quarta-feira, 3 de outubro de 2018

DIA DE TERAPIA OU TROUXA



14h54. Hoje é dia de Ju. Acordei com um  astral bom, dormi muito, sonhei. Acordei e  decidi  que  hoje não vou mandar nenhuma mensagem  para a garota do Instagram. Isso me faz  bem pois me liberta da ansiedade de uma resposta e não a  sufoco com o excesso de mim. Acho que ambos saímos ganhando. A fantástica  faxineira  a  achou  linda, talvez  tenha  razão. Mostrarei a  Ju, óbvio.  Por  mim repartia com  todo mundo, mas acho que é como gravidez, só se anuncia passados os meses de  risco. Ademais não gosto de contar vantagem. Até porque não tenho do que contar vantagem. E  provavelmente  nada terei, mas a  esperança  é maior que o derrotismo. O acaso-destino me  ofereceu essa oportunidade, farei o que estiver ao meu alcance  para  concretizá-la em fato. 15h04. Preguiça de tomar banho. De 15h15 eu vou. Pode  ser que chegue tarde. Não chegarei, sempre espero uns 20 minutos, meia hora  por  Ju.  Queria  tirar um  selfie com ela para postar no Instagram, acho que ela  não vai concordar. Também  não sei se tenho coragem de pedir. Vamos  ver onde a  existência me leva. 15h09. Vou tomar  mais um  café com cigarro e tomar banho.

17h38. Voltei, como se faz óbvio. Pedi a  foto, mas  Ju não curtiu a ideia. O que ficou  na minha cabeça foi a  concepção dela de que  a  vida é cíclica, confesso que não vejo dessa  forma,  a encaro como uma tortuosa estrada rumo ao desconhecido, mas gostaria muito de apreender esse  conceito de  ciclos. Até entendo que  revisitemos  velhos conceitos com novos olhares, mas  não vejo a  vida passando pelos mesmos lugares, realmente não compreendo  a  ideia  e não gosto de  não compreender algo. Ju achou que as minhas projeções a respeito  da garota do Instagram são negras demais. Eu diria que são realistas. Estou me coçando  para mandar um “oi” para ela, mas não o farei. Só um boa noite, que quero tornar uma tradição, o que para mim já é. Adoraria  que  ela puxasse papo, mas não vai ser o caso,  tenho certeza.  Apesar de  todo o desprezo, eu tenho  uma  convicçãozinha, frágil, mas  firme,  de que  vou conquistá-la. Não sei bem  como, acho que fazendo o que  faço, sendo eu. Acho também que esgotei as  possibilidades  que me apeteciam  no Mario Odyssey,  já posso dar o meu videogame  com  mais tranquilidade para os meus sobrinhos. Eu definitivamente não  tenho paciência com  crianças,  interajo por  obrigação. Nossa,  ainda  bem  que não sou pai. Não sei se  fosse um  filho meu irromperia dessa condição um  interesse gratuito e  genuíno pela  figurinha e,  provavelmente,  a depender de mim  apenas,  nunca saberei. Estou perdendo o jeito com  as  palavras,  acho que é Instagram   demais. O que mais decorreu da terapia? Vejamos, começamos a olhar para a relação com a minha mãe. Ju achou  que eu estabeleci um limite quando mantive  o pacote de cigarros  que  comprei à revelia da minha genitora. Ela  acha  que eu preciso estabelecer mais limites, não ser tão dependente. Assumir responsabilidades que me  deixam mais livres. Liberdade igual a responsabilidade,  não há como fugir disso. E nem  todas as responsabilidades são chatas, nem tudo em  ser adulto é desagradável. Leva  ainda algumas sessões para eu me aceitar como adulto, para eu enxergar como quero ser adulto. Acho que a  garota do Instagram  é mais adulta que eu. Hahaha. Na  verdade, nem  acho engraçado,  me  envergonha  e  diminui  tal visão e  o pior: não destoa da  verdade. Discutimos ainda a  respeito de sexo, em como acho uma  coisa  secundária, exagerada em  demasia pela  sociedade. Não tenho essa fixação, essa  obsessão pelo orgasmo  que  os demais homens todos compartilham. Disse-lhe que  a sensação do orgasmo me lembra  a  de uma  supermijada, é como se me aliviasse de alguma necessidade fisiológica e  que  depois me  bate  um desânimo,  um  sentimento de esvaziamento, uma  dormência emocional que nunca  me agradou. Adoro entretanto  chupar uma mulher,  acho algo profundamente excitante  e prazeroso. O coito em si,  a  penetração me  é menos interessante. Sei que no clima tórrido eu me  entregaria e  penetraria, como o farei se a oportunidade se der. Acho que namorar comigo seria uma  experiência nova para a garota do Instagram. Diferente pela  diferença de  idade. Acho que descobriríamos coisas muito interessantes sobre a vida  um com  o outro. Acho que o resultado seria maior que a soma das  partes. Mas  por enquanto  isso é um  projeto só meu.

19h29. As horas  voam. Hoje foi dia de  cuidar da  mente, amanhã  vai ser dia de cuidar do resto, tosar, cortar  unhas,  levar o computador no conserto.  A  Coca aqui de casa acabou. Vou começar a  minha  dieta de café e água a partir de  hoje,  quero ver se o bucho não diminui.

19h35. Comuniquei à minha  mãe da minha  decisão  e, surpreendentemente, não encontrei oposição. Ela vai fazer  café para mim.  Comuniquei-lhe também  da  cafeteira  que receberei da minha  tia. Espero conseguir manter essa “dieta” e  rezo para o meu estômago aguentar.

19h41. A tecla  de espaço está cada vez pior, às vezes não reconhece o espaço dado. Ozzy. Nossa,  estou escrevendo muito mal. Ozzy  vezes dois. Queria que já fosse  hora de mandar a mensagem para a garota do Instagram. Há uma pequena probabilidade de ela responder algo, puxar um papo. Acho que não vai, mas sei o que vou mandar: um coração, depois “Good night. Sweet  dreams”, depois uma  rosa vermelha, se rosas  vermelhas houver entre os emoticons. Nossa, namorar é tão bom, como sinto  falta. Como queria  que  tivesse chegado a  hora. Depois de  uma  década. O tempo e minha incompetência têm  sido cruéis e até agora não cessaram de ser.

20h11. Mamãe fez  o café. Delicioso. Vou tentar comer salada hoje quando bater a  fome  dos remédios. A tecla de espaço está realmente nas últimas, espero que haja conserto para  isso.  E que seja barato.  Espero que o cara  não invente que precisa  trocar o teclado todo para me  explorar. Seria perfeito que ele  resolvesse  o problema enquanto eu cortava o  cabelo. Vamos ver como a coisa se dará. Não estou a fim de  falar  nisso,  queria  era bater  um papo com  alguma  das garotas cibernéticas, mas tenho que relaxar quanto a  isso. Estou  fumando desbragadamente. O café chama, pede por cigarro. Vou segurar um pouco. Breeders  rolando no som, cai bem. Acho que meu astral melhora sobremaneira  com  café. A  garota  do Instagram já sabe  como eu sou,  a minha cara, o meu  corpo,  sabe  que  não sou muita coisa  fisicamente. Sabe bastante da  minha  vida também. De mim, de como penso e  sou. Dela, sei apenas da  aparência, que muito me agrada e algumas coisas mais. Acho que vou fumar outro cigarro,  a  vontade  bateu de  novo. Não,  vou  segurar mais  uma vez, na próxima cedo.

20h35. Detesto  essa  minha mania de foco, por assim dizer,  quando eu encuco com uma  ideia  é quase impossível tirá-la  da cabeça. E  encuquei com  a garota do Instagram. Ela nem  faz  muito o meu tipo,  mas acho que ela é gente  boa, uma  pessoa do bem. E é o que  de mais concreto tenho afetivamente.  É muito pouco, mas me  agarro como posso a isso. Colorblind  do Counting Crows, achado do meu amado irmão. Uma de suas bandas  prediletas. Quando essa  música acabar,  vou  pegar café e  fumar. Queria muito que a  garota do Instagram  topasse me encontrar. Essa semana. Hahaha.

20h57. Mandei  uma mensagem  para  a  Gatinha  pedindo um  encontro para consultoria em  sedução. Quando preciso ela está off-line. Vive conectada,  viciada no celular que é. Bom, que seja. Quem sabe na quarta. Poderia conhecer o seu apartamento em BV. Ah, mas ela  trabalha. Nem rola dia de  semana, só se for à noite. O  custo foi alto, mas  me libertei da obrigação do trabalho,  sem  abrir mão  de ter  uma remuneração  vitalícia.

1h17. Conversei com a  Gatinha  e ela  disse  que vacilei várias  vezes na conversa com a  garota do Instagram, além de suspeitar de  que é um perfil  fake. Não creio nisso,  mas  admito que  exagerei na dose  com  a garota do Instagram. Eu e minha língua grande.  Pedi  desculpas  a  ela,  vamos ver no que isso resulta amanhã. O negócio é ter paciência, não ser tão afoito. Se  é que ainda haverá negócio.

2h13. Pedi para fazer as  pazes  antes de eu ir dormir. Vou esperar  mais meia hora e depois caminha.  O anjo do Tinder gostou  das últimas  mensagens que mandei. Acho que  não  receberei resposta  hoje.

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14h03. Hoje, está conversando comigo, pelo menos até agora.

14h16. Parece que voltou  o silêncio.

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15h07. A Gatinha  suspeitou do perfil da garota  do Instagram e estava certa. Tremendo papel  de palhaço eu  fiz. Fiquei muito puto. Quando chamei ela para um encontro, ela – ou  ele – deixou de me  seguir. Reportei como spam e  agora o seu nome nem  aparece nas buscas. Acho que  deve  ter  me bloqueado. Foda-se. Agora para me provar mais  idiota  do que  já sou, vou  propor  ao anjo do Tinder, talvez a  garota mais linda que eu já vi, que seja a  minha namorada  virtual. Só para eu ter o gostinho muito leve  de  que estou namorando. Não existe  limite para a minha  babaquice. E nem sei se ela  vai aceitar. Eu gosto dela,  tem sido legal  conversar e aconselhar, mas sei  que, aos 21, seus pais  jamais aceitariam que ela namorasse um coroa. Mas uma  brincadeira virtual, poder tratar  com carinho  uma  garota, mesmo que só através  de palavras, é  melhor do que o platonismo  puro.  Levei o meu computador  para o conserto e o cara disse que teria que trocar o  teclado todo  e que nenhum fornecedor dele  tinha do meu modelo (obviamente, é um modelo americano) e a  sugestão  foi procurar no Mercado Livre ou comprar um  teclado USB para acoplar. Como  acho que  não vou achar no ML,  vou ter  que apelar para o teclado extra,  que não sei como caberá  na minha bancada. Ozzy. Vi uma manifestação de Rodrigo Amarante contra Bolsonaro e a quase totalidade dos comentários foi defendendo o candidato. Espantoso. Acho que  a probabilidade de tê-lo como presidente  é real. Me confesso curioso.

15h43. Eu não sei  o que  faça da minha afetiva. Tudo o que vejo são becos  sem saída. Não há luz no fim do meu  túnel. Estou  desanimado.  E acho que vou desinstalar  o Tinder. Não me  leva a lugar nenhum. Acho que o anjo do Tinder não vai aceitar a  minha  proposta. Se  aceitar,  confesso que  ficarei  feliz com essa migalha virtual. Virtual é um pouquinho mais real que o que  não existe  ou  não pode ser.


16h17. Minha mãe  me mandou um  áudio de uma jovem mulher defendendo Bolsonaro.  Assutador. Cheio de generalizações  e totalmente cego para todas as atrocidades contra  a democracia e os direitos  humanos que ele  representa. Bom, se  é  isso que o Brasil  quer,  o Brasil  terá. Se minha mãe, que é uma  pessoa esclarecida,  fecha  os olhos para a ameaça, realmente, acho que não há mais nada a fazer.  Eu sinto dentro de mim, como se emanasse  no  ar, nas  ondas do inconsciente  coletivo, que  ele vai ganhar. E acabou a  terceira  página.               

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