sábado, 3 de dezembro de 2011

Diários de um Manicômio XIII

31 de agosto de 2011

Pelo visto, continuarei aqui até Dra. K. voltar de sua viagem a Paris. Prova disso é que ela não apareceu por estas bandas hoje, nem tampouco Crica. É noite e continuo escrevendo em folhas de caderno doadas, sobre esta gordurosa toalha plástica verde-escura do refeitório. Há gritos do profeta e de uma paciente na casa agora, além do chacoalhar de pedras de dominó e da TV em volume acima do aceitável. A cacofonia habitual. Quando não me concentro em suas partes específicas ela me soa como um zunido alto, relativamente constante que não atrapalha o meu raciocínio.

Desde de manhã me pego incomodamente pensando se sei contar histórias ou se tenho histórias dignas de serem contadas. Sei apenas da necessidade de contar, vomitar, botar para fora essa “força estranha” que vem de mim e que quer ir para o mundo, para fora de mim. A vontade de dizer é maior que os receios sobre qualidade e pertinência.

XXXXX



A... (ia escrever “A gostosinha levou alta e foi embora”, mas, ao ver no papel o “A”, automaticamente a letra se transformou no resto natural, inconscientemente desejado: “Adeline”.) Adeline mudou a minha vida, mudou minha percepção de quão belo um ser humano pode ser. Que um ser humano pode, em verdade, ser um anjo, pode ser mais bonito que o mundo, com seus mares arrebentando nas pedras, sob céu chumbo e som de água e vento e coqueiro e aves. Um ser humano doente, dançando dura e retraída a dança da galinha. Adeline (ou melhor, a percepção/criação de Adeline que trago em mim): será isso o amor de um pai por uma filha? Acho que não, pois havia – há – imerso no fraternal/paternal o desejo sexual, do toque, do cheiro, das mãos, dos seios, do dormir abraçado e nu, de dar banho, de beijar, de lamber a língua, de fazê-la rir, muito e sempre, de provocá-la para vê-la abusada para brigar de almofada.

Nunca seria assim. Talvez fossem facas em vez de almofadas, lágrimas muito e sempre, mordidas em vez de beijos, raiva e medo em vez de amor e carinho.

Por isso o alento dessas palavras. Por isso navegar por esse arquipélago de divagações e sentimentos incompletos, não-transmitidos, não sublimados. Nunca aportar.

A cola tem esse grande defeito da não concretização dos sonhos. É preciso sair do sonho, do paraíso da cola e, de volta à realidade, ir costurando uma realidade na outra; o mundo como ele é com o mundo como é mostrado pela cola. Eu deveria ser o costureiro. Eu deveria ser o cabo de download. Essa é a minha vocação. A minha missão. Eu já baixei muito, quase tudo para dentro de mim, para o eu fora do mundo da cola.

É como se eu visse o molde, os bordados quando estivesse no mundo da cola, mas me faltasse a vontade, a habilidade, a coragem de começar a costurar. Ou como se o tempo ainda não tivesse chegado para a execução do plano e que cada viagem de cola fosse um treinamento para quando este tempo chegasse. Entrar no mundo da cola é como sair da Matrix. Da Matrix diária que é o nosso cotidiano, inconsciente coletivo da humanidade. Sair da Matrix significa me livrar dessa armadura invisível que todos inconscientemente vestimos desde que saímos das xoxotas (digo, cesarianas. Pré-agendadas). Cheirar cola talvez seja me tornar o super-homem no sentido de Nietzsche (embora eu nunca tenha lido nada a respeito disso, desse conceito, digo só por intuição, só porque na cola me sinto belo em meus defeitos, perfeitamente imperfeito como universo, magnífico na minha singularidade, lindo na minha inocente moralidade primal, na minha paz e sincronia com os ditames, notas, tons da sinfonia universal).

Às vezes penso que, não fora tão inteligente quanto dizem que sou, minha mente já teria quebrado de forma irremediável e eu teria ficado preso entre o limbo da realidade/armadura/Matrix cotidiana e a supra-realidade da cola/tao/iluminação (qualquer que seja o nome, a definição, pois tenho convicção que já as senti todas [menos as 70 virgens... L...] ao mesmo tempo ou individualmente). Talvez eu esteja me enganando e esteja realmente já preso nesse limbo, sem conseguir afastar as fantasias da cola da minha cabeça e me enquadrar na Matrix. Seja como for, acredito que pouquíssimos seres humanos, tendo experimentado esse sentimento de completude, de harmonia completa com a existência conseguiria abdicar de visitas periódicas a este lugar/estado. Acredito também, como dizem acontecer comigo (como talvez aconteça comigo [como não tenho certeza que aconteça comigo {como não quero que aconteça comigo}]), essas visitas se tornem freqüentes demais. De qualquer forma, preparo uma graaaande viagem, já que as oportunidades são tão poucas (como disse, abdico de muitos dias de liberdade “matrixiana”, por essas horas de nirvana. Transformarei minha tão sonhado retiro espiritual, numa jornada de três dias, irei aos meus limites. Se eles existirem.

Quero liberdade.

LIBERDADE!!!!

Fim da Parte I dos Diários de um Manicômio.

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