26 de agosto de 2011
Não houve cirurgia da cara ontem. Recebi cigarros, coca, biscoitos, roupas e chocolate hoje. É muito difícil me comunicar com a equipe técnica. Sempre há alguém que grita ou esperneia mais do que eu. Entre nós, internos, afora os surtos (de agressividade e de euforia) a relação é agradável, curiosa, rica. Dizem que Crica, minha psicóloga da clínica para drogados, virá me ver amanhã, mas não acredito, posto que será sábado. Não sei se serei completamente sincero com ela quando ela porventura vier, pois quero cheirar cola mais do que ser sincero.
Acho que o encarceramento gradualmente me deprime, pois tenho dormido cada vez mais (para poupar cigarros, para o tempo passar mais rápido). Não nego, porém, que esta postura regredida de estar dentro de um enorme útero cheio de outros fetos mal formados é cômoda. Tivera eu cola aqui dentro, não quereria mais sair.
Em comparação com a clínica para drogados, o manicômio oferece melhores dispositivos de sabonete líquido (dosadores?) e melhor sabonete, pois não é diluído (a marca dos dosadores é exactta). O chuveiro também é melhor, mais caudaloso e quente. Tenho sentido azia, talvez pela alimentação, talvez pela falta de coca-cola, talvez pelo excesso de cigarro, talvez pelo Dalmadorm, provavelmente por tudo isso junto.
Minha fada-princesa (Adeline) foi embora e a potranquinha com cara de anjo e cheiro de sexo foi passar o final de semana fora, logo os próximos dias serão privados de qualquer estímulo sexual ou afetivo relevante. Chegou uma moça esquálida, fétida e cabeluda com fortíssima depressão. É/está anti-social ao extremo e as poucas vezes que tentei contato fui prontamente rechaçado, me fazendo perder o interesse em construir qualquer simpatia.
Masturbação também me parece fora de questão, pois não há trancas em nenhum banheiro.
A melhor parte do meu dia são estas letras de tinta no papel e uma ou outra palavra que emito e sinto tocar a alma de um companheiro de forma mais profunda/útil.
Não sinto muitas privações, exceto a cola e a parte sexual. Gosto, como já mencionado, de agir quase da forma que quero, ou seja, da forma menos aristocrática possível. Me encanta que, mesmo assim, um código silencioso de ética e autoridade emirja entre nós, internos, e que ele seja suficiente na maior parte do tempo para a manutenção da paz, sendo apenas pontuais ações coercivas da autoridade instituída.
(Nota 04/09/11: desculpe se me repito sobre este tema e tantos outros, mas decidi que a transparência e fidelidade ao que produzi naqueles dias é mais relevante que as inevitáveis redundâncias [embora não me furte a corrigir e colocar adendos aqui e ali, posto que há um torto tipo vaidade literária em mim]).
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