22 de agosto de 2011
Mesmo sem tomar medicamentos que me “tirem do ar” (exceto o Dalamadorm para um sono tranqüilo à noite) começo a perder a noção do tempo, os dias são muito parecidos, afora acontecimentos esporádicos (geralmente surtos de agressividade de uns e outras) que não são suficientes para diferenciar o ontem do hoje e, provavelmente, do amanhã.
Agrada-me a pouca vaidade ou a vaidade fora dos padrões dos pacientes. Me sinto muito mais adequado nesse aspecto de aparência aqui do que lá fora. Inclusive os pêlos das mulheres que geralmente não estão perfeitamente aparados não se me apresentam repulsivos e, sim, lindamente humanos, tão diferentes das figuras plastificadas e artificiais das capas de revista.)
(Nota 04/09/11: não há espelhos nem trancas nas portas para evitar qualquer tipo de violência, suicídios e outras formas de violência [só fui perceber a ausência de espelhos no primeiro dia que lembrei de pentear o cabelo {o fiz – ou tentei fazê-lo - no quase indistinguível reflexo projetado na tela cinza-grafite da TV desligada do meu quarto semi-iluminado).
“Cofrinhos” abundam aqui, pena que na maioria das vezes das nádegas masculinas mais feias, gordas e cabeludas.
A cacofonia também é uma constante e começo até a gostar dela (Nota: é uma cacofonia diferente da algazarra de motores, máquinas, músicas amplificadas e buzinas do mundo exterior. Aqui são vozes humanas apenas, em completo descompasso de tudo). Percebo que os loucos mais loucos têm dificuldade com a fala, no sentido de controlar o volume, entonação, velocidade de dicção etc. Isso os torna ainda mais inacessíveis e aumenta o abismo entre seus universos interiores e o mundo de fora. Fonoaudiologia por si só ou combinada com outras técnicas de oratória (ou até um método especialmente desenvolvido para ensinar os loucos) me parece um tratamento complementar que facilitaria a interação entre equipe clínica e pacientes. Se bem que os funcionários e internos veteranos conseguem se entender relativamente bem, dada a experiência que uns têm com os “dialetos” dos outros.
Outra coisa importante que me fez rever meus conceitos de sociabilidade (especificamente da necessidade de uma autoridade coerciva para manter a harmonia entre os cidadãos) foi o modo como os internos, com suas diversas culturas/patologias/valores (às vezes diametralmente diferentes) fazem emergir espontaneamente, na maior parte do tempo, um convívio harmonioso, cordial (no mínimo, não-violento), sendo pontuais e raras as intervenções da autoridade coerciva instituída do manicômio (funcionários) e geralmente direcionadas ao membro recorrentemente problemático do grupo. Engraçado – e belo – é que este membro problemático é querido e aceito pelo grupo e é dócil e simpático quando não está em crise. (Ele acabou de passar ao meu lado. Usa camisa verdes desde que cheguei aqui.) Dizem que ele é irreversivelmente demente, mas, a meu ver, consegue interagir de forma bastante sólida com os demais (principalmente, parece compreender claramente tudo o que lhe é dito).
XXXXX
E falando de Adeline... como não falar nela? Ela é a alegria do meu dia. Ela já se aproxima de mim, já me chama de dragão, já me dá chineladas. E está mais risonha. Acho que comigo também. A baba dela é grossa e feia e não me importo. E disse a ela que ficava alegre quando estava perto dela. Ela disse que era casada com Jesus. Eu disse que Ele era um excelente marido. E disse que, mesmo que eu não tivesse nada com ela, eu podia sonhar com ela dentro da minha cabeça e que a cabeça era minha e que, além disso, eu sempre a tratei com respeito.
Ela tem alguma fixação com serpentes e dragões, que na minha pseudo-psicanálise-de-araque relaciono com símbolos fálicos por causa de uma sexualidade reprimida/não vivida.
Acordo para vê-la. Para brincar. Brincar de namorar. Que gosto até mais do que de namorar mesmo.
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