sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Carta de amor III



Tantos anos. Tantos anos ouvindo por detrás da porta o seu sorriso, o burburinho do teu existir. Poucos anos te tive à vista, por poucos incompatíveis anos, conversamos e rimos e até cozinhamos e jogamos. Jogamos muito naqueles poucos anos idos. Agora, neste hoje, preso que estou longe de você, preso continuo à tua pessoa, ao sonho perfeito que construí de ti. Aquela música de Jorge Ben ainda tem a ti como eterna protagonista, de vestido branco, trazendo no rosto um sorriso que é só teu, irradiando uma luz que não é daqui, nos lábios sem batom, mas repletos de vida.

Tantos anos de desperdício. De batidas partidas do coração, deste torto solo do instrumento das paixões. O meu é tão seu que nem sei se ainda me pertence. E bateu nesses anos todos por ti tanto quanto fez o teu. O teu te empresta vida. A tua vida me empresta burburinhos e risadas abafadas por detrás de portas trancadas. O meu te dá, se muito, desagrado e constrangimento quando sabes de mim ou cruzas por breves e graves momentos comigo. É tanto amor que já transbordou há anos em tristeza, está tão velho que quase amargura. Mas as pancadas continuam - tum-tum, tum-tum - uma após a outra como um animal que ganha razão e implora liberdade para poder contar ao mundo tal milagre, mas junto com a razão, para infelicidade da besta, não veio a fala. E, dentro da jaula em desespero, urra, urra e urra e bate, bate e bate. Tum-tum, tum-tum, tum-tum... como se todos pudessem entender, como se você ouvisse.

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