sábado, 10 de dezembro de 2011

Diários de um Manicômio Parte 2 – I

14 de setembro de 2011


Estou de volta, depois de pedir alta do albergue de drogados para uma recaída pesada. Comprei seis latinhas de Norcola, comecei o uso na segunda (às 16h mais ou menos) e fui pego na terça à noite, ou seja, mais de um dia, dia e meio, que me pareceram somente três ou quatro horas de uso, pelo pouco que me lembro. Sei que tive um apagão ou caí no sono, pois em certo momento (não sei em que parte deste longo durante, pois horas e minutos têm a mesma duração na minha viagem) vi um rastro de cola (ou coca-cola) que escorria escada abaixo e me peguei com as calças – eu dentro delas – coladas ao chão. Disseram que cheguei aqui no manicômio com os cabelos arrepiados, a barba suja de cola, expressão de louco e louca euforia; enfim, em estado deplorável. Lembro apenas do banho e de deitar exausto no chão para dormir. Pois bem, hoje é um novo dia, continuo aqui e tomei um Depakote, um Dormonid e mais dois remédios (um deles, acabei de confirmar, é Haldol [que deixa o cara muito “lombrado” {no mínimo babando e com pernas pesadas, segundo me disseram}]). Não sei se é psicológico, mas acho que a “lombra” do Haldol já está batendo. Pelo aumento na medicação, minha chegada deve ter impressionado o médico.

XXXXX

Chorei muito hoje à tarde. Por tudo: depressão da cola, culpa, finalmente pela morte do meu pai, imaginando o que minha mãe vai pensar quando souber, no que minha tia deve estar pensando. Estava precisando muito chorar. Não derramei uma lágrima sequer quando descobri meu pai morto como “um pacote flácido”, com a bunda na privada e a cara espatifada sobre uma poça de vômito. Sem chorar fiquei desde então. Até hoje à tarde.

Preciso chorar muito mais (nem lembro se já disse isso acima). Comecei a chorar porque Eriquinha (que voltou ao manicômio no mesmo dia que eu) estava chorando perto de mim.

Me identifiquei muito com o que ela sentia e as lágrimas dela acabaram puxando as minhas. Não sei como descrever o alívio e a dor de finalmente chorar. Minha gratidão a Érica não tem tamanho (ou tem o exato tamanho da dor que salgada me escapou pelos olhos).HaldolHa

 Por sinal, estou me apegando muito a ela. Não posso me apaixonar, mas já pedi dinheiro para aparar a barba e me tornar mais apresentável. Para ela. Talvez peça para ela não deixar que eu me apaixone. Talvez dê isso para ela ler. Seria mais fácil para mim (e muito mais difícil para ela, pelo excesso de palavras inúteis).
Preciso chorar e quero sentar perto dela. Não tenho muito mais o que escrever. Não sei se o Haldol está esvaziando a minha mente. Acho que ele serve para anestesiar os sentimentos. Comentaram agora do meu bafo de cola. Isso quer dizer que eu não posso chegar muito perto de Érica, mas já disse a ela que o melhor lugar do manicômio é ao seu lado, separados pela grade, unidos pela proximidade física e da dor. Queria poder salvá-la, fazê-la querer viver e abandonar os vícios. Mas a felicidade dela – como a minha – está muito atrelada à droga.

Me perguntaram agora se se pusesse uma latinha de cola na minha frente eu resistiria. Respondi que não. Embora empapuçado e na ressaca da cola, eu abriria e cheiraria. Realmente, com esta resposta, constato que, de fato, sou um dependente. Preciso me livrar dela, não brincar com ela, não me aproximar dela. A cola é o paraíso pelo preço do inferno. Preciso ficar na Terra. Pés no chão. Querer viver e ser feliz. Limpo. Amar. Construir em vez de destruir.  Agregar em vez de separar.

Acho que é o Haldol. Estou querendo viver. Só pode ser o Haldol (ou o outro branco, o Akneton) ou todos juntos mais as lágrimas, mais Eriquinha. Como sou/estou bobo. Bobeira boa. Boa noite, mundo. Vou pra perto dela, o mais próximo que der, pois ela está cercada, deste lado das grades, por homens.

Vai ter jogo do Brasil já,já. Minha construção lingüística se perde. Acho que é o Haldol. Vou parar por aqui.

(Nota 10/10/11: como fiquei impressionado com o Haldol nesse dia! Rememorando agora, nem sei se senti tudo isso no dia aqui narrado. Também é interessante ver como meu projeto de vida mudou de lá para cá para adequar a cola ao meu cotidiano. Agora entendo porque ninguém aqui no albergue para drogados bota fé que eu não vá recair pesado no uso LINK PARA POST ALBERGUE CONT I [falta revisar e postar!]. O que eles não sabem é que o uso que propus para mim é para os meus parâmetros já pesado [bem pesado ou, melhor dizendo, pesado bem, em relação ao custo e o benefício que me trará].)

(Nota 10/12/11: esta nota de outubro me assustou muito agora, pois me encontro numa fase pós recaída, semelhante à deste dia do Diário de um Manicômio. Hoje acho que finalmente os contras da cola superaram os prós e desejo nunca mais usar. Será que o que sinto agora não passa de uma ilusão passageira, que desmoronará como desmoronou antes [e antes e antes]? Será que vou voltar a tentar “adequar a cola ao meu cotidiano”? Puta que pariu, não posso ser tão idiota e cair na mesma esparrela novamente. Que medo do caralho. Revisar estes textos, revisitar essas lembranças não está me fazendo bem. Mas vou acabar mesmo assim. Preciso encarar esses fantasmas assustadores e viver o sonho de um livro sobre estes diários até o fim.

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