domingo, 13 de novembro de 2011

Diários de um Manicômio III - Parte 2

20 de agosto de 2011



Não sei o que escrever e isso é bom. Não houve grandes acontecimentos desde o meu último relato. A falta de acontecimentos, inclusive, é o motivador para conseguir estas novas folhas de caderno e atacar o ócio com palavras. Fui tomar banho e, quando voltei, Adeline havia sumido. Todos já tomamos os medicamentos, os dela podem a ter apagado. Minha esperança natimorta é que tivesse ido se embelezar, do jeito estranho dela, para mim. Mas sei que não conquistei este tipo de preocupação dela por mim (e jamais o farei).

Continuo achando que a loucura fecha as portas da percepção para o comum, para o aceito, abrindo, por sua vez, as portas para o incomum, para o que o mundo sussurra em mistérios, para aquilo que só quem é capaz de remover as biliras/ontólio/viseira (aquele negócio que põe-se nos olhos dos cavalos e bestas) pode ver. Os loucos estão parcialmente livres desta viseira ou, ao menos, as deles (minha?) estão postas de forma a ver parcelas do mundo negadas aqueles cujas viseiras estão devidamente arrochadas às caras.

Infelizmente, não há instrumental tecnológico/humano/cultural disponível/acessível para descrever o que ninguém mais vê. É como descrever em palavras a consistência, cor e cheiro da água para alguém que nunca teve contato com nada parecido. Eu tenho uma certa facilidade em me comunicar (pelo menos isso já me foi dito reiteradas vezes [embora eu perceba que meu estilo esteja tornando-se gradativamente mais hermético {ainda mais com essa nova tendência de criar desvios/subníveis do raciocínio principal do texto usando parênteses, colchetes e chaves}]). Por causa dessa aparente facilidade, sinto cada vez mais que minha missão/vocação é traduzir da for mais clara e acessível possível o que vejo (antevejo?) e sinto do outro lado, quando visito a insanidade da cola. Temo que em determinado momento algo se quebre e eu não volte nunca mais de lá (às vezes, cada vez mais freqüentes, acho que parte de mim já lá habita, e que esta parte que se mudou torna-se maior a cada revisita e que, em verdade, me transfiro aos poucos desta realidade para aquela, ou a trago para cá comigo, da forma desejada e planejada por mim e pelo universo). Sei que a transmissão do que eu captar/trouxer de lá vai ser rude e incompleta como é para um louco traduzir sua cacofonia interior, tão grande e magnífica é a sinfonia do cosmo ouvida do outro lado da cola e tão limitados são minha linguagem, meus conhecimentos e minha vontade de me aperfeiçoar numa coisa e na outra.

 (Nota 03/09/11: penso também que, quanto mais conhecimento se tem, mais hermética/cifrada/fechada é a mensagem e mais restrito será o seu alcance [e talvez isso seja apenas uma “racionalização” para a minha preguiça de aprender mais]. Além disso, da mesma forma que uma mulher vestida com elegantemente insinuação ou seminua me pareça mais erótica/sensual que outra nua e arreganhada como um frango, certas partes do texto/mensagem devem ficar cobertas por véus, sugeridas apenas, para que outras pessoas mais preparadas e mais desejosas possam despi-las da forma mais adequada, apaixonada e cuidadosa possível, revelando a beleza, a verdadeira e plena pele que eu mesmo não soube mostrar/ver. Ou, numa metáfora mais clara, eu mostro onde a montanha mágica está, mas cabe aos alpinistas preparados escalarem-na.)

XXXXX


Megalomania, ciência do poder da internet são sintomas/percepções que eu e alguns dos internos compartilhamos, como se estivéssemos sintonizados na mesma freqüência do inconsciente coletivo.

(Nota 03/09/11: julgo que os sintomas acima descritos sejam manifestações de esquizofrenia, posto que certas viagens de cola parecem os surtos esquizofrênicos que vi no filme Uma Mente Brilhante.)

Para os internos, ao contrário de mim, a sensação de saber do poder transformador da internet e afins traz incômodo, é inimiga. Entendo, já que representa uma quebra de paradigma, uma mudança radical no inconsciente coletivo. Mudança que representa o primeiro passo para que o inconsciente coletivo se torne consciente. Transformação essa que fará do homem não mais o centro do universo exterior ou da civilização (como há muito já não é e nunca conseguimos/admitir perceber clara e francamente), mas centro de seu universo interior, expandido tecnologicamente em ritmo exponencial e tornado parte de uma complexa rede neural, uma supraconsciência, uma consciência coletiva, resultante da soma destas novas consciências cibernéticas (humano-tecnológicas, conectadas globalmente e além). Supraconsciência esta que, sim, será o centro do universo, como o cérebro é o centro de comando de um corpo.

Fazer parte desta rede neural cibernética não diminuirá a individualidade das pessoas. Ao contrário, elas serão donas de uma individualidade expandida e terão acesso e contribuirão com uma consciência coletiva infinitamente maior e cheia de inimagináveis recursos que suas próprias consciências individuais. Recursos de cálculo, abstração, pensamento desumanizado, complexidade. De amor inimaginável, sabedoria inimaginável, beleza inimaginável.


(Nota 14/11/11: um dos digníssimos leitores colocou no comentário deste post um link que preciso repartir aqui, pois prova que eu não sou tão louco quanto julgava ser. Ei-lo: http://en.wikipedia.org/wiki/Technological_singularity. Muitíssimo obrigado por esse involuntário suporte à minha sanidade, Sr. Leonardo!)

Um comentário:

  1. Talvez você se interesse por esse assunto:

    http://en.wikipedia.org/wiki/Technological_singularity

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