sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Smile!

A melhor HQ já escrita.



DESAFIO ESCRITO VI – SMILE
Participantes: Pablo Bitu e Boto de Gatas
Este tema foi sugerido por Eduardo.

Smile. Capa do primeiro Watchmen. Anos 80, São Paulo. A cidade enorme era do tamanho das minhas aspirações. A vida era uma grande aventura. Eu ainda achava que podia tudo, não tinha medo de nada (hoje tenho medo de tudo, só acho conforto estacionado em mim). Skatista na Ladeira da Morte, dançarino de matinê na Up & Down, caçador de insetos na praça perto de casa, fascinado por Shirley de biquíni, ladrão de brinquedos e gibis que não podia comprar. Filme dos Trapalhões no cinema com a galera (e uma mãe, claro!). Almôndegas com purê assistindo Bozo ou Chaves. Dava para ver a antena do SBT da janela, sob o pôr-do-sol róseo avermelhado de beleza e poluição. Chuva de granizo, neblina, Virgem de Marina na cabeça, Faroeste Caboclo no rádio e na memória pródiga de todos nós. Muros de cemitério pichados com o Spirit. Autógrafo de Will Eisner no lançamento da revista do herói. Pão de queijo, alfajor e injeções anti-alérgicas na USP. Entrada escondida no mega show da Anistia Internacional, quando fui pego e retido pelo Juizado de Menores. Eles foram bonzinhos e deixaram o garotinho bonitinho e branquinho ver o show do gramado do Parque Antártica. Inesquecível. Como o susto da minha mãe de madrugada quando o inspetor me trouxe de volta e interfonou para lhe passar uma bronca. Pichador iniciante. Passeios pelo centro e seus sebos com papai. Nos finais de semana, ida à loja de trens de brinquedo seguida de almoço no Transilvânia ou no China Massas Caseiras. Aerobee e bicicleta no Ibirapuera. Lodon Fog, Mad Rats, Zoomp, Kokus, Toby e outras marcas que todo garoto deveria ter/usar (e que eu não tinha). Tantas, tantas memórias para tão pouco tempo. Três ou quatro anos.

Duas décadas depois, poucas são as lembranças que trago dos últimos três ou quatro anos. Além de duas mortes que me foderam e vários casamentos que se misturam uns nos outros, pouco tenho para me lembrar, tudo foi solidão, apatia e cola. Tudo foi um grande mesmo. É tempo de smile outra vez.

XXXXX

Smile on your face
Gota de sangue num button amarelo
Filme arretado
de um gibi velho

Não vivi nos oitenta
mas de lá vem muito o que me acalenta
bandas, personagens, heróis
Vilões que constroem

Atualmente o smile
É alerta de big brother
Sorria
Você está sendo vigiado

Bando de viados
nos podaram a privacidade
Elevador já não é mais motel
Só em prédio velho

1984 não está tão longe
Na verdade já passou
A noia agora é outra
Não mais a invasão

O que incomoda é a apatia
As câmeras tem que pegar algo
Um ser contemplativo não entretém
Não convém para a TV

Uma gota de sangue
Murro na cara
Chantagem, baixaria
Isso dá ibope

Pablo Bitu 13.12.2011

sábado, 10 de dezembro de 2011

Fissura por Zelda Skyward Sword

Estou que não me agüento para jogar The Legend of Zelda: Skyward Sword. Para aplacar minha vontade fiz algumas artes baseadas no herói da série: Link. (Postei também no meu parco Deviant Art)

Inspirado no Link de Wind Waker, o melhor jogo que já joguei.

Fiz um Link no estilo do Paper Mario

Este é o Link de Skyward Sword que decalquei em três cores no Corel.

Som

Vou deixar meu cabelo igual ao do Bono nessa fase.
Sempre sonhei e vou fazê-lo agora, antes de ficar branco.
Pode ser brega e o cacete. Tô pouco me fodendo.



Ouvindo U2, One Tree Hill. É como ouvir meu passado, coisas boas dele. A música do U2 permeou minha adolescência com uma força tremenda. A voz, os arranjos – o som muito mais que as palavras – são a trilha sonora de tempos felizes. É como se ativassem uma rede neural criada por centenas de audições mescladas a percepções de uma época, de um eu menos pesado, mais maleável, mais jovem. Som de tardes com os amigos, da paixão por Aline, do Nintendo de 8 bits, do Santa Maria, quando uma ida ao cinema ainda era maior das diversões. Em uma palavra, U2 é o som da nostalgia (junto com The Cure, New Order, Echo & The Bunnymen, Legião e Sugarcubes [e Ziggy Stardust e Clash])

Gostaria de saber como as canções do Los Hermanos e do Belle & Sebastian, do Radiohead e de Björk soarão na caixa acústica do peito daqui a 15, 20 anos...

Diários de um Manicômio Parte 2 – I

14 de setembro de 2011


Estou de volta, depois de pedir alta do albergue de drogados para uma recaída pesada. Comprei seis latinhas de Norcola, comecei o uso na segunda (às 16h mais ou menos) e fui pego na terça à noite, ou seja, mais de um dia, dia e meio, que me pareceram somente três ou quatro horas de uso, pelo pouco que me lembro. Sei que tive um apagão ou caí no sono, pois em certo momento (não sei em que parte deste longo durante, pois horas e minutos têm a mesma duração na minha viagem) vi um rastro de cola (ou coca-cola) que escorria escada abaixo e me peguei com as calças – eu dentro delas – coladas ao chão. Disseram que cheguei aqui no manicômio com os cabelos arrepiados, a barba suja de cola, expressão de louco e louca euforia; enfim, em estado deplorável. Lembro apenas do banho e de deitar exausto no chão para dormir. Pois bem, hoje é um novo dia, continuo aqui e tomei um Depakote, um Dormonid e mais dois remédios (um deles, acabei de confirmar, é Haldol [que deixa o cara muito “lombrado” {no mínimo babando e com pernas pesadas, segundo me disseram}]). Não sei se é psicológico, mas acho que a “lombra” do Haldol já está batendo. Pelo aumento na medicação, minha chegada deve ter impressionado o médico.

XXXXX

Chorei muito hoje à tarde. Por tudo: depressão da cola, culpa, finalmente pela morte do meu pai, imaginando o que minha mãe vai pensar quando souber, no que minha tia deve estar pensando. Estava precisando muito chorar. Não derramei uma lágrima sequer quando descobri meu pai morto como “um pacote flácido”, com a bunda na privada e a cara espatifada sobre uma poça de vômito. Sem chorar fiquei desde então. Até hoje à tarde.

Preciso chorar muito mais (nem lembro se já disse isso acima). Comecei a chorar porque Eriquinha (que voltou ao manicômio no mesmo dia que eu) estava chorando perto de mim.

Me identifiquei muito com o que ela sentia e as lágrimas dela acabaram puxando as minhas. Não sei como descrever o alívio e a dor de finalmente chorar. Minha gratidão a Érica não tem tamanho (ou tem o exato tamanho da dor que salgada me escapou pelos olhos).HaldolHa

 Por sinal, estou me apegando muito a ela. Não posso me apaixonar, mas já pedi dinheiro para aparar a barba e me tornar mais apresentável. Para ela. Talvez peça para ela não deixar que eu me apaixone. Talvez dê isso para ela ler. Seria mais fácil para mim (e muito mais difícil para ela, pelo excesso de palavras inúteis).
Preciso chorar e quero sentar perto dela. Não tenho muito mais o que escrever. Não sei se o Haldol está esvaziando a minha mente. Acho que ele serve para anestesiar os sentimentos. Comentaram agora do meu bafo de cola. Isso quer dizer que eu não posso chegar muito perto de Érica, mas já disse a ela que o melhor lugar do manicômio é ao seu lado, separados pela grade, unidos pela proximidade física e da dor. Queria poder salvá-la, fazê-la querer viver e abandonar os vícios. Mas a felicidade dela – como a minha – está muito atrelada à droga.

Me perguntaram agora se se pusesse uma latinha de cola na minha frente eu resistiria. Respondi que não. Embora empapuçado e na ressaca da cola, eu abriria e cheiraria. Realmente, com esta resposta, constato que, de fato, sou um dependente. Preciso me livrar dela, não brincar com ela, não me aproximar dela. A cola é o paraíso pelo preço do inferno. Preciso ficar na Terra. Pés no chão. Querer viver e ser feliz. Limpo. Amar. Construir em vez de destruir.  Agregar em vez de separar.

Acho que é o Haldol. Estou querendo viver. Só pode ser o Haldol (ou o outro branco, o Akneton) ou todos juntos mais as lágrimas, mais Eriquinha. Como sou/estou bobo. Bobeira boa. Boa noite, mundo. Vou pra perto dela, o mais próximo que der, pois ela está cercada, deste lado das grades, por homens.

Vai ter jogo do Brasil já,já. Minha construção lingüística se perde. Acho que é o Haldol. Vou parar por aqui.

(Nota 10/10/11: como fiquei impressionado com o Haldol nesse dia! Rememorando agora, nem sei se senti tudo isso no dia aqui narrado. Também é interessante ver como meu projeto de vida mudou de lá para cá para adequar a cola ao meu cotidiano. Agora entendo porque ninguém aqui no albergue para drogados bota fé que eu não vá recair pesado no uso LINK PARA POST ALBERGUE CONT I [falta revisar e postar!]. O que eles não sabem é que o uso que propus para mim é para os meus parâmetros já pesado [bem pesado ou, melhor dizendo, pesado bem, em relação ao custo e o benefício que me trará].)

(Nota 10/12/11: esta nota de outubro me assustou muito agora, pois me encontro numa fase pós recaída, semelhante à deste dia do Diário de um Manicômio. Hoje acho que finalmente os contras da cola superaram os prós e desejo nunca mais usar. Será que o que sinto agora não passa de uma ilusão passageira, que desmoronará como desmoronou antes [e antes e antes]? Será que vou voltar a tentar “adequar a cola ao meu cotidiano”? Puta que pariu, não posso ser tão idiota e cair na mesma esparrela novamente. Que medo do caralho. Revisar estes textos, revisitar essas lembranças não está me fazendo bem. Mas vou acabar mesmo assim. Preciso encarar esses fantasmas assustadores e viver o sonho de um livro sobre estes diários até o fim.

Rumo

DESAFIO ESCRITO V – RUMO
Participantes: A lontra Rocha e Boto de Gatas
Este tema foi sugerido pelA
Lontra Rocha


Estes desafios estão ficando cada vez mais autobiográficos...

Rumo. Só sei para onde não quero ir. Só sei que, por enquanto, quero ficar. O desejo é de não sair nunca do ninho. Doeu quando voei e caí. Nem voei alto. Nem perto do sol. Talvez tenha sido por isso que a queda tanto doeu. Sofrer por tão pouco é uma miséria que não me cabe mais. Acho que isso é mania de me achar maior do que sou. Predestinado fracassado que não quer mais destino. Rumo? Desarrumo.

Boto de Gatas

XXXXX

Não percamos mais tempo
Velas molhadas
Olhos no horizonte
De novo no rumo
Barco no prumo
Navego com parcimônia
Pessoas atônitas
Descrentes que posso
Voltar a ser gente
Segue, vai vendo onde
Me levará o vento
(Deixar de ser querente)

A Lontra Rocha 09.12.2011

XXXXX


Rumo
Desarrumo o meu mundo
Se apruma, menino
Já dizia mainha

Confuso
Eu rumo
Sem saber
pra onde, porque, pra quando

Será que a letra?
Será a palavra uma saída?
Esperança é uma
Lembranças algumas

Jogadas no papel
Academia do vômito
Esbornias mau resolvidas
Drogados fracassados

Não!

Vou levantar minha vela
Zarparei dessa ilha maldita
Pra onde haja
Um rumo

Pablo Bitu 12.12.2011

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Foda

DESAFIO ESCRITO IV – FODA
Participantes: Pablo Bitu, A lontra Rocha e Boto de Gatas)
Este tema foi sugerido pelo lontra.




Uma palavra que me aterroriza tanto quanto seduz. Medo e desejo de foder. Fodi tão pouco para o tanto de vida que me é. A insegurança é enorme, inversamente proporcional ao tamanho do meu pau. Sou muito melhor de carinho do que de foder. Talvez adore até mais carinho que foda. Sinto mais falta de carinho do que de foda. Os carinhos nus que levam à foda. De cheirar, alisar, lamber, beijar, abraçar apertado, de calor, de conversar ao pé do ouvido, de selinho, de mamilos, seios, umbigo, pele, pele, pele, coxas, xoxota, cheiro de xoxota. Realmente a foda é inescapável, indissociável do bicho sensual, filho de cultura sexual que sou. Mesmo eu que adoro os carinhos nus e tentei acreditar que eles bastassem descambei em palavras e idéias para dentro, para o calor molhado da foda. É tão mais fácil foder em imaginação que em realidade. A Terra deu mais de três voltas desde a minha última foda. E não foi muito boa, tudo o que a cercava já estava desmoronando por causa do meu abrigo de ilusões. Sinceramente acho que não sei mais foder. Não acho que foder seja que nem andar de bicicleta. Para complicar as coisas, nunca fodi por foder, nunca comi puta, embora tenha tentado. Uma até me disse que eu precisava era de uma namorada. E estava certa. Só fodi namoradas, amores, paixões. Só rompo a barreira da timidez e tento minha parca sedução se estiver embasbacadamente encantado por alguém (um pouco de cerveja ajuda). E ainda assim minto, pois nunca fiz isso, todas as minhas namoradas foram conquistadas com tempo, muita conversa e intimidade prévia de um convívio freqüente (o que não acontece em baladas e outros “points de pegação”).

Confesso que ao somar todas as palavras deste texto um certo desespero me domina pois não tenho mais em minha vida garotas com quem conviva com freqüência para me encantar e namorar, nem sei me fazer de caçador de baladas, tampouco me interesso por fodas causais, o ato pelo ato, tudo apressado e descartável. Foder é bom com calma e carinho. Com intimidade é perfeito. Ser do jeito que sou é (pouca) foda!
Boto de Gatas

P.S.: Só agora me dei conta do óbvio – sexo e relações afetivas dependem da auto-estima e da auto-confiança como o corpo depende de ar. Por isso sofro dependendo do que não tenho. Não tenho ainda. Ainda! Afinal, acredito cada dia mais no meu novo mantra: eu sou mais eu e cola nunca mais!!

XXXXX



Sexo sem amor é foda. E é bom. Delicia quando a bixa fica ardendo. Sem silicone. Natural. Peito caído. Camisinha atrapalha, mas se faz necessário nos dias de hoje. Não só pelas doenças ou pela gravidez indesejada. Precisamos cobrir o palhaço para não nos apegarmos à fêmea. Para que a foda não vire amor. A distância é necessária. O amor é um grande vilão para quem quer uma boa foda. Sem invenção, somente a carnificina, a terceira guerra mundial dentro de 4 paredes. Bilola no ouvido, vai ouvir (e sentir) porra. Sabotagem. Auto-sabotagem. Isso que a foda é. Não se apegar, amor vagabundo, é o que não tem sofrimento. Só não espere colo, carinho, isso jamais. Isso não tem nada a ver com foda. Hoje em dia podemos tecer teias de relacionamentos e construir uma rede de fodas. E com os chats, a internet, o velho orfuck, facefuck cada dia fica mais fácil essa realidade. Não é preciso criar uma dependência física com a pessoa. Isso é foda. Somos seres humanos, precisamos um do outro. Logo, a foda não pode ser virtual, tem que ser real. É preciso da carne pra ser foda.

Pablo Bitu

XXXXX

Passei 11 meses na orgia entre linhas e fodas.
Me fodi todo,
Fiquei aqui 62 dias foi FODA!!!!!
Sai de alta terapêutica foram varias fodas
Recai, foi FODA, com algumas fodas!!!!!!
 Voltei pra cá, ta muito foda!!!!!
Porra to fudido, querendo fuder!!!!!

A Lontra Rocha

Morte

DESAFIO ESCRITO III – MORTE
Participantes: Pablo Bitu, A lontra Rocha e Boto de Gatas
Este tema foi sugerido por Boto.



Morte, oh morte
já cantava Raul
Anunciava o rebuliço
o sol do meio dia

Morte, oh morte
Urubu, aratu, tatu
Todos morrem
Alguns comem

Um bixo desses
Tantos e tantos metros
Não sei quantos quilos
Tudo vira pó

A hora ninguém sabe
Quando vem
Vem em cheio
Sem metade ou meio

Não se tira aprendizado
Diferente de uma relação
Do amor, da dor
Morte é só morte

Sem meio termo
sem meia volta
Passagem só de ida
Talvez para outra vida

Pablo Bitu 06.12.2011

XXXXX



Morte. Pai apodrecendo. Formiga andando no rosto esverdeado. Filó barato. Barro, cimento, barro, cimento. Adeus. Sem Deus. Meu avô persiste, continua aqui. O que há de justo na morte (além de ser a mesma para todos)? Morte. Tanto te amei, tanto te procurei e você se escondeu de mim. Mas permaneces à espreita, esperando que me seja indesejada. Então se revelará com sua cara de nada, me possuirá, me roubará da felicidade que não esperava ter. Morte. Alívio da dor, fuga final da carne carcomida pela doença. Morte. Desde sempre de braços dados com a vida, numa dança universal e infinita que aos tolos assusta e aos loucos irrita. Morte, para uns o azar maior, para outros a última sorte. Para todos a mesma. A mesma volta. Ao não ser, ao não ter, ao não precisar, ao não sofrer, à mãe terra. Queria morrer numa calma tarde de chuva. Queria, muito mais ainda, morrer sem dar muito trabalho.

Boto de Gatas

XXXXX

Aqui volto eu, Pablo Bitu, para fazer um questionamento... por que as frutas dos cemitérios são as mais deliciosas. E olhe que eu nunca comi fruta de cemitério. Mas dois amigos aqui do albergue afirmaram que eram as frutas mais doces do mundo, que o ser humano era o melhor adubo. Melhor do que merda de vaca, de boi, de galinha. Melhor do que tudo isso, é o corpo humano no estado de putrefação. Não sei se é verdade, me parece convincente tal afirmação. Mas vá lá...aqui tem cada lapa de doido mesmo. Comer fruta de cemitério, vôte!!! Que parada maladiçoada. Tô fora de robar fruta do lar dos mortos. Pra morte eu sou careta. Entretanto o povo aqui já gosta da morte; é só ver os filmes que a galera vê aqui na sala, as suadas somente são ou de tiro(bala) ou facada(espada etc). Agora mesmo tão vendo um filmezinho light de matança de zumbi para irem dormir. Morte, oh morte.

XXXXX

Vida ó minha menina
A tanto que tu me ensinas
Sendo tu divina, amo-te
Mas a morte me paquera sempre que penso “acelera”
Ando contigo e ela a minha espera
Com a pulsão da quimera
Pronta a me abraçar
Já desejei as duas
Entre sóis e luas
Que uma seja serena
Que a outra venha calma
Do lado de quem estiver
Espero preservar minh’alma.

A lontra Rocha

Beleza

DESAFIO ESCRITO II – BELEZA
Participantes: Pablo Bitu, A lontra Rocha e Boto de Gatas
Este tema foi sugerido por Boto

Poucas coisas são mais belas que musas

A beleza é o que de mais importante e precioso há. Perceber o belo, encontrar o belo é a minha eterna busca. Mais até do que busca, é algo que independe da minha vontade, é intrínseco e inseparável do que sou. O belo me atrai, me domina, me absorve, me completa. Tudo o que é bom é belo, mesmo que seja feio. A beleza transcende o aparente, o óbvio. Embora a beleza óbvia – desde que invulgar – é de meu igual deleite. A beleza não tem tamanho, vai da enormidade das nuvens e dos oceanos, à miudeza gigantesca de um gesto, de um meio sorriso, de uma palavra, uma linha. Há beleza em qualquer lugar, basta procurar. Eu procuro. E encontro beleza até em mim, mesmo que apenas num gesto. Ou linha.

Ver a beleza, entender a beleza, sentir a beleza, gerar a beleza é o que há de mais extraordinário na condição humana. É a criação mais divina desses milênios de cultura, é o que faz valer cada novo dia da nossa espécie. Embora as formas de beleza externa tenham variado mais ou menos ao longo dos séculos, a beleza interior, o que faz de alguém um ser virtuoso, bom, permanece imutável em sua essência, transcendendo épocas e deuses, como se tivesse sido inscrito na alma da humanidade por algo anterior à humanidade em si. E em verdade, creio que assim seja. A meu ver, todas as noções de moralidade, ética e bondade são desdobramentos dos instintos naturais do bicho homem codificados pelas civilizações com suas cores específicas que não mudam o desenho como um todo. Mas deixando a filosofia de lado, não tem nada que me agrade mais que ver as meninas bonitas desfilando suas femininas juventudes numa tarde de sol. Ah, a beleza óbvia é, obviamente, linda. Ah, me permitam a futilidade! Todo homem merece ter suas futilidades, posto que para ele, são belas. E não tão fúteis quanto faço julgar.

Boto de Gatas

XXXXX

A beleza não põe mesa
Mas na cama, quem não almeja?
Ora meu brother,
perceba que cada qual um tipo deseja
pra uns são as senhoritas
Pra outros umas brejas,
Seja qual for seu parâmetro
Propicie, depois receba.

A lontra Rocha

XXXXX



Uma gota d’água indefinida
um corpo nu estendido no chão
nada de abstrato
tudo concreto
Concretismo, impressionismo, expressionismo
apagão!
tudo fica escuro
quase cega quem vê

Quase arromba as retinas
já cantava o velho Chico
sobre o tema
beleza

Mas é muito pueril
não tem cor, nem tem cheiro
nada definido
só a verdade que pode cegar

Pode ser torta
mal escrita
e ainda assim
ser bela

E ainda sim...
levar a uma embriaguez
elevar a uma chapação
absurdo

Pablo Bitu – 05.12.2011

sábado, 3 de dezembro de 2011

Diários de um Manicômio XIII

31 de agosto de 2011

Pelo visto, continuarei aqui até Dra. K. voltar de sua viagem a Paris. Prova disso é que ela não apareceu por estas bandas hoje, nem tampouco Crica. É noite e continuo escrevendo em folhas de caderno doadas, sobre esta gordurosa toalha plástica verde-escura do refeitório. Há gritos do profeta e de uma paciente na casa agora, além do chacoalhar de pedras de dominó e da TV em volume acima do aceitável. A cacofonia habitual. Quando não me concentro em suas partes específicas ela me soa como um zunido alto, relativamente constante que não atrapalha o meu raciocínio.

Desde de manhã me pego incomodamente pensando se sei contar histórias ou se tenho histórias dignas de serem contadas. Sei apenas da necessidade de contar, vomitar, botar para fora essa “força estranha” que vem de mim e que quer ir para o mundo, para fora de mim. A vontade de dizer é maior que os receios sobre qualidade e pertinência.

XXXXX



A... (ia escrever “A gostosinha levou alta e foi embora”, mas, ao ver no papel o “A”, automaticamente a letra se transformou no resto natural, inconscientemente desejado: “Adeline”.) Adeline mudou a minha vida, mudou minha percepção de quão belo um ser humano pode ser. Que um ser humano pode, em verdade, ser um anjo, pode ser mais bonito que o mundo, com seus mares arrebentando nas pedras, sob céu chumbo e som de água e vento e coqueiro e aves. Um ser humano doente, dançando dura e retraída a dança da galinha. Adeline (ou melhor, a percepção/criação de Adeline que trago em mim): será isso o amor de um pai por uma filha? Acho que não, pois havia – há – imerso no fraternal/paternal o desejo sexual, do toque, do cheiro, das mãos, dos seios, do dormir abraçado e nu, de dar banho, de beijar, de lamber a língua, de fazê-la rir, muito e sempre, de provocá-la para vê-la abusada para brigar de almofada.

Nunca seria assim. Talvez fossem facas em vez de almofadas, lágrimas muito e sempre, mordidas em vez de beijos, raiva e medo em vez de amor e carinho.

Por isso o alento dessas palavras. Por isso navegar por esse arquipélago de divagações e sentimentos incompletos, não-transmitidos, não sublimados. Nunca aportar.

A cola tem esse grande defeito da não concretização dos sonhos. É preciso sair do sonho, do paraíso da cola e, de volta à realidade, ir costurando uma realidade na outra; o mundo como ele é com o mundo como é mostrado pela cola. Eu deveria ser o costureiro. Eu deveria ser o cabo de download. Essa é a minha vocação. A minha missão. Eu já baixei muito, quase tudo para dentro de mim, para o eu fora do mundo da cola.

É como se eu visse o molde, os bordados quando estivesse no mundo da cola, mas me faltasse a vontade, a habilidade, a coragem de começar a costurar. Ou como se o tempo ainda não tivesse chegado para a execução do plano e que cada viagem de cola fosse um treinamento para quando este tempo chegasse. Entrar no mundo da cola é como sair da Matrix. Da Matrix diária que é o nosso cotidiano, inconsciente coletivo da humanidade. Sair da Matrix significa me livrar dessa armadura invisível que todos inconscientemente vestimos desde que saímos das xoxotas (digo, cesarianas. Pré-agendadas). Cheirar cola talvez seja me tornar o super-homem no sentido de Nietzsche (embora eu nunca tenha lido nada a respeito disso, desse conceito, digo só por intuição, só porque na cola me sinto belo em meus defeitos, perfeitamente imperfeito como universo, magnífico na minha singularidade, lindo na minha inocente moralidade primal, na minha paz e sincronia com os ditames, notas, tons da sinfonia universal).

Às vezes penso que, não fora tão inteligente quanto dizem que sou, minha mente já teria quebrado de forma irremediável e eu teria ficado preso entre o limbo da realidade/armadura/Matrix cotidiana e a supra-realidade da cola/tao/iluminação (qualquer que seja o nome, a definição, pois tenho convicção que já as senti todas [menos as 70 virgens... L...] ao mesmo tempo ou individualmente). Talvez eu esteja me enganando e esteja realmente já preso nesse limbo, sem conseguir afastar as fantasias da cola da minha cabeça e me enquadrar na Matrix. Seja como for, acredito que pouquíssimos seres humanos, tendo experimentado esse sentimento de completude, de harmonia completa com a existência conseguiria abdicar de visitas periódicas a este lugar/estado. Acredito também, como dizem acontecer comigo (como talvez aconteça comigo [como não tenho certeza que aconteça comigo {como não quero que aconteça comigo}]), essas visitas se tornem freqüentes demais. De qualquer forma, preparo uma graaaande viagem, já que as oportunidades são tão poucas (como disse, abdico de muitos dias de liberdade “matrixiana”, por essas horas de nirvana. Transformarei minha tão sonhado retiro espiritual, numa jornada de três dias, irei aos meus limites. Se eles existirem.

Quero liberdade.

LIBERDADE!!!!

Fim da Parte I dos Diários de um Manicômio.

Diários de um Manicômio XII

30 de agosto de 2011



Hoje me senti como um leão numa jaula de zôo. Nada para fazer. Apenas comer quando dão comida e dormir até não haver mais sono para dormir. Não posso chamar este estado de depressão; mais adequado seria prostração.

XXXXX

Ontem tive uma conversa relativamente longa com a psicóloga de plantão (por volta das 23h). Falei abertamente do meu uso de droga/cola e tentei deixar claro que nesse momento a droga é mais importante que qualquer outra coisa. Se há uma sensação que tem me perseguido (e que talvez eu esteja construindo) é a de que estou perdendo gradativa e paulatinamente a minha liberdade de escolha. Deste manicômio, não sei para onde irei, nem quando irei. Não está em minhas mãos tais escolhas. Minha expectativa é que fique enjaulado aqui até a volta da minha mãe. Depois disso, acho que, como sempre, ela vai achar que a instituição anterior (que, na minha opinião, tanto me ajudou e acolheu) seja/foi ineficaz, pois não me “curou”. Prevejo, com receio e desgosto, acabar na Vila Passos, o que, desde já, creio firmemente não me trará nenhum benefício terapêutico ou de qualquer outra forma, senão alimentar a minha revolta.
Liberdade, liberdade, quantas longos dias, quantas extenuantes semanas tive que abdicar de você pelas poucas horas em que te tive inteira e completamente, em que me tive inteira e completamente?

XXXXX

Hoje está havendo a reunião entre equipe técnica e familiares a portas trancadas atrás de mim. Ouço o burburinho e prevalecem vozes femininas. Não sei se minha tia está presente (e, sinceramente, prefiro ela à minha mãe [caso fosse possível esta última se teletransportar da idílica Europa para esta casa de doidos]).

XXXXX

Falando em doidos, um novo paciente, bastante agressivo, chegou e já tentou escapar, chutando a porta que dá para o pátio quando um desavisado funcionário a abriu para entrar. Recusou-se a tomar remédio e bradou a liberdade que lhe foi tirada enquanto era imobilizado e medicado por três ou quatro homens. Ele apenas expôs o que todos nós já sentimos, mas a agressividade de seus atos e da repressão aplicada amplificou a intensidade da mensagem e calou fundo em mim.

XXXXX

A figura que não evanesce do meu peito, que não é desse mundo, que eu queria transformar em personagem de uma história à altura de sua maravilha, é Adeline.

XXXXX

Diminuindo meus receios acerca do futuro, Crica, psicóloga do albergue de drogados, esteve aqui para renegociar minha transferência para lá. Reafirmei minha vontade de usar cola o mais rápido possível, mas manter minha abstinência enquanto estiver sob responsabilidade da minha tia.

Após um período de mais ou menos duas semanas no albergue para o qual irei, poderei ter saídas acompanhadas. Não as aceitarei. Só sairei para o primeiro final de semana livre em que puder sair só para o meu retiro espiritual. Não sei ao certo o que farei depois, se voltarei para o albergue ou se seguirei o caminho que a cola me indicar.

Certo é que meu estoque incluirá 6 carteiras de Derby, 4 latinhas pequenas de cola e 1 lata média, 4 garrafas de coca de 1 litro e talvez uns Bonos e uns Torcidas. Gostaria muito de já ter a roupa de profeta. Acredito que isso ajudaria a proteger-me de possíveis meliantes pela aparência místico-excêntrica da persona incorporada.

Preciso dessa “peregrinação alucinógena” pela libertação, pela autodestruição (libertação da vida ordinária/dor?), por reconstrução (desconstrução?), iluminação (loucura?), pela ruptura com a humanidade que odeio em mim.

Eu acho que amo a loucura, pois tenho tão pouco e sou tão capaz dela.

XXXXX

Eu vi em Adeline a face mais bela da loucura, a loucura que mais amo, a fada-rainha de quem seria o zangão encantado que eu sinto ser nas viagens de cola. E não só pelas suas formas, mas também por sua forma de ser. Pela manifestação de timidez irradiante, incandescente, com rompantes de bichos, gatos, dragões, galinhas, baba de chocolate ou iogurte; pelo jeito estranho e encantadoramente magricelo de garota de 22 anos, branquinha, buchudinha, de curtos cabelos negros e negros olhos, às vezes profundos e sombrios, às vezes estreitos-cheios, de onde saltitam fagulhas de alegria que não teriam outra definição que não pura infância.

E o charme desengonçado, o mais charmoso desengonço do mundo. Um ser que nasceu num mundo pior que ela, capaz de suportá-la, mas incapaz de entendê-la, de deixá-la ser plena. Uma princesa perfeita para o meu mundo de cola.

Diários de um Manicômio XI

29 de agosto de 2011

À minha frente, na engordurada mesa em que agora escrevo, o profeta dorme debruçado sobre bíblias, tendo as cumbucas com restos de comida ao seu redor. Ele costuma guardar pães entre as páginas do livro sagrado. Estranhamente, apesar da descrição acima, ele não é uma figura repulsiva. O branco de suas roupas é sempre muito alvo, inclusive das havaianas (as mais brancas que já vi). Eu nutro um carinho gratuito por ele, seu cabelo cortado de uma forma meio santa, meio roqueiro dos anos 60; sua barba meio santa, meio anos 60 também. E ele tem um lindo, franco sorriso que surge quando raramente se deixa rir. Não sei a idade dele. Tem cabelos lisos, nem muito, nem pouco grisalhos, com mechas alouradas, castanho-claras. Tem olhos claros também, porém um deles é cego ou lhe falta (há uma mancha rósea e molhada no lugar do globo ocular, embora todas as expressões faciais estejam mantidas). A mim me lembra um mórmon ou coisa do gênero.

Segundo reza a lenda (e ressalto que parece não passar de mito) é que ficou caolho na faculdade de medicina, ao realizar a dissecação de uma mulher – obviamente nua. O choque entre a visão nada religiosa do procedimento e os seus rígidos preceitos cristãos, o motivaram a mutilar o olho, baseado sabe-se lá em que passagem/preceito bíblico (me parece óbvio também que uma perturbação psiquiátrica latente tenha contribuído para tal ato de auto-flagelação, mas quem sou eu para julgar mitos e lendas?).

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No começo, o profeta foi ríspido comigo, talvez por eu ser um novo ser/possibilidade/mudança/diferença em seu cotidiano, talvez por não dominar ainda a complexa logística de caminhar pelo piso de mármore xadrez do refeitório evitando os quadrados pretos. Sei que hoje nossa relação é boa, embora muitas vezes não entenda o que ele fala, mais por causa da dicção do que pelo conteúdo. Ele possui uma série de pequenos rituais e realiza “tratamentos” em outros pacientes. Pela terminologia que usa no que tange assuntos biológicos/biomédicos, acredito realmente que ele tenha cursado alguma ciência biológica ou de saúde antes de “romper/quebrar”. Estes conhecimentos ele agora acredita já estavam inscritos na Bíblia (em específico no Livro de Jó, se não me engano). Tentarei ler, mas duvido que o livro dos livros mencione detalhes de citologia ou sistema endócrino.

Bom, já falei suficientemente sobre o profeta, basta-me agora ressaltar que este não é o tipo de profeta que quero me tornar (pelo menos não inteiramente). Não sei, entretanto, se não acabarei exatamente como ele, levando em conta que provavelmente não deixarei o uso de cola em tempo hábil para evitar tal ventura.

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Aconteceu-me hoje a invasão de privacidade última; a que mais temi em toda a minha vida. Tinha a utopia de que este momento seria inviolável até o fim dos meus dias, mas, eis que hoje, enquanto estava nu na latrina, rodeado pelo cheiro asqueroso da minha própria merda, com o braço enfiado entre as pernas, limpando o meu cu, um dos meus colegas de quarto – ao qual havia previamente pedido privacidade para fazer tais necessidades – entra banheiro adentro para jogar um saquinho vazio de Club Social no lixo. O lixeiro fica ao lado da latrina e seu acesso estava bloqueado pelas minhas pernas arreganhadas de forma que meu braço – e o papel higiênico – alcançassem o meu cu. Calmamente, com a mão livre, peguei o pacotinho e, com certa dose de contorcionismo, joguei-o no lixo. O colega ainda deixou-se estar por alguns instantes prostrado à minha frente, como que para “apreciar a cena”.

Fiquei pasmo comigo mesmo e com a tranqüilidade com que vivenciei o fato. Houve raiva e vergonha, mas foram brandos e passageiros (talvez por ver o intruso como um louco e por perceber que privacidade é uma regalia da qual não se dispõe, é abstrata, nesse lugar sem trancas).

Têm sido ótimas essas aparições súbitas durante a minha nudez para desmistificar/reduzir um pouco a síndrome do pau pequeno que criei na minha cabeça desde muito jovem. Os dois que viram meu pênis não comentaram nem fizeram chacota disso.

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Eriquinha voltou e por ela só tenho tesão. Penso em tatuar o nome de Adeline no meu braço, com a letra dela, extraída de um desenho que fez para mim.

[Nota 06/09/11: o desenho que eu fiz em troca para ela foi jogado fora, pois tinha um coração (onde escrevi, além do sabor que o seu coração tinha no dia – morango, segundo ela – as qualidades que via nele) e esse coração de alguma forma soou como impuro/impudico (e na verdade era, pois havia o meu desejo/amor/carinho ali). Depois ela me perguntou se queria que tirasse o desenho do lixo e eu respondi que era dela e que a escolha, por conseqüência, também.]



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Há uma senhora cuja perturbação mental me assombra para o bem e para o mal. Ela veste-se como uma crente. Roupas comportadas, sóbrias, saia longa, cabelo longo e ainda muito preto, de cabocla, como as feições, preso atrás da cabeça. Ela passa todo o tempo em que está acordada com as malas prontas para partir, dialogando com várias mulheres (algumas são funcionárias da clínica, outras aparentemente familiares ou amigas). O problema é que essas mulheres não existem. Todos os diálogos são perguntados, respondidos, julgados, negados ou definidos, enfim, verbalizados/elaborados/encenados por ela mesma. Tudo com inabalável tranqüilidade na expressão e na voz, quase como uma reza, que não condiz com o conteúdo compulsivo-obsessivo do tema: sair dali, da ala feminina, ir para o Ipsep, para outro lugar, para a liberdade seja ela como for. Interessante é que, estando aprisionada com os personagens de seu próprio teatro, ela não parece infeliz. Afinal tem companhia, um objetivo, uma razão de ser. E todas elas dentro de si mesma conseguem se entender, o que nem sempre se dá entre os demais pacientes-indivíduos fora dela.
Não vejo isso acontecer com os outros internos mais lúcidos, como eu. Em nós, vejo dor sem direção, vejo nenhum objetivo além de mais torpor/remédios, fuga. Se bem que o comportamento da senhora cabocla também é uma fuga. Mas uma fuga da qual ela não consegue escapar. E nós conseguimos? Em verdade, somos mais iguais do queria crer no início do parágrafo. Melhor virar profeta.

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Vai ficar linda como ela é linda.


O que eu quero?
- Tatuar o nome de Adeline no meu braço;
- Cheirar 3 pequenas e 1 média de Norcola no meio do mato;
- Descobrir se isso me transformará mais em louco ou profeta (se é que há diferença);
- Se louco, serei completamente livre;
- Se profeta, seguirei minha vocação;
- Entre a dor e o nada, eu prefiro o nada;

Antes do nada, eu quero voltar ao paraíso, sair do casulo e nunca mais voltar. Nunca mais eu. Nunca mais lagarta. Borboleta em campo ensolarado. Livre. Ar. Só. E nunca só, pois continuarei amando todos. Amando tudo. Pois eu sou parte de tudo. E tudo nunca estará completo sem mim.

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Por que eu sou assim?

- Por causa do que eu nasci sendo (do que veio do útero, do espermatozóide e do óvulo e da alimentação e do tempo de gestação, por causa da época histórica [nacional, mundial, universal] em que vivi e vivo);

- Por causa do que os meus pais tentaram me ensinar e os meios pelos quais tentaram me ensinar; e como interpretei o que eles tentaram me ensinar e os meios pelos quais o fizeram;

- Por causa das coisas que o mundo e as instituições me forçaram a aprender ou o que fui forçado a me submeter para coabitar os meios sociais aos quais pertenço, pertenci e transito;

- Por causa do que eu busquei por prazer/interesse/curiosidade;

- Por causa de uma vontade enorme de não ser.

[Nota 27/11/11: eu poderia ter dito simplesmente que eu sou assim por causa da genética e da constante interação/iteração entre o sujeito Boto e o meio externo.]

Olhinhos Borbulhantes

(Continuação de Fumaça.)



Um ser absurdamente enormedálico com longas barbas rosas, boca de escaravelho e coração de mentira de pescador conversa, através de bolhas de sabão – também rosas – com o menor dos habitantes do planeta; ironicamente o de maior coração:

- E então, pequenino, o que andas borbulhando?
- Borbulhei uma juaneta encarnadíssima nesta última lua. Meu coração ficou azul chocolate e agora não consigo bater asas sem que minhas células acendam seus olhinhos.
- Uma juaneta?! Como se digna a isso? Logo você que é um ser de porte tão ridículo e honra tão insignificante! Merecia coisa melhor...
- Ah, mas essas borbulhas não escolhem que calos estourar, elas calabriam sem que a gente possa fazer qualquer supino. Quando me dei conta de subtração, a juaneta já tinha me multiplicado inteiro e me lambuzado de cheiro de mel. Ai, meus olhinhos! Ai, ai! Não consigo nem dormir.
- Que insereno, ser infinitesimal. Eu, por outro lado, engoli meu caleidoscópio de esmeraldas ao mergulhar naquele oceano de pétalas onde eu caibo. Estava tentando amassar elefantes para marfinizar o caleidoscópio e pronto! Engoli aquele transatlântico cilíndrico. Agora tenho que arrancar meus olhos e engoli-los para poder ver as pedrinhas girar. O chato é ter que lavá-los depois que saem.
- Ó, gigantesca aberração, não queres que te ajude a resolver tua esverdeada e descomunal problemática?
- Como farás isso tu que quase não tens tamanho?
- Por isso mesmo, monstruosidade monstruosa. Eu entrarei pelo teu sangue e, ao chegar na enormidade pulsante que habita a tua peitorra, resolverei o teu alarde com espirros dos meus olhinhos.
- Idéia péssima não me parece. Vem, miudúnculo, podes entrar. Mas cuida que não quero borbulhas de juaneta dominando meus sonhos.
- Pode deixar.

Sem que a besta de barbas rosa se apercebesse, o ser medíocre de grande coração puxou a juaneta detrás de uma vulconinho e entrou com ela pelo buraco de lágrimas-lágrimas do monstro. De lá pegou um desvio para a estrada de lágrimas vermelhas e chegou ao pulsador da besta. Viu lá o caleidoscópio e, em vez de expeli-lo com espirros como havia prometido, resolveu fazer daquele enorme vazio de carne viva seu lar, onde podia, com a juaneta, passar as eternidades olhando o caleidoscópio e cantar. E, ao ritmo do tum-tum-tum ensurdecedor, criaram divinais canções sobre todos os desenhos de esmeralda que se formavam naquele retumbar. Canções que se espalharam embeviçantes por cada fibra do corpo colossal e por cada fio da barba quilo-homérica do dono do caleidoscópio. Canções mais olhinhos-borbulhantes que qualquer coisa que o dono do gigantesco oco percussivo jamais havia borbulhado.

E vivem os três juntos até hoje, esmeraldados, embevecidos e repletos do que, aqui no nosso mundo, chama-se de felicidade. E assim o mel escorreu.

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Pareceu-me forçado esse texto. Apenas uma alegoria usando palavras inventadas e outras misturadas para gerar um nonsense com senso. Não era bem o que imaginava, não foi nada disso que os meus colegas escritores alcançaram por resultado. Vou tentar de novo. Vamos ver:

Fios de luz. É como se fios de luz irradiassem de mim, do meu peito e ainda mais dentro, da alma para iluminar o universo que meus olhos enxergam e meus sonhos alcançam. Fios como os do violão que toca uma nova canção, uma canção alegre, iluminada pelo sorridente luar de uma noite alegre e pacífica. Tudo isso porque algo mudou em mim. Surgiu uma nova cor, um novo acorde, um novo brilho.

Não, não é nada disso! De novo!


Tirei um ás de ouros. Na vida sempre há um ás a ser tirado. Não há desgraça que sempre dure, nem morte que não espere até um às de ouros chegar. Eu busquei a morte e cultivei meu azar, mas tudo isso foi em vão. Tenho agora um às de ouros nas mãos. E uma vida toda para ganhar. O tempo perdido, perdido está. Não importa, os sonhos acordaram, a lua sorriu, meu amor está ali depois daquela curva e eu me tenho uma vez mais. Larguei mão das desgraças, sou novo de novo, tirei um ás.

Acho que agora ficou mais o que eu queria. Tá bom. Fico eu por aqui.


Fumaça (atualizado)

DESAFIO ESCRITO – FUMAÇA 
Participantes: Pablo Bitu e Boto de Gatas
Tema sugerido por Pablo Bitu.



Um drible seco no ar
sobe e desce a cabeça
fumaça, fumaça, fumaça

Que não me deixa dormir
me acorda cedo
e me deixa ainda mais seco
Um nó cego
de marinheiro para marinheiro
quem fuma uma vez
aqui na terra

Jamais se esquece
sempre enfraquece
a mente adormece
não dorme, não acorda

Essa é a droga...
Só pesca, pesca e pesca
e cai... pisca
fumaça


Pablo Bitu

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Lã de ovelha negra nos pneus queimando. Bafo quente e feroz da boca do vulcão. Dança melíflua com perfume de jasmim e mirra. Silhueta fugaz e fugidia que emana do companheiro de pensamentos solitários. Cheiro junino das noites estreladas de festa. Fumaça. Às vezes quase sólida, às vezes quase sonho, quase nada, quase ar. Fumaça que não é nuvem, que não verte lágrimas do céu, mas faz chorar e morrer na guerra de todos os dias, de todos os cantos, de todos os santos e demônios. Ao sair da boca da lata para a boca da alma. Ao cuspir da boca da arma o fim de um coração. Ao ser véu das chamas que destroem sonhos, que separam mães de filhos, abrigos de desabrigados. Fumaça do bom da vida. Dos finais de semana com os amigos, cerveja gelada e carne na brasa. Fumaça da maresia ao pôr do sol com a menina bonita de biquíni amarelo. Fumaça religião de alguns. Fumaça que os automóveis defecam e nós inspiramos com complacência. Fumaça companheira do homem desde que se entende por gente. Fumaça que a água atiça ao fogo matar. Fumaça que nos constrói e nos destrói. Fumaça de cinzas entre os encarnados das brasas e os azuis dos céus. Fumaça, enfim.

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Percebi com este texto que não tenho mais vocação alguma para a abstração. Ele foi fruto de um desafio que eu e mais dois colegas albergados nos lançamos de escrever sobre fumaça. Enquanto os outros identificaram a fumaça com suas próprias pessoas e usaram a fumaça para falar de coisas outras que a fumaça em si, o meu texto não passa de uma coletânea dos diversos tipos de fumaça que me vieram à cabeça, descritos de um jeito engraçadinho. Ou seja, zero de abstração. Percebo que esta mesma tendência à não-fantasia permeia tudo o mais que escrevo. Antigamente eu era muito mais capaz de trabalhar essas ilusões, essas cores imaginárias, esses bichos que não são. Será que isso é a infância me abandonando (e com ela a capacidade de sonhar coisas fora desse mundo)?

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Me desafiei. Vou escrever algo bem imaginário agora. Lá vai.

(Coloquei o resto em outro post, para este não ficar tão “enormedálico”. Chama-se Olhinhos Borbulhantes.)

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Diário de um Albergue de Drogados - Aterrissagem Forçada ou Recaída

Recife, 29 de novembro de 2011.

Meu novo mantra! :D


Recaí. Cheirei cola ontem. Que merda. Acho que minha recaída começou quando quebrei o trato com Dr. Edward e bebi cerveja. Depois desta quebra era só questão de tempo. E veio rápido. No domingo, minha mãe botou na minha mão quatro reais para a passagem de ônibus, mais simbólicos sete reais para duas carteiras de cigarro. Simbólicos porque a latinha de Norcola custa exatamente sete reais onde compro. O clique se deu na hora (chamo de clique o momento em que decido usar droga e não tem mais volta [aliás, acho que este clique é o meu grande problema. A irreversibilidade que empresto a este momento, como se eu não pudesse mais desistir de forma nenhuma é um engano, uma peça que insisto em pregar em mim mesmo]).

Não vou contar as peripécias que se fizeram necessárias até o uso. Fato é que comprei cola, cheirei, minha mãe me pegou (sem nenhum escândalo dessa vez [pelo menos não na minha frente]) e me trouxe para o albergue.
Não cheirei muito e mesmo com esse pouco tempo (no máximo duas horas e meia), a lombra já entrou no tedioso looping de idéia fixa e estéril do qual não consigo escapar, como se o CD do pensamento emperrasse num trecho e ficasse repetindo o mesmo pedaço de música ininterruptamente. (Nesse caso, qualquer coisa sobre a celebração dos 25 anos de Zelda misturado com Minecraft [duas coisas que estavam fortes e frescas na minha cabeça]. Via o corrimão vermelho da escada onde cheirava como parte do logotipo dos 25 anos e acreditava que eu estava lá fazendo parte do logo por ser um grande fã*. Pense numa viagem troncha. E que não saía disso.)

Falta a imagem da escada. Prometo providenciar.


Há males que vêm para o bem, entretanto. Depois dessa recaída, finalmente os contras superaram os prós. E, depois de uma conversa com Crica, eu acho que sou viciado e não tenho controle sobre a cola. A ficha caiu. Cola nunca mais. Não vale mais a pena. Simples assim.

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Por causa da cola, tormento familiar. Por causa da cola, culpa e mentira e estupro de consciência. Por causa da cola, até tomar uma com os amigos é visto com desconfiança. Por causa da cola, vivo praticamente recluso e sobre perene vigilância. Tudo em troca de viagens cada vez menos prazerosas (esta última, inclusive, nem prazerosa foi; além do looping, fui tomado por uma enorme culpa no começo e cheguei a cogitar parar e ligar para minha mãe pedindo ajuda, mas o medo da reação dela me fez desistir e me afundar ainda mais vorazmente na embriaguez).

Chega. Posso chegar a lugares melhores – lugares reais – sem a cola. Realmente acredito que agora alcancei a mudança de paradigma essencial para mudar de vida. Pelo menos neste crucial aspecto. Sei que grande parte deste grande nada em que vivo é culpa/responsabilidade minha, independentemente da cola. Mas não mais desejá-la é um grande passo. Passo que não esperava dar nunca. E agora ando na direção de nunca mais usá-la. Estou animado com este novo caminho. O caminho por onde seguia não trazia animação alguma, não tinha vontades outras além da porra da cola. Agora não sei que vontades tenho, mas sei que poderei ter muitas. Sei pelo menos que tenho vontade de nunca mais usar cola e que essa vontade por si só é muito mais prazerosa que a vontade de tê-la. É como escolher algo que faz bem, que alimenta a alma ao invés de devorá-la. Faz tanto tempo que não escolho algo assim que nem me lembro. É um prazer singular e profundo. Uma alegria verdadeira. Ah, uma alegria verdadeira! Que ocorrência rara em mim. Talvez dela decorram outras, mesmo que menores.

Espero continuar firme nesse caminho. Espero, não. Vou. Porque esse é o bom caminho. E não precisa ninguém me dizer. Eu sei. Eu sinto. Finalmente.

Considero este o primeiro dia do resto da minha vida. Hoje eu sou mais eu. E eu sempre fui tudo menos isso. “Hoje eu sou mais eu. Cola nunca mais.” Este é o meu novo mantra! Hoje me tornei definitivamente Boto de Gatas.

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*É engraçado e acho que é generalizado: os grandes fãs todos se acham “o” fã mais especial, “o” cara que entende melhor o trabalho ou a personalidade ou seja lá quem ou o que for o objeto do seu fanatismo. Todo grande fã se acha o fã número um, o grande cara que a pessoa admirada acharia mais interessante, mais especial conhecer. Todo grande fã acha que a pessoa admirada mereceria, aliás, amaria conhecê-lo, posta a completa identificação que tal fã acredita ter com o objeto de adoração. Ser um grande fã tem algo de egolatria transversa, mascarada; é um amar a si próprio ao amar o outro; é se sentir tão especial quanto aquilo que acha absolutamente especial e adorável. É sentir-se o número um de quem é o seu número um. Todo mundo quer ser o número um em algo, mesmo que seja em uma ilusão. Eu sou assim. Por isso as paixões platônicas, que nada mais são que uma modalidade de fanatismo. Ou vice-versa. Fanatismo e platonismo são filhos das mais enormes carências. É o que sinto e sei.

domingo, 27 de novembro de 2011

Central e Tebas: finalmente uma night!

Recife, 26 de novembro de 2011.


Antes de qualquer coisa, tenho que admitir que quebrei o meu trato com Dr. Edward e bebi cinco cervejas no final da night (em verdade, no começo do dia). Mas chegaremos lá. Vamos então para o início.

Fazia muuuuuito tempo que não saía para uma balada (acho que a última foi o show do Los Hermanos aqui em Recife, no dia 15 de outubro de 2010!!). Bom, fomos primeiramente para a rua do Bar Central, sem saber se seguiríamos ou não para o Tebas (o quente da night). Foi estranho, me peguei com vergonha das pessoas, andando encolhido e desconfiado, como um E.T. recém chegado à Terra. Meu amigo filósofo tentou me animar/desalienar dizendo que não conhecia ninguém ali também, que os tempos e as pessoas mudaram desde de a “nossa época”, que todos e todas estavam casados e que isso não era razão para empulhação. Confesso que as palavras dele não surtiram grande efeito, mas valeu a intenção.

Nessa primeira parte da noite, conversei principalmente com ele, o filósofo, sobre mulheres, amores, falsos amores e sobre sua relação com o irmão, questão na qual, para meu jubilo, ele disse que o ajudei. Conversei também com um conhecido que é jornalista sobre sua visão sobre a profissão, a prejudicial homogeneização de opiniões por parte da grande mídia e sua idéia utópica de jornalismo. Esqueci de sugerir que ele escrevesse sobre tal utopia, posto que é um assunto pelo qual tem grande apreço e poderia tornar-se dissertação ou tese para algum futuro projeto acadêmico (preciso lembrar de dizer-lhe isso quando porventura reencontrá-lo [aliás, vou tentar convidá-lo para o meu Facebook e repartir o link deste texto com ele]).

Mais tarde, com a rua mais vazia e a balbúrdia menor, pudemos os seis conversar e sermos ouvidos reciprocamente, momento em que a conversa rumou para o futebol –  o Santos, Neymar, Seleção, o decisivo jogo do Sport (pelo alarido na cidade parece que os rubro-negros conseguiram o que queriam). Fiquei ouvindo, tomando minhas coca-colas (com gelo) e fumando meus Derbys Azuis sem emitir muitos comentários, posto a quase total ignorância sobre o tema.

Finalmente, lá pelas 2h30, o momento da decisão de ir ou não para o Tebas se fez. Dois amigos abandonaram o barco e quatro de nós – o filósofo, o jornalista, o pegador e o vagabundo (eu) – resolvemos encarar a festa. O pegador era o mais desanimado devido a uma recente e tenebrosa doença da qual ainda se recuperava. Mas ele é cavalo do cão e seguimos.

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 O Tebas é um edifício decadente perto da Dantas Barreto e isso deu um toque inusitado à night desde a entrada, com seu elevador de manivela e ascensorista. A festa acontecia na cobertura (se posso chamar assim) do edifício, constituída por três pavimentos; o primeiro, que estava vazio; o segundo, que era onde a ferveção acontecia, lugar do som e da venda de bebidas; e o último, que era como um mirante, sem teto.
Novamente o alienígena em mim emergiu e a sensação de não pertencer àquele ambiente tomou conta de mim. Novamente o filósofo tentou me animar. Pensei comigo que só umas cervejas me animariam. De qualquer forma continuei resoluto em minha abstinência (mais por receio do pegador – ao qual minha mãe impingiu o papel de cuidador – do que por mim e meu compromisso com Dr. Edward).

Esta foto não faz jus à magnificência da vista de fato do mirante do Edifício Tebas. 


O pavimento onde a festa se desenrolava estava apertado, recheado de pessoas muito animadas (para não dizer frenéticas). Passeei os olhos à procura de belas moçoilas e, a princípio, não encontrei nenhuma que me causasse impressão. Eu e o filósofo nos perdemos do pegador e do jornalista logo no começo. Depois de o filósofo, já bastante animado, pegar sua cerveja, subimos ao mirante e aí, a primeira surpresa da noite se deu. Uma vista magnífica de 360 graus do centro da cidade, de onde era possível ver nada menos que dez igrejas (cuidadosamente contadas), incontáveis prédios antigos em ruazinhas estreitas, o mar, o porto e, infelizmente, os dois estupros urbanísticos que são as torres gêmeas, duas cicatrizes horrendas na cara da cidade. A beleza da arquitetura antiga, com seus prédios baixos e fachadas trabalhadas, seu colorido alegre e harmônico me fez sentir profundamente culpado pelo que acontece no resto da cidade onde blocos gigantescos de concreto, cercado por muradas enormes amontoam-se uns atrás dos outros, tornando as ruas ambientes frios e inóspitos, estéreis, feios, desagradáveis, opressores; urbanos na pior acepção da palavra. Me fez sentir culpado porque essa degradação da cidade acontece porque eu me calo e aceito, porque nós nos calamos e aceitamos esse novo estilo de vida onde andar nas calçadas/ruas deixou de ser opção, um lazer, algo lúdico e prazeroso. Nos conformamos ao esquema prédio-carro-shopping e as construtoras se aproveitam da minha – da nossa – submissão. Pois é, o belo pode ser causa de sentimentos dolorosos. O belo faz, como não podia deixar de ser, o feio saltar aos olhos.

Depois de um demorado banquete de deleite e culpa oferecido pelo panorama, voltamos o filósofo e eu para o dancing. Ficamos por acaso perto de duas belas garotas, ladeadas por gays. O filósofo se encantou pela de cabelos curtos, eu, pela de cabelos longos. A de cabelos curtos, entretanto, trocou alguns olhares e sorrisos comigo. No começo retribuí, mas a cada nova troca, mais duro e intimidado eu ficava e acabei completamente travado, parado, olhando para o chão. E, olhando para o chão, fiquei com raiva de mim por não ter a mínima idéia de que outra atitude poderia tomar, posto que me aproximar dela e falar alguma coisa estava completamente fora de questão. Por fim, elas foram embora dali e por ali ficamos eu e minha decepção. Meu ar então tornou-se ainda mais desanimado e blasé. Devo ter dado a impressão aos festivos de que era um cara ainda mais chato do que realmente sou.

Depois disso, meu movimento foi de pegar coca-colas no dancing e subir para o mirante para ver a cidade e fumar cigarros. Nessas idas e vindas, encontrei com o pegador e o jornalista e vi que o filósofo tinha se agarrado com uma garota. Tentei dançar Let’sGo To Bed do The Cure e, por mais que seja um fã da banda e conheça a música de cor, pouco me mexi, travado e embaraçado que estava. Foi então que a segunda surpresa da noite se deu.

Enquanto fumava no mirante, uma garota se aproximou pedindo o isqueiro. Descobrindo não ter cigarros, me pediu um também. Ela não estava conseguindo acender por causa do vento madrigal e pus minha mão ao redor do fogo para ajudá-la. Ela se virou contra o vento e se aproximou de mim. Acendido o cigarro, ela perguntou meu nome. E entendeu errado. Tentei explicar, mas o desentendimento só aumentou e percebi, enfim, que ela estava muito doida e me cantando. Ela perguntou com exatamente as seguintes palavras: “quer brincar comigo?” Travei na hora, claro. Tanto pela surpreendente ousadia da proposta (para um garoto antiquado como eu), quanto pelo jeito e aparência da garota, avantajada demais, doida demais. Tentei me desvencilhar da situação da forma mais elegante possível e depois de mais algumas investidas frustradas, ela desistiu.

Posso parecer maricas e talvez seja, mas, se for para trocar carícias sem interesse, por caridade, prefiro fazê-lo com velhas viúvas, pois, pelo menos, sei que a caridade vai ser maior. Não tenho interesse por toque pelo toque, é preciso haver algo mais, um desejo pela pessoa, infelizmente não cheguei ao nível de ceticismo, por falta de outra palavra, dos homens que vêem uma mulher apenas como cabide de buceta. Talvez eu seja romântico demais para os dias de hoje. Talvez eu seja apenas idiota e maricas. Com certeza me sinto melhor por não ter me agarrado com a doida do que se tivesse.

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Com o território livre depois de o meu amigo pegador ter ido embora e passado a responsabilidade de cuidador para o filósofo (que só tinha olhos para a sua gata), não resisti e resolvi tomar umas cervejas. Calhou de o último DJ tocar rock e, somado ao efeito psicológico e psicotrópico de estar bebendo, comecei finalmente a me soltar. Finalmente consegui dançar como se só houvesse eu no mundo, como se a música pulsasse dentro de mim. Foi assim com Regret, do New Order, uma do Oasis, We Are The Pigs do Suede, BandOn The Run do Wings, Friday I’m InLove do Cure e Idioteque do Radiohead. Foi o segundo momento mais prazeroso da noite (aliás, dia, pois a luz dourada da manhã já resplandecia por sobre a velha e sonolenta cidade, pintando novas cores e prédios escondidos pela madrugada).

Foi triste constatar, porém, que necessito da bebida para me sociabilizar. Gostaria muito que não fosse assim. Talvez com mais tentativas as coisas mudem. Pelo menos gostei de não ficar muito embriagado. Considerei o efeito de cinco cervejas o nível perfeito de torpor, pois me soltou, mas não a ponto de fazer merdas ou parecer ridículo como muitos – e, principalmente, muitas – ali. Quando e se voltar a beber, alternarei um lata de cerveja com uma de refrigerante. Acredito que assim não conseguirei beber tão compulsiva e rapidamente como faço quando só estou na cerveja e demorarei bem mais para ficar grogue.

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Depois de Idioteque, o filósofo e sua paquera decidiram ir embora e partimos os três. Achei curioso que uma quantidade razoável dos freqüentadores da festa puseram óculos escuros ao raiar do dia, como se isso fosse uma nova moda, trend, “chinfra” (como queiram chamar), em que quisessem sinalizar que vieram preparados desde o começo para virar a noite. Interessante.

Chegando em casa bati na porta do quarto de mommy para avisar de minha chegada. Ouvi antes mesmo de ela sair meu padrasto dizendo “cheira o hálito dele”.

Mommy já saiu com dois quentes e um fervendo, cheirou minha boca (estava chupando mentos, diga-se de passagem) e me acusou de ter tomado todas e usado todas. Fiquei pasmado com a agressividade e a severidade das acusações. Disse a ela que estava jogando verde pro meu lado e que, realmente, eu havia tomado três cervejas (foram cinco, pra ser sincero). Ela fez mais um pouco de agressivo melodrama (justificado, devo admitir, pela hora em que cheguei) e voltou a se recolher. Fiz meu “jantar da manhã” e saí para fumar um cigarro no hall. Foi aí que a última e maior surpresa (em verdade susto) se deu. Clementine surgiu do nada e me falou oi. Dei um salto, como não daria se fosse um lobisomem falando comigo. Ainda vislumbrei seu vulto de camisola rosa com um desenho na barriga contra a luz intrometida da manhã quando a desejei bom dia.

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P.S.: Indo ao Facebook adicionar o colega jornalista, encontrei uma citação deste humilde blog. E duas pessoas que nem conheço gostaram da frase!! Pense que fiquei incrível! Olha aí:



Brigado, grande dinossauro!


terça-feira, 22 de novembro de 2011

Diário de um Albergue de Drogados – Pequeno Pouso

Domingo, 20 de novembro de 2011

Vetorização, em 3 cores, de uma das imagens de divulgação do novo Zelda.

Hoje é o lançamento mundial do novo Zelda, Skyward Sword. Estou no albergue porque, como mencionado, minha mãe e seu consorte foram a um congresso em Minas. Pensei que seria pior estar aqui, mas não está sendo nem ruim. Vamos ver quando os grupos começarem amanhã e a velha rotina se apoderar das minhas horas. Aqui dentro percebo quão isolado socialmente estou lá fora, pois tenho conversado mais agora com os hóspedes do que tenho feito nos meus dias de liberdade. Tenho falado excessivamente, inclusive. Falar – e ser ouvido – tem um sabor especial, diferente de escrever e não ser lido. Por mais que seja dono e mestre dos assuntos quando escrevo, conversas tem o peculiar sabor da interação humana que me faz falta. Li sobre oxitocina ontem à noite na cada vez mais odiosa Veja. Gostaria de saber os níveis deste e dos demais hormônios em mim. Acho que Veja conseguiu o incrível feito de se tornar mais odiosa que o Fantástico e tem se posicionado, mais que esse último, como “o” manual de como se comportar e pensar (em verdade, ensinando como o pequeno burguês faz para se tornar uma pessoa ainda mais medíocre, neurótica, sem criatividade, tempo ou profundidade). Finalmente entendo meu pai em despeito a essa revista. Buscando agradar o leitor muito mais que perseguindo fatos relevantes, a revista oferece uma série de pequenas inutilidades e conselhos voltados para pessoas que desaprenderam a pensar por si sós e adoram o politicamente correto, cirurgias plásticas, as novas modas e todo tipo de neurose consumista contemporânea. Dá tanta raiva que quase chega a dar pena. O pior – é humilhante admitir – que toda essa merda é divertida de ler. É fácil. Informação fast food. E eu adoro McDonald’s. É gostoso me sentir mais esperto que os outros. Gostoso e triste. Não gosto de auto-estima porque ela leva justamente a me sentir mais esperto e legal. E tenho uma crença de que, quanto mais legal e esperto alguém se acha, menos essa pessoa é. Talvez auto-estima seja um gosto adquirido. Talvez. Talvez um dia eu prefira tomar vinho a coca-cola. Mas acho difícil.

Vou escrever mais não, porque isso aqui está mais vazio que matéria de Veja e falta meia hora para a casa fechar. Quero fumar uns cigarros e tomar um banho lá fora antes disso.

Puseram o ponto de internet aqui e parece que já há o cabo. Amanhã, se Crica liberar, o que é bem provável, vou postar meu primeiro texto de dentro da casa. É por isso inclusive que estou escrevendo isso. Boa noite mundo.

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Segunda-feira, 21 de novembro de 2011.

Dando o braço a torcer, li uma matéria interessante na Veja ontem à noite. Tratava de solidão. Como ando muito solitário, me identifiquei, principalmente com a conjectura de que “solidão atrai solidão” ou, melhor dizendo, que pessoas solitárias vão gradativamente perdendo suas aptidões sociais, ficando enferrujadas no lidar com o outro e, conseqüentemente, tornando mais difícil sua reintegração social. Sinto isso em mim e não gostei de me ver espelhado ali. Outra coisa me incomodou ainda mais: o fato de o solitário, por falta de outros novos assuntos, passa a ser cada vez mais egocêntrico, a maior parte de seu tudo passa a ser somente eu, eu, eu. Odiei, pois nada poderia ser mais eu, eu, eu que esse fato.

Já a reportagem sobre o que é ser normal não me apeteceu, pois me pareceu contraditória, o raciocínio central não estava preocupado em ser lógico. Me senti esperto por perceber isso (olha aí o ego saltando novamente). Foda-se eu, eu, eu.

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Tenho uma nova meta: parar de me falar mal de mim para os outros. Essa mania incontrolável já está beirando o ridículo. É uma meta difícil, pois faço isso desde que me entendo por gente, comportamento herdado e distorcido da postura do meu pai perante os outros. Acho que entendi a modéstia de uma forma demasiado autocrítica. É interessante que meu pai já foi tido como arrogante e dono da verdade. Em verdade, pensando em retrospecto e falando mal dos mortos, acho que ele sempre foi um arrogante dono da verdade em pele de cordeiro (de modesto).

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Estou esperando Crica sair da reunião semanal da equipe técnica para ver se ela vai liberar o meu uso de internet hoje. Há 50% de chance disso acontecer, creio.

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Vou arrumar a vetorização de Zelda agora para colocar no começo do post. Me tomou dois dias e cerca de 12 horas para fazê-la e deveria se tornar uma camisa bem humorada, mas acabei achando a imagem horizontal demais para servir bem no layout imaginado. De qualquer forma, pelo menos servirá para ilustrar este post.

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Acabei o desenho do Zelda, são 21h34 e Crica está fazendo jogo duro, dizendo que a negociação da internet tem que ocorrer em consulta, não assim enquanto ela está no papel de AT. Não sei porque ela está sendo tão estrita se antes, eu tinha liberação para usar inernet... bom... e brá.

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Terça-feira, 22 de novembro de 2011.

Tenho me sentido estranho, meio sem cérebro, meio avulso, meio alheio. Não sei se por estar aqui ou por outro mistério interior. Não consigo prestar atenção ou me interessar, me envolver pelos grupos. Como se ler a matéria sobre a solidão tivesse tido um efeito inconsciente amplificador da minha solidão e egoísmo. Como se estivesse ainda mais trancado dentro de mim e distante do que está fora, ao redor. Isso são fantasias de um eu, eu, eu demais.

Pedi à coordenadora do albergue que telefonasse e interviesse junto a Crica em prol do uso da net. Crica ficara de falar comigo hoje e fuleirou. Sumiu sem deixar vestígios. A coordenadora se apiedou de mim e vai tentar ajudar. Minha próxima consulta com Crica só se dará na quinta, dia em que volto pra casa; logo não poderia inaugurar a bendita extensão de internet. Acho injusto não usar, posto que fui eu que coloquei o assunto na pauta de duas assembléias gerais para ser negociado. A internet aqui é lenta e tenho acesso muito mais veloz em casa, mas o valor simbólico de usar a do albergue, de saborear uma conquista é importante para o eu,eu,eu aqui.

Estudo da idéia que tinha para a camisa.


A camisa seria assim, da cor do verde claro do desenho, 
para que só fossem necessárias duas cores de impressão.

Se esta for a última frase do post, significa que usei a internet do albergue!!

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

27

Tenho uma fixação pelo número 27, toda vez que o vejo, ele me salta aos olhos, por isso, resolvi colecionar suas aparições neste post.


Filmes



(Coordenadas do avião 27)





(Não anotei)











(Não anotei)





Inimigo do Estado
(Aparece aos 23 minutos)





K-PAX
(27 de julho, dia da partida de Prot)





O Exorcismo de Emily Rose
(27 de outubro, o dia em que o pai manda a carta requisitando o exorcismo)












Os Agentes do Destino
(3227 é o número de telefone do protagonista)







Quarto do Pânico
(1h27 é a hora do assalto)





Ressurreição (é com Christopher Lambert, mas não é o Highlander!) 
(O 3º cadáver tem número XXVII)






Skyline
(O ataque começa às 4h27)





The 27 Club (com Eve Hewson, filha de Bono!)
















(Não anotei)





V de Vingança
(tem três 27s, nenhum anotado)




Outros



11011 = 27 (em números binários)



17,2 % dos 127 milhões de habitantes do Japão tinham mais de 65 anos em 2000; em 2020 essa quantidade pode subir para 27%





DeusEx: Human Revolution (game de PS3),  se passa em 2027






Diários de um Manicômio X: 27º post deste blog. Este é o 28º :P






Starcraft II (game de PC) foi lançado em 27-7-2010






Temperatura da radiação cósmica de fundo: 2.7 K





Acrescento mais à medida que o 27 for aparecendo.