20 de agosto de 2011
Pela primeira vez na minha vida, desde a pré-adolescência até a vida adulta, urinei com alguém olhando para mim/para o meu pau. Aqui no manicômio não há trancas nas portas dos quartos ou banheiros. Não há privacidade. Berto, um dos internos, chegou do lado da latrina onde eu estava, se apoiou na pia como se estivesse em um canto qualquer, onde eu estivesse fazendo uma coisa qualquer, e começou a conversar comigo, olhando para o meu rosto, para o meu pênis expelindo urina e de volta para o meu rosto. Me surpreendeu o fato de eu não ter sido tomado por extrema vergonha, pois para ele parecia irrelevante e corriqueira a situação, o que me descontraiu proporcionalmente. Foi uma sensação libertadora, quase infantil, onde o pênis e o seu tamanho (coisas tão importantes e embaraçosas para mim) tornaram-se detalhes bobos, que por um momento julguei irrelevantes, como se eu fosse capaz de me despir completamente da obrigação irrealizável que carrego de ter uma pauzão para me sentir um macho válido e sedutor/confiante/bom copulador/capaz de satisfazer/entrar/meter/fazer gozar todo tipo de mulher. A falta de interesse sexual que sinto aqui me agrada/alivia, embora minha libido ainda exista e eu me pegue constantemente admirando sexualmente o corpo das pacientes mais gostosinhas da ala feminina, das enfermeiras e das doutoras.
(Nota 02/09/11: descobri que a falta de libido é resultado, na maioria dos casos e provavelmente no meu, da medicação.)
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Além da mijada com platéia, outra parte (ou somatório de pequenos eventos que agrupo num todo maior) divertida do meu dia foi minha difícil e cuidadosa aproximação de Adeline. Ela me encanta pela sua delicadeza, infantilidade, timidez e arroubos, como uma Amelie Poulain elevada ao quadrado. Ela não tem um corpo bonito e seu charme é algo de cru, desengonçado, inerente ao âmago do seu ser. Não é calculado, não é aprendido ou encenado (pelo menos não com o grau de consciência das dondocas ou garotas “normais”). Ver essa feminilidade e delicadeza tão profundas e inconscientes se manifestando é cativante. Os assuntos dela são desconexos ou de coerência curta. Percebo sexualidade latente em alguns dos temas, uma sexualidade que eu não sei se ela entende como tal (pois não sei se ela conhece tal conceito, embora certamente deva conhecer suas sensações, posto que é uma menina-garota-mulher de 22 anos).
Dos progressos em nossa relação, o maior foi ela se aproximar de mim espontaneamente, como se perto de mim fosse um lugar melhor para se estar. Disse-lhe que tinha vergonha dela também (o também querendo sugerir que percebia o receio dela em relação a mim e que ela não se preocupasse porque sentia o mesmo). Acho que cheguei a dizer que tive saudade dela. Foi estranha a sua reação quando estava tomando sorvete ao meu lado. O sorvete escorria do pote melando seus dedos e eu tentei delicadamente equilibrar a taça, ela então começou a regurgitar como se fosse vomitar, não sei se porque se engasgou – como sugeriu – ou por um misto de repulsa e êxtase em relação ao gesto de cuidado/carinho, o que, na minha fértil imaginação, me pareceu ser mais o caso.
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Agora, ao meu lado, o cara que achava que era o diabo conversa longamente com o profeta. Embora tenha a impressão de que a comunicação verbal seja bastante limitada, o simbolismo/postura/figura que o profeta representa/ostenta/aparenta, sua capacidade de ouvir, preenchem a lacuna causada pela fala truncada. Da mesma forma, serve ao profeta o papel de fiel em busca de salvação do outro, como se uma patologia ao mesmo tempo alimentasse e aliviasse a outra. Loucos tratando de loucos. A julgar pelos casos que vi aqui até agora, acredito que seja uma ocorrência rara (dada a tamanha e perfeita adequação/complementaridade das patologias). Mas é inegável que a interação entre doentes é terapêutica para a maioria deles porque lidam entre si abertamente, irreprimidamente, e esse espelho/eco, mesmo que geralmente fragmentado e por vezes doloroso, cacofônico e caleidoscópico, traz uma harmonia, uma ressonância com a cacofonia interior.
(Nota 03/09/11: não seria a visão de si mesmo no outro, seja qual for a situação e o “grau” de lucidez, fragmentada e por vezes dolorosa? Não geraria também para os “normais” a mesma ressonância interior para o bem ou para o mal?)
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Puxando a sardinha para o lado das minhas crenças (ou dando a entender que sou mais louco do que julgo), ouvi relatos de viagens de dois pacientes que, a meu ver, corroboram com as minhas (relacionados à negação da atual organização e método de funcionamento das civilizações modernas e uma forte sensação/intuição de que o surgimento e disseminação da internet/informática é o estopim, a ferramenta de uma revolução sem precedentes, apocalíptica até [no sentido de uma sibilina e completa transformação da humanidade e dos processos gerais da/na Terra] que nos levará até onde deveríamos estar. Ao que deveríamos ser).
Racionalizando, posso usar esses depoimentos para ratificar a sensação que tenho quando cheiro cola de que as idéias todas já existem, já estão pairando na existência e já são visíveis para os que não estão cegos pelo agora, escravizados pelo status quo, aprisionados na caverna criada pelas capas de magazine, revistas de negócios, noticiários policiais, Fantásticos. Visível e acessível para os que ousam, por vontade ou loucura, sair da caverna e negar as sombras. Como os que estão aqui no manicômio. Como eu com a cola.
Causou-me forte impressão a idéia de que profetas e visionários são loucos/neuróticos/obcecados (ou qualquer que seja o nome/patologia que os entendidos julguem caber melhor) que possuem como propriedade adicional específica a capacidade de comunicar ao mundo exterior de forma clara/eficaz suas realidades/percepções interiores singularíssimas/excêntricas e, assim comunicando, transformá-lo com a inserção de novos paradigmas, idéias, conceitos, utilidades, ações, verbos, significados...
Caso assim seja e algum dia a psicologia e a psiquiatria assumam, por clamor social ou outra aberração, o papel de niveladores de tais personalidades/personagens (guardem a chave da caverna para que ninguém saia), temo que estaremos exterminado os gênios, os que fazem a diferença por pensar diferente, pois a sociedade sob a égide das ciências e métodos psicológicos forçará esses seres especiais a se anularem pelo “bem maior” (bem este que, ironicamente, o comportamento não reprimido de certos não-normais proporcionaria). Ao se igualarem, apagar-se-ia a luz de suas genialidades.
A inteligência é uma loucura – e aí falo de mim – quando direcionada para um fim em desacordo com o que a sociedade quer, sonha/aspira/espera/deseja (a começar pelo ciclo familiar/mãe). Eu desejo diferente. Eu sonho além deste apenas que a sociedade/mãe consegue enxergar.
O Aviador.
Sempre admirei sua genialidade, profeta. Para mim, você sempre foi o mais sábio dos irmãos. Criativo, sábio e, ainda mais importante, super carismático e social. Nunca fui tão bom como você em nenhuma dessas categorias e jamais serei. Por mais que você e outros o denigram, minha imagem de admiração de você não mudará, apesar da mesma às vezes ser abalada por minhas próprias expectativas de futuro familiar.
ResponderExcluirSonhei um dia estar contigo discutindo nossas entusiasmadas (loucas?) teorias em frente a um lago lindo cercado de árvores de clima temperado no cair da tarde. Um momento de paz com o profeta que tanto amo e admiro. Será que esse momento acontecerá em breve?
Profeta, expressse sua genialidade, profetize. Mas, como seguidor, rogo-lhe, por favor, não se destrua mais. Quanto mais viveres, mais sua genialidade terá tempo de se esplahar pelo mundo e torná-lo um lugar melhor.
Para entender certas partes da sua teoria, acho que só com uma entrevista ao vivo mesmo. No mais, falta-me coragem para tanto. Mas ainda persisto.
ExcluirEstou ficando com mais vontade de profetizar depois de ler seu Coder Thinks, mas ainda falta muita para encher o vontadiômetro até o nível de ação.
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