terça-feira, 30 de outubro de 2018

ELES NÃO



14h14. Acabada a publicação de um, volto aqui para despejar mais palavras pois elas são o centro da minha existência. Penso palavras, sinto (muitas vezes em palavras) e escrevo, faço uma confissão, um desabafo onde pouco resta de mim não revelado. É o que faço, é o que sei fazer de melhor e, sei, não é muito bom. Dane-se, me preenche. Não tenho mais a gana de ser reconhecido como escritor, não faz mais diferença e nunca fez, em verdade, era fruto de uma vaidade que não mais possuo porque pesa carregá-la, é impossível de concretizar e não levarei tal título para lugar nenhum. Minha mãe veio me perguntar se eu achava certo ter bebido no dia da eleição, respondi prontamente que sim. E se não beberei mais é porque eu não quero e não por causa das ameaças dela. Foi um dia singular e queria extravasar, pronto, passou. A vida segue. Não me arrependo e nem ressaca tive. Foi ótimo, um momento em que transbordei amor quando tudo era ódio e revolta. Foi um bom antídoto para a situação. Especialmente para a situação dentro de mim. E aprendi bastante sobre mim com essa embriaguez. Ela facilita a socialização, mas numa medida menor do que eu supunha. Também a fissura do crack não me veio, não deu nem sinal. Mas não arriscarei. Não preciso. Eu não preciso de álcool, essa foi a minha percepção. Ele dá alegria, ele deixa me deixa mais sentimental e expansivo, mas não é necessário para o meu bem-estar. Não me fará falta. Valeu a pena me conceder esse momento, acho que precisava. Até para fazer essas descobertas. Bom experimento. Desde já tenho vontade de voltar à Vila Edna. Sem álcool. Mas acho que esse assunto já deu. Se não tiver dado, voltará. Não tenho restrições em relação a isso.

14h37. Me sinto sensivelmente mais maduro do que da última vez que tomei um porre, isso me agrada. Aprendi alguma coisa ou algumas coisas ao longo desses seis, sete anos que estava sem beber. Pus minha mãe em modo paranoico porque ela descobriu the hard way que tem menos controle sobre mim do que supunha. Que eu sou mais independente do que ela gostaria. Bom é nesses choques de realidade que as relações se redimensionam, tomam novas formas e direções. Não sei se ela terá mente aberta para isso, creio que não, mas nada posso fazer a não ser seguir o meu caminho da melhor forma que encontro. Que sei e aprendi. Mais com a vida até que com eles, meus pais. A fase de influência formadora deles se esvaiu há algumas décadas. O resto foram experiências, escolhas, consequências e toda a gama de lições que a vida me proporcionou, muitas vezes de formas bem duras. Dei muitas cabeçadas, mas acho que aprendi algo. Tirei lições, me dou mais ao respeito, me respeito mais, me gosto mais também. Eu amo a vida, nunca pensei, depois da infância, que gostaria de ser eu novamente, mas me encontro satisfeito com quem sou. Tenho até um tiquinho de orgulho desse eu que se transmuta e do que já foi transmutado. Vou fumar com café. Me deu um branco agora pensando que darei o meu Nintendo Switch para os meus sobrinhos.

15h04. Mamãe me mostrou charges da oposição a Bolsonaro e as taxou de “ridículas” e fomentadoras da “separação social”. Bom, praticamente metade do Brasil é oposta ao presidente, o que ela queria? Que porque o cara foi eleito, todo mundo iria abaixar a cabeça e aceitar? Todo mundo se abraçar em delirante e desvairada alegria? Muita ingenuidade. Bom, me botou um áudio sobre a situação da Venezuela, onde o estado tomou conta de tudo. Não acho que seja esse o caminho. Não sou comunista nem radical. O que acho é que não podem ser maculados os direitos humanos e a democracia. A oposição e o povo em geral acompanhará mais de perto esse governo do que qualquer outro que tenha havido antes. Ou não, esse movimento pode ser como um carnaval que se dá de quatro em quatro anos. Não sei bem o que falo pois estou em verdade pensando na minha coleção de bonecos no momento. No Batman branco. Em como trazê-lo para cá. Acho que ele vai ser maior do que imagino. Como espero que Bolsonaro seja menor, menos perigoso do que imagino. Tenho minhas dúvidas a respeito do Batman e do presidente. Não aguento mais café por enquanto. Vou tomar uma Coca com gelo. E fumar mais um cigarro.

15h32. Minha mãe aparentemente foi dormir... de novo. Realmente está de saco cheio de lecionar. Não sei por que não desiste logo. Já deu, já fez demais, está de bom tamanho. Bem, a vida é dela, tem mais chão que eu, sabe o que é melhor para ela. Embora sejamos sempre aprendizes porque a vida nunca para de ensinar, é uma eterna e ininterrupta aula. Isso me dá esperanças de ser alguém melhor para mim com o passar dos anos.

15h37. Estou entediado, isso é um saco. Olhar para o Hulk me acalenta. Vi um rumor de que uma das pessoas cotadas para o ministério da educação tem como um dos planos ensinar criacionismo no colégio. Espero que seja fake news, afinal é inconstitucional, visto que o Brasil é um país laico. Não se pode dar predileção a uma religião em detrimento das demais. Estou com vontade de começar a escrever no “Eu Não Sou Cristão”. Se bem que posso dizer o que penso aqui mesmo, não faz muita diferença o endereço e sim o conteúdo. Não tenho muito deste último, é verdade, mas o pouco que eu tenho acha um acinte tal possibilidade. Ainda mais não sendo cristão.

15h55. Minha mãe me ligou, chamou no quarto e me cortou o Chartreuse. Descobri que o meu lar não é uma democracia. Não para mim. Eu sou tido como alguém de uma hierarquia inferior, um subordinado, alguém a quem é negado o direito de decidir acerca de diversos aspectos da minha vida. É certo que consolidei alguns direitos, mas outros me são vetados. Melhor ficar no meu quarto-ilha e reinar absoluto aqui, dono das minhas palavras. A relação que tenho com a minha mãe aos 41 anos de idade é adoecida e o pior disso é que é assim em grande parte porque o permito. Não sei como consertar isso. Não sei se tem conserto. Ou eu não tenho coragem de consertar, tenho medo como um garotinho tem medo da mãe. Eu acho que ainda sou o garotinho em relação à minha mãe e acho que ela me vê da mesma forma, foi uma relação que não amadureceu, que estancou e isso parece ser cômodo para os dois, por mais que agora me incomode. Ela consegue incutir culpa onde não há razão para tal. Tomei um porre e daí? Não fiz nada de errado, não destratei ninguém, não busquei outras drogas, vim para casa escrever. Passou. Ah, quer saber? Foda-se. Não vou me encher de energia negativa por conta da reação da minha mãe a esse episódio. Vou seguir, mas agora não me sinto bem. Depois do novo ataque dela ao meu ego com essa história do Chartreuse. Se ela vai esperar por arrependimento da minha parte, é melhor jogar o Chartreuse fora. Não me arrependo. Meditei muito sobre o assunto antes de tomar a decisão de beber. Achei que estava seguro e pedi a um amigo que me apontasse se estivesse sendo excessivo em algum momento. Não me excedi. Sepultar esse assunto nesse parágrafo. Já deu. Vou fumar.

16h24. Meu astral está baixo, o convívio com a minha mãe está pesado. Saco isso. Não queria voltar ao tema, mas até me culpar pela sua improdutividade no trabalho colocou em minha conta. É muito drama, chantagem emocional para cima de mim. O pior é que sucumbo. E sucumbido sigo escrevendo sem muito gosto. Meu irmão vem para Recife no final do ano e nem isso me anima, a reforma do meu quarto me apetece mais. Me peguei pensando enquanto fumava que, no meu leito de morte – que espero muito que seja o meu quarto-ilha –, definhando e sentindo as dores do câncer que me carcomerá por dentro, chamarei o filho da fantástica faxineira para escolher as três figuras que quiser da minha coleção, com exceção do Hulk. O Hulk com todos os seus defeitos e humanidade, pois foi esculpido à mão, é a peça mais impressionante que eu já vi e que tenho o orgulho de possuir. Quero que me faça companhia até o meu último suspiro. Pode ser que o meu leito de morte seja num mórbido e impessoal hospital, isso seria deveras triste. Creio na evolução da medicina, entretanto e essa crença me anima, pois me lembra da evolução tecnológica como o todo, da qual sou fiel, e que transcenderá Bolsonaro, eu transcenderei Bolsonaro. A não ser que ele engrosse e cace e mate a oposição, mas acho que não se dará. Falou tanto em democracia. Embora não saiba o que democracia signifique para mente tão estreita. Quero fumar outro cigarro, mas não vivo numa democracia e certamente sofrerei uma retaliação desnecessária se for. Não estou a fim. Prefiro segurar mais meia hora para fumar tranquilo. Estou intranquilo no momento. A constatação de que sou da classe oprimida aqui em casa me causa desgosto, mas não me rebelo, não me sinto preparado para uma revolução. Nem sei se jamais estarei. Porque doerá na minha mãe, ela iria sofrer com a mudança. Não gosto de fazê-la sofrer pois isso me dói. Sou tão codependente desta situação patética quanto ela. Mereço ser oprimido. Tenho quase toda a liberdade que anseio, está de bom tamanho. Aceitar as coisas como são. Ou seja, só vou fumar às 17h. Faltam 15 minutos. Não gosto do estado de espírito em que me encontro. Como mudá-lo? Dando uma olhada no Tinder.

16h55. Nada no Tinder. Li algumas matérias sobre Bolsonaro. Não me agradaram. Tampouco me surpreenderam. 16h59. Estou de baixo astral. Hoje não está sendo um dia bom, preciso de sono, de um novo despertar e um novo amanhecer para me sentir tranquilo. O sono tem essa vocação de amansar os meus demônios interiores. Vou fumar.

17h12. A luz escapa, a noite se anuncia. Estou ouvindo Valsa Brasileira de Zizi Possi e estou ouvindo há tempo demais. Vou botar a lista 6 em modo aleatório. Pronto. Começou bem com Ella e Louis cantando Can’t We Be Friends?, um retrato da maioria das minhas paixões. Não sei porque essa vocação, provavelmente por ser feio. Ou mais especificamente por me achar e me portar como feio. Tenho que largar mão disso. Dar um foda-se para isso também. A vida é muito curta para me privar por me achar feio, mas o Tinder e o Badoo comprovam, nesse tempo que estou disponível nos aplicativos só me curtiram barangas velhas. Sou só opção para isso. As gatas me descartam como eu descarto todas as mulheres feias. A sina da solidão vem se somar ao desgosto da vida que agora me toma. Vai passar, é só um momento em que me desequilibrei emocionalmente. Não se pode estar bem todos os dias.

17h29. Mandei um foda-se para o anjo do Tinder. Não ia dar em nada mesmo. Nem sei se era real. Foda-se. Uma fedelha e eu me desmanchando por ela, tendo ansiedade e sofrendo por sua atenção cibernética. Mereço mais que isso. Mereço ter mais respeito comigo. Não me aguento vou escrever mais coisa para ela. Preciso desabafar.

17h38. Desabafei, me sinto melhor. Adoro passar lição de moral para o anjo do Tinder. Acho que essa foi a última, pois duvido que ela vá puxar papo comigo de novo. Preciso acender a luz, não enxergo mais as letras e não decorei suas localizações nesse teclado USB que uso em substituição ao do notebook, que quebrou. Acho que vou fumar. Que dia mais chato, vixe.

18h03. Fui lá e beijei minha mãe. Ela me beijou de volta. O Badoo estava programado para cobrar automaticamente que ozzy. Só descobri quando recebi o recibo por e-mail. Já desprogramei isso.

18h12. Me perdi na internet, nada de interessante. Eu estou usando do meu subterfúgio para melhorar meu dia. Aumentei o volume de 10 para 12. Agora está legal. Não aumento mais porque minha mãe reclamaria. E acho que o 12 está perfeito, potente, com clareza, mas não incomoda. Ouvindo Virus, de Björk. O momento pede Björk. Gosto do universo musical para o qual ela me transporta. Acho que preciso fumar. Vou fumar. Não. Esperar dar 18h30. Estou sem inspiração, com mais vontade de pensar do que de escrever. São pensamentos bestas sobre minha mãe achar que eu estou fumando muito. A vida, a existência é fantástica como a enxergo nesse momento, parece mágica, incrivelmente complexa, o universo em que estou inserido do quarto-ilha com seus bonecos é um fantástico cenário. Meu quarto vai ser um fantástico cenário que muito me agradará admirar e ocupar. Sabe o que eu queria? Estar perfeitamente aclimatado com este teclado, pois as letras já estão apagando e eu ainda não as decorei com perfeição. Mas gosto do teclado, pois é bom de dar porrada, teclo com força e certa violência, é mais prazeroso assim. 18h27. Como foram longos esses minutos. Às vezes o tempo se dilata inesperadamente. A percepção do tempo, digo. A espera do momento de fumar, dada a vontade que tenho, faz com que se alooonguem... 18h29. Falta pouco para saciar tal vontade. Deu.

18h36. Enquanto fumava na escada, lembrei da atleta da escada, uma vizinha a quem convidei para um papo, sugerindo interesses afetivos, e me respondeu não convir porque tinha noivo. E, pensando nela, pensei numa ficção. FICÇÃO: estava agora fumando na escada e a atleta da escada apareceu praticando o seu treinamento vespertino de descer e subir degraus. Ao passar por mim parou para me cumprimentar. Eu não tive dúvida e sugeri: “e se a gente se beijasse agora inesperadamente, sem pensar? Seria o nosso segredo e sua oportunidade de experimentar outra boca. Vem cá”. E nos beijamos apaixonada e vorazmente. Ao nos descolarmos eu digo: “filmei tudinho no celular e vou mandar para o seu noivo”. Ela empalidece. Eu digo: mentira, mulher, nem celular tenho aqui”. FIM. Já estou com vontade de fumar outro cigarro, mas só de 19h. Nossa que vontade de fumar. Olhei que alguém me deu like no Badoo, mas, para ver esse like ou eu dou like para aquela pessoa, que não dá para saber quem é, seria obra do acaso-destino, ou assino o Badoo premium. Me contentarei se alguma para quem eu dei crush der chat para mim. É o que me interessa em verdade. Toquei numa parte do meu corpo que me deu desconforto mental, que onda. Não aguento, vou fumar. 18h53. Passou. Vou quando a música acabar. Fantástica, por sinal, New World, de Björk, do filme Dançando no Escuro, de Lars Von Trier pelo qual a cantora islandesa, protagonista, ganhou a palma de ouro de Cannes. O filme mais triste que eu já vi, de longe. Em uma linha o filme trata da incompreensão, pela sociedade, de uma pessoa com caráter perfeito. Vou fumar, enquanto entra Army Of Me, que foi trilha de um filme que de que gosto muito, Sucker Punch. Acho que até o assistiria agora.

19h07. Mudei de ideia, escrever é mais interessante e não sei onde o filme está salvo. Tenho o Dancer In The Dark em Blu-ray. Achei na Alemanha com legendas em alemão. Mas comprei, tenho que o assistir também em algum momento. Agora quero agradecer à existência por me permitir fumar e extrair o prazer que extraio disso. Acho “existência” uma palavra tão bela e tão carregada de complexidade. A miraculosa dança dos átomos que origina coisas como eu, como Björk, como a porra do anjo do Tinder, como esse evento incomensurável que é o agora no universo. É realmente uma das palavras mais preciosas do meu vocabulário e uma fartamente utilizada porque a amo. Ela me possibilita, me permite, me cede parte de si para que eu seja. Não há palavra outra que não gratidão. E amor profundo. Meu humor mudou completamente, volto a estar encantado com a vida, o beijo fez diferença. Nossa, quero fumar outro tomando uma Coca-Cola. Acho que um dia ainda crio coragem para experimentar o meu esperma. Tenho essa curiosidade sobre o seu sabor. Quem o sabia bem era a minha segunda namorada.

19h23. Puxa, deve ser uma sensação estranha, se é que Bolsonaro teve essa consciência, que todos os brasileiros passaram quinze dias pensando nele, mesmos os que votavam em Haddad. Parte com devoção cega e parte com medo ou raiva, mas todos pensando em uma só pessoa. Milhões e milhões de pessoas com você na cabeça. É muito doido. Foi um momento muito doido da democracia e pode continuar sendo. Ou não. É uma incógnita. O grande mistério nacional. As expectativas são quase irreais de ambos os lados, gente esperando um golpe militar, uns com anseio, uns com medo. É muito doido. Eu espero tudo com muita curiosidade, estou praticamente blindado da sociedade encastelado no meu quarto-ilha. Mas quando sair com o meu primo-irmão na noite não acho improvável ver, ao menos uma vez, um bêbado puxando a arma para outro. Mas isso por ora é ficção. O Brasil vai ter o que merece, o que pediu, o que demandou com o voto. A vontade do povo se fez. Estupradores serão castrados quimicamente. Entendo a ideia “preventiva”, mas acho desumano demais. O ato do estupro é desumano também (para os dias de hoje, afinal na época da escravidão era praxe brancos estuprarem negrxs e índixs, ou assim tenho para mim, pois até a tortura era permitida e o assassinato). Acho um passo atrás no nosso padrão civilizatório, mas talvez faça o estuprador pensar duas vezes antes de fazer uma vítima. Não sei. Penso nos possíveis inocentes que poderiam ser punidos injustamente. As feministas devem defender tal medida. FICÇÃO: casal briga e se separa. Mulher vingativa, lacera a vagina e o ânus com algo e se agride. Diz que estava sendo estuprada pelo ex-marido, por isso se separou. O cara é condenado, preso, violado e agredido e torturado por todos os outros presos e pela polícia, pois estuprador é repudiado até por marginais, depois é castrado quimicamente. E tudo o que pode fazer é chorar e gritar sua inocência, sem efeito. FIM. Vou fumar. Estou fumando muito hoje. Espero que traga boas ideias.

19h57. Vi parte de uma entrevista de Bolsonaro para o Jornal Nacional, meu padrasto torce para que Moro vá para o STF. Fumando só me veio a garota do último vídeo pornô que eu vi, linda, mignon, namoraria com ela, não parecia vulgar como uma atriz pornô geralmente me parece e, no entanto, foi a forma que escolheu de levar a vida. Ou de levar na vida. Desculpe a piada infame. Estou meio sem ideias. Acho que vou navegar um pouco. Li um texto que parecia sobre alguém com aversão à penetração. Perguntei se podia publicar aqui dando a autoria. Nossa, agora que percebi, estou na quinta página! Me descontrolei. Vou seguir, o blog é meu. Ela permitiu. Vou postar.

“Eles não.

Para tudo se tem uma primeira vez, e nem sempre são boas. Talvez nem as segundas, ou terceiras vezes são. Talvez nunca passem a ser. A culpa não foi sua. Foi minha por não saber dizer não. Se despiu, me invadiu. Fiquei sem reação. Não, eu não disse não. Ninguém viu, nem ouviu. Me senti nada, fiquei sem nada. Para ele não foi nada. E por que ninguém disse nada? Não foi a primeira, nem a segunda, nem vai ser a última. Não foi bom, nem vai ser. Me senti pó. E por isso, hoje, prefiro ficar só. Eles não, dessa vez não.”

Texto: Júlia Comelato, 30.10.18.

Já que tenho o texto, vou encerrar por aqui, revisar e postar porque a autora quer o link. Foi um post repleto de sexo. Curioso. Imagino que reação ela vai ter a respeito da minha colocação. O nome do post será “ELES NÃO” em homenagem a escritora iniciante. E usarei a imagem que ela usou para ilustrar. Curioso. A existência, a existência... cheia de inesperados.

BEBI



18h43. Ontem tomei um porre e foi muito bom, precisava extravasar toda a tensão política que havia em mim e o que emergiu foi amor, um amor puro, concentrado e irrestrito. A Vila Edna é o meu santuário. Uma amiga definiu ainda melhor, uma palavra ainda mais significativa, mas que agora me escapa. Lembro que achei a colocação dela bonita. Achei todas as pessoas muito lindas – e são pessoas magníficas – que me pareceram mais belas pela embriaguez. Conversei, expus sem me expor ao ridículo.

19h54. Tive acesso a informações de diferentes segmentos. Vi o discurso de Bolsonaro, me impressionou o grau de religiosidade do discurso e deixou muita coisa no ar. Vamos ver no que vai dar. Vi também um rumor de que uma nova versão do Switch seria lançada. Do resto, não me lembro.

20h37. Estava conversando com o meu amigo de Lisboa. Ele fez severas críticas ao comportamento do meu amigo da piscina que, desde que achou que eu mandei um vírus para ele, nunca mais falou comigo. Mamãe veio ter uma “conversa” comigo porque leu o post anterior a esse. Veio com fúria, autoritarismo, ameaças e xingamentos, pobre codependente autoritária que é. Tentarei relevar. É apenas uma pessoa tentando viver da melhor forma que sabe e que viu seu status quo ameaçado porque tomei um porre ontem. Não sei por que lê isso, se o que sou a desagrada. Foda-se, continuarei levando a minha vida da forma que me apraz, estou de consciência tranquila e cada vez mais sei dos meus passos. Cada vez menos coisas são em vão, me apego aquelas que tem mais significado e significância para mim. Fui a Ju hoje e falar da forma como ela me trata e me enxerga é um alívio. É como um unguento para os insultos à minha individualidade e minha liberdade que ouvi. Foda-se. Não pensei que o lema do meu amigo de Lisboa calaria tão profundamente em mim e encontraria eco no meu sentir. É a mãe que eu tenho, que não se trata e que me vê como uma criança. Há o lado bom e o lado ruim disso e se ela é codependente é porque de alguma forma alimento isso. Estamos debatendo, eu e Ju, como me tornar mais independente, romper essas correntes umbilicais que me prendem à minha mãe e eu me exercer com maior liberdade no mundo. Uma liberdade que vá para além dessa tela, desse quarto, uma liberdade que desaprendi a achar necessária e da qual não sinto falta. Talvez essa falta de necessidade de liberdade seja o que me impeça de ver benesses em cortar esses laços.

21h36. Conversei mais um pouco com o meu amigo de Lisboa. Ele está passando por uma fase difícil, mas tem planos para superá-la. Imagino que a solidão seja imensa. Odeio solidão. Nunca me dei bem com ela. Com esse estar sozinho no mundo. Se bem que faz tanto tempo que não experimento e o eu que experimentou a solidão era completamente outro em circunstâncias completamente diversas e adversas que não sei como encararia a solidão de fato hoje. Dificilmente a liberdade me levaria novamente à cola. Pois é a solidão implica, na minha cabeça, inevitavelmente em liberdade e responsabilidade. Não me dou muito bem com responsabilidade, sou meio alérgico ao bicho que faço da responsabilidade, assumo apenas aquelas que me são inevitáveis. Assumo a responsabilidade pelos meus atos. Há coisas que quero fazer, mas esperarei. Tudo a seu tempo. A paciência é uma virtude cada vez mais rara nos dias de hoje onde o imediatismo impera, são tempos impacientes, urgentes. Me veio novamente o discurso de Bolsonaro, ele salientou diversas vezes a democracia. Isso foi bom. Vamos ver na prática. Não estou com muito saco para escrever agora, o tédio que há muito não me apoquentava resolveu me tomar quando revi rapidamente as alternativas que tinha. A que mais me agradou foi fumar um cigarro. É o que farei.

22h01. Minha mãe foi até a escada onde eu fumava para dizer que estava “muito triste comigo, muito triste...”. Eu disse que era recíproco, o que não é bem verdade, estou com raiva e impressionado com como um texto pode ser interpretado de várias maneiras diferentes. Não sei o que acrescentar. Sei que a raiva vai passar (da minha parte) e que essa energia ruim que esse sentimento me traz ira evanescer. Acho um sentimento nocivo. Entendo toda a sua função evolutiva e da necessidade dele para certas mudanças, até mudanças que visem o equilíbrio entre poderes, embora seja usado mais para sobrepujar, mas não gosto de carregar raiva ou medos desnecessários. Vou ligar o ar e tentar me reconectar ao momento. Acho que vou botar um Cure para rolar. Cai bem. E vou fumar outro. Só para relaxar e me desligar dessa vibe negativa disparada pela minha mãe dessa. Eu a amo, mas às vezes ela consegue ser... sei lá. Muito, muito inconveniente e chata. Consegue quebrar completamente a minha paz de espírito.

22h24. Where The Birds Always Sing, do Cure tem a letra bem interessante, fico bem impressionado com a minha capacidade de compreendê-la. Acabou. Não quero me apegar às músicas e essa que passa não me apetece muito, não sei nem se conheço. Acho que não. Não posso dizer no que estava pensando, é meu demais para esse blog. Preciso de alguma privacidade, né? Todos querem ter um lado privado que não repartem por vergonha do julgamento social. Algo íntimo demais, talvez. Eu não tive esse tipo de medida no Diário do Manicômio e aprendi com isso. Nossa, nem acredito que o casal da Vila Edna vai lê-lo. Me deu uma sensação muito ruim em relação a isso agora, nossa. Um medo e uma vontade de impedir e não ser capaz muito forte. Eu não preciso dessa exposição, não faz mais sentido para mim. Bom é a vida e segue. O acaso-destino com a minha ajuda deu nisso. É assumir responsabilidades e pelos atos e arcar com as consequências. Mas não iria deduzir que falar que tinha feito um livro impublicável despertaria nele a curiosidade de lê-lo. Leeloo. Vou fumar enquanto uma das músicas que mais ouvi na vida passa, “Pictures Of You”.

22h45. Nossa, ser sincero às vezes dói.

[21:26, 10/29/2018] Mário Barros: Cleto, infelizmente não poderei ir amanhã. Grato pela compreensão. Boa semana pra ti.
[22:17, 10/29/2018] Cleto Campos: Vamos remarcar?
[22:45, 10/29/2018] Mário Barros: Honestamente, Cleto, eu desisti. Me perdoe. Desejo toda sorte do mundo pra você, você é uma pessoa superpositiva. Foi um prazer.

23h04. Pronto. E dei um crush em uma vendedora que gosta de beber. Fiquei imaginando os desdobramentos disso. O choque de realidades, inevitável. A chamaria para o Relaxe o Bigode aqui do outro lado da rua. Pagaria a conta, mamãe me daria o cartão. E aí, se rolasse, haveria três alternativas, combinarmos de marcar um segundo encontro. Ou a gente ir beber na piscina do meu prédio até mamãe ir dormir para a gente poder subir. Ou a gente ia para um motel com o cartão, eu poderia fazer isso e acho que mamãe preferiria. Mas isso só aconteceria se o clima esquentasse no bar. Ela só tem 21, mas pela foto aparenta ter mais. Não é nenhuma beldade, não sei porque eu dei o crush acho que achei o cabelo e o corpo dela bonitos. E a idade suposta. Acho que mais do que por ser o auge da beleza da mulher e me intimidar menos, é pela impossibilidade que dou esses likes. Insinuar desejo para alguém que não me achará desejável pela idade.

23h35. Estava me alimentando. Acho menos bestial do que dizer “comendo”. Me ocorreu uma ficção, ei-la: com o armamento da população por Bolsonaro, cidadãos ultraconservadores formam grupos de extermínio, intitulam-se “Faxineiros do Capitão” e, encapuzados e motorizados com veículos de placa fria, saem matando por aí bandido, traficante, mendigo, usuário e daí para gays e prostitutas é um pulo. FIM. Ah, certos grupos seriam formados por policiais ou com policiais como membros. FIM MESMO.

23h41. “To Wish Impossible Things” uma das minhas prediletas do Cure. “Catch” outra que é fofa, muito doce. Pulei para outra que gosto muito: “The Loudest Sound”. Acho que daqui a pouco vou me retirar. Essa frase me deu um alívio, acho que estou precisando dormir, o sono de ontem não me recuperou. Comer, fumar e dormir.

0h14. Vou acabar o copo de Coca para me deitar. Espero que durma. Acho que vou. A vida é tão interessante, até para mim que uso o meu tempo quase todo diante desse computador.

-x-x-x-x-

11h39. Tico e Teco ainda estão se reativando. Nada demais aconteceu, minha mãe acordou carinhosa e me preparou um leite. Estou com sono e uma leve dor de cabeça, nada demais, resistirei aos dois. Não sei o que fazer do meu dia pois não encontro palavras em mim. Lembro de Portugal porque a Portuguesinha me respondeu o comentário do Instagram. Mas não queria estar lá agora no momento, estou bem aqui no centro do meu mundo, o melhor lugar para se estar. Estou achando que vou dormir mais um pouco. Vou tentar um cigarro com Coca antes.

11h59. Estou um pouco mais desperto, mas continuo sem ânimo para atravessar esse dia. Vou dar uma olhada na internet.

12h10. Nada de interessante. Lembrei de uma coisa que não me cabe contar aqui, pois não me diz respeito, mas que me deixou triste. Um possível rompimento de um casal que tinha tudo para dar certo. Não gosto de rompimentos. Extrapolei as possibilidades e pensei no que se daria se eu me tornasse o companheiro da figura, visto que já fui apaixonado por ela. O Hulk fica incrível sob a luz do meio-dia. Acho que não daria certo, não sou homem suficiente para ela. É preciso ter uma boa dose de raça e paciência para enfrentar tal relação, é uma pessoa de personalidade forte e exigente, portanto demandante. Não sei se teria essa disponibilidade ou as habilidades necessárias para suprir tais demandas. Nem sou mais apaixonado por ela. O que é primordial. Se fosse, talvez ainda valesse o esforço. Ainda bem que não estou mais. Aliás, quando qualquer possibilidade de romance se aproxima da realidade, logo me retraio e rejeito. Medo, medo de dar certo, de dar o próximo passo, justamente o passo na direção que mais me interessa, do fim da solidão. Faz tanto tempo que estou imerso nela que desaprendi o que é estar com alguém e o prospecto de estar com alguém me assusta. Não sei como curar isso.

13h10. O Facebook ainda está na ressaca das eleições. Eu? Estou curioso com o futuro. Muito curioso. Minhas expectativas são todas negativas (ou quase todas), mas creio que será educativo para o brasileiro. Nossa, ainda estou com sono. Que diabos... Acabou a terceira página.  

domingo, 28 de outubro de 2018

BEBEDEIRA?

18h49. Nada me é mais aprazível que uma folha de Word em branco. Penso que ela guarda todas as possibilidades do universo, mas sei que em verdade, quando a tomo, ela se limita somente ao que há em mim e ao que estou disposto a oferecer. Mesmo assim, constrita dessa forma, me agrada muito. Estou ouvindo In Utero, do Nirvana. É um disco que gosto bastante, é meio desgovernado, desesperado, sombrio. Estava dando uma navegada na internet. Vou fumar e pegar Coca.

19h16. Mamãe me comunicou que vai deixar a fantástica faxineira em casa e que irei acompanhá-la. Saíram duas pesquisas, uma indicando empate entre os presidenciáveis e outra com larga vantagem para Bolsonaro. Acredito mais na segunda, não acho que tenha jeito.

21h16. Finalmente, depois de pegar os filhos e deixar a fantástica faxineira em casa, passar no Bompreço para comprar Cocas e uns poucos outros pertences e minha mãe botar alguns vídeos de Sandy para eu ver, sento aqui culpado. Ela queria que eu a fizesse mais companhia. Mas faz tanto tempo que não escrevo, escrevi pouco hoje por causa da faxina. Estou ouvindo Sandy e pensando no Azure Dragon. Foi só falar e o anjo do Tinder me surgiu na cabeça porque lembrei das eleições e que lhe disse que voltaria a me comunicar após tal evento, ou seja, amanhã. Penso em beber bebidas alcoólicas amanhã. Tomar um porre. Extravasar toda a tensão desse período conturbado da história nacional. Não sei se faça isso mesmo, mas é uma ideia que vem ganhando força ao longo dos dias. Não terei dinheiro, nem sei onde vende crack por aqui, não acredito que buscaria a droga, que é a razão pela qual parei de beber. Se me bater fissura, é realmente um sinal de que não devo beber.  

21h32. Não sei o que fui fazer além de fumar outro cigarro, mas a ideia de beber amanhã pulsa em mim. Veremos. Como já chegarei em casa bêbado, mamãe não poderá fazer nada a não ser encarar os fatos. Talvez vá querer me proibir de ir à Vila Edna, alguma maneira de me punir há de inventar. Mas um porre na vida não vai me matar. Porra, é a minha vida e só vou passar por ela uma vez! Nada vai acontecer comigo além da possível e provável ressaca. E da retaliação da minha mãe. Vale a pena. Eu acho. Nem lembro mais como é estar embriagado. Mas não quero mais falar disso. Talvez nem o faça. Comentei com o meu primo-irmão e ele questionou se eu estou podendo beber. Escrevi mais ou menos o que disse aqui.

22h24. Fiz uma coisa que não fazia há semanas: fechei o Chrome. Confesso que me sinto meio órfão. Vamos ver quanto tempo resistirei. É um hábito já bastante consolidado, alternar entre as palavras e a internet. Ainda mais com o Tinder acessível pelo navegador. Peguei o tique de olhar de tempos em tempos se surge alguém. Ainda estou decepcionado com o fato de não ter conseguido a atenção da balconista. Não há nada que eu possa fazer. É seguir dando os meus superlikes e confesso que estou cada vez menos exigente em relação às garotas que o merecem, mesmo assim os que dei não resultaram em nenhum match. Peguei no mouse para olhar o Tinder motivado pela frase anterior, mas me lembrei que havia fechado o Chrome. Não sei porque me privo. Acho que vou fazer uma limpeza do HD. Momento.

22h55. Em vez de abrir o aplicativo de limpeza de disco eu, sem pensar, reabri o Chrome e, uma vez aberto, não resisti e fui navegar. Tem jeito não. Botei para baixar o filme que mamãe queria ver, sugestão da fantástica faxineira, e Ant-Man and Wasp.

23h05. Fui fumar um cigarro. Estou ansioso por amanhã. Acho que mais pela possibilidade de beber. É bom trelar, quebrar barreiras, embora não esteja certo de que realmente farei isso. Escrevendo a frase anterior me desanimei. Não sei, não sei. Não quero ir muito tarde para lá, mas também ignoro que horas vou acordar. Ter fechado o Chrome, mesmo que o tenha reaberto, parece que deixou o computador mais rápido, curioso. Vou pedir ao pai da Vila Edna que guarde o conteúdo do livro só para si. E, se preferir, nem leia. Não sei. Estou cheio de dúvidas hoje. Coloquei o novo disco do U2 para ouvir, ele tem um significado especial na minha vida. Significa liberdade, em particular da cola e do manicômio. Indo além, a liberdade que experimento na minha vida, limitada como é. Minha liberdade é de um tipo diferente, pouco correlato com a liberdade de ir e vir, que é identificada, creio, como a liberdade mais primordial. Eu raramente saio do meu quarto e, quando saio, não tardo a sentir falta de estar nele. O meu isolamento eu julgo já ser algo meio patológico. Tal isolamento acho que é reflexo da condição – e decorrente condicionamento – experimentada no período que passei praticamente em prisão domiciliar quando morava com meu pai. Foi a medida encontrada por ele para me impedir de usar cola. Não guardo ressentimentos de sua decisão, morando em Boa Viagem, longe da minha turma, não havia muitos lugares para onde quisesse ir. Sofro também privação financeira, por mais que receba pensão, só posso utilizar dinheiro quando outorgado pela minha mãe. Isso também não me incomoda (muito), não fora pelas bonecas e pelos cigarros. Nossa, queria muito que mamãe passasse a me dar uma carteira por dia. Acho que vou pedir isso de Natal a ela. Por falar nisso, preciso ir ao banco desbloquear o meu celular para poder efetuar saques da poupança. Não agora no final do mês, mas no começo do mês que vem. Vou fumar. Não sei. Talvez acabe tentando ir na terça, visto que segunda tenho Ju.

0h18. Já é dia da eleição. Daqui a 7h41 minutos, começará. Tomei os meus remédios, me despedi de mamãe e agora tenho a noite só para mim. Meu amigo cineasta me mandou uma música de Caetano para ouvir: Amanhã. Ouvirei agora. Momento.

0h48. Era uma música linda e positiva de Guilherme Arantes, interpretada por Caê. Resolvi botar o disco todo para ouvir. Saudade danada me bateu do meu amigo cineasta. Amo-o muito. Me dei conta do imenso após ouvir a música. Dei um crush para uma garota muito interessante do Badoo. Pois, é estou apelando para dois aplicativos de paquera. Tentando o que não me invade. Já dei superlikes e crushes para várias garotas e nada. Aliás, houve o anjo do Tinder e a garota do Instagram, mas não sei se são/eram perfis reais. Estou com saudade do meu anjo, apesar da insegurança em relação à sua identidade. Findada a apuração ou confirmada a vitória, mandarei mensagem para ela. Talvez ébrio, talvez não. A vontade que tenho tenho que calar dentro de mim. O tempo virá, é só ter paciência. Acho que vou comer.

1h36. Devidamente alimentado. Foi um jantar digno, gostei. Primeira coisa que me veio? O anjo. Não que haja esperança em algo que não sei nem da veracidade. Gostaria que a garota que curti no Badoo me desse bola, é bastante interessante e possui um piercing argola no nariz como o anjo e é loira como o anjo e é apetitosa como o anjo. E fuma, o que, para mim, é um plus. Bom, dei várias curtidas, pode ser que alguma vingue apesar da minha idade e do meu bucho.

1h48. Acho que vou me retirar dentro em breve...

-x-x-x-x-

13h28. Acordei há algum tempo. Recebi um match no Badoo, mas estou sem coragem de começar uma interação, acho que porque não é alguém que me encante de verdade. Dentro em breve me arrumarei para ir à Vila Edna, mas confesso que não estou muito disposto para birita hoje, agora. Botei meu celular para carregar mesmo não tendo descarregado, pois quero ter bateria para mandar a mensagem para o anjo do Tinder quando o resultado da eleição se der. Sei que é contraditório querer falar com alguém que talvez seja fake e que não me dá a mínima e não querer falar com uma garota que revelou um interesse sincero pela minha pessoa. Façamos o seguinte: quando o meu celular carregar, eu vou me aprontar para ir à Vila Edna. Uma vez lá, inicio o papo com a garota que me deu o match no Badoo.

14h22. Acho que vou para a Vila Edna às 16h. Um bom horário eu creio. Nem muito cedo, nem muito tarde, bem, talvez só um pouquinho tarde. Em verdade, acho adequado. Sobre beber lá, confesso que não me decidi. Acho que só chegando lá. A antecipação já me causa desconforto, as vésperas sempre me dão vontade de desistir, sei bem como sou. Coloquei uma Coca para gelar no congelador para levar para a Vila. Estou com mil pensamentos na cabeça como formigas de asa em volta da luz em dia de chuva. Vontade de fumar tomando uma Coca bem gelada. Resistirei um pouco mais. Confesso que estou puto com um amigo de infância meu que mora no Canadá e defende Bolsonaro. Mas não deixarei o antagonismo político macular a nossa relação. Essa raiva passará. Vou fumar, não há por que esperar. A vida é muito curta para ser desperdiçada com esperas sem sentido. Isso deveria se aplicar ao anjo, mas em relação a ela guardo uma terna esperança.

14h53. Não estou muito inspirado para a escrita. Estou curioso para escrever embriagado, se isso se der. Minha mãe vai pirar na batatinha. Vai dar um escândalo. Ameaçar, internação inclusive, sei tudo o que me espera. Não acho que seja um ato irresponsável. Estou plenamente consciente. Não quero me prejudicar. Não acho que vá me bater fissura de crack embora não tenha certeza disso. Descobrirei. Ou não. Não decidi sobre a bebedeira, mas como é um pensamento dominante, acho que levarei o meu projeto a cabo. Não sei também se haverá resistência por parte dos habitantes da Vila Edna à minha ideia. Creio que não, mas nunca se sabe.

15h07. Creio que ébrio eu não conseguirei resistir ao impulso, visto que o id vai estar sem rédeas, e não encomendar uma das duas últimas estátuas que quero. A Harley Quinn. Espero que me controle. Pretendo beber seis long necks. Mas sei que quando começo é difícil parar. Esse é um dia sui generis em muitos aspectos. Confesso que estou com um pouco de medo de beber e ser inapropriado. Pedirei que me sinalizem se eu agir dessa forma. E que me coajam a manter as estribeiras. Vixe, que fixação chata. Ainda bem que já estou na terceira página e que daqui a pouco em vez de projetar o futuro, estarei efetivamente vivendo esse futuro que projeto. O Brasil, meu amado Brasil, fazendo uma escolha odiosa. E eu entendo, o povo cansou do PT, o povo é conservador e violento. Se vão haver casualidades na guerra contra o tráfico, isso não incomoda o eleitor porque eles creem que não será com eles. Ansiosos por “segurança”, anseiam por armas. Sei bem que tipos vão querer ter armas em casa. São os piores tipos. Vou fumar.


15h26. Está quase na hora de me aprontar. Está quase no final da terceira página. Quando ela acabar, vou me preparar. Colocarei o meu melhor perfume, colarei o adesivo de Haddad e vou para o ninho de resistência e de amor que é a Vila Edna. Me dói um pouco deixar a minha mãe sozinha, mas ela concordou. Ademais tem que preparar aula e prova. Não teria tempo para companhia, companhia essa que poderia estar oferendo agora, em vez de estar aqui a escrever e não ofereço. Então é hipocrisia da minha parte o que acabo de falar. Ainda acho que Bolsonaro, na coletiva que dará após a apuração dos votos dirá algo como “petralhada, agora vocês vão ter que me engolir!”. Bom, acabou a terceira página. Vou revisar, postar, tomar banho e ir.

sábado, 27 de outubro de 2018

VIREI A NOITE

Azure Dragon, versão exclusiva da SHCC (nem sei que convenção é essa)


7h50. Uma coisa foi se emendando na outra e, perdido entre a internet e as palavras, o sol raiou e o dia se firmou. Resolvi tomar um banho e fazer um café negro como a escuridão (confesso que exagerei na quantidade de café) e agora, depois de uma postagem no Desabafos do Vate, volto ao meu reduto principal, o Profeta. Ontem não aguentei a ansiedade de dar um superlike para a balconista que gosta de homens mais velhos e acabei comprando o recurso no Tinder por ignorância de quando a ferramenta seria reposta. Mamãe vai reclamar, mas isso aumentou exponencialmente a minha chance de sucesso. Ainda não recebi match da balconista e de uma gata que certamente não vai se interessar por mim. Sei lá. Só me resta esperar e esperar é uma desocupação que me enerva e me deixa ansioso. Por isso escrevo mesmo que sobre a espera. Não perdi as esperanças, especialmente em relação à balconista. Afinal, de madrugada, todos e todas dormem e ainda está muito cedo para alguém além de mim bisbilhotar o Tinder. Acredito que minha mãe vá acordar a qualquer momento. Vou tomar um café com cigarro.

8h08. Meu quarto é muito agradável a essa hora do dia. Raramente o experimento nesse horário, acordo sempre em torno do meio-dia, duas da tarde. Ouvirei da minha mãe dentro em breve. Espero que ela não demore a me dar cigarros, pois estou sem. Vou dar uma olhada no Tinder, pode ser que haja alguém novo nesse horário.

8h15. Nada de muito interessante, dei um like que sei que não será correspondido. Um dos representantes da Gantaku, um dos artistas, respondeu-me. Mandei uma mensagem de madrugada, visto que ele está na China, eu creio, para tratar do Azure Dragon, uma das duas últimas peças que pretendo adquirir. Pelo menos até a próxima San Diego Comic Con! Hahaha. Quero negociar a compra da versão verde do Azure Dragon, que é exclusiva e não será acessível aos ocidentais, mas que tentarei pleitear mesmo assim, pois considero bem mais bela que a azul escuro. Esta também me agrada, mas se posso ter uma que me encanta mais, por que não tentar? Vamos ver se me responde. Nossa, como detesto esperar. Acho que é uma das únicas unanimidades que conheço, ninguém gosta de esperar. É chato para cacete. Por isso gosto de depender o mínimo dos outros e me basto a maior parte do tempo. Não preciso de ninguém para fazer café, fumar e escrever. E essas são as minhas atividades principais. Sei que parece muito pouco para quem não traz na alma um escritor, ou pretenso escritor. Bom, como já disse, abandonei as pretensões, me é suficiente ser capaz de escrever e me publicar no blog.

8h46. Nada de interessante na internet no momento. O cara da Gantaku aparece como online, mas nada me responde. O meu Hulk é uma peça muito imponente, causa impressão. Não consigo fotografá-lo adequadamente, sempre sai desproporcional, distorcido, só vendo ao vivo mesmo. Não sei como levarei esse dia se já escrevi a noite toda, não me resta muito a dizer. Alguma coisa teria que acontecer para haver narrativa. Bem, a vida é assim e quem construiu essa noite insone fui eu. Arco com as consequências tranquilamente. Não há nada que eu possa fazer. O café me mantém alerta, embora só tenha o café que está na cafeteira, pois mamãe guardou o pó na despensa e a trancou. Afora isso tenho três quartos de uma garrafa de Coca até que ela chegue do almoço com os alunos. Não há motivo para preocupação, sobreviverei. O principal eu tenho: cigarro e palavras. O resto é secundário. O Estrangeiro é um discos mais bem produzidos de Caetano, gosto muito, foi um show incrível de uma disco que conhecia e conheço particularmente bem, está entre os prediletos dele. Estou ouvindo agora. Estou ouvindo desde que decidi chutar o pau da barraca e me manter acordado. Não acredito que já entrei na segunda página mesmo sem trazer nenhum conteúdo relevante. Sempre me impressiono com a minha prolixidade e verborragia. Preciso de coragem e essa me falta. Espero que a adquira quando se fizer necessária. Estou muito cansado, talvez tire um cochilo à tarde. Me parece um ótimo projeto. Estava com tanta esperança na balconista. Acho que não vai ser dessa vez. Talvez seja velho demais para ela. Talvez seja o bucho que explicito no meu perfil. Talvez simplesmente não tenha aberto o Tinder ainda. Tudo pode ser e todas as possibilidades pairam suspensas no ar rarefeito da espera. O cara da Gantaku também não parece muito interessado em responder os meus questionamentos. O problema está no meu imediatismo.

9h13. Me dei um pouco de carinho agora, massageando a minha testa e alisando os meus cabelos, foi bastante relaxante, é algo que posso praticar com um futuro amor que pode se anunciar algum dia. Ou não, permanecerá o meu coração mudo, sufocado pela solidão. Sei lá, estou aceitando qualquer coisa que o acaso-destino me oferecer. Vou fumar outro cigarro.

9h28. É curioso como todos nos tornamos artistas multimídia através da internet e suas redes sociais. Todos se publicam, se filmam, se escrevem, se fotografam. Todos se exibem uns para os outros, todos tem os seus segundos de fama todos os dias. Alguns são mais bem-sucedidos que outros. Eu me encaixo no quadro dos malsucedidos, visto que minha ferramenta principal é o texto estático, sem som, movimento, efeitos, quando muito com uma ou duas fotos. É muito pouco e muito extenso quando comparado às pílulas frenéticas da maioria. Somos bilhões clamando por atenção cibernética. Uma curtida, uma mensagem, algo que faça nos sentir acolhidos e prestigiados. É meio patético pondo dessa forma, mas é a nova realidade e participo dela, um pouco mais pateticamente que os demais. Mas não muito. Não me envergonho do que faço, é uma pena que o carinho que dedico aos meus textos seja apreciado por tão poucos. Nem os meus amigos prestigiam, talvez apenas o meu amigo cineasta. É o único que me confessou ler periodicamente estas linhas, os demais couldn’t care less. E eu entendo. O que não entendo é existir gente que não me conhece que me leia, talvez a internet tenha realmente espaço para todos se mostrarem.

9h46. Acho que vou de Coca agora. Estou meio empachado de café. Retornarei a ele, mas é boa (ou percebo como boa) uma alternância. Essa é a mensagem que o meu estômago me passa. Obviamente esse copo de Coca será acompanhado de um cigarro.

9h58. Completei o copo e cá estou de novo a esperar pelo que talvez não vá acontecer. É a vida e segue. Sigo com ela, tentando manter os meus pés no chão. Nem sempre consigo, mas consigo seguir a vida sem muitos atropelos porque me mantenho longe das ruas. Porque nada me atinge no quarto-ilha. Só a minha mãe. Mas, para ela, amor resolve. É preciso respirar fundo e transbordar carinho. O amor pode muito. E tudo o que pode geralmente é bom. Há as vezes em que o amor não pode ou não consegue, é o caso das minhas paixões. Rapaz, moçoila, estou zonzo de sono. Não sei se suportarei por muito tempo desperto. Olhar a internet. Nada de interessante. Nada a dizer. A Coca não está me descendo bem, parece que agride mais que alivia. “E foi e era e é e será sim”, canta Caetano. Sim é uma palavra que me agrada. Tem todo um aspecto positivo no cerne e ao redor. Por alguma razão que me escapa, acho o não uma palavra mais forte e poderosa. Mais definitiva. Enquanto o sim promete o início ou a continuação de algo, o não interrompe, freia, estanca. É uma palavra sem dúvida muito mais bruta que o sim. O sim é maternal, o não, patriarcal. O primeiro abre os braços, o segundo os cruza. E entre sins e nãos eu chego à terceira página, impressionante.

10h46. Estou zumbi. E não libertarei ou acolherei meus pretos. Prefiro a luz da manhã, a transparência da água. Agora não há espaço para buscar os defeitos que deveras tenho e que me fazem ser quem sou.

11h40. Os óculos me pesam ao rosto, estou esgotado. Minha mãe sugeriu que eu dormisse. É o que vou fazer quando acabar esse copo de Coca. Acabei o copo, mas ainda não estou pronto para desistir. Não entendo por que resisto, sei que se deitar eu durmo, mas algo treloso dentro de mim se rebela e me ordena a permanecer. Eu sou um ser contraditório que adora burlar. Não, não está dando mais para mim, vou fumar um cigarro e quando voltar me deito, eu espero.

11h55. Fui, mas voltei com um copo de Coca, é um movimento quase involuntário enchê-lo depois do cigarro, força do hábito paulatinamente repetido. O corpo pede, num sussurro, que eu repouse, que feche os olhos, que me deite. O problema é que gosto desse estado de sonolência, de pensar quase não pensando. Agindo sem muita razão, sem muita consciência. Acabei o copo de Coca, vou comer o gelo e me deitar. Pode ser que meu primo queira sair hoje à noite, então o sono agora me será bastante útil mais tarde. O pior que vou tomar mais um copo de Coca e fumar mais um cigarro antes de deitar. Sei não, viu?

23h51. Dormi até bem pouco tempo atrás e pretendo voltar a dormir dentro em breve. O cara da Gantaku me respondeu, mas estava dormindo, pelo visto a hora boa para falar com eles é por volta das 13h30. Pena que amanhã é sábado. Não recebi mais nem um match, que pena.

0h16. Os caras da Gantaku não estão me respondendo, mas o momento chegará. Não há nada a fazer na internet, o meu sono se distancia de mim e tenho medo de passar outra noite às claras. Me esforçarei para estar deitado, no máximo às 2h.

0h43. O cara da Gantaku me respondeu, acho que vai rolar a versão exclusiva e bem mais bela. Ele já me passou as dimensões e o seu inglês é bem pior que o meu. Estamos tratando agora de valores. Preciso saber qual o custo de envio para o Brasil para ver se tenho verba para tanto.

1h01. O cara da Gantaku parou de responder. Espero que consigamos fechar a transação hoje. E espero que eu pegue a versão exclusiva.

-x-x-x-x-

17h03. Dormi bem e a resposta do cara da Gantaku foi um “ok” para as proposições de segurar uma versão exclusiva para mim e negociarmos após a SHCC. Semana que vem eu falo com ele. Hoje talvez saia com o meu primo-irmão, investigarei isso agora.


17h08. Mandei mensagem para ele. Coloquei Sandy para ouvir. Estou ligeiramente trêmulo, conversei um pouco com o meu primo urbano e continuo achando que ele está estranho comigo. Ou será que sou eu que estou estranho com ele? Eu acho que me ofereço com a alma aberta e desarmada eu creio. Acho que ele se esforça para isso também. Não sei porque acho que haja ruído, só sinto que haja. Algo que percebo, mas que não sei definir. Quase como se houvesse um sentido para além dos cinco que conscientemente experimento, que capta essa dissonância. Sei lá, falo asneiras porque estou trêmulo e apenas me esquentando na escrita. A terceira página acabou. Revisar e postar.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

MAIS TINDER

22h00. Acho que hoje vou dormir cedo. Achei uma supergata, nível modelo mesmo, no Tinder. Tudo de bom. Dei o superlike, mas cometi o equívoco de não copiar o seu Instagram, por onde eu poderia puxar conversa com ela. Estou aqui profundamente arrependido. Se bem que quando a esmola é boa, o santo desconfia, de toda sorte, tenho que tentar. E a coincidência: ela tem o mesmo nome do anjo do Tinder.

23h08. Santo Tinder plus! Apareceu uma nova garota e eu pude apertar o botão de rewind e voltar ao perfil dela. Já a adicionei no Instagram e joguei aberto com ela, vamos ver se ela vai ver ou responder. Não acho que tenha tanta sorte, mas ela está lançada. Já tinha me esquecido da paranoia de ficar olhando o Instagram para ver se a figura visualizou a minha mensagem. Estou nessa no momento, mas vou desencucar. Só há seis por cento de bateria, então mesmo que ela quisesse não poderia bater um papo hoje.

0h06. O evento cibernético Spooktacular da Sideshow Collectibles me roubou um tempo agora, tentando faturar uma figura do Flash bem legal num sorteio. Era um que não me incomodaria ganhar. Entro em todos da Sideshow, mas nunca levei nada, não vai ser dessa vez. A bateria do celular vai acabar a qualquer momento. Acho que hoje realmente vou me retirar dentro em breve, se bem que sempre me proponho a isso e me embrenho madrugada adentro.

-x-x-x-x-

13h15. Cá estou, acordei há mais ou menos uma hora com política na cabeça. Estou cansado disso e aliviado que o pleito se dará nesse domingo.

13h22. Já fiz a minha imagem de perfil para depois da eleição.




13h23. Não acredito que Haddad vá ganhar. Se ganhar, até eu vou duvidar da lisura do processo eleitoral. Não será um alívio, pelo contrário, será a confirmação de que o sistema político é mais podre e corrupto do que eu poderia supor. E nem posso imaginar qual será a reação da população frente a um resultado contrário a Bolsonaro. A nova garota do Tinder não viu as minhas mensagens e não creio que as verá. A outra que adicionei da mesma forma, pelo Instagram, nunca me respondeu nem olhou minhas mensagens. Vou pegar Coca e fumar um cigarro.

13h45. Li uma matéria sobre o show de Sandy que acontecerá hoje à noite e uma pontada leve de arrependimento me bateu por não ter comprado o ingresso quando ainda havia relativamente perto do palco. É a vida e segue. Mergulhei um pouco na internet, tudo gira em torno da política. Botei Björk alto para ouvir. Five Years ao vivo. Era uma música que não me apetecia muito, mas, ao prestar atenção na letra, me conquistou, é uma das minhas várias prediletas hoje em dia e a versão ao vivo é bem massa. Sobre assuntos do coração, confesso que o Tinder não tem me trazido grande sucesso. Sucesso nenhum para ser honesto.

14h16. Botei café na cafeteira elétrica que ganhei da minha tia jornalista para fazer. Quero economizar Coca e, especialmente, gelo. A verdade é que não estou encontrando muita disposição para as palavras esses dias, não é desmotivação, é falta do que dizer. Seria muito mais conveniente a Bolsonaro fechar o congresso e legislar a seu bel prazer. Não imagino como terá maioria no congresso. É claro que, como ele, eu sonhe com congressistas que votem de acordo com suas convicções, consciência e vontade de seu eleitorado, sem ser necessária nenhuma barganha ou transação política. Mas acho difícil que isso se dê. Se ele conseguir, só por isso já valerá o seu papel como presidente. Acredito que seria algo realmente novo na política mundial. Seria um exemplo, mas me parece conto de fadas. Estou desconcentrado, não sei direito o que escrevo. Queria ser presidente. Tenho medo, porém, de me corromper com o poder, como mencionei em post anterior. Vou ver o café e fumar.

14h36. Estava pronto e está bom. Tenho uma xícara ao meu lado. Não sou o único que escreve na minha família, tampouco o melhor, menos ainda o mais esforçado, mas sou o que mais se dedica à palavra por ter construído tempo para isso. Não acredito que nesse caso a prática leve à perfeição, o que me aproximaria dela seria ler uma boa gramática, mas sou um escritor preguiçoso e, agora, despretensioso. Nunca serei grande, aceitei isso. Não sei como, nem tenho talento para tanto. Sei me narrar e isso me contenta, então faço. É algo como uma conversa que travo comigo mesmo, um estudo das minhas percepções e experiências. O marido de uma amiga minha, artista de verdade e completamente, disse-me artista, fiquei lisonjeado com isso, mas não mereço ser alçado a tão grande altura. Pintei um punhado de quadros e deito palavras, nada mais. Pintar, não pinto mais. Foi paixão passageira, abortada pela necessidade de minha mãe de que eu me aprimorasse e dominasse a técnica, de que não ficasse “parado”, o que roubou da pintura a sua liberdade e seu aspecto lúdico para mim. Não a culpo, entendo tudo o que se passava na sua cabeça, sei que queria o meu melhor e que se sentia angustiada em me ver sem fazer nada, pois para ela era inadmissível tal posição na vida àquele tempo. Não gosto de apontar culpados. Se fosse culpar, culparia a mim mesmo que nunca gostei de fazer nada por obrigação e sempre odiei estudar (ódio que depois se voltou ao trabalho, quando esse parou de me recompensar à altura do meu sofrimento e empenho). Por não ter que me submeter a nada disso mais, me sinto abençoado e acredito que encontrei o meu lugar no mundo. Sou um covarde preguiçoso que ama se exibir através das palavras. Talvez seja um pouco mais que isso, mas esse pouco mais me escapa agora. Mais café e cigarro. Vou à Vila Edna no domingo, acabei de confirmar, minha alma precisa disso, será bom.

15h06. O café me faz bem, me deixa mais alerta, mais esperto, com mais energia, criativa inclusive. Não que eu crie algo quando escrevo, pois em verdade não escrevo, descrevo o que me vem à cabeça. É uma coisa menor, mas, como disse reiteradas vezes, é o que me cabe e agrada fazer, é a liberdade que exerço, é a minha forma de expressão, minha satisfação egoísta e ególatra. Não tenho vergonha de ser assim, aceito, me faz bem e me ajuda a tocar o barco do que, de outra forma, seria uma existência sem sentido. Não há utilidade outra no que produzo que não a satisfação pessoal. Acho que é o que todo mundo busca, eu encontrei nessa forma de expressão que, se tem algum diferencial, é ser muito minha, muito própria visto que absolutamente subjetiva. Não pesquiso, não analiso fatos, exceto pela campanha eleitoral. Isso passará e eu permanecerei. Com minhas paixões impossíveis e meus bonecos. E as palavras, sempre as palavras, em doses bem servidas, meu eu pede por elas como alguém que sufoca precisa de ar. Respiro palavras, as vomito irresponsavelmente, despretensiosamente pois abandonei a pretensão. Ela não me cabe e não me serve. Me resignei de que os meus planos de ser publicado falharam todos. Meu texto não merece a tinta e o papel. Que seja, isso não me impedirá ou me constrangerá de produzi-lo. Não sei porque me meto às vezes a essa “metalinguagem” e não importa saber, obedeço o que vem de mim, cada impulso, cada intenção. Claro, há o superego e ele é cada vez mais o meu superego que o do meu pai ou do meu irmão. Isso me agrada sobremaneira e alivia, dá leveza, à minha vida. Tenho certamente mais defeitos que as duas figuras supramencionadas, ou pelo menos os tenho de natureza mais repudiada pelo senso comum. Danem-se todos e me atirem a primeira pedra aqueles que não possuem defeitos. Sou um sujeito incomum, isso cria uma ruptura social que me desagrada e, ao mesmo tempo, me permite me exercer de forma mais plena e minha. Eu tenho exatamente o que busquei. Nem a mais, nem a menos. Bem, talvez um pouco a mais. Mas não me culparei por esse excedente de benesses. É o que a existência me oferta e colho o que me interessa. E pouco me interessa. Tento plantar, mas não tenho mão boa para o plantio. Que seja, se é solidão o que me cabe, acatarei e subsistirei, tenho minhas palavras por companheiras, fiéis e submissas. Por falar nisso dei um like em uma garota de 26 anos BDSM, uma categoria de perversão curiosa que envolve submissão, sadomasoquismo e dominação. Ela seria a parte dominada. Tentei adicionar ao meu WhatsApp, mas não tive êxito, seu telefone está no meu celular, mas não sei se teria coragem de machucar alguém, mesmo que ela pedisse por isso. Há um lado sádico e comodista meu que adoraria ter uma “escrava voluntária”, mas não consigo ver como uma relação que fosse me trazer satisfação. Por mais que, não vou mentir, uma mulher submissa me pareça uma ideia curiosa e atraente. Tenho pensamentos e sentimentos contraditórios sobre o tema. Não gosto de dor e não entendo como alguém pode desejá-la, mas sei que há pessoas assim. Eu acho que tentaria “curar” a pessoa dessa posição, pelo menos tentar compreender o que a levou a tal condição, a desejar ser subjugada, humilhada e sofrer pequenas torturas. É um universo que desconheço inteiramente e que por estar no limiar da marginalidade, por ser tabu, me atrai. O proibido, o que foge ao padrão sempre me causou profundo interesse. Não sei por que isso se dá, coisas do id, eu acho.

15h55. O meu texto é tão simplório e pobre, meu repertório vocabular tão limitado que chego a cansar de algumas palavras que uso, uso-as apenas por falta de alternativa. E tome repetição. Também – e isso sou eu passando a mão na minha própria cabeça – escrevo muito, não há como escapar das repetições. Vivo para escrita, mesmo que redundante. É o meu bem mais precioso, minha paixão maior, espero nunca desencantar dela. Aí sim, tudo se tornará extremamente redundante. O som está alto. Acho que vou, depois do café com cigarro, botar Björk de novo e aumentá-lo ainda mais, só estou eu aqui em casa. E o máximo que posso me dar nessa condição é ouvir a música na altura que eu quiser. Não sei se é pouco isso, mas me apraz. Vou lá fumar.

16h13. Voltei e soltei um Alice In Chains no volume 30. Massa. Só falta a minha mãe chegar agora, estou me sentido amplamente livre. O bróder que recolhe o lixo aqui do prédio apareceu enquanto fumava e chamou Bolsonaro de uma coisa que não tinha ouvido ainda: “psicopata”. Achei que lhe cabia de certo modo, por mais que esteja de posse de todas as faculdades mentais. Me divertiu tal colocação. Eita, estou sem nada na cabeça para dizer. O ar está ligado, a tarde cai, penso no anjo e mandei uma mensagem para a sua homônima, pedindo que lesse as minhas mensagens. Não sei se o fará, sei que é o máximo que posso fazer.


16h24. Minha mãe chegou e me intimou a ir ao shopping com ela hoje. Um cara me alertou que a homônima do anjo é um perfil fake. O que me faz suspeitar do anjo também. Sei lá. Sou muito ingênuo em termos de internet. Voltarei a falar com o meu anjo no domingo, assim que souber quem será o novo presidente, como prometido. Ela tem curtido as minhas fotos. Todas as que publico. Não sei. Sigo acreditando por falta de crença mais sólida. Essa eu sei ser demasiado vaporosa, mas é a que tenho. Por ora. Acabei de olhar o Tinder e parei numa moça de 20 anos até jeitosa que se diz “apaixonada por Homens Mais velhos”. Vou esperar até ter superlikes de novo para mandar-lhe um. É balconista e isso não me incomoda. Quem sabe a sorte não me sorri aí? Quem sabe não é ela que vai acabar com a minha solidão? Estou criando expectativas muito altas. Melhor baixar o facho. Mas ela não é de se jogar fora. Não sei quanto tempo o Tinder vai demorar para me conceder os superlikes, mas não tirarei de seu perfil até que aconteça. Ansiedade. Sou um cara ansioso e imediatista vivendo em tempos ansiosos e imediatistas. É a era do agora ou nunca. Acho que exagero, mas também acho que a internet e a informática de forma geral trouxe esse senso de urgência e velocidade que antes não existia. Eita, já entrei na quarta página. É revisar e postar. Acompanhe o que vai se dar em relação à garota no próximo post. Como se isso lhe interessasse. Hahaha.   

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

BISCOITO DA SORTE

22h27. Este dia não tem mais sentido para mim, não há razão para permanecer acordado.

22h42. No entanto, não estou com sono e me resta um pouco de Coca, escreverei até que a Coca acabe. Pode ser que não se dê nada de drástico com o governo Bolsonaro, nada que subverta a ordem constitucional. Torçamos para que isso ocorra e que ele faça uma faxina na corrupção de Brasília. Esperar pelo melhor é sempre mais agradável, mas o meu sentido aranha está desconfiado desse conto de fadas. Olhei o Instagram agora e nada de novo aconteceu.

23h23. Incrível, não consigo me desligar do Facebook e da briga política, me estranho por estar tão engajado, não é do meu feitio e nunca foi. Acho que porque agora toca nas minhas feridas, mexe com conceitos basilares de civilização, de civilidade e humanismo (embora nem saiba o que essa palavra significa em sua completude). Mexe com o ecossistema global, com a Amazônia. Mexe com muitas coisas que me são preciosas e com outras que sou completamente contra. Acho que Bolsonaro vai tentar varrer a corrupção do país? Tenho certeza de que vai tentar. Me incomoda o liberalismo econômico? Não entendo de economia o suficiente, mas garantidos os direitos do trabalhado não tenho nada de objetivo ou subjetivo contra. Todo o resto me incomoda, entretanto. E tem muito resto.

23h38. Estava namorando o site da Sideshow. Só há uma peça que me interesse no momento, mas esperarei a reforma do quarto. Até porque quero o Azure Dragon e não decidi qual das duas é mais importante para mim. Não tenho e não farei dinheiro para ambas, eu assumo. Os itens que coloquei à venda no eBay não estão saindo, emperraram. A Coca acabou, esse era o sinal para ir dormir.

0h26. Não estou com sono e estou bebendo água. Vou fumar mais um cigarro e encher o copo.

0h35. Meu irmão certa vez comentou que seu primogênito lhe lembrava a mim. Não lembra mais porque a lembrança que ele tem é de outro eu que não mais sou. O eu extrovertido, conversador e brincalhão deixou se ser, se perdeu no emaranhado de mim. Tornei-me mais sério, mais grave, mais sereno. Não sei se isso é bom ou é ruim, sei que gosto de ser quem eu sou e estar onde estou, antes não gostava. A idade vem me trazendo maior paz comigo mesmo, os embates entre o superego e o id são menos violentos e menos constantes. Entro num ciclo de paz com o mundo e suas dores. É um momento salutar por mais que a timidez e a esquiva social tenham se tornado parte desse eu que agora construo. Não digo que sejam condições definitivas, mas me agrada o isolamento com as minhas palavras. A solidão ainda fere e se me foco nela e ponho o dedo nessa ferida, ela lateja um misto de frustração e desilusão. De falta de esperança nesse âmbito. Não a perdi por completo, mas vejo o prospecto de realização dessa esperança cada vez mais distante de mim. Serei só, é o que penso. Permanecerei só, é o que meu coração me diz. Morrerei só, é para aí que a minha vida aponta. Mas não quero cutucar a ferida agora, não preciso sofrer desnecessariamente, me impingir sofrimento. Eu mereço mais que isso de mim. Eu mereço um pouco de amor próprio e respeito próprio e acho que venho alcançando isso durante a calejada existência que o universo me outorgou por forças as mais misteriosas. Não entendo por que mais um escritor não lido no universo. Não sei qual a relevância da minha existência para o esquema maior das coisas, para a sociedade na qual estou inserido quase sem estar. Talvez exista para explorar toda a liberdade magnífica de ser eu, ser da raça mais inteligente do planeta. Certamente não vim parar aqui para ser um reprodutor ou assíduo do sexo e das relações íntimas, certamente vim aqui para dar lucro à Sideshow Collectibles, o que é um grande prazer e que está perto de se esgotar por falta de espaço. Fumar e água.


Certamente.



A beleza, a percepção da beleza acho que é a maior maravilha da condição humana. Todos os tipos de beleza me encantam: gestos, palavras, natureza, melodias, sabores, texturas, odores, arte, garotas. Confesso que muitas vezes fico mesmerizado com a beleza, sou arrebatado por ela e fico por alguns instantes sem ação, me recuperando da fascinação que ela desperta em mim. É curioso isso e mais do que isso, extremamente prazeroso. A beleza eu diria que é o que traz luz à minha vida. E há tantas coisas que julgo belas, o mundo está repleto delas. O lado ruim de ter a beleza como a minha deusa é que sou extremamente seletivo esteticamente no que tange garotas. Mas não quero entrar nesse mérito agora. Minha última cartada, que talvez não lance na mesa da vida jamais, é belíssima. No amor, posso dizer que sou o meu próprio carrasco, sob a pena de sonhar mais alto do que as minhas asas suportam. Que seja, me aceito, isso é mais do que poderia esperar de mim mesmo e já percebi que é um processo contínuo e progressivo. A parte do progresso, mesmo que a passos de formiga, é o que mais me agrada pois sugere que o melhor ainda não chegou, ainda está por vir (e nunca chegará, em verdade, ao mesmo passo que cada vez mais me aproximo do que quero ser e me distancio do que eu não queria ser e vivia a buscar e me culpar pela minha incompetência, que não era incompetência de fato, mas incompatibilidade entre as minhas verdadeiras aspirações e as aspirações que julgava terem a meu respeito). Sou uma pessoa bastante limitada em diversos aspectos e quase ilimitada em outros. Das minhas limitações não mais me envergonho ou pelo menos a vergonha é bem menor. E vou comer algo. A fome bate.

2h03. Nossa, como amo o meu Hulk. Uma das melhores compras que já fiz. Não tem utilidade nenhuma, mas para mim é uma obra de arte e a utilidade está em si mesma, que é a beleza inerente à figura. Há beleza nos monstros, nalguns tipos, pelo menos. Há beleza em tudo, se você vir com o olhar certo. Como dizem, a beleza está nos olhos de quem vê. E eu estou sem saco para escrever. Queria mandar uma mensagem para o anjo do Tinder, mas me conterei até depois das eleições, como prometido.

3h24. O maior evento da Sideshow Collectibles está prestes a começar, o Spooktacular. Não irei dormir antes de ver o que vai acontecer, estou no site dedicado ao evento que está em contagem regressiva. Eu tenho uma fixação por contagens regressivas ou barras de carregamento, não sei o que tanto me atrai, mas gosto de observar os números e porcentagens se desenrolando para a consecução de algo. Gera uma antecipação, um frisson gostoso, como quem espera o Natal chegar. Esperar algo bom que sei ou tenho convicção de que vai acontecer me agrada. É como uma certeza agendada, esperando o seu momento de germinar. Tomara que lancem uma figura nova, que geralmente fazem, revelam uma figura por dia, pois, como disse, é o maior evento anual da Sideshow (afora as convenções, mas mesmo com essas, acho o Spooktacular maior para a empresa). Sou fã, tenho até camiseta com a marca. Dezoito minutos para o início, que pelo visto vai se dar às 4h daqui, justamente quando mamãe disse que iria acordar. Levarei esporro. Vale a pena, embora esteja ficando com sono. Vai ser rápido, a revelação de uma nova estátua talvez. Quatorze minutos. Espero que seja uma revelação bombástica, daria preferência a uma linda garota, aliás, não queria isso, chega de tentações. Mas queria ver algo novo e impactante. Provavelmente vou me decepcionar. Veremos dentro de breves minutos. Vou fumar um cigarro, é o tempo.

4h05. Grande perda de tempo. Nenhum lançamento revelado, um bando de bonecos encalhados com frete internacional grátis e alguns sorteios. Espero que quando acordar as coisas estejam mais interessantes. Hoje é dia do Sideshow Live, mas perdi o tesão de acompanhar. Lá distribuem códigos promocionais e às vezes revelam lançamentos. Talvez assista hoje, quem sabe, só para dar uma chance.

4h11. Vou fumar o saideiro e ir dormir.

4h19. Ainda não me sinto disposto a dormir. Quero visitar os grupos de Facebook do maravilhoso mundo dos bonecos. E lançar a pergunta sobre qual a última aquisição/encomenda dos usuários.

-x-x-x-x-

14h13. Lancei a pergunta, muitos responderam, mas isso não me interessa. Minha dor nas costas deu uma piorada sensível durante a madrugada, mas minha mãe me deu um remédio que a amenizou, estou praticamente sem dor agora. Estou sem vontade de escrever – ainda despertando –, mas não estou entediado, graças. O anjo do Tinder curtiu a postagem que fiz com o texto do biscoito chinês no Instagram. Esse gesto mínimo é o suficiente para achar que ela presta atenção em mim, que existe um interesse dela pela minha pessoa. Nada mais distante da realidade. Vou cortar as minhas unhas. Coloquei a lista 6 em modo aleatório.

14h56. Cortei. A melancolia quer se chegar e lançar suas garras negras sobre mim. Espero que seja passageiro. Vou fumar. Já estou na terceira página, então esse post não tardará.

15h07. A política parece que exala pelos meus poros. E olhe que me considero um ser muito pouco político. Muito pouco mesmo. A impressão que eu tenho é que parte dos eleitores de Bolsonaro são como leões selvagens e famintos acorrentados, esperando, irrequietos e irritados, que lhes soltem para caçar. Hoje promete ser um dia menos interessante que ontem. U2 rola no som, In God’s Country. Gosto muito. Às vezes me bate um medo de ser perseguido, coagido ou acuado de alguma forma por fazer oposição a Bolsonaro. Minha mãe disse para eu não me preocupar. Às vezes me vem à cabeça que a única forma de Bolsonaro ter governabilidade é através de um golpe, o que alimenta o meu temor anterior. Às vezes penso que tudo vai ficar bem e que serão só cinco anos – se ele mudar a regra da reeleição – e que cinco anos na minha idade passam rápido. É o tempo de o anjo amadurecer. É o tempo de muita coisa acontecer. Estou preparado para elas e as aceito, quaisquer que sejam. Só está passando U2, o que é uma delícia. A existência tem sido bastante generosa comigo, nada posso exigir dela além do que já tenho e do que me espera.


16h19. Minha mãe chegou, isso me deixa feliz porque a amo. Foi um caminho longo e tortuoso para amá-la, mas finalmente me permiti e ela mudou o tanto que é capaz de fazê-lo no momento. Sou grato por ela ter operado essa mudança, especialmente em relação à minha pessoa e meus hábitos peculiares. Realmente muito grato. Ela hoje contribui mais do que rouba a minha qualidade de vida, presente inesperado da existência. Falo muito a palavra existência, né? Fato é que não encontro palavra mais abrangente e ao mesmo tempo mais precisa para nomear o que experimento. Acabou a terceira página.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

BRANCO, PRETO E CINZAS



21h16. Falei com o meu amado irmão, sempre me faz um bem enorme. Aparentemente iremos a Areias quando ele vier no final do ano, possivelmente com Maria e poderemos, enfim, levar as cinzas de papai para jogar na maré de Macau. Estou sem saber o que dizer e sem vontade de dizer. Vou bisbilhotar a internet.

21h32. Nada de interessante. Aliás, só uma garota de cabelos azuis que é de Recife e está no Adote um Cara, mas que não apareceu no aplicativo quando o reinstalei. Deixa para lá. Estava começando a me bater um tédio, então voltei para cá, meu porto seguro, minha salvação, meu ofício que amo. Não tenho nada a dizer, por que será? Sinto uma conexão maior com o maravilhoso mundo dos bonecos. Há tempos não sentia.

22h03. Estive mergulhado no maravilhoso mundo dos bonecos até que enchi o saco. A paz do post anterior me abandonou. Sinto que cada vez significo menos. Não só para mim, mas especialmente para os demais. Eu me esvazio de conteúdo, de coisas novas, de vivências. Meu irmão ficou feliz que estou entrando em apps de relacionamento, confessei-lhe que não tenho dado muita sorte. Para que escrever? Para que dizer da minha miséria afetiva? Em que isso vai me ajudar, em que vai mudar alguma coisa? É só pela catarse do desabafo? Acredito que sim. Só penso no anjo e na impossibilidade do anjo. Me dói não ser ideal como o anjo é para mim. Não desistirei. Ainda. Mas, como em relação à campanha eleitoral, as coisas já estão virtualmente decididas e são contrárias ao meu desejo. Não me espantaria nada, Bolsonaro dar um golpe de estado. Bom, o que será, será.

-x-x-x-x-

14h06. Sem a mínima disposição de ir para Ju, mas irei. O país está doente. Ou já era doente e agora os sintomas irromperam. Estamos longe de ser uma nação civilizada. Apostamos numa “moralização” do Estado. Os custos dessa suposta “moralização” cabe ao futuro revelar. Às vezes me parece uma moralização com gosto de sangue, sedenta de sangue, portanto uma moralização que fere, inclusive a democracia.

14h25. Pouco mais de meia-hora até entrar no banho. Preciso ver o programa de ontem de Bolsonaro.

14h41. Não achei e perdi o meu tempo na internet, li que ele declarou que vai caçar petistas e vermelhos, ou seja, a oposição. Isso não me soa lá muito democrático ou constitucional. Bom, espero que sejam palavras vazias, como ele diz que todos os seus depoimentos passados foram.

14h53. A hora de tomar banho se aproxima, galopante. Não estou com saco para nada hoje, essa é uma sensação que se apresenta repetidamente nos últimos dias. Não me desagrada, porém não convém hoje. Queria ficar aqui escrevendo, tomando café e Coca, ouvindo música, que ainda não coloquei. Não terei tempo para isso agora. Quando voltar de Ju. Não sei o que dizer a ela. Vou olhar o Tinder.

15h03. Nada que tenha feito os meus olhos brilharem, mas dei um superlike em uma. Preciso tomar banho. Antes, preciso tomar coragem. Estou satisfeito com a vida por me apresentar poucas, mas grandes contrariedades. Estou com medo da censura de Bolsonaro e de ser uma de suas vítimas.

17h32. O que ficou de mais marcante da minha consulta com Ju foi justamente a declaração final dela: “tenho muito carinho por tu”. Me calou bem e profundamente. Me fez muito bem, o que demonstra a enorme carência afetiva a que me submeto. Eu poderia amar Ju, acho que seria fácil e bom. Mas não vou misturar as coisas pois não devem ser misturadas. Nem sei bem o que digo, estou com uma dor chata nas costas que me impede de me concentrar propriamente.

17h49. Estou sem saco de escrever.

19h43. Estava vendo um programa que meu irmão JP, aniversariando hoje, me mandou. Sem comentários porque não estou com paciência para eles. A dor nas minhas costas me incomoda, tenho que caminhar muito lentamente para minimizá-la e só com algum tempo em pé a coisa melhora um pouco. Estou ficando velho, isso jamais aconteceria aos meus 18 anos. Ficar velho me assusta, a velhice sempre me foi assustadora e torna-se ainda mais quando vejo como se apodera da minha mãe, debilitando-a. Tomei um Dorflex dado pela fantástica faxineira, mas acho que ainda não fez efeito, ou se fez, não foi muito grande. Queria muito mandar uma mensagem para o anjo do Tinder.

21h04. Minha mãe chegou, disse que vai botar uma compressa de água morna para eu deitar em cima. Minhas costas estão demais. Se for como da primeira vez que ocorreu, vou passar uma semana sentindo essa dor. Coisas da vida, é aceitar e suportar. Mandei o discurso de Bolsonaro para a minha mãe ler. Não sei se o fará. Tanto faz, em verdade. Eu pelo menos dormirei com dor nas costas e a consciência limpa de não ter apoiado o ser. Queria tanto falar com o anjo, mas esperarei. Tenho todo tempo que a existência me concede. A frase de Ju ainda ecoa dentro de mim e ter vindo quando falo do meu lado afetivo é estranho e errado. Pensei em mandar um WhatsApp dizendo que o carinho é recíproco, mas não o farei, não sei que interpretação ela teria e não quero abrir margens. É algo desnecessário em nossa relação. Não estou com vontade de escrever, acho que vou comer e me deitar. Não quero isso também. Não ainda.

21h39. Interessante como a dor atrapalha o raciocínio, o constante desconforto, meu corpo gritando que não é mais o que costumava ser.

22h37. A Gatinha me ligou. Foi bom, é bom ouvi-la, sabê-la, sempre. Estou mais despretensioso em relação a vida, já não me importa mais ser escritor, importa apenas escrever. Se é válido ou lixo não cabe a mim julgar, nem me importa mais o julgamento alheio. Tenho em minha cabeça que nunca serei publicado e tal constatação já não me afeta ou frustra como antigamente. Em verdade tenho vergonha de como me apresento no Diário do Manicômio. Talvez hoje seja um pouco mais do que fui, devo ser, errar e reconhecer os erros é crescer. Acho que consegui rever alguns e não mais os cometo. Não sou uma pessoa exemplar, longe disso, nunca o serei, mas estou contente com a minha humilde pequenez. Queria muito, muito, muito ter uma namorada jovem, gata e legal, mas eu não sou jovem gato e não sei se sou legal, logo a probabilidade de isso acontecer é mínima. Nas redes sociais quase tudo é política e toda a luta da esquerda é em vão. Pelo menos teremos a consciência limpa de que tentamos e alertamos, restar-nos-á sofrer as consequências. O que mais me dói não é o que fará à democracia e aos brasileiros, mas o que objetiva fazer contra a Mãe Natureza, um dano que será irreparável, irresponsável e burro. Nossa, que desastre.

23h20. Cansei de política por hoje, já tive a minha avalanche de notícias e contranotícias. Aceitação, acho que estou nessa fase agora. Aceitando a vida como ela é. E sendo extremamente grato por ser assim comigo. Acho que o meu lugar no mundo, que é muito peculiar e muito meu, valeu todo o sofrimento pregresso pelo qual passei e me submeti. Estar livre da depressão, da escravidão do trabalho, podendo me dedicar ao meu ofício que tanto amo e que não me remunera economicamente, mas me recompensa das demais formas, é sem dúvida uma existência abençoada. Apesar da dor nas costas, apesar de Bolsonaro, apesar de não ter uma namorada e de abdicar da vida social (não alcanço e cada vez mais distante fica), apesar desses pesares, gosto de quem vou me tornando, gosto de ser e de estar no mundo. Não tenho lá muitas convicções ou opiniões formadas acerca das coisas dos homens e elas não me interessam e se interessam, interessam cada vez menos. Me fecho em mim, me tranco na minha gaiola – o quarto-ilha – onde posso ser completamente livre através do meu texto.

23h46. Vi as top do Tinder e havia um par de mulheres deformadas de tanta malhação, negócio horrível, não me atrai nem um pouco. Eu não vou mentir, o anjo não me sai da cabeça. Pode ser que outra surja, mas eu já desenvolvi afeto por ela. Acho ela especial. Em verdade, acho que é uma patricinha de Boa Viagem sem muita coisa na cabeça, mas é absolutamente linda e parece ser alegre, ter a alma leve e fresca, do frescor que só a juventude proporciona. Ela me encanta. Eu que também sou um desmiolado sem muito na cabeça. Outra coisa que não me sai da cabeça é a liberação do desmatamento da Amazônia pelo odioso. É de uma estupidez tão desmensurada que me faltam palavras, é inconcebível. E pode se tornar um fato.

-x-x-x-x-

12h11. Depois de devidamente acordado pela minha dose matinal de café e nicotina, venho me pôr à disposição das palavras. A dor nas costas melhorou sensivelmente, mas está longe da normalidade. Acordei pensando em garotas. A declaração de Ju ainda encontra eco em meu peito, acho que pela imensidão da minha carência. Mas não posso nem vou confundir as coisas. Mal começo e já me encontro sem assunto.

13h22. Postei um monte agora no Facebook para protestar sobre Bolsonaro. É uma situação calamitosa a que vivemos.

14h27. Fiz um elogio sincero à Portuguesinha, gosto de fazer elogios sinceros às pessoas, por outro lado, tenho imensa dificuldade em fazer críticas, não me sinto autorizado ou com envergadura moral para criticar ninguém. Acompanhar ciberneticamente o dia-a-dia da Portuguesinha é algo que me traz enorme satisfação, me dá a falsa sensação de proximidade e me deixo iludir por isso.


16h08. Embebido na política novamente. É a campanha de mais baixo nível que já presenciei, o que demonstra o nosso nível de civilidade. Estou com vergonha do Brasil, não o reconheço como a pátria que eu amo, a mim me parece um monstro desfigurado moralmente. Mas sou um ser ignorante politicamente, não entendo de política e acho uma profissão ingrata no país. Sigo acreditando que é preciso ter uma alma muito nobre para não se corromper com o poder. Eu não sei se eu teria essa lisura de caráter, creio que não, tendo em vista todos os malfeitos que já cometi em minha vida. Sou uma pessoa um pouco diferente hoje, é verdade, e seguirei me lapidando no que for capaz, mas não afasto de mim o risco de ser corruptível. Minha reputação não é nada ilibada e cometi diversas atrocidades morais das quais me arrependo e que não pretendo repetir, mas cuja própria existência deixa margens para novos erros. Não quero poder para além do que é meu e de mim. Até gostaria de ter o poder de seduzir uma garota que me interesse (e penso logo no anjo do Tinder), mas aí paira a minha incompetência social com o sexo oposto. E como sou incompetente nesse aspecto e como me é custosa tal incompetência. O preço é a solidão. Pago reclamando o mínimo que posso e não tenho outro a quem cobrar senão a mim mesmo pelo meu absoluto fracasso. Me conforto está em já ter amado muito e profundamente e de ter experimentado todos os ônus e os bônus do amor. Amei. Posso dizer com absoluta convicção. Absorvi e compreendi o amor, sei o que é, do que se trata, o que traz e o que deixa. E acabou-se a terceira página. 

domingo, 21 de outubro de 2018

COMO QUE ILUMINADO



15h58. Recebi duas notificações do Tinder, de duas garotas diferentes. Vou investigar. No mais acordei tarde hoje e recebi uma carrada de protestos e ameaças da minha mãe, as que mais me assustaram foi a de trocar de psicóloga e psiquiatra. Não vou trocar de psicóloga, o que minha mãe não parece entender é que não há psicóloga que vá me transformar na pessoa que ela deseja que eu seja, simplesmente porque eu não sou nem quero ser essa pessoa. Ela acha que eu estou obcecado por aplicativos de paquera, eu os tenho usado como último recurso para conhecer alguém que me agrade levando a vida de ostracismo que voluntariamente levo. Se tenho fixação é por uma garota específica, o que outras pessoas chamariam de paixão (bastante platônica até o momento). A medida que o tempo foi passando, minha mãe foi se acalmando e agora repousa antes de encarar a aula que vai ter que preparar. Vou ver o que o Tinder me trouxe.

16h16. É uma supergata, do tipo que me intimida mais do que me atrai e ela mandou a mensagem “Vielas”, não sei se isso é bom dia ou olá em outra língua, sei que respondi “ruas estreitas”. Hahaha. Não acho que isso vá para canto nenhum. Até porque demorei a responder.

16h34. Fui atender ao chamado da natureza, que não me deixa esquecer que sou um bicho, colocar Coca e fumar um cigarro. Nenhuma resposta da supergata. Perguntei o que ela achou de interessante em mim.

16h40. Apareceram novas garotas no Tinder, dei um superlike em uma. Não acho que vai rolar. Não acho que o Tinder é o caminho e infelizmente ainda só tenho olhos para o anjo. Vou colocar a lista 6 do começo.

16h44. Estou sem muita inspiração, mas seguirei a perseguir palavras porque não há mais nada que me apeteça. Estou cansado de política, as redes sociais são dominadas pelo assunto, cansa. Já se sabe o resultado do pleito, já se sabe muito bem quem o novo presidente é como pessoa, medíocre, preconceituoso e autoritário. Vai ser bom para o amadurecimento político da nação. Para o meu amadurecimento político. Eu que sou um néscio politicamente falando. E em outros muitos aspectos também. Não tenho vergonha da minha ignorância. Tenho vergonha do meu bucho e do meu pau pequeno, o que mostra a exata dimensão da minha ignorância. Vou mergulhar um pouco nos Instagram. Em verdade vou ver se o anjo postou uma nova foto. Ou a Portuguesinha alguma de suas histórias.

16h58. Nada, só minha ex-madrasta postando incansavelmente posts em defesa de Bolsonaro e pouco mais que isso. Acho que vou fumar outro cigarro.

17h09. Não estou com vontade de nada, basta-me existir apenas. Parece pouco e é. Mas estou começando a me acostumar a ter só isso. O tédio não me acomete e isso para mim é o suficiente. Em verdade, não entendo como não me acomete, mas prefiro não entender e não o sentir. Não estou nem com saco de pensar no anjo. Quero apenas estar, me basta ser e estar. É quase um estado meditativo. Essas coisas esotéricas me lembraram o cara da massagem. Confesso que não tenho o menor interesse em me submeter àquilo de novo. Se há uma coisa que deseje? Ver o Batman branco que encomendei. Afora isso, nada. Qualquer mudança na minha atual condição me gera desconforto. Estou extremamente bem existindo por existir nesse momento, tomando minha Coca Zero e fumando os meus cigarros com minha mãe dormindo. Tudo na mais perfeita paz e harmonia, todas as minhas necessidades satisfeitas. Até estranho que não sinta tédio. Talvez a medicação tenha começado a surtir efeito. Ou eu realmente estou em paz com a existência no momento. Quando penso na existência, a imagem que me vem é a de uma nébula. Engraçado, nunca tinha parado para reparar nessa visão platônica minha. Grandiosa, para dizer o mínimo, e mesmo assim uma fração insignificante do universo, por mais que ache que nada no universo seja insignificante, tudo tem seu sentido de ser, seu papel. Vou pegar mais Coca e fumar.

17h35. Não sinto necessidade de nada e isso me traz uma bem-estar singular. Não preciso, não anseio, não há vazio, estou e me sinto pleno. Não há aperreios, estresses, angústias, incômodos. Só o contentamento de ser eu comigo mesmo nesse momento, acho um estado muito raro de alcançar e me surpreendo com ele. Não sei como cheguei até aqui nem quanto tempo vai durar. Björk no som me completa e repito, não preciso de mais nada. Como investigar esse estado? Quais as causas? Não sei e sinceramente não importa, nada mais importa além de estar aqui e agora. Pensar no futuro gera desconforto, quero sorver o presente, o agora, o que virá, virá, o que tiver de ser será, não há nada que eu possa fazer, o fluxo da existência é mais poderoso que eu, o controle é uma ilusão. Sou apenas um conjunto de átomos que se dá demasiada importância. Um ser que finge ser especial, que se acredita especial, sou poeira cósmica complexamente estruturada pelo acaso-destino tentando fazer o melhor dessa condição sui generis e efêmera. Assim como Bolsonaro e Haddad. Postei tal constatação no Facebook. Achei que deveria, segui o impulso que me veio. Minha mãe acordou e continuo em paz. Que paz gigantesca e absoluta experimento. Se for por causa da medicação minha profunda gratidão a ela e pelo acesso a ela. Mas acho que há um algo mais hoje, como houve ontem. Só que hoje o contentamento é maior, a paz é maior. É um prazer existir assim, sem expectativas ou desejos, momento a momento.

18h14. Me perdi no Facebook. Não deveria, mas já foi, passou. Tenho que compartilhar com a minha mãe da minha paz grandiosa e bela e inexplicável.

18h23. Ela estava ao telefone com o meu padrasto o que me deu uma luz sobre o que experimento nesse momento, é como se tivesse me desligado da minha humanidade, como se, através dela, eu aceitasse o que sou e o que não sou, que sou um fluxo do universo, me sinto em completa sintonia e harmonia com o universo, com a existência. As questões humanas, as neuroses humanas perdem o sentido nessa visão ampliada, elas me parecem como que ilusões, delírios, abstrações (que deveras são) e que não me importam ou me incomodam nesse momento. Parecem coisas pequenas e insignificantes, a paz e o desapego são mais importantes que qualquer outra coisa, a aceitação das coisas como são é o mais importante, a gratidão por esse momento é mais importante e a gratidão que sinto é imensa. Até o amor me parece algo menor, a paz é maior que o amor, é realmente uma sensação curiosa, de desligamento, de liberdade, de grandeza na minha imensa pequenez. Minha pequenez é bela, como é bela uma pequena pérola. Não sei quanto tempo esse estado vai durar, não sei quando aterrissarei desse estado, mas queria continuar planando indefinidamente. Sei que isso não durará para sempre, que pode ser um rompante de mania (é sempre o que penso e desconfio quando estou bem). Só tenho um desejo: comprar mais Coca porque a que tenho está no fim. Afora isso não desejo mais nada. Minto, desejo continuar carregando essa sensação de paz comigo e com tudo o que há enquanto me for permitido. Me lembra muito o sentimento de “nirvana” que experimentei em um delírio de cola, só que agora completamente lúcido. Só preciso de mim e do que me cerca, não preciso que nada venha e que nada parta. Permanecer assim é o que me interessa. Acho que já redundo, mas que redunde, esse momento é completamente meu, a existência me deu esse presente e agradeço. Obrigado universo por permitir minha existência com a consciência dessa forma.

18h56. Aceitação. “Não tem jeito, Bolsonaro vai ser presidente. É necessário para o amadurecimento político e democrático do país. As lições mais duras são as mais difíceis de serem esquecidas”. Postei no Facebook e saí. Entrei no meu Facebook de bonecos, preciso de um pouco de fantasia.

19h11. Minha mãe veio falar para eu deixar o Diário do Manicômio de lado, esquecer do assunto. O livro, nesse agora que experimento, me parece uma ilusão. O meu próprio eu me parece uma ilusão que permite ao animal Mário existir na sua condição de homem. Tudo parece distante e irrelevante. Só o momento importa. O momento e a paz do momento. Falei da paz que estou sentindo para a minha mãe e ela não pensou duas vezes em dizer que era por causa do remédio. Que seja, me importa a transcendência do momento, não suas causas. Pensei novamente no massagista e quero desistir dele. Não faz sentido para mim. Não me agrada, não quero. Voltando ao livro, acho que só iria me ferir com a sua publicação. Nada mais vou fazer em relação a ele. Os estragos já estão feitos e não sei se conseguirei desfazê-los. Isso abala a minha paz, o futuro abala a minha paz. E o livro está entregue ao meu tio que tenho convicção que não tomará atitude para publicá-lo, então fico mais tranquilo. É algo que teve seu momento e que passou. Não sinto necessidade de me reconhecer escritor. Isso é outra ilusão, fruto do egoísmo e da egolatria. A Coca acabou e minha mãe consentiu em me financiar mais uma. Vou de café enquanto isso não acontece, mas não agora. A garantia do café roubou a urgência que me tomava. Não devo quase nada a quase ninguém. Devo respeito à minha mãe desde que ela me respeite em retorno. O retorno independe de mim. Não estou preocupado com retorno. O momento é maior que qualquer desejo. O momento é de não-desejar. De viver e apreciar essa extraordinária condição. Esmiuçá-la em palavras ouvindo Björk no meu quarto-ilha é tudo o que preciso. Penso no anjo do Tinder, na sua beleza extasiante para mim. Beleza que nunca se entregará a mim. E, se a solidão tivesse sempre o aspecto que agora possui, não me faria falta nenhuma. Seria indescritivelmente bom e belo tê-la deitada na minha cama, mas a possibilidade inexiste, não é o que a existência quer para mim. Só me resta ter a humildade de aceitar. Se eu não faço nada para mudar, não há como as coisas mudarem. Simples assim. Tenho medo que mudem. Simples assim. Dono dessa paz, para que mudar? Hoje é um dia especial. O celebro fazendo o que usualmente faço. O que parece sugerir que faço a coisa certa. Se me agrada e não fere a mais ninguém, não há erro. Vou no café e cigarro.


19h55. Meu amigo jurista não gostou da colocação sobre Bolsonaro que eu postei no Facebook. Disse-lhe que continuasse a lutar, eu joguei a toalha, pois acho inevitável. E porque tal assunto não me importa agora. Arcarei com as consequências das escolhas do meu país. Não estou com o espírito de combate, só quero paz e tenho paz no momento, estou num momento muito meu, não estou pensando em mais ninguém, só na maravilha que é a existência, é tão raro esse alumbramento, não quero que a disputa presidencial o atrapalhe. Vou comprar a Coca, mamãe já me deu o dinheiro. Não, não agora. Dentro em breve. Não quero sair do quarto-ilha, não quero abandonar as palavras. Se bem que estou sem ter o que dizer. Já me repeti demais.