terça-feira, 23 de outubro de 2018

BRANCO, PRETO E CINZAS



21h16. Falei com o meu amado irmão, sempre me faz um bem enorme. Aparentemente iremos a Areias quando ele vier no final do ano, possivelmente com Maria e poderemos, enfim, levar as cinzas de papai para jogar na maré de Macau. Estou sem saber o que dizer e sem vontade de dizer. Vou bisbilhotar a internet.

21h32. Nada de interessante. Aliás, só uma garota de cabelos azuis que é de Recife e está no Adote um Cara, mas que não apareceu no aplicativo quando o reinstalei. Deixa para lá. Estava começando a me bater um tédio, então voltei para cá, meu porto seguro, minha salvação, meu ofício que amo. Não tenho nada a dizer, por que será? Sinto uma conexão maior com o maravilhoso mundo dos bonecos. Há tempos não sentia.

22h03. Estive mergulhado no maravilhoso mundo dos bonecos até que enchi o saco. A paz do post anterior me abandonou. Sinto que cada vez significo menos. Não só para mim, mas especialmente para os demais. Eu me esvazio de conteúdo, de coisas novas, de vivências. Meu irmão ficou feliz que estou entrando em apps de relacionamento, confessei-lhe que não tenho dado muita sorte. Para que escrever? Para que dizer da minha miséria afetiva? Em que isso vai me ajudar, em que vai mudar alguma coisa? É só pela catarse do desabafo? Acredito que sim. Só penso no anjo e na impossibilidade do anjo. Me dói não ser ideal como o anjo é para mim. Não desistirei. Ainda. Mas, como em relação à campanha eleitoral, as coisas já estão virtualmente decididas e são contrárias ao meu desejo. Não me espantaria nada, Bolsonaro dar um golpe de estado. Bom, o que será, será.

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14h06. Sem a mínima disposição de ir para Ju, mas irei. O país está doente. Ou já era doente e agora os sintomas irromperam. Estamos longe de ser uma nação civilizada. Apostamos numa “moralização” do Estado. Os custos dessa suposta “moralização” cabe ao futuro revelar. Às vezes me parece uma moralização com gosto de sangue, sedenta de sangue, portanto uma moralização que fere, inclusive a democracia.

14h25. Pouco mais de meia-hora até entrar no banho. Preciso ver o programa de ontem de Bolsonaro.

14h41. Não achei e perdi o meu tempo na internet, li que ele declarou que vai caçar petistas e vermelhos, ou seja, a oposição. Isso não me soa lá muito democrático ou constitucional. Bom, espero que sejam palavras vazias, como ele diz que todos os seus depoimentos passados foram.

14h53. A hora de tomar banho se aproxima, galopante. Não estou com saco para nada hoje, essa é uma sensação que se apresenta repetidamente nos últimos dias. Não me desagrada, porém não convém hoje. Queria ficar aqui escrevendo, tomando café e Coca, ouvindo música, que ainda não coloquei. Não terei tempo para isso agora. Quando voltar de Ju. Não sei o que dizer a ela. Vou olhar o Tinder.

15h03. Nada que tenha feito os meus olhos brilharem, mas dei um superlike em uma. Preciso tomar banho. Antes, preciso tomar coragem. Estou satisfeito com a vida por me apresentar poucas, mas grandes contrariedades. Estou com medo da censura de Bolsonaro e de ser uma de suas vítimas.

17h32. O que ficou de mais marcante da minha consulta com Ju foi justamente a declaração final dela: “tenho muito carinho por tu”. Me calou bem e profundamente. Me fez muito bem, o que demonstra a enorme carência afetiva a que me submeto. Eu poderia amar Ju, acho que seria fácil e bom. Mas não vou misturar as coisas pois não devem ser misturadas. Nem sei bem o que digo, estou com uma dor chata nas costas que me impede de me concentrar propriamente.

17h49. Estou sem saco de escrever.

19h43. Estava vendo um programa que meu irmão JP, aniversariando hoje, me mandou. Sem comentários porque não estou com paciência para eles. A dor nas minhas costas me incomoda, tenho que caminhar muito lentamente para minimizá-la e só com algum tempo em pé a coisa melhora um pouco. Estou ficando velho, isso jamais aconteceria aos meus 18 anos. Ficar velho me assusta, a velhice sempre me foi assustadora e torna-se ainda mais quando vejo como se apodera da minha mãe, debilitando-a. Tomei um Dorflex dado pela fantástica faxineira, mas acho que ainda não fez efeito, ou se fez, não foi muito grande. Queria muito mandar uma mensagem para o anjo do Tinder.

21h04. Minha mãe chegou, disse que vai botar uma compressa de água morna para eu deitar em cima. Minhas costas estão demais. Se for como da primeira vez que ocorreu, vou passar uma semana sentindo essa dor. Coisas da vida, é aceitar e suportar. Mandei o discurso de Bolsonaro para a minha mãe ler. Não sei se o fará. Tanto faz, em verdade. Eu pelo menos dormirei com dor nas costas e a consciência limpa de não ter apoiado o ser. Queria tanto falar com o anjo, mas esperarei. Tenho todo tempo que a existência me concede. A frase de Ju ainda ecoa dentro de mim e ter vindo quando falo do meu lado afetivo é estranho e errado. Pensei em mandar um WhatsApp dizendo que o carinho é recíproco, mas não o farei, não sei que interpretação ela teria e não quero abrir margens. É algo desnecessário em nossa relação. Não estou com vontade de escrever, acho que vou comer e me deitar. Não quero isso também. Não ainda.

21h39. Interessante como a dor atrapalha o raciocínio, o constante desconforto, meu corpo gritando que não é mais o que costumava ser.

22h37. A Gatinha me ligou. Foi bom, é bom ouvi-la, sabê-la, sempre. Estou mais despretensioso em relação a vida, já não me importa mais ser escritor, importa apenas escrever. Se é válido ou lixo não cabe a mim julgar, nem me importa mais o julgamento alheio. Tenho em minha cabeça que nunca serei publicado e tal constatação já não me afeta ou frustra como antigamente. Em verdade tenho vergonha de como me apresento no Diário do Manicômio. Talvez hoje seja um pouco mais do que fui, devo ser, errar e reconhecer os erros é crescer. Acho que consegui rever alguns e não mais os cometo. Não sou uma pessoa exemplar, longe disso, nunca o serei, mas estou contente com a minha humilde pequenez. Queria muito, muito, muito ter uma namorada jovem, gata e legal, mas eu não sou jovem gato e não sei se sou legal, logo a probabilidade de isso acontecer é mínima. Nas redes sociais quase tudo é política e toda a luta da esquerda é em vão. Pelo menos teremos a consciência limpa de que tentamos e alertamos, restar-nos-á sofrer as consequências. O que mais me dói não é o que fará à democracia e aos brasileiros, mas o que objetiva fazer contra a Mãe Natureza, um dano que será irreparável, irresponsável e burro. Nossa, que desastre.

23h20. Cansei de política por hoje, já tive a minha avalanche de notícias e contranotícias. Aceitação, acho que estou nessa fase agora. Aceitando a vida como ela é. E sendo extremamente grato por ser assim comigo. Acho que o meu lugar no mundo, que é muito peculiar e muito meu, valeu todo o sofrimento pregresso pelo qual passei e me submeti. Estar livre da depressão, da escravidão do trabalho, podendo me dedicar ao meu ofício que tanto amo e que não me remunera economicamente, mas me recompensa das demais formas, é sem dúvida uma existência abençoada. Apesar da dor nas costas, apesar de Bolsonaro, apesar de não ter uma namorada e de abdicar da vida social (não alcanço e cada vez mais distante fica), apesar desses pesares, gosto de quem vou me tornando, gosto de ser e de estar no mundo. Não tenho lá muitas convicções ou opiniões formadas acerca das coisas dos homens e elas não me interessam e se interessam, interessam cada vez menos. Me fecho em mim, me tranco na minha gaiola – o quarto-ilha – onde posso ser completamente livre através do meu texto.

23h46. Vi as top do Tinder e havia um par de mulheres deformadas de tanta malhação, negócio horrível, não me atrai nem um pouco. Eu não vou mentir, o anjo não me sai da cabeça. Pode ser que outra surja, mas eu já desenvolvi afeto por ela. Acho ela especial. Em verdade, acho que é uma patricinha de Boa Viagem sem muita coisa na cabeça, mas é absolutamente linda e parece ser alegre, ter a alma leve e fresca, do frescor que só a juventude proporciona. Ela me encanta. Eu que também sou um desmiolado sem muito na cabeça. Outra coisa que não me sai da cabeça é a liberação do desmatamento da Amazônia pelo odioso. É de uma estupidez tão desmensurada que me faltam palavras, é inconcebível. E pode se tornar um fato.

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12h11. Depois de devidamente acordado pela minha dose matinal de café e nicotina, venho me pôr à disposição das palavras. A dor nas costas melhorou sensivelmente, mas está longe da normalidade. Acordei pensando em garotas. A declaração de Ju ainda encontra eco em meu peito, acho que pela imensidão da minha carência. Mas não posso nem vou confundir as coisas. Mal começo e já me encontro sem assunto.

13h22. Postei um monte agora no Facebook para protestar sobre Bolsonaro. É uma situação calamitosa a que vivemos.

14h27. Fiz um elogio sincero à Portuguesinha, gosto de fazer elogios sinceros às pessoas, por outro lado, tenho imensa dificuldade em fazer críticas, não me sinto autorizado ou com envergadura moral para criticar ninguém. Acompanhar ciberneticamente o dia-a-dia da Portuguesinha é algo que me traz enorme satisfação, me dá a falsa sensação de proximidade e me deixo iludir por isso.


16h08. Embebido na política novamente. É a campanha de mais baixo nível que já presenciei, o que demonstra o nosso nível de civilidade. Estou com vergonha do Brasil, não o reconheço como a pátria que eu amo, a mim me parece um monstro desfigurado moralmente. Mas sou um ser ignorante politicamente, não entendo de política e acho uma profissão ingrata no país. Sigo acreditando que é preciso ter uma alma muito nobre para não se corromper com o poder. Eu não sei se eu teria essa lisura de caráter, creio que não, tendo em vista todos os malfeitos que já cometi em minha vida. Sou uma pessoa um pouco diferente hoje, é verdade, e seguirei me lapidando no que for capaz, mas não afasto de mim o risco de ser corruptível. Minha reputação não é nada ilibada e cometi diversas atrocidades morais das quais me arrependo e que não pretendo repetir, mas cuja própria existência deixa margens para novos erros. Não quero poder para além do que é meu e de mim. Até gostaria de ter o poder de seduzir uma garota que me interesse (e penso logo no anjo do Tinder), mas aí paira a minha incompetência social com o sexo oposto. E como sou incompetente nesse aspecto e como me é custosa tal incompetência. O preço é a solidão. Pago reclamando o mínimo que posso e não tenho outro a quem cobrar senão a mim mesmo pelo meu absoluto fracasso. Me conforto está em já ter amado muito e profundamente e de ter experimentado todos os ônus e os bônus do amor. Amei. Posso dizer com absoluta convicção. Absorvi e compreendi o amor, sei o que é, do que se trata, o que traz e o que deixa. E acabou-se a terceira página. 

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