terça-feira, 13 de março de 2018

FINAL DE DOMINGO E TERAPIA IV






18h48. Passei boa parte do tempo a digitar e revisar o diário do Manicômio. Estou impressionado em como estou motivado em transcrever a obra. A bem da verdade eu coloquei uma cenoura na minha frente que me impele a seguir digitando. Uma perigosa cenoura. Se levar à consecução da obra, pouco se me dá. É algo que preciso terminar para me sentir mais válido. A coisa que me incomoda é que não descrevo o Manicômio como um lugar sombrio e aterrador, mas muitas vezes pitoresco. Essa internação que eu narro não foi das piores. Para ser sincero, foi a segunda melhor que tive. Acho que muito disso se deve às diversas internações a que fui submetido, acabei me tornando um rato de clínica. Um ser que se acostumou com as internações, fui condicionado a elas e não me parecem tão inóspitas e hostis, aliás só uma vez me senti num pesadelo, foi quando o Manicômio estava superlotado de pessoas com transtornos graves. Aí eu não aguentei nem três dias e minha mãe se compadeceu de mim e me tirou. As demais foram no máximo tediosas. Mas desde que comecei a escrever, elas se tornaram muito mais palatáveis. E trouxe esse hábito de escrever para a minha vida, a ponto, na minha opinião de me gerar alienação social. Acho que a namorada do meu primo urbano está com um pé atrás em relação a mim. Não saberia dizer o porquê. Apenas suspeito. Suspeito que foi a história de Clementine. Não vejo outra razão. Sei apenas que desde o carnaval que não vem falando com a mesma desenvoltura e simpatia que lhe são peculiares comigo. Nossa, como me arrependo de não ter privado da companhia das minhas amigas psicólogas ontem. Não que as conversas às quais me entreguei não tenham sido proveitosas e divertidas. Mas elas são especiais para mim e vi que todo o bloqueio que imaginava que teria com elas simplesmente era fruto da minha imaginação. O elo me pareceu forte e belo como sempre foi. Não posso perder de vista essa preciosidade com que a vida me presenteou. Amanhã, tem terapia e tenho conteúdos a trazer. Vai ser uma sessão peculiar. Serei absolutamente franco e sincero. Não sei qual será o posicionamento de Ju em relação ao que vou lhe dizer, mas acho que será desafiante para ela. E para mim. Minha amiga psicóloga sugeriu que eu fizesse as caminhadas que vem em processo embrionário há muito tempo. Pelo menos fomos andando eu e meu primo-irmão até o Mercado da Encruzilhada ontem. Amanhã farei uma pequena caminhada para a terapia e desta à cabeleireira, eu acho. Não queria ir à cabeleireira amanhã. Prefiro ir na terça. Uma coisa de cada vez. Não tenho nenhum compromisso durante a semana, o que acho sublime. Compromissos são convenções sociais que acho horríveis. Gosto da paz da minha vida, de todo o tempo livre que eu tenho. Tempo é algo muito precioso. Sei que desperdiço o meu escrevendo para quase ninguém, mas me sinto muito mais feliz assim do que era quando minha vida era repleta de compromissos. Compromisso agora só com uma pessoa amada. Esse, é longamente esperado, mas infelizmente nada faço para concretizá-lo.

19h49. Falei com o meu primo-irmão que seguiu do mercado para o Antigo e ele disse que foi legal e tranquilo, são adjetivos que eu gosto, mas que não fazem muito o perfil dele. Creio que a saída dele não foi tão fantástica quanto a minha. A minha foi um dos dias mais felizes que tive em anos. Desde o aniversário da filha de uma de nossas amigas durante o carnaval. Nenhum dia foi mais feliz que aquele. Que eu me recorde. Foi o recorde de felicidade de toda a minha vida. O ápice da minha existência. O dia perfeito. Belíssimas e coloridas recordações. De sentimentos profundos. Inesquecível. Ontem também foi inesquecível porque igualmente raro para mim. Queria ser acolhido por essa turma de novo.

20h03. As conversas do meu padrasto com a minha mãe me perturbam, não sei por quê. Acho que é a entonação das palavras, com um tom de urgência, de estresse, não sei, posso estar viajando. Só sei que me desconcentram. Minha mãe, por sinal, ficou de fazer uma paçoca para mim, estou começando a duvidar que o faça. Pelo horário. Há uma falha crítica no Hulk, ele precisa ser posto numa altura maior que a de uma mesa para que se possa ver os olhos. Mas da cadeira eu o vejo com perfeição. Fico na dúvida se o posicionarei de forma a quem entra poder cruzar os olhos com os dele, ou da altura perfeita para eu apreciá-lo, mas acho que vou optar por agradar(?) o público. Enquanto isso aproveito que ele está na altura perfeita para mim e me encantar por ele. O girei agora para olhá-lo mais de frente, não de perfil. Quero ver amanhã com a luz natural. Mas ele precisa ficar mais alto. Principalmente pelo olho direito para quem olha. É um busto magnífico. Uma das melhores estátuas de super-herói já feitas. Para mim, a melhor. Existem peças menores mais detalhadas, mas essa tem uma personalidade forte e marcante. A cabeçorra dele pula do torso. Acho que vou chamá-lo de Clint porque o acho parecido com Clint Eastwood.

20h34. Sinto que com minha digitação do diário, minha produção para o Profeta está ficando menor, o que é uma boa coisa. Textos mais curtos podem atrair mais leitores. Sem inspiração para escrever no momento.

20h42. Liguei o Switch, quem sabe mais tarde não dê um rolé por Zelda. Ou mesmo encare o Mario Odyssey, mas confesso que estou mais para uma coisa mais tranquila como andar pelos prados, vales e montanhas do Zelda, algo sem estresse, contemplativo. Acabei de ligar o ar, o calor está incomodando. Eu acho que sempre vou amar uma pessoa que não ouso nomear, mas acho que nunca daria certo, nós viveríamos a debater assuntos existenciais. Hahaha. O que me leva de novo a um assunto que me incomoda, sexo. Sem saco até de falar sobre isso. É algo inexistente na minha vida, mal me masturbo. Eu tenho jogos demais e paciência de menos para eles. Tem um que está na minha cabeça, “Metro: Last Light” ou algo assim, mas não tenho disposição de ligar o PS3 para lhe dar uma chance. Talvez outro dia. Kurt Cobain se questiona “what’s wrong with me?, eu passo os meus dias a me perguntar isso e não consigo achar resposta. Eu gosto do meu modo de vida, eu não gosto entretanto da minha figura social. Na rotina que eu vivo eu não exerço essa persona a não ser com a minha mãe. Acho que é isso que está errado comigo, falta de exercício da minha figura social. Estou buscando novas vias. Uma alameda se abriu com o encontro de ontem. Espero que consiga trilhá-la.

21h45. Disse a mamãe que não gostava de viajar. Foi bom deixar isso claro. Ela disse que eu era como meu pai. Infelizmente nesse quesito eu sou. A anatomia do Hulk é totalmente fictícia e mesmo assim o conjunto é absolutamente harmônico e não parece ter nada fora do lugar. Não sei o que falar, estou saciado, comi paçoca feita por mamãe com feijão preto, estou satisfeito. E insatisfeito. A insatisfação é uma coisa que acossa a humanidade, a minha tanto quanto as demais. Acho que a minha talvez até um pouco menos, pois tenho quase todos os meus desejos satisfeitos. Pois é, Hulk, você é um dos meus grandes desejos satisfeitos. “Waiting For The Siren’s Call” do New Order, gosto muito dessa canção, é muito europeia. Eu tenho todos os games que eu quero. Eu tenho tudo de material que eu quero. O que me faltam são experiências. Nisso sou muito limitado e me limito muito. Eu só sei ficar aqui escrevendo. É a única experiência que me apetece realmente. Não sei como isso se deu, acho que transferi a minha compulsão pela droga pela compulsão pela escrita. Ao mesmo tempo é uma maneira desesperada de me fazer, aos meus próprios olhos, válido de alguma forma para o mundo. Não sei se é isso ou se isso são palavras sem sentido. Sei que minha vida é a escrita entremeada aqui e ali de algum evento social. Sei que não tenho mais saco de jogar o Mario. O frisson passou. E olhe que é o melhor jogo que já joguei. Vi que desaprendi a jogar Zelda. Sei que não tenho saco para Zelda. Minha mãe ouve som alto. Foi só falar que ela parou. Colocou de novo. Deve ter tomado um vinho enquanto fazia a paçoca. Sei que estão tardando para dormir hoje.

22h18. Me mandou tomar os remédios. Vai se retirar. Sinto minha vida nesse momento completamente destituída de sentido. Não sei se é culpa o que me acomete nessa situação, mas acho que é só tédio. Acordei para escrever, me arrisquei no Zelda, quando descobri que não sabia mais os comandos, e depois no Mario, onde peguei duas luas e fui tentar uma terceira que se mostrou um desafio que não tinha a mínima disposição de vencer – não parece ser muito difícil, mas detesto coisas com tempo contado – e vou escrever até dormir. O mesmo se dará a manhã com o excelente momento da terapia.

22h32. Só sinto vontade de três coisas, mas não as nomearei aqui. Talvez uma quarta que seria uma variação da terceira. Ou ainda uma quinta que seria outra variação das duas. É muito bom pensar em garotas queridas e que me encantam. Mesmo que não me queiram da mesma forma. Se eu não me quero desta forma como outrem pode querer? Dizem que a vida não funciona assim, que a pessoa tem que ter amor próprio para que as pessoas reparem em si. Bom nunca fui bom de amor próprio e mesmo assim tive quatro namoradas, uma paixonite e uma paixão profunda e plena vivida num dia só. Eu ouvi um eu te amo ontem, significou muito para mim, não tive coragem de dizer o mesmo, as palavras me vieram à garganta, mas a língua não as pronunciou. Esse “eu te amo” não dito agora pesa dentro de mim.

22h48. Disse pelo WhatsApp, é mais fácil para mim. E é igualmente sincero embora infinitamente mais covarde. Será que mamãe está na varanda montando uma tocaia para ver se me pega fazendo alguma trela? Quando fui apagar a luz da sala e acender a que gasta menos, ela estava entocada na varanda com o seu celular. Disse estar sem sono. Mas eu estou mais sem sono que ela. Hahaha. Também, não faz muita diferença se ela está acordada ou não. Amo-a do mesmo jeito e forma. É só não vir no meu quarto me mandar dormir que está tudo certo.

23h02. Que posso mais eu dizer? Sempre há algo por dizer. Me digo chateado por ter tão poucos leitores. Me digo bem em confortável no meu quarto-ilha. Me digo pensando na garota da noite deitada na minha cama e ir me deitar com ela, só a trocar carinho, namorar um poucão, descambando para o sexo ou não. Não me sinto preparado para o sexo ainda. Nossa, odeio falar de sexo. Mudemos o rumo da conversa. O aquário mais lindo, que me causou mais impressão foi um que tinha num restaurante chique de São Paulo que meu pai e minha mãe nos levaram. A comida mais deliciosa que já comi em um restaurante foi um polpettone no Jardim de Napoli também em São Paulo. Meu primeiro filé à parmegiana que comi na vida também me marcou o paladar, foi no MASP, também em São Paulo. Houve tantas primeiras coisas que aconteceram em São Paulo, na época em que primeiras vezes não eram tão raras como hoje. O Hulk já não é novidade para a minha mãe. Ele, afora a festa de ontem, é a grande novidade da minha vida.

23h17. Vou pegar mais um copo de Coca. Estava olhando para o Hulk e divagando sobre ele e o reencontro de ontem.

23h35. Minha amiga psicóloga mandou as fotos do nosso encontro. Que massa.

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14h51. Está quase na hora de me aprontar para a terapia. Estou animado com o encontro com Ju. Será que ela leu o meu blog? Creio que não. Hoje é aniversário da minha tia de Natal, deveria criar vergonha na cara e ligar para lá quando voltasse da terapia. Será que terei bateria para tanto? Talvez. Preciso tomar banho e me aprontar para a sessão, já são 15h04. Estou comendo o gelo para entrar no banho. Me bateu a preguiça de ir para a sessão, é este computador. Vou fechar ele para não ficar me atraindo.

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17h46. Antes de tratar da terapia, trago um assunto mais atual, falei com a turma de Natal, por conta do dito aniversário da minha tia. Foi um momento feliz, falar com Maria, com minha prima de Natal que abandonou o emprego para se dedicar ao curso de Ciência das Religiões, o que quer que isso seja. Uma escolha peculiar como ela. Maria, como sempre, saudosa dos meus irmãos que moram fora. E me dando conselhos para que eu não faça besteira. Foi bom falar com essas mulheres tão diferentes e exemplares cada uma à sua maneira. Minha prima disse que vai sacar o meu blog, isso me deixa com vergonha ao mesmo tempo que me enaltece.

17h51. Agora à terapia. Hoje usamos arteterapia ao som de, adivinhem, sim, ela Björk. “Utopia”. Hahaha. Ju perguntou o que eu queria ouvir e disse na lata. Primeiro fiz um desenho de mim sentado ao computador com uma coroa pintada de amarelo, única parte do desenho pintada, a arte toda emoldurada por um quadrado lilás, que só depois lembrei ser a cor predileta do meu pai. Não sei se tal escolha foi subconsciente, mas me peguei pensando sobre esse detalhe na volta para casa. Ela me perguntou da coroa o que ela representa e eu disse que era como me sentia dentro do meu quarto-ilha, um rei, com todas as variáveis sobre o meu controle. E que isso me fazia sentir bem e confortável. Cheguei a admitir que muitas vezes vejo o meu destino como sendo a reclusão total. Disse que tenho vergonha das interações sociais, todas elas. Talvez menos com a fantástica faxineira e minha mãe. Mas que é uma barreira inicial que pode se dissipar ou não. Mas que geralmente se dissipa o suficiente para uma troca agradável. Falei do convite à Vila Edna que não tive coragem de atender. Falei que me sentia um rei bebê. Ela perguntou o que era isso e eu disse que é um texto que esfregam na cara dos adictos nos internamentos enumerando várias falhas de caráter associadas à adicção. Fiquei surpreso de ela não conhecer, pensei que fosse algo consagrado no meio psicológico. Grata surpresa que não seja. Também fiz outro trabalho de arteterapia que consistia em escolher frases ou palavras, três, mas selecionei quatro, e pegando mais três aleatoriamente para construir um texto complementado por palavras escritas, o mínimo possível. Não me recordo de todas e de tudo o que escrevi, mas foi mais ou menos assim:

Jardim livre (ou algo assim; um dos recortes aleatórios)
De estresse (foi o meu complemento)

Ócio (escolhido)
E silêncio (aleatório)
Maior parte da minha vida (complemento escrito)

Vida especial (outra que escolhi)
Se conseguisse achar que (complemento)
São uma graça essas mulheres-palhaças (não lembro se escolhi ou se foi aleatória)

Constelações angustiadas (escolhi essa pois achei uma junção de palavras muito bela)
Minhas ideias (ou algo assim foi o meu complemento)

O que está por vir (sei que a frase não era assim, mas foi assim que me soou e acho que escolhi essa também)
Coisas ruins (complemento)

Debatemos todos os tópicos, do texto, mas vou fazer um resumo, disse que no jardim livre de estresse só existia eu, que a minha rotina era repleta de ócio e silêncio, que eu queria ver as mulheres de uma forma mais leve sem o pedestal em que as coloco. Que muito do que eu escrevo são minhas neuroses, mas que tinha escolhido constelações angustiadas porque a soma das palavras me soou particularmente bela, queria eu ter cunhado tal termo. E por fim previa que coisas ruins estavam para acontecer e reafirmei que achava que o meu destino seria o isolamento. Algo que veio sobre a vergonha das interações sociais versos reclusão foi que quando recluso nenhum dos rótulos negativos que se aplicam a mim, ou eu me aplico a mim mesmo, como fracassado, curatelado, vagabundo, egocêntrico, retraído, tímido, gordo, feio etc. e etc., não entram no meu quarto-ilha. Quando ela perguntou o que a coroa representava com mais ênfase, eu disse liberdade. Mesmo enclausurado no meu quarto-ilha eu me sinto completamente livre. Livre de tudo o que aprisiona os demais e tudo o que odeio na sociedade. Essa última parte não disse a ela, ou pelo menos não disse com tanta precisão. Me apercebi que ao narrar sobre o encontro do sábado com a minha turma dos anos 90, 2000, usei frases que coloquei no post de ontem. Achei isso curioso, foi o que me veio mais fácil, visto que já estava pronto e formulado na minha cabeça. Falei também de sexo e do meu sentimento de repulsa ao sexo. E do conflito que isso tinha com o meu desejo de ter uma namorada.

18h48. Eu fiz uma trapalhada agora, mandei para a garota da noite uma mensagem dizendo “Não esqueci de você. Estou tomando coragem para lhe escrever uma carta. Mando o link se conseguir redigi-la a contento.” Quer coisa mais babaca que essa? Mas falamos dela na terapia e falei da intenção de enviar-lhe uma carta. Ela é um assunto que vive voltando à minha cabeça, pois é quem sempre aparece nas minhas projeções de relacionamento. Aí fiz essa cagada. Agora, meio que tenho que escrever uma carta para ela. Só que tem que ser um post à parte desses neuróticos escritos. Ju finalizou a sessão falando desses sentimentos ambivalentes, de querer namorar e não estar muito interessado em sexo. E outra postura que não consigo lembrar, meu superego deve ter bloqueado. Agora me foge completamente. Também ter mandado essa mensagem para a garota da noite fez um rebuliço na minha alma.

19h02. Se acho que a terapia está me ajudando? Acho que ser ouvido e acolhido é muito bom, acho que aos poucos estamos desvendando padrões de comportamentos meus que precisam ser revistos ou aceitos. Disse que se existia uma parte de mim que realmente precisava de exercício era a parte social. Exercício social. Não sei como exercitar essa parte direito. É algo a se desvendar. O que eu achei mais revelador na terapia de hoje? O fato de o texto do rei bebê não ser uma coisa amplamente aceita nos anais da psicologia. E quando eu disse que quando saio de casa, do meu quarto-ilha me encho de rótulos pejorativos e veio a imagem de mim cheio de adesivos colados pelo corpo todo, todos me denegrindo, foi uma imagem curiosa e ridícula. Quero me achar uma pessoa...

19h20. A fantástica faxineira foi embora e me chamou para fechar a porta e minha mãe chegou no mesmo momento e conversou comigo me fazendo perder completamente o fio da meada.  Bom, quero me achar uma pessoa válida, com o mesmo direito de ser e estar e namorar no mundo que qualquer outra. Para isso preciso me apropriar de novo da minha sexualidade. Não sei por onde anda. Só chego às preliminares com real excitação, a parte da penetração me incomoda, talvez porque o orgasmo gere um esvaziamento do ser, uma saciedade incômoda, mas acho que o meu problema real com o sexo é a minha paranoia de fazer a menina gozar. E que vejo o sexo de forma muito romântica, não sou dado a muitas safadezas na cama. Bem da verdade, sou inexperiente sexualmente. Sou um quase virgem de 40 anos. Inclusive coleciono bonecos como o personagem do filme. Hahaha. Acho que deve soar muito patético para uma garota saber que eu coleciono bonecos. Acho que nenhuma garota quer namorar um cara que coleciona bonecos. É algo que tenho que ocultar até a conquista estar garantida. Hahaha. Meu deus, o que será que eu escrevo para a garota da noite e qual o estado de espírito mais apropriado? Eu já vi uma chuva de estrelas cadentes. Foi dos fenômenos mais belos que a existência já me proporcionou. Pensei em compará-la a tal manifestação cósmica. Seria uma boa abertura, eu creio. Se bem que dizem que não se deve colocar a garota num pedestal. Eu sei lá. Sei que preciso estar na vibe certa para escrever, mesmo que isso não vá funcionar, não ajudará de nada, não fará a mínima diferença para ela. Pode ser um afago em seu ego e disso não passará. Para que perder meu tempo, então? Porque tenho todo o tempo do mundo e posso dedicar um pouco dele a garota da noite já que ela me assalta o pensamento com frequência. E aí, Hulk, você que chegou para ser o meu conselheiro? Agora que já dei a deixa, tenho que ir até o fim, né? Vou passar um papel ridículo, né? Depende do conteúdo da carta. Mas você acha que não vai surtir o efeito esperado, não é? Eu sabia, independentemente do que escreva, ela vai me achar ridículo. Eu estou só alimentando uma ilusão. Alimento ilusões muito mais profanas e impossíveis. Dane-se, vou tentar escrever, não sei quando, mas não será nesse post. Acho que faço isso mais para agradar a Ju que à garota da noite, para mostrar que estou dando algum movimento à minha dimensão afetiva. Tem um pouco de mim nisso também, meu lado Cyrano de Bergerac. Hahaha. Pena que cartas de amor funcionavam no milênio passado, hoje são algo totalmente fora de moda, até porque estamos nos tornando semianalfabetos e não temos mais por hábito escrever. Para a maioria das pessoas, escrever é algo penoso e complicado, não é intuitivo, fácil, simples e divertido como é para mim. Minha mãe me falou que o cara da DHL veio aqui e trouxe a filinha provavelmente para ver o Hulk e mamãe não a trouxe ao meu quarto porque eu estava dormindo. Fiquei com o coração partido da expectativa frustrada e do impacto que a garotinha ia ter com o monstrengo. Nossa, se pudesse voltar no tempo alteraria essa cena. Que pena. Pelo menos alguém além de mim e do meu irmão JP gostou do Hulk. Massa. Hahaha. Ela ainda disse que o cara me achou um cara legal. Que pena. Tenho um orgulho danado do Hulk, por mais que seja mais um dos repelentes de garota que possuo. Hahaha. Rio mas acho isso sério, a maioria das garotas não vai captar meu colecionismo e vai me achar um babaca infantiloide. Ou sou eu que me acho um babaca infantiloide? Em muitas medidas me acho assim, mas há dimensões de mim muito mais válidas e belas. Só não sei quais são. Hahaha. Acho que tenho uma profundidade de alma que muitos não têm. Ou têm e não se apercebem que têm. Fato é que tenho inveja do amigo bonitão, que já pegou inclusive a garota da noite. E em vez de segurá-la para si, a deixou solta no mundo. Se eu tivesse a oportunidade faria de tudo para conquistá-la de forma mais profunda que uma simples penetração. Mas talvez ele esteja acostumado a só comer filé, um a mais um a menos não faz diferença, sei lá. Não sei o que se passa na cabeça do nosso amigo bonitão. Sei que nutro um misto de inveja e admiração por ele. É uma pessoa emblemática na minha vida, cheia de simbolismos positivos que eu acho que não carrego. Aliás, tenho certeza que não carrego. O que carrego de positivo, eu não sei. Acho que consigo ter conversas profundas e sinceras com as pessoas. Mesmo sendo um alienado do mundo. Não sei de política, economia, cultura, esportes e qualquer outro caderno do jornal. Não me interessa. Me interessa o mergulho em mim mesmo, e, se não mergulho, de ficar boiando na minha superfície. Não sei se me aprofundo em mim aqui. Queria crer que sim, mas não tenho certeza. O meu maior defeito de caráter? A preguiça. Acho que é maior que a minha desonestidade oportuna. Meu ato de desonestidade mais praticado é a omissão. Se faz necessária em alguns campos. Até aqui, me omito em algumas coisas, por mais que ache que esteja sendo o mais honesto e aberto que posso. Quero crer que faço isso, senão isso perde o sentido. Vira ficção. Ficção demais, eu digo. Pois essa descrição que faço de mim é uma história que conto. Tento ser o mais verídico que posso, mas é uma visão pessoal das coisas, não são as coisas em si. Essas inescrutáveis à minha pessoa. Gostaria de me dizer de forma mais positiva, mas simplesmente não me sinto capaz de fazer isso. Conto o que vejo e percebo de mim. E não me agrada o que vejo e percebo. Não acho válido. O que vejo e percebo de mim? Que eu sou um cara que vive enfurnado num quarto cheio de bonecos encaixotados, três videogames pegando poeira, sentado na frente do computador, enchendo o rabo de cafeína, escrevendo compulsivamente e sonhando com uma namorada que só aparece nas minhas projeções como a garota da noite. Não sei por quê. Aliás, sei, porque ela responde fria e polidamente às minhas mensagens. É quase nada, mas não é nada, acho que é por isso. Seria fantástico se ela respondesse a essa última com algo mais animador como um estou curiosa para ler ou coisa do gênero, mas sei que isso não vai acontecer. Nem um ok, que seria a mais gélida das respostas, ela irá responder. Tanto melhor. Estou me esquentando na escrita para ver se sai alguma coisa mais tarde para ela, se não estiver até lá esgotado de escrever. Gosto de escrever, mas tem horas que satura, cansa. Estou no meu modo catártico agora, vomitando palavras a alta velocidade, ou tão rápida quanto o meu lento digitar pode apreender e transmitir. Eu poderia aqui tentar me aprofundar nos dilemas que chegaram à superfície na terapia. Acho que em relação ao sexo, fiquei traumatizado com a minha última experiência sexual e isso me fez criar todo um retrato negativo em relação ao sexo, generalizei uma experiência ruim, que é, como toda a generalização, algo estúpido. Como é estúpido generalizar que todos os homens que colecionam bonecos são babacas. A probabilidade disso ser verdade é grande, mas não é de 100%. Hahaha. Eu sou um cara de certa densidade, não sou fútil. Eu respeito as mulheres até demais. Isso é um defeito. São seres que comem e cagam como eu. Só são profundamente mais encantadoras. Eu acho que se andar eu consigo o condicionamento físico para conseguir transar. Minha mãe vive a me cobrar que ande, mas parece que quanto mais me cobra, mais repúdio à ideia eu tenho. Ela tem que entender que tem que ser uma coisa que tem que partir de mim, nunca dela. Especialmente não dela. Porque mãe, infelizmente. Eu não gosto de receber ordens da mamãe. Eu quero fazer o movimento de andar por algo interno e não externo. Ou meio-termo, como andar para ter mais preparo físico para uma hipotética relação sexual. Uma relação sexual, tão banalizada hoje em dia, tão corriqueira aos da minha idade, me é um bicho de sete cabeças. E não deveria ser. Foi o trauma da última tentativa. Ou grande parte foi isso. Não foi culpa da garota. Não houve culpados. E, principalmente, não houve afeto suficiente. Não sei se é o café, mas me sinto mais motivado a andar. Começarei na quarta-feira. Até o Açude. Eu devo ter algo de especial. Algo que meu amigo cineasta viu em mim, que considerou precioso e que o fez querer documentar um ano da minha vida. O que resultou em variados takes de um cara sentado num quarto digitando. Eu ignoro como ele fará essa narrativa, mas admito que é um baita desafio. Espero com o filme dele descobrir quem é essa pessoa especial que eu sou aos seus olhos e coração. Ao mesmo tempo, morro de vergonha de assistir. Bom, o processo de captação das imagens acaba no meu aniversário. Até lá e até depois da viagem não posso vacilar. Depois da viagem, entretanto. Se bem que eu me comprometi com uma pessoa que nem sabe desse compromisso. É outra carta que tenho que escrever. Ou não tenho. Essa é ilusória demais para que eu perca meu tempo. Novamente o que mais tenho é tempo e gosto pela escrita. Veremos. A promessa era de dez anos. Mas ampliei esse período para treze anos. Nem mais nem menos. Mas não quero falar sobre isso. Nem sei mais sobre o que quero falar. Dá vontade de mandar a garota da noite se danar e seguir em frente, mas não há outra frente a seguir. Esse é o problema. Esse é todo o problema. Ela foi a única pessoa que me encantou e com quem tenho um esboço de elo social nesses últimos anos. Se houvesse outra. O engraçado é que se cruzasse com ela acho que teria uma crise de pânico e fugiria. Hahaha. Mitifiquei demais. Preciso desmitificar. Ela come e caga, é um ser humano com sonhos e aspirações e desejos e frustrações. Sei lá o que estou dizendo. Eu não conheço a garota da noite de fato. Eu nada sei sobre ela. E acho que continuarei assim. Pode ser até que ela, ao ver a minha mensagem, me dê logo uma cortada, do tipo nem perca tempo. Mas não parece ser o perfil dela. Aliás, nem sei qual o perfil dela, como posso assumir isso? O fato é que o que sei dela é o que há em sua página de Facebook. Ela, por outro lado, sabe um bocado de mim. E eu, como é meu habitual, me denegri para ela. Ou seja, agi contra mim mesmo. Acho que minha sina é a solidão mesmo, mas me divertirei escrevendo um texto para ela ou assim espero. Já perdi muito do ímpeto de escrever hoje. Mas nada ainda definido. Parece que meu irmão JP vai vir aqui hoje. Certamente vai querer ver o Hulk. Foi uma das pessoas que genuinamente gostou da figura. Ele e os caras da DHL. Pôxa, só de pensar na filha do cara da DHL me dá um dó. Me colocando no lugar dela, eu ficaria muito frustrado. É como ser prometido um presente e não ser dado. Como encomendar o Hulk e ele chegar quebrado. Não esse último seria muito pior. Graças aos céus o Hulk chegou inteiraço. Eu amo o meu Hulk, tanto quanto se pode amar um produto, um bem material. É o cúmulo da babaquice para quem não coleciona, mas qualquer um que colecione algo sabe como é preciosa e admirável a peça chave, o item preferido da coleção. Acho que o Hulk ainda vai aparecer em muitos posts. Por falar nele vou botar outra foto aqui.





21h14. Acho que meu ímpeto é escrever a carta no Desabafos do Vate, seria curioso. Mas não quero ir para o Vate agora, nem quero escrever carta nenhuma agora. Aliás nem sei se escreverei mesmo. A garota da noite talvez nem mereça isso. Talvez seja uma pessoa fútil, mas acho difícil trabalhando com arteterapia num hospital, ela me parece ser uma pessoa bem resolvida, apaixonada pelo trabalho, que se sente realizada dando sua honrosa contribuição social. O que temos em comum? Absolutamente nada. Eu não poderia contribuir menos para a sociedade. Mas exerço o meu ofício apaixonadamente e com uma ponta de orgulho por não estar ferindo gravemente o português. Sei que devem haver vários erros que eu nem saiba que cometo e peco por essa ignorância, mas não consigo levar tão a sério o ato de escrever a ponto de estudar gramática. Não quero nada que me constranja ou me limite nisso que faço. Não quero obrigação a não ser a de ser o mais transparente que posso ser na escrita. Eu exerço um pouco de autocensura porque minha mãe periodicamente lê o que escrevo, o que cada vez me empata menos. Minha mãe, não sei se pela leitura disso, tem me compreendido mais, tem sido mais mente aberta, respeitado os meus comportamentos excêntricos, em uma palavra, está outra comigo, tornou-se alguém que eu posso dizer que amo sem restrições. Já tive muita raiva e ressentimento da minha mãe. Já pensei que não conseguiria a amar de fato. Mas hoje amo incondicionalmente e tenho me apercebido dos pequenos detalhes, os esforços que faz por mim. O esforço maior sendo compreender um filho em condições tão singulares quanto a minha. Hoje sou só gratidão a ela. Gratidão e amor. Queria deixar essa declaração aqui para que os meus parcos leitores saibam que que eu a amo. Que o tempo e a maturidade de ambos nos levaram a construir uma relação muito harmoniosa como jamais sonhei ser possível. Minha mãe nunca desistiu de mim mesmo nos momentos mais difíceis da minha vida. Tomou medidas severas, muitas vezes severas demais. Mas foi tudo pensando no meu bem, quero crer. Minha mãe nunca quis o meu mal. Mas acho que algumas vezes me internou muito mais como medida punitiva do que por qualquer outra razão. Bem, águas passadas. Ela também engole muito a conversa da Doutora. A Doutora pode conseguir manter o meu equilíbrio emocional através dos fármacos, o que é uma grande proeza, mas sugerir porque minha mãe me disse triste que eu passasse alguns dias, ou semanas, ou meses, sabe-se lá o tempo que passou na cabeça mercantilista da Doutora, internado na Clínica de Drogados, é demais. Por falar tanto em internação, acho que vou digitar o caudaloso diário do Manicômio um pouquinho. Nossa, e pensar que nesse exato momento existem várias vidas aprisionadas lá, algumas sem a mínima necessidade, outras para a vida toda. É triste. O tempo que passei lá foi excessivo para dizer o mínimo. A quantidade de HFVs que tomamos por causa da transgressão não teve nenhum caráter terapêutico, foi apenas uma desumana retaliação à nossa afronta, uma forma de tortura. Mas deixemos isso para lá. Águas passadas. Águas nas quais vou mergulhar digitando o meu diário, embora a fase das HFVs já tenha passado na altura da narrativa em que estou. Não vou digitar agora, estou com preguiça. Recebi notícias do meu amigo Marinheiro, disse estar bem e pensa tentar a vida em outro estado. Desejei-lhe sorte e fiquei aliviado ao saber que não estava internado.

23h04. Digitei mais um dia de diário. Nossa como eu era babaca, me humilhar para desconhecidos contando minha história de adicção e destruição para os estagiários de Medicina que iam visitar o Manicômio e achar isso legal. Sei não, viu? O pior que acho que faria de novo, só para poder ficar olhando as gatinhas que visitavam o local. A psicóloga que as ciceroneava era uma grande entusiasta da minha obra, disse reiteradas vezes que a leria. Quem sabe um dia ela não seja publicada? Sonhar não custa nada. É uma pena não ter os diários menores que fiz em duas outras internações no local. Mas esse já basta. É mais do que suficiente. O que percebo é que faço um bando de previsões que não se concretizam, sou um péssimo profeta quando o assunto é internamento. Hahaha. Sou um péssimo profeta overall. Hahaha. Profetizo que se escrever a carta para a garota da noite ela não emitirá nenhum comentário. Para que o esforço para nada, então? Boa pergunta. Parece que ela visualizou a minha mensagem. Isso me estimula a escrever. Não sei se tenho tanta disposição para fazer isso hoje pois já escrevi demais. Mas tudo é possível. Ainda são 23h15 e tomei café o dia inteiro.

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19h56. Escrevi e mandei a carta para a garota da noite. Fiquei espantado como muitos dos conteúdos tratados lá se repetem aqui. Sou um cara monocórdico mesmo. A carta ficou uma grande bosta. Agora, já foi. Vou publicar e divulgar isso.

domingo, 11 de março de 2018

REENCONTRO NA ENCRUZILHADA





20h35. Nossa, digitei muito hoje, que negócio chato. Não sei se o texto do Manicômio tem alguma validade que me faça perder ou investir tanto tempo nele. Mas agora que comecei, que estou no último caderno, não posso esmorecer. Preciso dar um tempo. Tirar a cabeça de lá. Estou pensando em tomar um bom banho agora para relaxar. É uma boa.

20h49. Minha mãe veio quase suplicar que eu parasse de escrever. Hahaha. Realmente hoje eu digitei demais. Ainda bem que essa parte do diário não trata mais da fissura, embora me veja voltando ao tema cola de novo e de novo. Acho que isso vai abrandar pois, pelo que vi, estou próximo do meu primeiro final de semana fora do Manicômio e começarei a respirar as expectativas dessa minha saída. Mas quero deixar aquele texto de lado. Meu primo-irmão não me avisou de nenhuma saída hoje, também não me comuniquei com ele a esse respeito. Sou eu que sempre me chego, acho isso incômodo para ele, por isso resolvi poupá-lo de mim hoje. O resultado é que ficarei aqui em casa a escrever. Não estou com saco de mais nada além disso. E, sim, vou tomar um banho assim que acabar o copo de Coca que coloquei para mim. Acho que quando sair do banho me comunico com ele contradizendo o que acabei de escrever. Mas vejo se planejo para amanhã alguma coisa.

21h29. Tomei um bom e merecido banho, lavei todos os poros e já me comuniquei com o meu primo-irmão. Amanhã, 14h00, no Mercado da Encruzilhada, discotecagem anos 70,80 e 90. Promete ser bom. Queria acordar cedo para fazer a minha barba e dar tempo de chegar à casa da minha tia-mãe às 13h30. Preciso cortar minhas unhas também. Mas está muito escuro para fazer isso agora.

21h40. Já combinei com mamãe. Vou fazer a barba amanhã de manhã tomo banho e parto.

22h18. Acho que vou digitar mais do diário do Manicômio.

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13h18. Acabei de acordar e vi que meu primo-irmão pediu que eu chegue à sua casa por volta das 15h00. Por ter acordado tarde, não vai dar tempo de aparar a barba. Não estou com muita disposição de sair, mas acho que isso muda à medida que for despertando mais. Estou me coçando para digitar um pouco mais do diário. Até as 14h00. São 13h27. Já separei a minha roupa.

13h36. É muito pouco tempo para digitar. Estou com vontade de pegar Coca, mas meu padrasto conversa com a minha mãe na cozinha e isso me intimida a ir lá. Acho que vou mesmo assim.

13h41. Meu padrasto reiterou que o Hulk parece uma das imagens de macumba que eu vendia, um exu. Hahaha. Ele perguntou o que me motiva a adquirir tais peças. E eu disse que era o prazer de olhar para elas, que não conseguia parar de olhar para o Hulk. E sem dúvida, quando não estou olhando para o computador, estou olhando para o Hulk. 13h45. Acho que vou tomar banho de 14h15. Estou quase desistindo de ir, mas passar o dia a digitar no meu quarto-ilha e só vislumbrar outra saída no próximo final de semana é ozzy. E o som vai ser legal. Não conheço, que me recorde, o Mercado da Encruzilhada. Vai ser uma experiência divertida, eu acho. Pelo menos o som me agradará, o que é um grande diferencial tendo em vista o que ando ouvindo nas minhas saídas.

13h58. Quase na hora de tomar banho. E cadê a disposição? Eu não tenho mais cara de comentar no grupo da turma. Fico imaginando que as minhas postagens são vistas com repúdio. Espero estar enganado, mas não tenho como aferir. Podem ser só projeções equivocadas da minha parte, mas, como não tenho nada a dizer além de que também estarei lá no mercado, ficarei quieto. 14h04. Está se aproximando rapidamente a hora do banho. A motivação que deveria estar ao mesmo passo não me vem. Vou pegar mais um copo de Coca, tomar e entrar no banho. Vai ser um banho rápido. Já tomei um antes de dormir, mas é sempre bom estar limpinho ao sair. Estou pensando em levar o Vaporfi hoje. Espero que não caia no Uber. Ai, saco, não estou com a mínima vontade de ir por mais que o prospecto seja animador por causa do som e do local inusitado. 14h14. Só falta comer o gelo para entrar no banho. Desgosto de ser eu nessas vésperas de saída. Sempre me bate a vontade de desistir. É um dilema sair e tem sido assim recentemente. Desde o começo desse ano, ao menos. Duas pedras de gelo para encarar esse banho, me arrumar e partir sem disposição nenhuma. Poderia ficar calmamente aqui digitando o diário, mas novamente a perspectiva de passar mais sete dias sem sair me incomoda e me impele a fazer o movimento à revelia do meu desagrado. 14h21. Hora do banho.

14h40. Estou pronto. É pegar o dinheiro com mamãe e partir. O banho não me animou muito, mas estou arrumado e vou. Eita, esqueci do perfume. Bem lembrado, Coisa.

14h43. Fechar o computador, senão não saio. Hahaha.

15:32. Estou na casa do meu primo-irmão. Ele foi se aprontar. A preguiça em mim impera, mas já que estou aqui é encarar. Espero que ele demore o tempo habitual, que é longo, para que possa escrever mais aqui. Sua irmã caçula prepara um café para nós. Ótimo. Grande gentileza dela. Embora creia que ela fosse fazer mesmo sem a minha presença, me ofereceu mesmo assim. Ela é uma pessoa única, muito decidida e sem medo de ser diferente. Tornou-se professora e parece que com isso, achou seu lugar no mundo. A admiro bastante, mas nunca tive coragem de dizer isso a ela.

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22h13. Foi surpreendente. Quando chegamos ao local no Mercado da Encruzilhada, estava tendo o aniversário de uma amiga de longa data e vários amigos de longa data estavam presentes. Foi um grande e maravilhoso reencontro. Não há nem como criar apelidos para todos, basta dizer que eram várias pessoas queridas e que pude privar de conversas as mais variadas de como preparar um bifum a dilemas existenciais, ao convívio com a Síndrome de Down a críquete (não muito desse último). Queria ter ficado mais tempo com as minhas amigas psicólogas, mas não houve brecha ou não soube criá-la. Esse para mim foi o grande desapontamento do evento. Mas conversei em especial com dois amigos e o papo fluiu fácil, embora, para variar, tenha me colocado mais no papel de ouvinte. Pensando bem, me posicionei também. O convite para a Vila Edna foi feito uma vez mais e agora é tomar coragem para ir amanhã, dia do encontro. Espero que consiga. Não revelarei particularidades das conversas, pois não acho conveniente, fato é que foi como um pequeno milagre que a existência ofereceu a minha pessoa. Sou grato às forças que fizeram convergir tais pessoas para o lugar que ia tão despretensiosamente. Meu primo-irmão não ficou por muito tempo, preferiu seguir para o Antigo, onde o nosso amigo cervejeiro estava participando de um evento de cervejas artesanais. Vi como os filhos do pessoal estão grandes e como a vida passa veloz. É uma pena ter que ser prudente em relação ao que foi trocado. Fiquei até o estabelecimento da aniversariante que é um lugar de reparo de bicicletas, nos dias de semana, fechar. Foi tremendamente bom e seria bom que tais reuniões ocorressem com mais frequência. Soube que meu amigo que passou em um concurso em São Paulo vai passar uns dias aqui no final do mês e que haverá encontro na casa do meu primo urbano. Será outro grande encontro. Nada posso acrescentar da festa que não seja de cunho pessoal das pessoas. Acho que eu tenho isso de puxar assuntos mais pessoais nas conversas, mas não sei se isso condiz com a realidade. Fiquei muito, muito puto porque não conseguir ouvir o que uma das minhas amigas psicólogas, que chamarei a partir de agora de minha amiga diretora para diferenciar da minha outra amiga psicóloga, estava dizendo. Acho que estou ficando surdo ou ela fala baixo demais, não sei. Sei que queria muito ter ouvido o que ela estava dizendo. Ela é uma pessoa que merece minha total atenção e não pude oferece-la simplesmente porque meu sistema auditivo não funcionou a contento. Espero, talvez, quem sabe, marcar um novo encontro com ela e a minha amiga psicóloga no A Fazendinha, onde nos encontramos da penúltima vez e que parece ser perto da casa das duas. Mas isso, por ora, é só devaneio. Me disse antissocial para elas e para mais um par de pessoas, quase como um pedido de desculpas pelo meu comportamento mais calado. Me indagaram sobre o filme que o meu amigo cineasta está fazendo, parece que tal empreitada foi amplamente divulgada entre esta turma, o que me foi muito constrangedor e intimidante. Estão todos curiosos para ver o resultado do projeto o que me dá calafrios. Bom, desde que não assistam comigo, está de bom tamanho. Eles sabem que vai acabar no meu aniversário até. Estão muito bem informados para o meu gosto. Mas é a vida e se ela preparou um encontro como o de hoje para mim e ousaria dizer para nós, não posso ter sentimento outro no momento que não gratidão. Ah, e disse à minha prima que a admirava. Foi bom. Já estou com saudades das pessoas que revi. Como queria que esses encontros se dessem mais vezes. Faria um bem danado para mim. Até participar dos dias de jogatina de futebol eletrônico na casa do meu primo urbano seria uma ocasião muito especial para mim. Vou pedir para ele me incluir.

23h03. Pronto, mandei mensagens de WhatsApp para o meu primo urbano comunicando todos os meus desejos de encontro com a turma. Agora preciso contar tudo o que não pude contar aqui no Desabafos do Vate. Por falar em amigos, alguma coisa aconteceu com o meu amigo Marinheiro. Estou preocupado. Ele sumiu do WhatsApp. A última comunicação foi a respeito de um cartão de memória (de celular, creio) não sei para quê.

23h13. Acho que o meu padrasto vai se deitar. Terei a noite para mim, como gosto. Depois de tanta companhia sinto que minha alma pede um pouco de solidão. É bom estar de volta ao quarto-ilha tendo o Hulk como novo membro da minha plateia cativa. É uma peça que não deixa de me impressionar. É o meu maior sonho de consumo realizado. Maior em todos os sentidos. Hahaha. Bem, voltemos ao Vate.

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15h04. Um dia especialíssimo passou e volto num dia mais tradicional da minha vida. Nossa, amanhã já é dia de terapia de novo. Meu primo urbano respondeu aos meus pedidos, mas não quero ler agora, não quero dar sinais de que acordei, pois estou com receio que ele queira ver o Hulk. Não tem nada demais isso, mas agora não estou com o espírito preparado para essa interação. Tico e Teco ainda estão se reativando e gosto de dar tempo a eles para que se entendam bem. Fiquei impressionado como a filha de um dos meus amigos desenha bem, reminiscência de ontem. Continuo achando uma boa ideia o encontro n’A Fazendinha ou coisa que o valha o que denota que não estou antissocial de todo. Acho que este post, embora curto deva se encerrar aqui. Que ele seja um pequeno recorte da minha vida e de um dia surpreendente e feliz. Só continuo frustrado porque não consegui ouvir o que a minha amiga diretora falou.

15h21. Acho que não vou escrever outro post agora, vou me focar em digitar o diário do Manicômio. Saco. Lembrei que preciso revisar. Não é como Vate que vai de qualquer jeito.

Cantinho do escritor com um novo toque de verde.


15h53. Revisando me lembrei do encontro hoje na Vila Edna. Não tenho coragem, pelo menos não no momento. E acho que já está tarde. Ouvindo Sandy em homenagem ao papo que rolou na festa ontem. E esperando a foto do cantinho do escritor chegar do meu celular para o computador. Está demorando. Me envio por e-mail. Enquanto a foto não é enviada, vou me deixando por aqui. Acho que eu e minha amiga diretora gostamos de conversar de assuntos semelhantes, sobre o eu e os dilemas existenciais da condição de ser e estar nesse mundo. Posso estar enganado em relação a isso, porém. Está tarde demais para ir à Vila Edna. Aliás, se estivesse pronto, seria o momento apropriado. Comentei com a minha mãe sobre a festa e sobre o convite. Ela me incentivou a ir, mas não me encontro preparado. Será que a namorada do meu amigo leu o meu blog? Ela parece ser daquelas que cumpre o que se propõe. Pareceu ser uma pessoa fantástica, fiquei muito bem impressionado. Bom, a foto foi enviada, vou postar isso e começar a digitação. E a Vila Edna? Tudo a seu tempo. Não é o tempo ainda. Eu não me sinto disponível, mas confesso que uma parte de mim quer ir. Tenho saudades do povo de lá. Lembrei que o meu primo-irmão se dispôs a me colocar um pouco de autoconfiança através da hipnose. Não sei se estarei hipnotizável, mas tenho curiosidade de experimentar o procedimento. Bem, não vou à Vila Edna, está muito tarde. 16h26. O momento ideal é de 16h00. O que são 27 minutos, não é? São uma desculpa para evitar uma interação que me deixa inseguro. Eu com as minhas frescuras. Mas não quero me forçar a uma coisa que não estou ainda preparado. Mas que anseio paradoxalmente. Bom, vou postar isso.  

sexta-feira, 9 de março de 2018

TERAPIA III E HULK!


Foto mais brega do mundo, dono feliz ao lado do seu brinquedo.



13h27. Eu uso muito a dimensão racional, deixando de lado a dimensão afetiva e a dimensão corporal. Ju sente que há algo desencaixado em mim. Em quem eu sou, eu preciso me perceber e me definir melhor, definir qual é o papel desse ser que não é só mente, é também carnes, ossos, veias, coração. Estar mais atento aos sinais do meu corpo. Falei que a cola andava me rondando, mas ela conseguiu espantá-la. Nós conseguimos espantá-la. Graças. Não quero nem falar desse assunto para não o trazer aos holofotes do meu ser. Como me sinto? Com obrigações e não gosto delas. Aliás com uma obrigação, andar. Não sei se vou andar. Não daqui até segunda, dia da nossa quarta sessão. Disse que me sinto infantilóide por ter 40 anos e não ter emprego, mulher, filhos, carro. E a verdade é que não quero nada disso. Estou com sono. Falamos até do Hulk. Por sinal cadê o cara da DHL que iria ligar para mim? Da última vez ele ligou por volta das 14h30, são 13h53. Vou pegar Coca, estou meio sem cérebro, acho que é a falta de cafeína. Estou sem confiança em mim mesmo, acho que é nisso que sou mais infantil. Adultos são seres mais autoconfiantes. Houve um momento em que me disse em estado de mania, mas fiquei em dúvida se era estado de mania mesmo ou se eu era uma pessoa mais sociável mesmo. Acreditei mais na segunda hipótese. Foi o episódio da minha primeira viagem a Munique, quando escrevi uma carta de despedida para todos os moradores do prédio da minha irmã e coloquei nas caixas postais deles. Não faria nunca isso hoje em dia. Acho inclusive que foi um tanto excessivo da minha parte, por isso suspeitei da mania. Ju, disse que estar em mania ou não faria toda a diferença sobre a sua ótica em relação ao episódio, eu disse que achava que não estava, mas não tinha certeza. 14h21. Se a DHL não ligar até as 14h38, eu ligo para eles. Melhor ligar logo, né? Acabar com o suspense.

14h24. “Esse número que você ligou não recebe chamadas ou não existe”, ou seja, estou na dependência de eles me ligarem. O suspense continua. Enquanto isso, que posso dizer mais sobre a terapia? Falei da agonia profunda que me deu quando fui pegar o elevador para ir à casa do meu primo. Falei da parte da troca com o outro, que achava que havia me doado mais nessa última saída, mas nem sei se isso se deu mesmo. Acho que sim. Mas muito pouco ainda. Sempre fui mais de assimilar e indagar do que me proferir.





16h16. O Hulk está aqui! Chegou há mais ou menos uma hora, esse tempo todo passei a admirá-lo. Consegui botar no lugar da impressora e dos CDs, que estão no chão à espera da fantástica faxineira. É uma peça gigantesca e impactante, as outras empalidecem em comparação. Eu não poderia estar mais feliz. A pintura está decente e realmente acrescenta profundidade e vida ao busto. A base não é feia. Eu não consigo parar de olhar. Até o cheiro é bom. Para mim é de longe a melhor escultura do Hulk já feita. Há algumas falhas pequenas no molde, na parte das costas, mas nada de gritante. Para os que reclamavam de que ele não era verde o suficiente, ele parece bem verde para mim. É a realização de um sonho. A escultura atinge o perfeito equilíbrio entre o hiper-realismo e o visual de HQ. É simplesmente fantástico. Será um prazer imenso escrever aqui e poder olhar para ele todos os dias. Com esse acontecimento, a terapia meio que foi para o espaço. Eu só posso imaginar o trabalho que deu esculpir cada poro, cada marca da pele. É um trabalho de escultura estupendo. E feito à mão. Adoro peças feitas à mão, embora tenha algumas modeladas por computador. O Hulk rouba a atenção de qualquer um que entre no quarto. Impossível não notar a enorme presença da peça. E logo na entrada assim. Será a minha carranca. Me protegerá das forças do mal que porventura quiserem se arriscar a entrar no meu quarto. Hahaha. Foi muito melhor tê-lo tirado já da caixa e expô-lo. A caixa tomaria um espaço enorme do meu quarto. E não poderia ficar olhando para ele, como posso agora. Mandei até para o WhatsApp da minha família materna. E para o meu primo urbano. E para o meu primo-irmão. E para os meus irmãos. E para o meu cunhado. E acabei de mandar para a minha tia-mãe, agora que estava revisando. Não adianta, eu escrevo uma frase e fico olhando para ele. Nem acredito que está aqui no meu quarto-ilha ao meu lado. À medida que a luz diminui, já são 17h11, os contrastes de verde vão se perdendo, curioso isso. Mamãe quase paga duas vezes a tributação absurda da figura. Foi por pouco. Estou que nem pinto no lixo. Espero nunca me acostumar com a visão do gigante esmeralda.





17h33. Postei no grupo de bonecos que frequento as fotos que aqui publico. Precisava provar ao maravilhoso mundo dos bonecos que eu sou um colecionador. Sempre houve essa dúvida em relação à minha pessoa, pois nunca postei nada da minha coleção. E nada como um busto em tamanho real do Hulk para provar isso de maneira grandiosa. Estou achando interessantíssimo como a falta de luz priva primeiro a visão das cores e só depois das formas. Nunca tinha me apercebido disso até o Hulk.

17h54. Agora que anoiteceu, estou o olhando sob a luz do teto. Muito melhor com a luz natural. Mesmo assim, eu simplesmente amo essa estátua. É, dos poucos bens que eu tenho, um dos mais preciosos e queridos, desde já. Desde que o vi quando o cara da DHL abriu a caixa. Os tons de verde se diluem nessa luz amarelada do meu quarto. Não consigo tirar foto que faça jus a imagem. Desisto. Vou publicar só as três mesmo. Acho meio babaca tirar foto junto com o boneco, mas não resisti. Vou tentar me focar aqui. Acho que vou revisar o outro post.

19h40. Revisei e postei. Agora vou comprar Coca.

20h15. Voltei da Coca e estava a admirar o Hulk. Como mais novo membro da minha plateia, ele será iniciado em Björk agora. “Utopia” nele.

20h19. Está difícil escrever hoje, estou enamorado do busto do Hulk. As linhas em alguns momentos quase geométricas me encantam. Ainda é difícil acreditar que ele esteja aqui na minha bancada. Sua cabeça é consideravelmente maior que a minha. Ele é tudo o que esperava. E esperava muito dessa peça. Foi o melhor presente que poderia ter me dado. Não consigo pensar em coisa outra que me cause tamanho agrado. Tamanho encantamento. Só uma namorada mesmo. Olhar para ele me faz esquecer quaisquer problemas, quaisquer dilemas. A fantástica faxineira vai achar horrível, até porque ela não gosta do Hulk. Hahaha. Mas eu consigo ver beleza na besta. Eu considero uma obra de pop arte. Uma obra-prima. Dificilmente o escultor terá o mesmo sucesso uma vez mais. Vi que ele está fazendo um busto do Wolverine, mas já se repete nos padrões e esses não cabem tão bem quanto no Hulk. O Hulk é único, incomparável, está para os bonecos como o Super Mario Odyssey está para os games, ou seja, são os suprassumos de cada área. E fiquei surpreso com a pintura. Está longe de ser perfeita, mas está boa, muito melhor do que eu esperava. Pena que na luz amarelada os tons de verde se misturem. Se me for possível vou querer iluminação branca para ele. Nossa, como gostei do Hulk. Olhar para ele me causa profundo bem-estar. A existência tem dessas coisas maravilhosas e sou profundamente grato por isso. E grato à minha mãe que levou com serenidade todo o processo.

20h50. Meu padrasto aparentemente chegou. Mas não consigo tirar os meus olhos e meu pensamento do Hulk. A melhor definição já foi dada, estou enamorado da estátua. Eita, publicaram o meu feedback na página da estátua no site da Sideshow. Coroou o meu dia. Nem esperava por essa. Agora estou ainda mais feliz. Felicidade que custou caro, mas que vale cada centavo. Como citava meu pai, “a thing of beauty is a joy forever”. É uma peça que parece custar o quanto custa, na minha opinião. Menos os impostos, digo. Não parece overpriced como algumas outras que circulam por aí. Embora muitas pessoas achariam um absurdo pagar o que paguei por ela, elas entenderiam, o que não se dá com as estátuas de 1/4. Já estou bocejando de sono. Acho que porque acordei às 10h00. Mas vou tentar voltar um pouco a terapia. Ju disse que existe algo desencaixado em mim, ela não nomeou o que era, embora eu suspeite que ela saiba. Se eu conseguisse me lembrar, perguntaria qual era o seu palpite, onde estava o desencaixe. Porém sei que daqui para lá terei esquecido isso, o que é uma pena. Ou não, esse é o fluxo da minha vida. Se for realmente relevante para mim, eu hei de me lembrar. Descobrirei. Pode ser que ela mesma toque no assunto. Falando da dimensão do afeto, eu me acho ao mesmo tempo extremamente carente e esvaziado de afeto, como se a falta fosse tanta que tivesse me deixado dormente, é a melhor descrição da minha dimensão afetiva, dormente de tanta carência. Sobre a dimensão do corpo, dou a ele todo o conforto que precisa e nenhum exercício. O que corrobora para a teoria de Ju que eu só cuido da dimensão mental. Pela forma que ela falou, eu acho que ela pensa como eu em relação às ideias, que todas já existem, falta apenas alguém com as qualidades e características certas no tempo certo para apreendê-las. Mas isso sou eu colocando palavras na boca dela, ela não verbalizou isso. Disse que tudo estava no ar, por aí. No éter. Aí olho para o Hulk e penso que essa criação só poderia ser feita por esse escultor por causa do estilo dele, acho que essa coisa de estilo, que cada pessoa tem um traço diferente, como tem uma caligrafia diferente, é inerente da pessoa não é apreendido de algum lugar é nato. Outra pessoa pode até imitar e imitar bem, mas aí estará reprimindo o próprio estilo, a própria voz. O que nos traz até a escrita, especificamente a escrita deste blog, será que eu tenho uma voz própria? Eu não a reconheço, apenas uso as palavras que estão aí disponíveis para todo mundo. Não consigo perceber um estilo meu, algo que diferencie o meu texto dos demais. Isso me frustra um pouco. Por mais que escreva e escreva eu não acho que me diferencie em nada de qualquer outro joão ninguém que tenta também um lugar ao sol. Por isso mesmo nunca conseguirei o meu lugar ao sol. Aliás, já tenho o meu lugar ao sol, este aqui, pena que o sol, a luz do olhar dos leitores não recaia sobre mim, mas tenho um espaço meu, um espaço querido e nutrido com o que de melhor tenho a oferecer. Se não é suficiente, não há muito mais o que possa fazer. Voltando à terapia, como desenvolver a parte do afeto? O físico eu sei, começar a andar e fazer uns marinheiros. Mas não encontro motivação para isso no momento. Quando a garota da noite se me afigurava como uma distante possibilidade, eu sentia motivação para tais coisas. Agora que ela está a anos-luz de distância é apenas um ponto brilhante no firmamento do meu ser, fica mais difícil. Como me reaproximar dela? Certamente não publicando uma foto minha com um boneco. Hahaha. Amanhã vou fazer uma coisa pelo meu corpo, a barba, quando a fantástica faxineira vier arrumar o meu quarto. Vou fumar um cigarro de verdade.

22h28. Fumei. Cruzei com a minha tia-vizinha e ela me falou que a minha prima de Natal abandonou o emprego e vai cursar Teologia. Sem dúvida uma guinada inusitada na sua vida. Acho ela meio maluquete, mas ao mesmo tempo muito dona se si e de suas vontades. Não sei se gostaria de ser como ela, mas pelo menos um pouquinho eu gostaria, de dar a cara a tapa, não só no âmbito desses textos, mas na vida de fato, na vida com as demais pessoas. Tal atitude até me motivou, mas já desmotivou pela falta do que dizer, a escrever a carta para a garota da noite. Vou ensaiar aí embaixo para ver no que é que dá.

Garota da noite, é como lhe chamo no meu blog – e você aparece nele com uma frequência inesperada até para mim – venho por meio desta não sei bem nem o quê. Talvez me repartir um pouco mais com você. Por que, se só cruzei com você três vezes na minha vida e você só me dirigiu meia frase quando lhe perguntei porque você trabalhava num hospital e você só começou a responder até que um amigo seu lhe chamou a atenção e você se desconectou completamente de mim. Não sei se errei na abordagem, não sei muito dos relacionamentos modernos, sou meio romântico, sabe, essa coisa fora de moda e arcaica. Mas sou assim. Pelo menos não vejo você como um cabide de buceta, um objeto a ser consumido, nessa época em que até as relações são consumistas e superficiais. É o sexo pelo sexo e um abraço. Ou pelo menos é assim que percebo. Não é o que busco. O que busco é algo muito mais precioso, na minha romântica e talvez equivocada visão, que é intimidade, companheirismo, cumplicidade. Claro que busco paixão também, mas bem sei que a paixão é um fogo ardente que não dura muito, mas também sei que o que vem depois, embora mais brando, é igualmente encantador. O tempo passa e eu continuo só, por conta da timidez e uma escassez de autoconfiança. Fato é que, por alguma razão que me escapa a razão, todas as projeções que faço de um relacionamento – essa palavra tão temida nos dias de hoje – é você quem aparece como protagonista ao meu lado. Esse texto está ficando uma grande bosta, mas estou escrevendo de coração e algo me impele a continuar, talvez seja a falta de senso de ridículo, talvez seja porque vi em você uma pessoa especial que me calou fundo à alma. Não acredito em alma, é só um recurso linguístico que às vezes gosto de usar por me parecer poético. Me perdi nos pensamentos. Mas acho que a razão desse texto é dizer que estou disponível para você e que se você quiser aproveitar e experimentar algo diferente do que vem experimentando, se quiser me conhecer mais a fundo e descobrir se é possível ou não construirmos uma relação, basta estender a mão, me chamar, pelo Facebook mesmo, e podemos nos aventurar nisso juntos. Pode não dar em nada, pode ser que descubramos não ter nada a ver um com o outro. Talvez você já tenha um preconceito em relação à minha pessoa depois de tudo o que contei do meu passado negro como a asa da graúna. Mas os tempos mudam, as pessoas mudam e conseguem superar adversidades. Eu acho que me enquadro nesse grupo. Neuróticos acredito que nós seremos até o final da vida, o que não faz muita diferença, é só administrar tais neuroses. Ah, o final da vida, como com a passagem do tempo ele se aproxima em galopada cada vez mais veloz. Um ano para mim hoje me parece durar um trimestre. E isso me assusta, ver o tempo passando e eu repleto de solidão. Sinto falta de trocar carinhos, confidências de ter uma saudade boa, que é a saudade que tem data e hora para acabar. As saudades sem dono, sem destinatário, são saudades tristes. Tenho o meu quinhão delas. De pessoas que partiram para nunca mais. Mas trato aqui da saudade dos enamorados. Sei que não faço o tipo atraente. Não sou o nosso amigo bonitão ou o nosso amigo cervejeiro, mas acho que tenho guardado em algum recôndito do ser algo muito bonito para lhe oferecer. Só sei que com a timidez quase patológica que me aflige nesses dias em que vivo, eu preciso da sua ajuda, para me resgatar e reacender o brilho que trago em meu peito. Não sei se isso faz sentido para você, mas gostaria que você considerasse com carinho essa proposta que lhe faço. Eu sei que sou um sujeito estranho, sui generis até, mas acredito que nessa época de experimentação das pessoas, você ainda não experimentou nenhuma com o meu sabor. Como café sem açúcar ou bons vinhos é um gosto adquirido, mas que acho que vale a pena ser provado. Estou de mãos vazias e talvez continue assim, a não ser que você entrelace as suas entre os meus dedos. Não sei mais o que dizer. E acho que não repartirei isso com você. É ridículo demais. Mas, como diz o poeta, não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Embora o que tenha por você não seja amor. Amor, amor é uma construção a dois. Que só pode existir com o consenso das duas partes. Espero ao menos que não fuja de mim como da última vez em Olinda. Você nem deve lembrar, mas o frio na espinha e o nó no estômago que senti ao ver você não me deixam esquecer. Bom, saiba que você povoa os meus pensamentos com uma persistência que eu mesmo não compreendo. E se quiser povoar a minha vida com sua graça estou à disposição. Você é minha primeira e única opção. Tá bom. Chega.

23h44. O Hulk ainda me impressiona e ainda é difícil de acreditar que a estátua que mais desejei está na minha bancada e aí ficará se possível enquanto eu habitar o meu quarto-ilha. E o levarei depois para onde quer que o destino resolver me colocar. Não sei como, mas alguma maneira há de haver.

0h28. Vou me retirar. Amanhã continuo ou não. Publico só isso mesmo.

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13h36. O bate-estacas da construção em frente à varanda do meu prédio martela incansavelmente. A fantástica faxineira odiou o Hulk, disse que não dormia nunca num quarto com a figura e que pagaria para não tê-la em casa. Hahaha. Eu, por outro lado, me deleito com a visão. A luz natural realmente revela todos os tons de verde do busto. Hoje é o Dia Internacional da Mulher, essa que é a manifestação mais incrível do universo para um ser humano do sexo masculino como eu. Mas me privo de fazer elogios porque posso soar machista, as mulheres de hoje têm uma tolerância muito baixa. Deixo a imagem que a minha amiga mais anti-machista que eu conheço publicou no grupo em referência ao dia de hoje.





É com mensagens de empoderamento do sexo oposto como essas que me fazem sentir anacrônico. Será que até o romantismo das flores é uma atitude machista? Se pensarmos que geralmente flores são tradicionalmente dadas a mulheres, nunca ouvi de homens recebendo flores, então pode ser visto como um ato sexista, advindo de uma cultura machista. Mas será que as mulheres empoderadas desgostam de receber flores? Sinceramente, não sei. E novamente tocar nesse delicado assunto, tão mais delicado hoje em dia em que as mulheres estão supersensíveis em relação ao machismo, me parece ser algo temerário e corro o risco de ofender sentimentalidades femininas. Eu, como homem, diante dessa mulher do século XXI me sinto perdido, não sei o que falar, acho que posso ofendê-las inadvertidamente. Ainda tem mais essa para me distanciar da possibilidade de namorar. Não sei nem se na carta que ensaiei para a garota da noite fui machista em algum momento. Eu como homem, me confesso inseguro perto da mulher empoderada do século XXI, temendo ofendê-las de forma que nem concebo como ofensa, talvez porque tenha a cultura machista tão arraigada na minha vida. Até flores... onde vamos parar com isso?

14h43. Publiquei a foto do Hulk no grupo Nintendo Switch, onde estão meu primo urbano, meu amigo jurista, meu amigo cineasta e eu. Só a nata das minhas relações. Ficou só de fora o meu primo-irmão. Eles piraram na figura e meu amigo cineasta me pediu para filmar eu desencaixotando o bicho, mas a caixa já foi para o lixo, então não posso mais simular isso. Nem teria coragem, admito. Fiquei feliz com a recepção calorosa do Hulk pelo grupo Nintendo Switch.

15h19. A fantástica faxineira está aqui arrumando e me pergunta o que fazer com frequência, já que a presença do Hulk, pediu uma reformulada na organização do meu quarto.

15h54. A fantástica faxineira operou sua mágica no meu quarto e mamãe agora tem uma impressora à sua disposição. Me livrei de algumas coisas que acumulava sem razão. Como isso.





15h57. Não sei porque guardava esse gancho de porta, não lembro nem de onde era. Talvez da casa do meu pai. Mas dele já guardo os óculos, sem falar das cinzas, que precisam ser jogadas na maré de Macau, como foi desejo dele verbalizado várias vezes. À medida que a minha idade avança, me vejo mais parecido com o meu pai. Com a parte ruim dele. Isso me incomoda e não sei escapar disso. Outro tema para ser tratado na terapia que novamente me esquecerei de tratar.

16h03. Incrível o impacto da cafeína no meu humor. Me sinto muito bem tendo tomado uma garrafa de café. E pedi mais à fantástica faxineira. Muitas coisas há no meu quarto que precisarei me desfazer de forma a caber todas as minhas figuras aqui. Mas depois do Hulk todas as outras figuras me parecem secundárias, menos relevantes. Mas olho para elas e suas caixas e sei que não poderia ficar sem. Se eu fosse meu primo urbano, da próxima vez que viesse aqui pelas Ubaias tentaria captar os sons da construção para criar um percussão pesada e rica na sua fábrica de sons. Mandei a sugestão para ele. É o que posso fazer. Ouxe, me bateu um súbito baixo-astral agora. Xô, estou bem, feliz com o meu quarto limpinho e organizado, com a portentosa presença do Hulk, o meu xodó. Os verdes já vão se diluindo uns nos outros devido à diminuição da claridade. O som do bate-estacas abafa a música, mas isso não me incomoda, ouço-o como música da cidade e, como disse, é um som rico, há barulho de correntes, do motor e da colisão do peso com o ferro da estaca. E é um som que ecoa, o que dá uma dimensão maior a ele. É curioso e não durará para sempre, então o absorvo enquanto a existência movida pelas engrenagens do capitalismo irresponsável me proporciona. Irresponsável porque a construtora está pouco se lixando para o impacto social que mais gente e mais carros vai causar no bairro, temo que com a afluência dos novos moradores, quando e se a obra for concluída, a área em que moro ficará praticamente intransitável. Ainda bem que não dirijo. O que faço, faço a pé. E não faço muito. Cabeleireiro, terapia, Coca. Tudo pertinho. Acho que ouvi o chiar da chaleira. Mais café a caminho. Confesso que estou com o estômago meio embrulhado de tanto café e, por isso, vou beber um copo de água com gelo. Dar uma lavada e diluída no líquido no meu estômago.

16h25. Dei uma cotovelada no Hulk sem querer, não estou acostumado ainda com o espaço que ocupa no meu quarto. Gosto do Hulk sob a luz desse horário, percebe-se ainda os contrastes de verde, mas eles não são tão gritantes, ficam mais harmônicos. Tirei uma nova foto, me perdoem por tantas imagens do boneco e saibam, que nenhuma faz jus a estátua ao vivo. Acho a câmera do meu celular inteligente até demais, ela ressaltou, deixou mais vivos os verdes do Hulk, mais do que a realidade de fato é. Curioso isso. Não sei se fica melhor assim, gosto da cor que vejo com meus olhos, mais do que as captadas pela lente. Tomei dois copos d’água. Acho que já posso voltar em breve para o café. A ostensiva presença do Hulk nesse texto é uma amostra do meu contentamento e admiração pela peça. Vi no post que publiquei no grupo de bonecos que outro brasileiro tem a peça. Achei massa isso. Deveria ter respondido a ele, em vez de só ter botado o coraçãozinho. Talvez o faça mais tarde. Por mais que perceba que tudo o que deixo para mais tarde não faço. Meu primo pediu para eu gravar o som do bate-estacas. Se recomeçar, eu gravo. Achei um dispositivo chamado “Gravador de Voz” que acho que deve fazer o serviço. O fato de dormir e não reler o que escrevi no dia anterior, me faz repetir certo temas. É a vida, só releio quando vou revisar. E geralmente não elimino as repetições. Impressionante, é a melhor palavra para definir o Hulk. Ele certamente causa impressão em qualquer pessoa que entrar no meu quarto. O cheiro dele ainda invade as minhas narinas, não deveria perder esse cheiro nunca. Cheiro de boneco novo. Bem que o bate-estacas poderia recomeçar para eu gravar para o meu primo urbano. Espero que nos reaproximemos de fato. Já me sinto mais próximo dele, como há tempos não me sentia e é uma sensação muito boa. Não consigo parar de olhar o Hulk. Hahaha. Que coisa. Hahaha. Valeu cada um dos muitos centavos que paguei por ele. O resto da minha plateia deve até estar com ciúme. Gosto de todos, mas infelizmente, galera, o Hulk é o meu xodó. Foi muito feliz já tê-lo posto em seu lugar desde a chegada, foi até o cara da DHL que colocou. Os caras chaparam no boneco. Não tem como não ficar impassível diante da visão. Um deles falou que na Nagem do Shopping Recife vende-se bonecos. Devem ser os bonecos das edições de colecionador dos games. Certamente não deve ter nenhum Sideshow exposto lá. Pode ser até que tenha algum da Hot Toys, mas até isso acho difícil, pelos valores que o bróder da DHL comentou. Sei que falo grego para quem não coleciona. Finalizarei dizendo que mandei uma mensagem de felicitação para o brasileiro que também possui o busto do Hulk. Que coisa, quando meu primo me pede para gravar o som, ele para. Talvez recomece amanhã. Nossa, amanhã já é sexta, o que me enche de dedos. Já começo a sentir ansiedade pela possibilidade de socialização. Mas preciso desenvolver a minha dimensão afetiva e isso só é possível de duas formas, a meu ver, tendo afeto por mim mesmo e interagindo com pessoas por quem nutro afeto. As duas são muito difíceis para quem eu sou/estou agora, mas a primeira se prova ainda mais difícil. Por incrível que pareça, o Hulk teve um impacto positivo na minha autoestima, não sei precisar porque, é como se fosse uma reafirmação categórica do meu universo particular manifestado de forma concreta. É uma realização pessoal para mim. Por mais ridículo que isso soe aos demais. Mas de mim para mim mesmo me gera um profundo contentamento. Acho que tomei café demais, não está mais me descendo e o pior que a fantástica faxineira fez um monte de café. Vou tomar um copo de Coca com muito gelo que essa última xícara me desceu quadrada.

Outra foto do Hulk só porque posso tirar outra foto do Hulk. Hahaha.


17h34. Voltando à dimensão dos afetos. Não sei como ser mais afetuoso com os meus amigos sem parecer falso, nem sei se preciso se mais afetuoso do que eu consigo ser, sei que a minha vontade é de não sair, mas essa vontade não me desviará da saída se esta houver. Não posso me enclausurar no meu quarto-ilha mais do que já fico, tenho que aproveitar toda e qualquer oportunidade de ver o mundo bem acompanhado. Nossa, não consigo parar de olhar o Hulk e imaginar se devo ou não colocá-lo mais alto que a altura em que está quando da reforma do quarto. Mas acho que já falei sobre isso ontem. E deveria estar tratando da dimensão do afeto. A grande revolução para a dita dimensão seria sem dúvida uma namorada. E a única pessoa possível e passível de ser minha namorada é a garota da noite. E acho que estou viajando aqui, pois ela não vai querer nada comigo, a não ser que eu revolucione a mim mesmo antes. Em todas as três dimensões de que tratamos na terapia. Ou seja, baixar o lombo, me amar e me respeitar mais. Aceitar que sou uma pessoa tão válida quanto qualquer outra, apesar da minha condição civil única entre os meus amigos. Eu tenho que botar na cabeça que não cheguei a tal condição por oportunismo ou por acaso, que eu tentei o máximo que pude, que cheguei muito perto da morte tentando me enquadrar numa coisa que não me cabia. Que cometi abusos comigo mesmo a fim de amenizar o sofrimento existencial profundo em que me encontrava. Queria incorporar com mais seriedade que sou um escritor, visto que escrevo compulsivamente, mas não consigo por ora, pois acho que para ser escritor é necessário algum reconhecimento. Não de mim, mas da obra. Acho que preciso vê-la posta em papel. A única coisa que tenho que teria possibilidade de se tornar um livro é o diário da minha internação no Manicômio. Mas não encontro nesses dias que passam o menor estímulo para digitar o restante dos escritos. Preciso colocar isso como meta e digitar um pouquinho a cada dia. Devagar eu chego lá. Sem fazer movimento nenhum é que não vou ter isso nunca. Quero pelo menos ter a obra revisada pela Consultexto, a empresa que revisava o material da agência em que trabalhava e que é aqui pertinho, na rua do CAPS. Se tiver a obra digitada e revisada, eu talvez me anime em enviá-la para alguma editora. Ou editoras. Vai que alguma se interesse. Acho que o medo do fracasso me faz retroceder. Mas é um sonho ter uma obra pelo menos revisada. Com todo o meu mal português corrigido. Só isso já me deixaria mais realizado. Isso deve custar caro, mas não é necessário imediatismo, principalmente depois da lapada do Hulk. Não sei porque o Word reconhece Wolverine como válido, mas não reconhece Hulk. Curioso e irritante. Bem, poderia parar de escrever agora e ir digitar os meus cadernos. Estou sentindo uma pulsão para fazer isso. Acho que o que escrevi acabou me motivando. Vou fazer isso. 18h07.

21h18. Acabei de digitar um caderno. Falta o terceiro, que não digitei inteiro e não sei por onde anda. Mexeu comigo. Negativamente. Que alguma força maior me ajude. Estou praticamente recaído. Estou recaído. Não queria ser internado de novo. Isso serve apenas como medida punitiva, não tem nada de terapêutico. Passar três dias para desintoxicar acho até válido, mas mais do que isso é castigo, não é auxílio. Espero que uma boa noite de sono me coloque de volta nos eixos. É uma merda ser viciado. Mas vai passar e eu apagarei esse parágrafo do meu texto. Maldita hora em que inventei de digitar o diário, foi logo o trecho da fissura. Rememorar tudo aquilo me fez tremendamente mal. Estou fragilizadíssimo para dizer o mínimo. A um sopro da recaída. Será que trairei a confiança de todos os que confiam em mim? Minha mãe, minha terapeuta, meu padrasto? Quem viver, verá.

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14h33. Graças aos céus e a uma boa noite de sono o terror passou. Não estou mais com os pensamentos que me atormentavam ontem. Meu deus, ainda bem. Iria causar um estrago sem tamanho na minha vida. Não quero falar mais sobre isso senão pode atrair e isso é a última coisa que quero. Encontrei uma boa razão para despertar, ver o Hulk sob luz natural que infelizmente a câmera do celular não capta com fidedignidade, ela estoura os verdes. Fica legal, mas eu prefiro do modo natural. Nossa, que alívio eu estou sentindo, vocês não têm ideia. O pior que eu não sei se no outro caderno, se porventura achá-lo, insista no mesmo tema. Não sei nem se é uma narrativa válida para ser publicada. Mas queria muito vê-la revisada, como já disse. E mandar para editoras, como já disse. Se fosse publicada, aí sim, poderia falar com plenitude do ser, sou escritor. Enquanto isso, sigo escrevendo o meu blog. Hoje é sexta-feira, talvez tenha saída, talvez não. Eu estou mais para o talvez não. Não há nada que queira ver no mundo, mas também acabei de acordar, meu humor embora bom, após duas xícaras de café e um copo de Coca, não está ainda disposto para enfrentar uma night. Olho para o Hulk e duvido que outra peça me encante mais do que ele. Não consigo conceber qual seria. Um busto, ainda mais do Hulk, é uma peça imponente e impactante. Não consigo vislumbrar outra peça como iguais qualidades tão exacerbadas. Gosto das linhas mestras meio geométricas dele, gosto de tudo nele. Seria o pertence que escolheria salvar num incêndio. Até porque somando-se tudo, é o bem mais caro que possuo. Se pudesse, levaria também minha mochila com o computador e o Switch. Mas em só havendo uma opção seria o Hulk. Que negócio mais besta ficar imaginando asneiras. Improdutivo e sem nexo. Acho que quero de todas as formas demonstrar como o Hulk me é caro. Ainda sinto o cheiro de boneco novo dele. Muito bom. Daqui a pouco vou ter que colocar o gelo na máquina de mamãe. Gravei o bate-estacas para o meu primo urbano, dois segmentos de um minuto mais ou menos, para ele brincar nos seus equipamentos. Captei com o microfone do computador mesmo, não sei se vai ficar com qualidade para utilizar, mas foi uma tentativa. A segunda gravação ficou mais sincopada que a primeira. Espero que ele goste. Ou não. Foi uma contribuição que achei válida, mas a validade quem dará é ele.

15h31. Coloquei lá a máquina com gelo para a minha mãe. Vou pegar Coca.

15h34. Vi que vai rolar o encontro mais louco da política mundial, Trump e o ditador da Coréia do Norte. Será um evento curioso e assustador. Se bem que tudo pode acontecer. Até algo bom sair daí. Torçamos. Tenho tanto medo do móvel onde o Hulk está apoiado arrear com o peso, seria um desastre. Não tenho meios de conseguir outro. Mas ele não é tão pesado quando aparenta. No site diz que pesa 9kg, mas acho que pesa menos. Em teoria dentro de duas horas terei que repetir o procedimento em mamãe. É a vida. Queria botar Björk para ouvir embora todo o quarto esteja preenchido pelos sons da construção. E minha mãe queira que eu fique com a porta aberta não sei por quê. Acho que vou revisar e postar esse texto e partir para um novo. Rever o momento de fragilidade em que me encontrei ontem. Ainda bem que se deu à noite. Hoje nem quero saber de cola. Isso me deixa muito, muito, muito, muito aliviado.  

17h07. Acabei de revisar. Aproveitei para procurar o terceiro caderno do diário do Manicômio sem sucesso. Tive até um longo papo de WhatsApp com minha tia-mãe a respeito do Hulk. Foi divertido. Quem sabe não a encontre hoje se o meu primo se aventurar pela noite recifense. Vi no arquivo em que estou digitando o diário que narro o que fazia nas minhas saídas de final de semana. Não sei se é um conteúdo interessante e talvez o suprima do texto final. Nossa, como queria achar o terceiro caderno. Vou dar mais uma olhada. O leitor pode achar que estou brincando com fogo ao lidar com essas lembranças de novo, mas pelo que vi do resto do arquivo, a fissura também passou lá. Vou dar mais uma procurada.

17h15. Achei! Mas não estou com vontade de digitar agora, basta-me essa conquista de ter enfim a terceira e última parte da narrativa em mãos. Terei ainda um bom trabalho até concluir a digitação. Muitas páginas me esperam. Bom, vou publicar isso.


A última parte da minha obra a ser transcrita. Haja saco para digitar tudo.



quarta-feira, 7 de março de 2018

IDA À CASA DO MEU PRIMO URBANO


Achei o texto do meu post anterior muito truncado, isso me incomoda e me preocupa. Será que estou perdendo o tino para a escrita? Espero que não. O cara da DHL já me ligou querendo entregar o Hulk hoje, não disse para ele vir porque não teria como pagar a tributação do produto. Mamãe precisa estar em casa ou deixar um cartão que suporte o valor a ser pago em parcela única. Bom, como amanhã é feriado, o cara disse que tentaria novamente na quarta, mas que me ligaria antes. Vou ter que conversar com mamãe sobre o assunto. Só de pensar me dá um gelo no estômago. E uma curiosidade enorme de ver o Hulk. Pensar que ele já está aqui em Recife me enche de excitação. Espero que seja tudo o que eu espero. Minha mãe não vai achar graça nenhuma na figura. Vai achar feio e grande, apenas.

14h07. Fui fumar um cigarro ruminando sobre o Hulk e sobre a ida à casa do meu primo urbano para uma sessão de games com o meu amigo jurista.

14h17. Liguei para o meu banco agora e ele disse que o meu limite disponível para gastos é de cento e poucos reais porque meu cartão é compartilhado com o da minha mãe. Confesso que não entendi. Apenas concluo que não poderei pagar o Hulk com o meu cartão de crédito. Ai, ai, minha mãe ficará uma arara. E não estou muito disposto a ir à casa do meu primo urbano hoje, embora tenha a sensação de que isso vá mudar ao longo do dia. Não terei terapia hoje, Ju disse que estava doente e propôs que a próxima sessão seja na quarta ao meio-dia. O que prontamente concordei, embora vá ter que acordar mais cedo que o habitual. Perguntei no grupo dos games quem vai levar o Switch, se eu ou meu amigo jurista. O dele tem o Mario Kart que o meu não tem.

14h29. Meu amigo jurista respondeu e não sabe se vai poder participar da jogatina, pois sua esposa quer sair hoje numa rara brecha em que a filha vai dormir com os avós. Se ele não for, ainda assim posso ir, não sei se eu tenho coragem de ir, entretanto. Me parece muito demandante socialmente. Vou tentar preparar a minha alma para isso. Espero que consiga. Espero mais ainda que o meu amigo jurista consiga ir. Isso me deixaria mais tranquilo com a empreitada. Não sei por quê. Acho que duas pessoas, uma delas sendo eu, constituiria uma relação esparsa e cheia de silêncios. Mas não posso ser assim tão covarde socialmente. Será que se for, vale a pena levar o computador para instalar o programa que o meu primo usa para mexer nos sons? Acho válido. Se ele não tiver disponibilidade, ou se perceber que é algo que não tem espaço no momento, será apenas um peso a mais que carrego.

14h47. Estou ouvindo, adivinha? Ela mesma, Björk e seu “Utopia”. Lembrei que fiquei de ouvir Teatro Mágico. Sugestão do meu amigo professor. Disse que era um som para poucos. Coloquei. Não é ruim, não gosto muito do vocal.

15h36. A fantástica faxineira veio dar o grau no meu quarto. Ainda toca Teatro Mágico. Não sei porque é um som para poucos. Acho é bem acessível. A paranoia em relação ao Hulk cresce. Sobre a ida à casa do meu primo urbano, ainda tudo em suspenso. O meu amigo jurista não deu notícia sobre o que vai ser de sua vida hoje à noite. Nem sei se meu primo vai querer que eu vá sozinho lá. Acho que não farei essa sugestão. Deixarei que eles se manifestem. Eu quero ir e ao mesmo tempo me sinto intimidado pela intimidade de um encontro só com o meu primo. Acho que não terei conteúdo. Eu sei lá. Acho que é uma neurose minha. Fico achando que eu sou uma companhia que não deixa as demais pessoas confortáveis. Eu nunca tinha achado uma pessoa pouco inteligente, limitada intelectualmente até, como achei no sábado. Mas vai ver que o burro era eu.

15h50. A vida segue macia, apesar desses dois eventos que permeiam a minha mente. A existência ao meu redor está agradável. Meu humor está bom, acho que muito graças ao café. Já pedi para a fantástica faxineira fazer mais e desabafei com ela o meu receio em relação ao Hulk. Ela tentou me acalmar sem muito sucesso. Não sei como comunicar a mamãe. Acho que vou mandar um WhatsApp para ela.

16h02. Mandei. Ela ainda não viu. Deve estar em reunião ou no trânsito. Seja o que deus quiser. Mas pressinto que vou ouvir muito hoje. Nossa, estou com aquela ansiedade ruim de quem fez uma merda muito grande e que só espera a retaliação da existência, personificada na figura da minha mãe. É, mas teria que enfrentar isso mais cedo ou mais tarde. O WhatsApp foi uma forma de prepará-la e falar o que não tenho coragem de nomear presencialmente. Espero que ela veja antes de chegar em casa, para que assimile um pouco do golpe e venha mais calma falar comigo. Não sei se isso vai se dar.

16h18. Li uma suposta entrevista com Marcola do PCC. Fiquei impressionado, caso não seja fake news. Aparentemente é. O texto é assustador e não deixa de ter pertinência, entretanto. Uma peça de notícia falsa muito bem-feita. Ah, pelo que vi foi concebida por Arnaldo Jabor. Está explicado.

16h33. A fantástica faxineira já me preparou mais café e já o estou saboreando. Meu primo me convidou para ir à casa dele mesmo sem o meu amigo jurista, o que prontamente concordei.

16h44. Minha mãe viu a mensagem sobre o Hulk e acabou de me ligar. Foi mais tranquilo do que imaginava. Ela se disse chocada, mas entendi que pagaria. E que eu mandasse a Red Sonja para a casa do meu irmão que a gente trazia. Eu disse a ela que obviamente faria isso, que só não fiz com o Hulk por causa das dimensões da caixa. Nossa, que alívio. E, nossa, como queria já deixá-lo exposto no meu quarto. Quarta-feira agora não poderia estar mais distante.

16h59. Meu primo já está dando a ausência do meu amigo jurista como certa, eu ainda guardo esperanças de uma reviravolta. Estou com ansiedade ruim em relação ao encontro, como geralmente ocorre às vésperas de tais eventos. Espero que essa ansiedade negativa evanesça uma vez lá. Queria muito que o meu amigo jurista fosse. Minha mãe quer que eu venda mais bonecos. Acho que vai ficar apitando isso na minha cabeça. Vou ter que me comunicar com o meu irmão para organizar a venda dos demais bonecos que separei lá para vender. Posso pedir à minha mãe para ir comigo na loja que ela descobriu que vende bonecos para ver se eles querem vender algumas das bonecas e bonecos que tenho aqui e que não me interessam. Não quero pensar nisso agora, odeio preocupações. E quem não odeia, não é? Eu acho que odeio um pouco mais que a média. Por quê? Porque me tornei menos tolerante ao estresse que a média da humanidade. Qualquer coisa que me roube do meu quarto-ilha e da minha escrita me incomoda, por mais que seja uma coisa desejada. Não quero entrar nessa seara, pois isso desperta o meu lado antissocial.

17h18. Meu amigo jurista não vai poder ir realmente. Sugere um dia de semana normal. Vou ver se meu primo urbano se manifesta. Não sei o que dizer ao nosso amigo. Não estou me sentindo confortável para ir, mas só de enunciar essa frase já me sinto mais disposto. Não sei porque minha alma é tão antagônica assim. Por que adora se desdizer. Menos mal, prefiro o ânimo de ir que o receio.

17h28. Já guardei o Switch na mochila. Falta o computador e o banho. E mamãe chegar. De 18h00 entro no banho. Nossa, detesto esse sentimento ruim que antecede as minhas interações sociais. Não deveria ter isso com o meu primo urbano. Não deveria mas tenho. E o que eu vou fazer em relação a isso? Encarar. Fazer o movimento contrário do que minha alma pede. Uma grande parte de mim não quer ir, mas há uma outra parte que acha relevante essa interação. É uma parte menor, mas que acho que seja a parte sadia. Por isso tenho que deixar o meu quarto-ilha e encarar essa situação que acredito será muito menos perturbadora do que estou projetando. Não sei se leve o computador, estou empulhado. Mas como disse, é só um peso a mais, posso nem o mencionar ao meu primo urbano. É ozzy ser eu nesses momentos. Aliás, há vários momentos em que é ozzy ser eu. Por isso voltei à terapia. Hahaha. Eu tenho que levar a vida com mais leveza, de coração mais aberto, mais positivamente. Estou parecendo o meu pai, virando um velho resmungão. Não pode, não dá. Aí vem a lembrança da viagem na minha cabeça e tal lembrança me fecha as portas do coração uma vez mais. Vou pegar um café. E parar com essa masturbação mental.

17h46. Peguei mais café e a masturbação mental continua. Não posso ser assim. É inviável. Pensar em desistir do convite do meu primo é absurdo.

17h52. Reconfirmei a minha presença no grupo. O que já não tinha muita volta agora é que não tem mesmo. Estou mais tranquilo depois dessa nova confirmação pero non mucho. É melhor que ficar em casa fazendo mais do mesmo, o mesmo de sempre, ficar escrevendo as minhas neuroses no computador. Melhor estar lá com o meu primo, quem sabe aprendendo a usar o programa de música e jogando Snipperclips. A bem da verdade, não queria jogar Snipperclips. A bem da verdade não queria ir. Ai, meu saco. Eu vou e vai ser melhor do que ficar aqui. Racionalmente eu sei disso, mas emocionalmente... 18h00. Hora do banho.

18h03. Peguei mais uma xícara de café em vez de entrar no banho, não me pergunte por quê. Sei que foi o impulso que me deu e eu o segui. Só posso sair depois que a minha mãe chegar. Ou não. Não queria pegar trânsito, mas vai ser meio inevitável. O que será que meu primo urbano está pensando agora em relação à minha ida? Será que tem algum desconforto por causa da minha presença solitária lá? Acho que não. Acho que isso é conteúdo só meu. E a este dou o nome de improdutiva masturbação mental. Quando acabar essa xícara de café eu entro impreterivelmente no banho. Tenho vergonha de o meu primo ler isso. Vai ter uma dimensão da minha neurose antissocial pelo menos. Nossa, que vontade de desistir. Mas não vou. Vou encarar. Uma coisa besta dessas. Jogar algumas horas de videogame com meu primo, como fazíamos na infância.

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1h42. Transcorreu tudo de uma forma muito mais tranquila e natural do que poderia imaginar quando peguei o elevador para descer e meu coração batia forte, num jorro de adrenalina ruim. Admito que pensei em desistir, mas tomei, sem dúvida a melhor atitude indo bater esse game com o meu primo urbano. Rapidamente nos entrosamos. Coloquei Miles Davis para escutar, “Bitches Brew”, tido, segundo meu primo, como obra maior do músico. Só não estou ouvindo alto o suficiente por causa da hora. Deixemos uma coisa clara, meu primo é muito melhor do que eu em resolver os quebra-cabeças do Snipperclips, à exceção de uma fase zeramos todas de dois jogadores, se não me engano. Vimos os créditos, então fizemos um trabalho bem-feito. E jogamos por muitas horas. Descobri outro grande prazer do qual eu nunca vou poder desfrutar, solar improvisadamente enquanto se ouve o disco predileto de um músico predileto. Vi meu primo se perder em longos minutos solando ao som de uma música de Miles Davis e não soou mal, estava em completa harmonia com a música, foi massa compartilhar esse momento com ele. Também fiquei feliz em saber que talvez disponibilize algumas de suas criações musicais e nada mais falarei dele, pois é um cara circunspecto que não gosta de holofotes sobre a sua vida. Ao contrário desse que vos fala que escancara todos os seus dramas aqui. Espero que da próxima vez não tenha palpitações antes de um encontro com ele. Estamos resgatando uma intimidade que para mim estava um pouco distante. Ele parece sentir menos essa distância. Me sinto cada vez mais tolo e burro, bitolado que estou no meu mundinho da escrita. Pelo menos agora escrevo ouvindo Miles Davis, que nunca havia ouvido na vida. Alguma coisa nova eu apreendi. Também tomei café feito com grãos moídos na hora e sem açúcar ou adoçante, interessante que achei que a bebida se bastava sem açúcar, mas não arrisco tomar o daqui da mesma forma. Hahaha. Sobre o que mais discorrer? A noite foi agradabilíssima. Tudo foi divertido. Agora não sei se instalarei o programa de fazer música no meu computador por causa da potencialidade de conter vírus. Cracks geralmente contém vírus. É quase uma regra. Então vou ter que passar sem isso. E meu primo só sabe instalar no Mac. Acho que vou comer charque com arroz, se arroz houver. Mas não agora, agora estou de volta ao meu quarto-ilha, e isso é ao mesmo tempo reconfortante e um tanto entediante. O que mais apreendi da estada com meu primo? Que parar de fumar e fazer uma desintoxicação no organismo fazem a pessoa, no caso ele, se sentir sensivelmente melhor. Infelizmente eu me sinto extremamente bem fumando o meu Vaporfi e um cigarro ou outro e comendo o que como. A pior parte do dia é o despertar, mas para quem não é? O Hulk está chegando. Espero que não me liguem quando estiver no meio da terapia. Não saberei, botarei em modo avião. Preciso combinar esse negócio da quarta direito com mamãe. Mas não quero falar disso agora.

2h58. Comi bastante. Vou dormir. Simplesmente não aguento mais olhar para tela do computador, para o Word agora.

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15h21. Continuo, mesmo após tantas horas de sono, meio que saturado da escrita. Pode ser porque tenha acabado de acordar e torço por isso. Afinal, é o que farei o dia todo. Colocando assim parece uma coisa tediosa e mecânica, uma obrigação. E tudo o que eu não quero que isso se transforme é numa obrigação. A escrita para mim, tem que ser sinônimo de libertação, de prazer, de diversão. No momento em que se tornar obrigação, estarei perdido. Mas creio que não seja o caso, acho que é meu mal humor pós-sono que me deixa assim.

15h48. Ouvindo ainda “Bitches Brew” de Miles Davis. Mil pensamentos me passam pela cabeça, não apreendo nenhum. Vou ver se capturo algum. A música de Miles Davis é ótima para solar improvisadamente sobre, como o meu primo urbano fez ontem. Estou sem gosto para escrever. Isso me dá um sentimento muito ruim. Seguirei escrevendo mesmo assim. Sem a escrita, a minha vida vai ser de um vazio enorme. Acho que quando acabar de comer gelo, vou tomar o café de ontem, se é que minha mãe não o jogou fora. Espero que não.

16h05. O café me reanimou mais, está quase frio, mas não importa, o importante é o impacto no humor. Minha mãe veio me indagar várias coisas, dizendo me achar ainda mais estranho que o normal. Foi chato. Ainda achou que eu estava mentindo quando me perguntou se eu estava usando alguma droga, por causa de alguma microexpressão qualquer aí que supôs que fiz e que deve ter aprendido naquele seriado que trata sobre o tema. É ficção demais para mim. Aproveitou para me passar pela primeira vez na cara o valor do Hulk. Não foi das melhores conversações que tive com ela. Por sinal, ela alugou o aparelho do joelho e meu padrasto sugeriu que fizesse várias aplicações seguidas para valer o valor do aluguel. Como a máquina é alimentada por gelo, encheram quase todas as caçambas com água de torneira e me deixaram apenas três para tomar. A máquina parece com o aspirador de pó daqui de casa. Até vermelho é. É um objeto curioso. Não sei se tire a foto, se mamãe se incomodaria com isso. Vou ver. Vou não agora, o meu padrasto saiu do quarto e foi interagir com ela. A forma como mamãe interpreta os meus textos é muito distorcida. É curioso saber que meus textos deixam brechas para interpretações tão diversas das intentadas. Acho que isso é uma falha do escritor. Pelo menos já me sinto mais em paz com a escrita do que estava no começo desse dia, acho que graças mais uma vez à santa cafeína. E anseio por mais. Mas não vou agora. Ou vou? Não há por que temer a presença do meu padrasto. Vou só pegar café, ora bolas, não vou cometer nenhum crime, não há nada do que me envergonhar. Vou lá.





16h32. Fui e voltei sem maiores estresses. Estão ambos em paz e relaxados na sala. Gosto de vê-los assim, me traz alegria. São um casal muito unido apesar das personalidades fortes e um tanto autoritárias, para dizer o mínimo. Minha mãe é que acho que vem passando por uma revolução, pelo menos no que tange a minha pessoa, está me aceitando mais, respeitando mais o meu modo de vida. Há vídeos sendo postados no grupo de WhatsApp da turma do meu primo-irmão que não tenho paciência nenhuma de assistir. São vídeos de assuntos pertinentes. Espero que minha mãe não tenha falado do Hulk para o meu padrasto. Não sei qual seria a reação dele. Minha mãe veio aqui no quarto pedir para que eu coloque os pratos na máquina. O farei. Dentro em breve. Quando o meu café acabar. Impressionante a minha mudança de humor com café, me sinto novamente um escritor aclimatado com o meu ofício. Narrando as pequenas coisas que se desenrolam no meu cotidiano. Amanhã terei que acordar às 10h00, pois tenho terapia ao 12h00. Não faço, par variar, a mínima ideia do que direi a Ju, mas algo há de surgir. Estou sentindo um calor, uma quentura anormal. Li no topo do Word que o título desse blog se refere à ida à casa do meu primo. É pena que não tenha tirado nenhuma foto. Poderia ter pedido para tirar uma foto da reprodução do túmulo de um rei não sei de que civilização que, segundo alguns ufólogos ou sei lá que nome se dê a estudiosos que caçam evidências da presença de inteligência alienígena na Terra, representa o tal rei dirigindo uma espaçonave, algo inimaginável para os padrões tecnológicos da época. Vi tudo o que o meu primo apontou e descreveu como sendo a espaçonave, inclusive possuindo detalhes como o tubo de respiração do rei-piloto, mas meu ceticismo é muito grande a respeito do assunto. Entendi o que seria a nave, a fumaça, os pedais, as manivelas de controle, mas não acreditei que quisessem representar o que os ufólogos afirmam representar. Devia ter tirado uma foto, mas o meu primo poderia achar inconveniente, por ser tão low profile.






17h04. Acabei de falar com ele para perguntar o nome do rei e ele disse que há uma versão toda outra para o que está representado na tumba, que seria a versão oficial, de que na verdade o que seria a nave é a árvore da vida, que a tumba simboliza a passagem de Pakal, eis o nome do rei, Maia, pelo que entendi, pelos mundos, que a cabeça embaixo seria uma divindade do inframundo e a ave no topo levaria Pakal para o outro mundo. Eu que nunca vi um óvni na minha vida, tendo a acreditar mais nessa versão, meu primo urbano também, embora eu ache que ele já tenha visto o que julgou ser um óvni, assim como o meu amigo da piscina, assim como o meu irmão. Tal experiência impactou de alguma forma suas visões de mundo, pelo menos os levaram a assistir programas como “Alienígenas do Passado” e correlatos. Eu que nunca vi me fecho num ceticismo duro, talvez até burro. Não digo que acho impossível, só acho muito difícil. Acredito que se fossem mandar algo para investigar os confins do universo, mandariam nanorobôs. Ou qualquer coisa pequena movida a energia solar. Mas isso é tão ficção científica quanto alienígenas grays, ou sei lá como chamam, vindo aqui à Terra. Não vou mexer nessa seara, pois dela não entendo. Sei que há mistérios na terra, de civilizações antigas, que são difíceis de entender ou explicar. Coisas que muitas vezes parecem ser fruto de uma ciência mais avançada do que se supunha haver na época. Não sei, não posso comentar. Meu primo urbano tem uma simpática coleção de lembranças dos diversos lugares que visitou no mundo, na forma, em sua parte, de bonecos tradicionais de cada localidade. Esta réplica em miniatura da tumba de Pakal faz parte dessa coleção, que fica nas divisórias do seu quarto de som. Não tratarei mais do meu primo porque senão ele vai ficar cheio de dedos de conversar comigo, com medo de que suas palavras venham parar aqui no blog. Hahaha. Sei bem como ele é e não quero que se intimide por causa disso. Falemos de mim, então. Me diverti mais do que esperava na casa dele e aprendi ainda mais lá. Não só ouvi sons que nunca teria acesso de outra forma. Vou ligar um pouco o ar. Descobri que posso degustar café sem açúcar, desde que em pequenas quantidades, como quem beberica um licor. E mais o que eu já mencionei lá em cima. Me sinto mais disposto para escrever e isso me agrada imensamente. Agora que não há mais nada a ser narrado, que eu me lembre, da ida a casa do meu primo urbano, me resta a realidade em que me encontro e as ideias e neuroses que me acometem. Estou na penumbra, a tarde está por um fio, quase dando lugar à noite, estou com o ar ligado e a temperatura e a luz me são bastante agradáveis. O som de Miles Davis passando baixinho é quase um pecado, pois percebo que é algo para se ouvir mais alto e com total atenção, mas não quero dar total atenção e não posso pôr alto porque minha mãe está tirando um cochilo e pediu para eu baixar. Como mencionei, ela me disse estar me achando ainda mais estranho. Hahaha. Então quer dizer que eu realmente vivo de um modo estranho. Isso me apetece, gosto de ser estranho, inclassificável, excêntrico. Só gostaria mais de ser um excêntrico sociável. A parte antissocial da minha excentricidade me machuca a alma e me põe a ter taquicardias antes dos encontros, uma espécie de temor forte e profundo que tenho que encarar, ao que parece, a cada nova saída. É um desafio, uma grande vontade de desistir e voltar para o meu quarto-ilha, que ontem durou uma viagem de elevador, embora o receio tenha começado bem antes como acredito que narrei acima.

17h53. Me perdi em pensamentos, rememorando as partidas de Snipperclips. Foi divertido. É um jogo muito divertido para se jogar com alguém. Embora eu seja uma negação, há um negócio de se abaixar e se levantar na medida certa que tenho extrema dificuldade de fazer. Mas isso não interessa ninguém que não tenha jogado Snipperclips, o que acho que são raríssimas pessoas no universo dos meus leitores. Me sinto pressionado a desligar o ar e ao mesmo tempo não quero fazê-lo por estar muito agradável a temperatura assim, o quarto escurinho, rolando jazz da mais alta qualidade baixinho e escrevendo. Só me faltaria mais uma xícara de café. Preciso me lembrar de amanhã acordar cedo. Não posso esquecer. Ju vai postergar o seu almoço só para me atender. Não posso farrapar. Se tivesse percebido que seria bem na hora do almoço, não teria aceitado a consulta, mas, como raramente almoço, não me apercebi de pronto. Agora já está marcado e não me sinto inclinado a desmarcar, acho que geraria confusão e ruído na existência. Acredito que eu e ela estamos com as almas preparadas para a sessão de amanhã ao meio-dia, então que seja. Meu lado antissocial já quer me por receio para tal acontecimento, mas não vou deixar. Eu não tenho em verdade muito controle sobre isso, mas já está mais do que na hora de tê-lo. Vejo meus amigos pensando na saúde e tenho um misto de inveja, por não encontrar motivação para tanto, e de alívio por não estar fazendo uma coisa que não me agrada nem um pouco. Tenho amigos sedentários como eu, como é o caso do meu amigo professor. Não saberia nomear outros para ser sincero, pois o sedentarismo não é uma coisa para se alardear por aí no mundo fitness de hoje. É quase herético se dizer assim. Mais uma neurose criada pelos tempos modernos. É uma neurose que pelo menos traz resultados estéticos bastante apreciáveis ao sexo feminino e nessa parte me agrada, as neuroticazinhas suando e malhando na academia para expor ao mundo o belo resultado de seus esforços. Tudo com dieta balanceada que as priva das coisas mais saborosas e engordantes da vida. Sou muito grato a esse esforço e privação pelos quais se submetem para tornar o mundo, o meu mundo, pelo menos, mais bonito e gostoso. Vou pegar um copo de Coca. Zero, em nome da minha parte fitness.

18h18. Peguei, estou de volta e sem assunto. Estar sem assunto é a pior coisa que pode acontecer a um escritor. Que não escreve história outra que não a própria. Muito poucas vezes me arrisco numa ficção. Quando era mais jovem era dado a escrever contos de ficção. Não escrevi muitos. Lembro que uma coisa que me agradava era que podia esticar um acontecimento rápido indefinidamente, pela simples via de adicionar detalhes a descrição do evento. Um exemplo? O dedo trêmulo e hesitante no gatilho finalmente arrumou forças no ódio que o resto do corpo sentia e apertou de uma só vez com toda força como se toda a raiva tivesse ido se concentrar no dito dedo, o dedo que acabara de decidir que a vida daquele ser em prantos ajoelhado no chão do motel, implorando por sua vida, não mais a merecia. O cano do revólver encostado em sua testa suada. O tambor rodou posicionando a bala para ser atingida pelo martelo da arma. Deu-se um coice inesperado para as mãos virgens de armas até aquele momento, mas não o suficiente para impedir que a bala percorresse o trajeto frio do cano, esmigalhando como gesso o crânio da lacrimosa figura que, à medida que o projétil lhe invadia os miolos, ia perdendo a expressão, como se algo em sua alma fosse se desligando, o que deveras acontecia. A bala saiu por detrás da cabeça abrindo um rombo. Fragmentos de ossos, cabelos, sangue e miolos explodiu no ar indo se chocar contra a parede goiaba do motel, desenhando mórbida obra de ódio e medo na inusitada tela. Pronto, assim. Eu poderia ter dito apenas uma pessoa deu um tiro na cabeça de outra num quarto de motel. Teria contado exatamente a mesma coisa, sem esticar o tempo. E todos entenderiam da mesma forma. Eu acho. Sei lá. Era o que gostava de fazer na juventude. Hoje, raras são as ocasiões em que escrevo ficção e geralmente elas são curtas e fortemente alicerçadas na realidade. Será que eu sou o mesmo cara que meu amigo cineasta começou a filmar no ano passado? Tenho forte impressão que não, que me tornei menor e mais arredio no decorrer desse tempo. Sou de todo uma pessoa pior do que era. Queria ao menos crer que me tornei um escritor melhor com a prática diária, mas acho que nem isso. Ao mesmo passo que não estou satisfeito com quem eu sou eu estou plenamente satisfeito com a vida que levo. É como se eu tivesse, com a anuência dos demais, construído a vida que me cabe melhor. A organização pretendida, a minha sina, o meu destino. Não sabia, entretanto, que para isso me tornaria cada vez mais avesso a interações sociais ou que elas se tornariam algo penoso, difícil, raramente espontâneo. Nunca tão espontâneo quanto eu com as minhas palavras. Não sei se porque monólogo. Não sei se porque a palavra escrita me venha fácil e a tela do computador seja um ouvinte completamente passivo que recebe tudo o que eu quiser lhe pôr. E me acostumei a me dar sem troca aqui e me desacostumei a trocar com as pessoas do mundo. Realmente não sei. Sei que me sinto cada vez mais distante do ser sociável que um dia fui. Talvez essa filmagem do meu amigo cineasta seja a última captura deste ser que outrora fui. Por mais que me capte apenas escrevendo. E algumas vezes jogando videogame. Eu sou uma pessoa com uma rotina ridiculamente pobre para se filmar. Se me acho ridículo? Já me achei mais, me acho peculiar, mas ridículo não, ridículo eu era quando bebia, aí fazia papel de palhaço inconveniente. Hoje não faço mais papel de palhaço, faço papel de escritor antissocial. E tanto mais antissocial me torno. A terapia é para pelo menos tentar entender esse processo. Preciso de mais Coca. Estou meio tenso ao falar dessas coisas.

19h07. Ao passar para a cozinha respirei um pouco da humanidade da minha mãe o que me deu forte convicção que estar em presença de outras humanidades, que interagir com outras humanidades é algo mágico e desejável, uma das grandes graças da existência e que tenho que encarar interações sociais dessa forma. Para isso, eu percebo que preciso mudar a minha autoimagem, esse é um bom tema para a terapia de amanhã. Minha autoimagem. Tenho receio que ela vá me mandar desenhar. Não gostaria de desenhar. E não vou tentar adivinhar como a terapia vai ser. Nem sei se eu vá trazer o tema da autoimagem realmente. Me peguei pensando na garota que me pegou e que me proporcionou as duas noites de namoro e sexo que tive nesse longo interregno de mais de uma década. Me lembrei como cheguei a ela, foi pensando na imagem que faço do meu pênis, como um pênis menor do que eu gostaria que fosse, o que me rouba muito da minha confiança sexual. Não deveria me ater a detalhes literalmente tão pequenos, mas me sentiria um outro homem com mais três centímetros de pau. Tenho 14,5 cm, que parecem ainda menos com o bucho e a gordura que tenho. Pronto revelei. Não sei se mantenha isso no texto, mas não vejo por que não manter. Já me escancaro tanto. Dizem que está dentro da média nacional, que há homens com órgãos menores seguros sexualmente, que o problema está na cachola. Sabe, às vezes, cada vez mais frequentes, penso em me isolar de vez da sociedade. Eita, em tese o Hulk vem amanhã. Amanhã tudo será revelado, o valor da tributação, se a caixa foi violada pela alfândega, o que tenho quase certeza que foi, se ele faz jus às minhas expectativas. Mamãe vai odiar. Vai me mandar vender bonecos. Amanhã vai ser um dia doce-azedo se o Hulk vier. Não quero fazer nada, só escrever e beber Coca-Cola. Minto. Quero fumar um cigarro. Acho que vou fazer isso agora.

19h42. Fiz e a Coca acabou. Preciso ir comprar mais. Acho que a cerne do meu problema foi a constatação de que a sociedade é um grande teatro e que as máscaras só caem com intimidade. Ou álcool. Hahaha. Mas, sério, ver a sociedade dessa forma não me faz bem, me inibe, me intimida, e, embora tal percepção tenha lá o seu quinhão de verdade, ela é um exagero. Eu vejo a minha vida como eu versus a existência e por existência eu coloco aí as demais pessoas, despersonalizando-as. Isso não é bom. Só consigo me sentir bem escrevendo aqui, é o meu refúgio, meu primeiro e último reduto e é algo que eu preciso tratar na terapia. Não me senti num teatro com o meu primo urbano, exceto em alguns momentos, especialmente nos momentos iniciais. Quando estávamos entretidos no Snipperclips, fomos nós mesmos e reitero, meu primo é muito mais criativo que eu nas soluções, dei os meus pitacos em algumas fases, mas ele teve uma ou duas soluções brilhantes e geralmente era quem divisava qual a forma de resolver os quebra-cabeças. Eu não sei, não sei, não sei. Tenho nítidas lembranças de quem eu era, mas não encontro mais tal pessoa em mim, a minha vida, a minha condição, a minha escrita me transformaram nesse ser antissocial que sou hoje. Acho que a culpa é da escrita também. Ela me deixa completamente à vontade, enquanto situações sociais não fazem o mesmo por mim. Acho interações sociais demandantes de algo que me falta ou que tenho muito pouco. Mas o que seria esse algo? O que me falta? Isso é uma grande questão que não sei responder. Sei que sinto a falta. Acho que vou recomeçar a andar. Ir até o Açude para começar. Vai que isso faça alguma diferença para mim. E vamos ver se esta ideia realmente cria pernas na minha cabeça a ponto de se materializar. A sensação que eu tenho é que a minha reclusão só tenderá a aumentar, a despeito de quaisquer esforços que faça. Apesar da terapia, apesar de qualquer coisa. Mas não me darei por vencido até me ver vencido. E acho que há um pouco de fatalismo e melodrama nessas colocações. Estou com saudade da Cherry Coke alemã. É muito melhor que a americana. Vai ser bom na viagem tomar o delicioso líquido fumando um cigarro. Não vai ser nada bom cruzar com os vizinhos da minha irmã. A inevitável viagem... minha mãe vai me mandar as passagens para imprimir. Espero que seja melhor do que eu estou imaginando. Geralmente é. Se não houver os vizinhos já está de bom tamanho. É só o que quero. E que me deixem quieto no meu canto a escrever. O lado bom é que os jogos de Switch europeus são compatíveis com o meu console americano, pois não há trava de região. Mas só compraria o Metroid Prime 4. Não acho que vá ser lançado até lá. Gostaria de ter o prazer de comprar um jogo na Gamestop. Não sei se leve o Nintendo Switch, embora ache que minha irmã e meu cunhado se amarrariam no Snipperclips. Mas eles podem jogar quando vierem ao Brasil. Meu deus, quando vierem todos para o Brasil, espero que me deixem escrever no quarto da empregada, ou na sala ou na varanda. Em algum lugar me deixem em paz no meu canto. Pode ser também que a terapia me ajude a descortinar um novo eu, mais sociável, mas acho extremamente difícil em curto prazo. Acho que me dizer antissocial e arredio reforça tais traços de personalidade em mim. Mas é esse o conflito que vivo e que tenho para narrar. Não posso só me ater a isso, entretanto, preciso falar de mais coisas. Do que é que me falta. Falar dos outros acho indelicado. Acho shopping um ambiente social peculiar, é como uma brotoeja do capitalismo, uma concentração de capitalismo, um templo de capitalismo, onde poucas pessoas vão para passear e a imensa maioria vai para consumir. Não digo nada de novo aqui. Então vou parar de dizer sobre isso. Acho aquele ambiente fechado um tanto anti-higiênico, em especial as praças de alimentação. Não gosto de banheiros de shopping, acho que sempre fedem, por mais que sejam limpos. Mas vou a shoppings, é onde há os cinemas mais próximos da minha casa. O que eu gosto em shoppings? Ver as gatinhas bem produzidas a desfilar. Isso vale a ida ao shopping. Um dia ainda tomo coragem e levo o meu computador para a tal da área de alimentação do shopping para escrever por lá. Não vai ser legal, pois não poderei fumar, esquece. Ou não, será que não consigo passar três horas sem fumar? Bom, sei que isso é ficção, que nunca farei isso, por mais que queira queimar minha língua nessa negação. Escrever em lugares novos traz novos estímulos a serem narrados. O que me leva de volta à ideia de ir escrever na agência em que trabalhei. Pode ser que a minha amiga falastrona faça jus a sua alcunha e fale da minha ideia para o meu ex-chefe, quem sabe. Ela já me convidou para dois eventos. Um é até amanhã.

21h12. Voltei da compra das Cocas, dei uma passada na piscina que me fez sentir ainda mais estranho, mas conto disso em breve. Ao chegar em casa, o meu padrasto me ensinou como operar a máquina que, pelo que entendi, refrigera a perna da minha mãe, o que deve ter uma função terapêutica que desconheço. A máquina é cheia de botões e comandos, mas nada que eu não consiga dominar. Consegui reproduzir sem erros as instruções do meu padrasto. Serei eu o responsável por esse cuidado com a minha mãe amanhã. Amanhã será um dia fora dos padrões da minha rotina. Com a terapia, o provável Hulk e essa máquina, promete ser um dia diferente. Por que me senti ainda mais estranho na piscina? Pois ouvi a conversa de dois jovens que tratavam do desenvolvimento da panturrilha na malhação, falavam com espantosa propriedade e profundidade do assunto, sobre o qual sou totalmente alienado. Quando o terceiro chegou, o que realmente mora aqui no prédio, começaram a conversar sobre a queima de alimentos pelo corpo humano e descobri que para processar as proteínas é necessário um gasto de calorias maior que o contido nelas. Pois é, se estivesse na mesa com eles, ficaria tão mudo quanto fiquei estando na mesa ao lado, pois não entendo patavinas de malhação e alimentação saudável. Não seria um papo, por mais esclarecedor que fosse, que me interessaria ouvir ou discutir. Realmente sou estranho. Levaram um computador lá para baixo não sei para quê. Certamente não para escrever um blog. Sentado na piscina, me deu vontade de descer para escrever lá. Como amanhã será um dia diferente, posso torná-lo ainda mais diferente indo escrever lá embaixo. Isso, lá pelas 16h00, depois de o Hulk chegar, claro. Gostaria de ir nesse horário, pois pegaria toda a transformação da tarde em noite. A bateria do computador dura umas três horas. Daria certinho. Se não precisar botar a máquina de mamãe para operar nesse horário. Estou meio perdido em pensamentos aqui. Pensando no Hulk, no calor que faz no meu quarto e em botar uma Coca para mim. Ligarei o ar e botarei a Coca.

21h38. Voltei. Missão cumprida. Já está relativamente tarde. Em breve terei a noite só para mim, mas terei que dormir mais cedo para poder acordar bem e a tempo para a terapia. Nossa, dez páginas, já? Da última vez que olhei estava em cinco. Nunca cesso de me espantar. É uma pena que esteja virando um velho resmungão. E tudo o que escrevo é uma eterna lamúria. Isso é hipérbole. Há momentos de alto-astral também. São esparsos, mas há. Sei que o assunto da socialização é dominante, mas é ele que me incomoda, me causa estranhamento e rebuliço do ser. Acho que estou com expectativas muito altas a esse respeito, eis a verdade. Ou preciso de uma namorada. Uma namorada, esse é outro assunto recorrente aqui. E um que ao mesmo me encanta e me espanta. Me aproximo da ideia e corro de medo dela ao ver o tamanho real das transformações pelas quais passaria por causa de um relacionamento. Eu que desaprendi a me relacionar. Ainda escrevo uma carta para a garota da noite. Sei que essa última frase é uma mentira, pelo menos por ora. Como o são a de descer para escrever e começar a andar. A de descer para escrever pode ser até que se manifeste, não sei se amanhã, mas na quinta, quando a fantástica faxineira estará aqui. Não. Quero que a quinta seja o mais absolutamente normal possível. Ou seja, que passe o dia aqui a escrever. Não sei, não sei. Vamos ver para que lado minha alma aponta amanhã ou na quinta. Acho que a rotina faz o assalto, mas, se fosse uma vez só para o parque do Baobá escrever lá com o computador, será que seria assaltado? Eu com as minhas sandices. Só eu mesmo para ir até lá escrever. É um lugar meio ermo, acho arriscado demais. Será que no parque da Jaqueira tem mesas? Outro lugar para escrever. Mas de todos o que gosto mais é a Praça. É aqui pertinho, comeria uma coxinha, dois pastéis e ficaria tomando Coca com gelo e escrevendo. É um caso a se considerar com carinho. Posso falar dessas ideias para Ju. Não sei se vale a saliva, se nem sei se tenho disposição para levá-las a cabo. Verei amanhã. Botei o “Bitches Brew” em modo cíclico, só me apercebi disso agora. E aumentei o volume. É um disco muito variado e rico, não sei quantas vezes tocou, mas não me familiarizei com nada ainda. O som me parece tão novo como quando o coloquei.

22h10. Se o busto Hulk é grande, imagine uma Darth Vader em tamanho original. Acabei de ver o unboxing da figura, que vem em cinco caixas e leva uma boa meia hora para montar. Além de achar bizarro ter um manequim fantasiado do vilão de Star Wars na minha casa, o preço é absurdo e a montagem complicada demais. A Sideshow fez o máximo para não parecer um manequim fantasiado, tornando a figura mais alta que um ser humano normal, ele é partido em segmentos, mas o efeito final é o mesmo. Não imagino quem compraria um negócio desses mas deve haver, tanto que fazem. Só por curiosidade vou ver o preço da peça na Sideshow. 8.900 dólares. Isso sem contar o astronômico frete. É, não é para quem quer, é para quem pode. Vou tomar logo o meu remédio.

22h23. Coçar é às vezes tão bom, um alívio prazeroso. Nossa, o Hulk, salvo algum pormenor da existência estará aqui em casa amanhã. Vou poder olhá-lo por todos os ângulos, de repente até tirar a impressora e os CDs da minha bancada para já deixá-lo exposto aqui. Tomara que dê certo. Onde colocarei os CDs e a impressora? No chão à espera da fantástica faxineira dar o seu jeito. Mas não sei se vai caber. Se for, vai ser na medida. Veremos. Espero só não me decepcionar com ele. Acho que não vou. Os bustos da Marvel da Sideshow estão entre as melhores coisas que fazem para a empresa, pois em termos de bonecos de ¼, os novos da DC dão de lavada nos novos da Marvel. Acompanharei de perto a Harley Quinn. Se a pintura for magnífica como se afigura, penso em vender o meu Boba Fett para adquiri-la. Seria uma troca sofrida, mas justa. Duvido, entretanto, que a pintura saia à altura. Mas chega de falar de bonecos, né. Chega de falar, em verdade, pois já vou em 11 páginas. Deixa eu aqui, não estou fazendo mal a ninguém, só a algum possível leitor. Hahaha. Desculpe, possível leitor. Estou querendo escrever hoje. Ainda estou com Snipperclips na cabeça. Será que meu primo está também? Olhamos por tanto tempo para aqueles dois bonecos que o negócio ficou impregnado no meu cérebro. É um jogo que tenho certeza que minha irmã e meu cunhado adorariam jogar juntos. Penso em levar o Switch só para eles poderem se arriscar no jogo. Mas quando penso em toda a bronca das alfândegas ou imigrações, sei lá como chama, isso me faz desistir. Vou deixar para quando vierem para cá. Ou não. Sei lá. Verei quando estiver perto da viagem. Acho perfeito para eles que têm a mentalidade de engenheiros. Acho que até mamãe gostaria de assistir. Decidirei. Mas o não está ganhando do sim por enquanto. Nossa, como a minha vida é fútil. Bonecos, videogames, o dilema das relações interpessoais, a falta que certas coisas me fazem. Não há muito além disso. Será que a terapia vai ser boa amanhã, com uma terapeuta esfomeada para me atender? Hahaha. Sobre o que mais poderia eu escrever? Para fazer hora até que o sono bata. Não liguei o Switch ainda, por mais que o meu primo urbano ache que não role sessão de games essa semana. É preguiça mesmo e falta de estímulo para encarar o Mario. Vou pegar Coca.

23h04. A noite é minha, mamãe e meu padrasto já se retiraram. Mas hoje não estou a fim de ir para o Desabafos do Vate. Ou estou? Vou me arriscar por lá, aqui já está muito grande.