duas vezes ao shopping hoje. Vou
agora. Preciso ver um pouco o mundo, as pessoas.
17h11. Só fiz me suar. Não achei graça nenhuma no shopping.
Aguentei ir só ir até o terceiro andar, se passei meia-hora lá foi muito. Acho
que ainda estou um pouco para baixo por causa do incidente do sábado. Realmente
deve ter algo de muito errado comigo para a pessoa me tratar assim. Queria
saber onde errei para pelo menos tirar alguma lição do ocorrido, mas deixa para
lá. O mundo segue girando no seu passeio pelo cosmo. Quem sabe a vida não tenha
alguém guardada para mim? Achei que finalmente havia encontrado, mas não foi o
caso. Bem, não sei. Afinal o tal do mundo dá muitas voltas. Quem sabe numa delas,
num encontro menos conturbado. Não, também acho que não. Mas não vou ter um
comportamento reativo, de desprezo ou coisa que o valha. Ficarei na minha, se
quiser se comunicar comigo, serei receptivo. Me prometi não falar mais dela aqui.
Porém o que fazer se é o assunto que me domina a alma? Tomara que isso passe
logo. “Super de boa”. Sei. Vi. Vivi. Não foi de boa para mim. Não me pareceu
assim, nem me senti assim. Novamente, deixa para lá. Deixa o mundo girar. Volto
aos meus platonismos, enquanto isso.
17h37. Meu amigo cineasta disse que vai vir aqui no meu
aniversário me visitar e filmar. Acho que vai se decepcionar com a “festa de
aniversário” porque não vai haver uma. Odeio “Parabéns pra Você”, odeio a falsa
felicidade ausente nos demais dias em que eu continuo sendo o mesmo da mesma
forma que quando completo mais uma volta em torno do sol. Ainda bem que é um
dia só, odiaria muito mais a falsa felicidade diariamente, viver num mundo de
hipocrisia. Sei que a hipocrisia é uma útil ferramenta social, mas não gosto de
usá-la. Quanto menos, melhor. Dia 16 de dezembro tem o natal da minha família
paterna. Talvez consiga participar, embora às vésperas da viagem para os EUA.
Mas viajo dia 20, acho que minha mãe não interporá nenhum obstáculo a minha
ida. Tentarei estar com as malas já prontas antes do dia 16. Ah, o meu amigo
cineasta também estará por aqui nesse período e pretende me filmar. Não sei se
valeria ele filmar o natal, não sei se eu me sentiria constrangido com isso. Ou
se meus familiares se sentiriam constrangidos com isso. Sei lá, discuto isso
depois com o meu amigo cineasta quando ele chegar.
18h09. Perguntei pelo WhatsApp mesmo. Como sempre, esperar
resposta. Ele agora está indo tomar um café com sua consorte, deve demorar a
responder. Estou agoniado hoje, com uma angustiazinha leve e chata. Queria
muito ir ao cinema ou ao Odyssey com o meu amigo jurista, mas, pela hora, já vi
que não vai rolar. Pelo menos estou sozinho em casa, isso me dá um certo
prazer. E não estou nem botando o som nas alturas. Minha alma não pede isso
hoje, prefiro no volume em que está mesmo. E não estarei sozinho por muito
tempo. Mamãe e meu padrasto devem estar para chegar.
18h23. Parei para ver um vídeo que o meu amigo da piscina
pediu para compartilhar. Pena, mas não compartilho vídeos, mesmo sendo muito
pertinente (e muito do mesmo). A ida ao shopping não foi uma variação na minha
rotina que tenha me apetecido. Geralmente quando vou, vejo algumas beldades,
mas hoje não tive sorte. Mas de que adianta olhá-las e apreciá-las se não posso
conversar ou tocar? Nossa, como sinto falta disso, de conversar com uma garota
que goste, tocar uma garota que me encante. Mas não vou voltar ao mesmo
assunto, por mais que ele me ronde. Parece que, agora que passei de uma década,
vou completar bodas de prata de solidão. Espero tremendamente estar tremendamente
enganado.
18h39. Mais Coca no copo. Antigamente, quando repartia esse
blog com amigos, me diziam que eu escrevia como falava. Será que isso ainda
bate com a realidade? Falo tão pouco, mas no dia do Mimo me comuniquei
razoavelmente e achei que, afora os palavrões, usei vocabulário similar ao que
emprego aqui. Curioso isso. Não acho que sempre se dê assim ou se dá e não me
apercebo. Sei lá. E que diferença isso vai fazer na minha vida? Ínfima, se
alguma at all. Certamente não falo
colocando trechos (totalmente dispensáveis) em inglês. Não sei por que o faço
aqui. Faço porque acho conveniente e fácil, há expressões em inglês que são
mais práticas nessa língua e complementam bem a ideia da frase. Ou faço por
frescura. Hahahahaha. Há uma leitora, creio que administradora de um dos grupos
de escritores em que publico, que geralmente curte o que escrevo. Curte no
sentido de dar uma curtida de Facebook na postagem. Espero que esteja sendo
sincera. Ou vai ver ela faz isso com todas as postagens que lá aparecem sem se
dar ao trabalho de ler. Caso leia, saiba que me sinto extremamente lisonjeado e
honrado com isso. Alguém gostar do que eu escrevo, mesmo que uma pessoa apenas é
glorioso para mim. Aliás, duas, há um senhor também que mais das vezes curte as
minhas postagens. Também não sei se lê ou curte tudo o que é publicado, mas
deixo minha imaginação um pouco mais condolente comigo e acredito que de fato
essas duas pessoas lêem minhas palavras. Eu escrevo torto por linhas certas.
Hahahaha.
18h52. Meu amigo cineasta curtiu bastante a ideia de filmar
o natal da minha família paterna. Legal. Será massa ter a companhia dele lá.
Também é muito amigo do meu primo urbano, que não poderá faltar à festa. Acho
que é a única ocasião do ano em que todos os primos se reúnem. Geralmente só eu
vou às celebrações dos aniversários da família que acontecem. Dentre os primos/sobrinhos
da família, digo. Gosto muito. Estou começando a gostar mais das celebrações da
família materna também. Cada vez vejo menos diferença entre o que sinto em
ambas as oportunidades.
19h06. Meu amigo cineasta pediu para perguntar à família se
há algum problema em seu intento, o que de pronto fiz, através do grupo da
família no WhatsApp (campeão em postagens dentre os poucos grupos do qual faço
parte). Estou à espera das respostas, mas creio que não haverá. Se houver,
ficarei bastante decepcionado com a minha família paterna.
19h18. Nenhuma resposta ainda.
19h35. Até agora só uma prima mandou três palminhas. Não sei
o que quer dizer. Mas seu marido conhece o meu amigo cineasta, então creio que
seja algo positivo. Estou besta que ninguém mais tenha se manifestado. Pensei
que as pessoas da família ficavam de olhos grudados nesse grupo. Ou então não
gostaram da ideia. Agora meus outros primos geralmente levam amigos e ninguém
reclama. Acho que não vai ter problema. Acho. Esse silêncio no grupo me
incomoda. Minha mãe chegou e disse que já vai se retirar. Quer que eu acorde às
10h00 amanhã para ir pegar a requisição do exame para fazer. Mas hoje a noite é
minha, não vou me ligar em horário, certamente o laboratório é aberto à tarde,
então posso comer quando a fome dos remédios se der.
19h52. Mais ninguém da família se manifestou. Muito
estranho. Ou não. Raramente olho o grupo. Vai ver é assim mesmo. Amanhã olho.
Ou daqui a uma hora. Não vou aguentar a curiosidade mesmo. Hahahaha. Tenho é
que me segurar para não ficar olhando o tempo todo. Ansiedade aqui é boia. Mas
vou controlar isso e só olhar às 20h52. Enquanto isso, o que faço? Depois de
rapidamente considerar o Mario Galaxy, resolvi ficar aqui mesmo. Mas ficando
aqui, o velho assunto vem me assombrar. Perdeu, boy, entenda logo isso. Ponha
isso nessa sua cabecinha sonhadora. Você é um cara ozzy que vai acabar sozinho.
Simples assim. Eu mereço isso? Um superego estimulante desses? Terapia a
caminho, se preocupe não, superego. Pelo que vi no vídeo do meu ex-psicólogo,
tudo isso pode ser fruto de uma educação muito crítica a meu respeito. Todos
esperavam que eu fosse um papai versão 2.0 ou pelo menos foi assim que entendi
e eu colocava o meu pai num pedestal inalcançável, por boas razões, diga-se de
passagem. Só muito depois fui descobrir que ele era um ser humano impecável na
maioria dos aspectos, mas falho em outros. De toda sorte nunca cheguei ou
chegarei aos pés dele. Só existe uma coisa que faço e que ele só ousou uma vez,
escrever. Ele escreveu um livro didático, eu vivo a escrever sem o pudor ou a monstruosa
bagagem intelectual que possuía, escrevo por prazer, coisa que ele nunca
conseguiu fazer talvez por ter leitura demais. Eu sou o seu completo oposto
nesse aspecto. Acho que isso torna a escrita ainda mais libertadora. Meu pai
não fazia isso, então não tenho que me comparar com ele. Não tenho que me
comparar a nenhum grande escritor, não entendo coisa alguma de estilo ou de
narrativa ou de gramática ou de ortografia. Escrevo com o que aprendi por
osmose, de algum lugar que me escapa, por isso esses textos devem ser
paupérrimos em termos de valor literário e pouco se me dá. Não quero ganhar o
Nobel de literatura, quero apenas dizer o que penso para um punhado de gente,
às vezes menos de um punhado, ou para mim mesmo. E minha confiança na Google me
faz crer que me tornarei um escritor imortal no sentido que a minha obra vai
estar disponível ao público até bem depois que esse corpo fenecer. Não sei o
que acontecerá quando e se da Singularidade Tecnológica. Mas acredito que os
arquivos serão preservados. Pelo menos sendo uma pessoa só, não terei que
abandonar ninguém se a possibilidade de me fundir à Singularidade for real.
Acho que a primeira coisa que eu criaria era um copo de Coca-Cola que não esvaziasse
jamais, nem seu gelo derretesse, nem ficasse sem gás. Hahahaha. Se bem que
gosto de quando a coca acaba e posso comer o gelo derretido. Acho que criaria
um que, a um pensamento, se enchesse
novamente. Da mesma forma a carteira de cigarros, que não tivessem cheiro para
os que viessem visitar as minhas paragens criativas. Criar/materializar
virtualmente tudo com o pensamento ou com a escrita mesmo, seria apenas o
começo, eu acho, das possibilidades inimagináveis de estar fundido à
Singularidade. Acredito que deixaria de ser humano, seria qualquer coisa além,
acho que abandonaria meu corpo, decrépito à época esperada para a emergência da
Singularidade. 2047. Eu terei 70 anos. Se chegar aos 70. Não cuido da minha máquina,
esta que habito, bem o suficiente para ter certeza disso. E o pior que eu gosto
da tal máquina, apenas desgosto da aparência dela, mas pela sua resistência e
por sua capacidade cognitiva, tenho extrema estima, como tenho por ter nascido
da espécie humana, por mais que isso acarrete uma série de neuroses que me
incomodam. Mesmo assim, poder experimentar tudo o que um ser humano experimenta
é fantástico, de um game ou sundae da McDonald’s às maiores abstrações e
viagens proporcionadas pelo cérebro superdesenvolvido do homem. Gosto também de
ter nascido macho, as fêmeas da nossa espécie passam por muito mais dificuldades
que os machos. Dificuldades biológicas e sociais. Por isso admiro tanto as
mulheres. Elas me são revigorantes, desde que equilibradas. Conheci muitas
mulheres fantásticas. Acho as mulheres em geral fantásticas, independentemente
da aparência, cor, credo, classe social, idade ou quaisquer outras variáveis.
Talvez por guardar tão profunda admiração e respeito eu não consiga ser galinha
ou gostar de ficadas. Não as vejo apenas como objetos a serem penetrados pelo
meu pênis. Elas são tão muito mais que isso para mim que chega a ser
intimidante. Ao mesmo tempo me apiedo delas pelas dificuldades que experimentam
no mundo. Sei lá. Só sei que se a Singularidade se der e vivo estiver deixarei
para trás a condição humana e passarei para uma existência outra, com a mente
ampliada, multiplicada, elevada exponencialmente. Esse seria o meu segundo
maior grande sonho. O meu primeiro seria uma namorada que eu amasse e que me
amasse também. Do jeito torto que sou. Nossa, como sinto falta. E como rótulos
aplicáveis à minha pessoa me distanciam desse sonho. Viciado, curatelado, coroa
(cada vez mais e é irreversível), buchudo, calado, alienado... Alguns
reversíveis, outros infelizmente sempre estarão aqui para me assombrar. Os
piores. Os três primeiros que citei, para ser mais preciso. Eita, 21h19. Vou
olhar se a família paterna se manifestou. Até agora só a minha prima. Que ozzy.
Coloquei uma interrogação e uma carinha de meio triste. Espero que isso
estimule alguma manifestação contra ou a favor. 21h27. Às 22h27 olho novamente.
O que fazer nesse intervalo, nessa uma hora de existência que me separa do
evento, indago-me novamente. Já viajei na maionese demais nesta última hora,
não tem mais nada que tenha a dizer. Não sei por que cargas d’água lembrei-me
de uma frase que a minha professora da terceira ou quarta série disse uma vez,
achei super ousado à época, foi no final da aula por alguma razão que a memória
me deixa escapar, quem muito escolhe, a m... recolhe. Não lembro se ela falou a
palavra, de baixo calão naqueles tempos idos, hoje ouve-se em música no rádio,
mas a mensagem era essa. E me veio à mente acho que por despeito. E acho que
agora vou jogar Mario Galaxy mesmo.
22h35. Hora de checar o grupo da família. Peguei algumas
estrelas no Super Mario Galaxy. Muito bom. Ótima notícia eu ter achado isso,
por sinal. Minha tia botou um coração, então, dei como aceito o meu pedido e já
repassei a informação ao meu amigo cineasta.
23h26. Me perdi num site de jogos, preciso ir dormir para
acordar amanhã às 10h00. Saco. E eu que queria que a noite fosse minha hoje...
amanhã será. Não é possível que eu não consiga fazer o exame de sangue amanhã. Durma
bem, garota da noite. Desculpe, escapuliu.
-x-x-x-x-
12h53. Já peguei a requisição, já tirei sangue, já almocei.
14h27. Acabei de tirar um cochilo. Acho que hoje não vai rolar
nada com o meu amigo jurista. Vai ser mais um dia de solidão. Hoje não estou
tão incomodado quanto ontem, coisas das sutilezas da alma. Talvez o fato de ter
feito um pequeno desabafo com a psicóloga de plantão no Manicômio enquanto
esperava pela requisição dos exames de sangue tenha me aliviado um pouco. Acho
que voltar a terapia me fará muito bem, pois serei ouvido sem preconceito. Sem
medo do julgamento. Falarei de mim para alguém, não apenas para uma folha em
branco. Página esta que até censura da minha mãe já sofreu. Veja onde minha mãe
se imiscuiu. Tolher a minha liberdade de expressão. Mas não quero falar disso,
águas passadas não movem moinhos.
15h15. Sem muito o que dizer. “I Remember You” passando e
fazendo latejar o meu cotovelo levemente dolorido. Hahahaha. Sabe de uma coisa?
Deixa isso para lá também. Vamos ver se consigo. Essas coisas sempre têm uma
sobrevida maior em mim. A esperança, a vã esperança, moribunda, não morre.
Fazer o quê? Seguir vivendo e esperando. Melhor que viver vazio de esperança.
Acho eu, mas não tenho certeza. Pois dar murro em ponta de faca é garantia de
se machucar. Aí vem “Amor Meu Grande Amor”, parece que o Spotify adivinha o meu
mood. Isso está ficando ridículo.
Hahahaha. Ainda bem que estou me divertindo com isso agora. Na hora não foi nem
um pouco engraçado. Eu quis sumir. Só não sumi porque o meu celular não estava
pegando internet. Não foi por falta de tentativa. Ainda bem que o grupo se
desagregou e fui encontrar meu primo-irmão e meu amigo cervejeiro numa roda de
côco na beira da praia. E com eles passei o resto da noite. E iria adiante na
madrugada se o meu dinheiro não tivesse acabado. Pena.
15h51. Hoje a noite será minha, ninguém tasca. Estou ouvindo
o som nas alturas. Faith No More. Foi um dos bons shows que vi na vida.
Geraldão. Faltou luz no meio do show. Foi divertido. E ainda não havia essa
tendência de mega-shows, só Madonna e Michael Jackson os faziam à época. Talvez
o The Wall já fosse uma mega-produção também, não sei. Só fui saber do show agora
em sua última e impressionante encarnação. Vi pela TV, mostrado pelo marido da
minha prima. “Every beauty needs to go out with an idiot”,
canta U2. Será que isso significa que eu não sou um idiota? Hahahaha.
Será que ela continua lendo? Creio que não. Não haveria razão. Ainda mais eu
tendo alegado que não iria mais mencioná-la, para o meu ledo engano. Seria a
única razão para continuar a fazê-lo. E se um beijo acontecesse e eu não
sentisse nada? Não seria muito pior? Detesto ser o que rejeita. Só tive uma
experiência assim e foi terrível. Uma e meia. A outra, eu só recebi um
cartãozinho que ainda tenho em algum canto, pois me lembro de tê-lo visto, com
uma declaração de amor em bela caligrafia e não faz os quase vinte anos que o
recebi, faz muito menos. Esse não foi um fora, pois não sabia de quem era o
cartão. Só bem depois, de alguma forma descobri. Mas era de uma pessoa que não
me interessava. Era azul e branco e tinha uns gatinhos recortados no topo. Bem
bonitinho. Me sinto cruel até hoje. Como me senti cruel quando acabei com a
minha segunda namorada, tão mal na verdade que reatei o namoro mesmo sem a amar
mais, foi terrível. Mas na soma, os momentos fantásticos e os horríveis se
equilibraram e fiquei no zero a zero, aprendi muito, nos ensinamos muito um ao
outro, foi mais do que válido. Como disse não me arrependo de nenhum amor
vivido, embora possa contá-los em uma mão, são das coisas mais preciosas que
possuo. Afora eles, só dois beijos de bocas em duas borderlines durante os
internamentos e a ninfomaníaca que me agarrou. A isso se resume a minha vida
afetiva até o momento. Há pessoas que passam a vida inteira sem viver uma
grande paixão, quão miseráveis emocionalmente essas pessoas devem ser. Eu pelo
menos vivi cinco, não sei se conseguirei viver outra. Mas em vista aos padrões
de hoje, sou um felizardo. Parece que meus amigos têm medo ou o coração oco.
Tudo para eles revolve o sexo casual. E há um código de ética, que descobri no
dia do Mimo e para o qual não dou a mínima, de que não se pode pegar a garota
que o outro pegou. Sei que a garota da noite foi pega por um dos meus amigos,
mas não hesitaria em começar a me relacionar com ela porque, por mim, eles
podem pegar qualquer das minhas ex e porque o que tenho a oferecer é algo que
nenhum deles quer ou está disposto a dar. Ainda mais em respeito a uma coisa
fugaz e fútil como uma ficada. Me perdoe, amigo, mas, para mim, a banda toca
outra música. Eu já me fiz de cupido para que um amigo agarrasse minha primeira
namorada. Eles estavam interessados um no outro, que mal havia em dar uma
mãozinha? Sei lá, posso estar completamente equivocado, mas foi e é assim que
encaro as coisas. Guardo carinho imenso por todas elas, são mulheres
espetaculares, que me fizeram sentir toda a delícia de uma paixão
correspondida, mesmo que algumas vezes de forma assimétrica, para um lado ou
para outro, mas com momentos de plenitude. Pensando bem, depois desse retrospecto,
o que sinto pela garota da noite está muito longe de se configurar uma paixão.
Nem poderia, eu mal a conheço. A acho interessante e acredito que há o
potencial para virar paixão, mas é algo que definitivamente ainda não é. Seria
o embrião de um sentimento. Há ainda o problema do imediatismo do sexo, que não
é a minha. Comigo, devagar se vai ao longe. “This time I feel my luck could change”, toca o Radiohead querendo
botar fogo em palha molhada. Não adianta. Não adianta Mário, desencana logo.
Não tão facilmente. Para mim não é tão fácil assim, não é interruptor de
lâmpada, que liga e desliga o meu peito. Mas a ficha vai cair, só dar tempo ao
tempo. Nossa, já estou na sexta página.
17h09. O som do Screaming Trees me fez viajar por clipes da
época do grunge. Me fez viajar que essa mulher ainda vai ser minha. Hahahaha.
De onde veio essa autoconfiança toda, não me pergunte, além de ser uma frase
machista para os dias feministas que vivemos hoje, acredito eu. Hahahaha. Como
as coisas mudam, né? Antes não havia nada demais em colocar as coisas nesses
termos. Mas aí feministas tomam ao pé da letra, de que eu quero ter um
sentimento de posse da mulher, objetificando-a ou qualquer coisa que valha. Eu
ainda a conquistarei, pronto. Mas isso é só da boca para fora também. Se bem
que todo mundo me diz que tem que “chegar chegando”, inclusive mulheres. E eu
acho isso um baita desrespeito. Sei lá. Talvez entenda chegar chegando da
maneira errada. Ou sou realmente muito tímido para essas coisas. Acho que essa
última opção é a mais verdadeira. A verdade é que eu tenho vergonha de mim e
isso mina completamente a minha autoconfiança. O contrassenso aí está em que
não quero mudar quem eu sou, estou muito bem comigo mesmo na minha solidão. A
vergonha só aparece para o outro (ou outra, no caso). Mas ando cismado até com
os meus amigos. Me lembrei de um termo que me chocou um pouco, “PA” ou, por
extenso, “pau amigo”. Ou era isso ou era “foda amiga”, um dos dois. Foi uma
amiga que me ensinou. Deve ser por isso que um não quer que o outro fique com
alguém de seu “cardápio”, para que tenha sempre aquela opção quando a vontade
de fazer sexo bater. É só ligar e marcar a transa. Me chocou pela banalização
do sexo e das relações. Acho que estou ficando realmente velho. Um amigo disse
que era capaz de sexo, que é uma coisa superficial, segundo ele, mas não é
capaz de construir intimidade ou dar carinho. Exatamente o contrário da minha
visão de mundo. Sei que não é o único, tanto é que quem o ouvia disse que
sofria do mesmo mal. Eu calado estava, calado fiquei, para não ser
ridicularizado ou tido como algum tipo de aberração. O sexo é a culminância da
intimidade e do carinho, o ápice aonde eventualmente se chega quando uma base
mínima de afeto é construída. Talvez eu seja um dinossauro. Talvez mitifique o
sexo. Talvez eu não me interesse tanto por penetração, porque o resultado se
assemelha muito ao da masturbação e masturbação é algo para lá de banal para
mim. Sei lá o que estou dizendo. Não sei nem se faz sentido, saí vomitando as
minhas percepções de forma desordenada. O som alto também atrapalha a concentração
e a escrita. De toda sorte, o assunto sexo é um dos que tem que ser tratados em
terapia. Se não arrumar namorada antes. Hahahaha. Mas para eu me agradar de
alguém é difícil. Sou super seletivo. Ainda tenho isso contra mim. A pessoa tem
que ter um quê, um elã que me toque a alma. Tem que ser mui bela, além de tudo.
Então, fica difícil porque as mui belas podem escolher pessoas muito mais
interessantes esteticamente que eu. Eu tenho uma profunda ruptura com a minha
aparência, não consigo aceitá-la. Se tem um lugar que raramente olho é para o
espelho, geralmente o faço para passar desodorante e pentear o cabelo. Às vezes
me olho rapidamente antes de entrar no banho, no resto do tempo, não olho. Não
pego o elevador social e fico a me admirar no seu espelho, ajeitando algo aqui
ou ali, como vejo vários dos meus fazendo, ou toda vez que vou ao banheiro,
onde há o único espelho ao qual tenho acesso na casa. O espelho para mim tem
uma utilidade prática, eu o uso para fazer coisas que não conseguiria fazer sem
ele. E me admirar não é uma delas, visto que não me admiro esteticamente. Sei
que não tenho nada demais. Eita, 17h57. O quarto já é todo escuridão, não fora a
luz da tela. “It’s In Our
Hands”. Amo. “Cruelest almost always to
ourselves…” lembra alguém? Hahahaha.
18h15. Caramba passei um tempão falando dela e me
autodepreciando. Que ozzy. Tá bom. Chega. Revisar essa doideira e postar.
Adendo 2017-11-21
(22h03):
Depois de duas horas
de suspension of disbelief, como
dizia o meu pai, tudo sobre a garota da noite parece uma grande palhaçada. Me
dizer assim no blog me parece ridículo. Foi estranho o que o filme fez comigo.
Me distanciou da realidade e pude vê-la por outro ângulo. Estou fazendo papel
de palhaço. Nesse post ao menos, mas em quase todos os outros também, pois tenho
uma realidade medíocre dentro e fora da minha cabeça. Não gostei muito de “Atomic
Blonde”, mas me fez ter esse insight que gostaria de compartilhar. Aliás, acho
que muita gente se acha mais do que realmente é. Ou talvez seja eu que me ache
menos do que realmente sou. Bem, uma coisa não exclui a outra. Me sinto um
tanto cético no momento. É um sentimento interessante de ser experimentado. Não
acho que deva ou consiga permanecer nesse frame of mind. Mas é curioso estar nele. Todos peidam e cagam. Todos somos iguais.
Foda-se o mundo das aparências e dos egos abalonados. Por um momento, fodam-se
todos. Somos nada frente à imensidão do universo. Ficaremos obsoletos por conta
das nossas próprias criações. O filme me deu um olhar sombrio, gelou meu
coração. Sei que é passageiro, amanhã estarei eu fazendo o que sempre faço,
desempenhando esse papel pequeno no pequeno planeta azul. A humanidade não
saberá quem eu fui. Do nada ao nada, sendo nada all along. Foda-se, se é o que eu quero ser, então
foda-se o resto. Acho que eu preciso de um cigarro. Sempre bem-vindo depois de
um filme.
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