sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Diários de um Manicômio X

28 de agosto de 2011

De mais relevante, uma psicóloga do manicômio veio espontaneamente falar comigo (algo muito raro). Não sei se o fez por causa do questionário que me propus a responder à plantonista de ontem. Nunca a tinha visto antes. Era uma figura bem apessoada, bonita, bem cuidada, atraente. Percebi que instintivamente cobriu o corpo com a bata e encerrou abruptamente a conversa quando mencionei quão pobre numericamente havia sido minha vida amorosa. Aposto que foi uma atitude defensiva dela, fruto de experiências desconcertantes com outros pacientes. No mais, respondi com sinceridade aos seus questionamentos, não levando em conta auto-incriminações e as possíveis conseqüências negativas destas. Uma conseqüência que me veio à cabeça após a conversa foi uma passagem pela “Vila Passos” (o que quer que esse lugar seja). Nada que me assuste muito. Se há uma coisa que eu descobri é que o inferno é da pele para dentro. O inferno da alma, o desejo de não ser. Salvo raríssimas e extremas situações/condições, o homem tem a capacidade de adaptar-se se isso lhe for/parecer válido. Uma das frases de que mais gosto – e menos sigo – é “a necessidade é a mãe da invenção”.

Outra coisa marcante hoje foi a hostilidade e rispidez com que a nova paciente – a esquálida e fétida (e jovem) – me disse para não dirigir-lhe mais a palavra. Não sei se isso foi por causa do comentário que fiz sobre como ela estava com um semblante melhor, mais leve (ela havia finalmente sido banhada e depilada pelas enfermeiras, o que deve ter contribuído com a minha impressão).

A reação dela talvez tenha sido de repúdio por estar limpa e ser elogiada por isso. Talvez a agressão e o desprezo sejam suas linguagens de afeto. Qualquer que sejam as razões, sua grosseria mexeu com meus brios e não voltarei a me comunicar com tal criatura. Percebo também que ela não come e só bebe água/café (até onde pude ver), o que não me parece lá muito saudável. Por sinal, estava a brigar com uma grandona há alguns instantes atrás.

Tenho dormido mais e mais para que o tempo passe mais rápido. A melhor parte do meu dia é depois do jantar, quando escrevo isso (nossa! Como estou ficando repetitivo!). Quero me informar se esta internação compulsória – C-10, pelo que entendi – permite me aposentar. Péra, vou perguntar.

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Infelizmente, ainda não consegui a resposta. Grades não facilitam a interação com a equipe técnica. E a constante ladainha dos pacientes ao redor das grades faz de qualquer pedido um zunido irritante no meio da balbúrdia.

Estranhamente, ainda sinto saudade de Adeline. Ela é, de longe, a melhor lembrança, a melhor descoberta feita aqui. Seu sorriso e sua cara de braba, seu bucho magro estranho e branco, seus braços e mãos delicados são a representação da mais pura poesia que a divina e feia palavra loucura pode ter e definitivamente tem. Poesia que vi e vivi com meus olhos, ouvidos e rápidos e arengados toques.
(Novamente Adeline, definitivamente estou ficando muito repetitivo...)

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A rotina, de alguma forma até previsível, contamina a rotina dos pensamentos. Percebo isso com mais clareza aqui. Como uma velhice antecipada, onde tudo parece que já foi visto, onde tudo é a mesma velha janela, o mesmo velho sol, fazendo o seu mesmo velho círculo em volta do mesmo velho céu. O truque, acho eu, é não matar o curioso que existe dentro da gente e prestar atenção nos pequenos detalhes, nas variações que sempre existem dentro da grande repetição. É isso que dá mais azuis ou rosas às nossas rotinas. É isso que faz a rotina parecer menos rotina. É a vontade de descobrir e a técnica misteriosa, quase mística, de não deixar essa vontade de descobrir se apagar.

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Pela prolixidade do meu texto que nada mais tem como objetivo que preencher o meu ócio, percebo cada novo relato mais vazio, mais cheio de repetições, da rotina antes mencionada. Que perguntas poderia me perguntar para desgrudar minha prosa apenas do agora, para o além de aqui e até além de Adeline?
Em verdade, sei exatamente sobre o que quero falar, sei exatamente sobre o que quero escrever: ALGO OU TEORIAS DO FRUTO DA ÁRVORE ENVENENADA.

- E se, em vez do homem/mulher, tivesse sido o elefante/aliá a comer o fruto oferecido pela serpente (provavelmente elefantes seriam mais fáceis de enganar que homens)? Que teria sido da criação? Quem reinaria sobre todos os outros?

- Por que sendo o homem a criatura castigada, todas as outras encontram-se também fora dos Jardins do Éden?

- Por que, ao punir o homem com o dilúvio, Deus não poupou as demais amadas criaturas de sua invenção?

Um comentário:

  1. Talvez, Deus tenha punido somente o homem. Punição esta sendo lhe dar auto-consciência e liberdade de agir contra seus instintos.

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