domingo, 13 de novembro de 2011

Diários de um Manicômio IV

21 de agosto de 2011


Cris, a minha psicóloga do albergue para drogados, esteve aqui no manicômio oferecendo minha transferência (pseudo-libertação?) de volta para lá.

Por uma série de razões (a principal sendo o risco de recaída e a segunda por estar me sentindo bem, entre iguais, aqui), adiei a alta. Acho que ela estranhou. Eu, por outro lado, achei que fui completamente coerente com o meu momento e até agora não me arrependi da decisão.

Um fator motivador, causa da minha alegria em estar aqui é, indubitavelmente Adeline. É como namoro de criança (ou como imagino que seja namoro de criança, pois nunca namorei com, nem quando criança) misturado com um forte sentimento paternal. A gente troca “carinhos” imitando o mugido de vacas, ou garras de gato brabo um para o outro. Ela já vem sentar perto de mim (mesmo que separados pela grade). Conversamos, embora, como dito antes, a comunicação dela seja fragmentada (às vezes fala muito baixo, proporcionalmente à vergonha ou pule entre assuntos desconexos (porém tenho a clara sensação/percepção de um sentido/sentimento/contexto mais profundo subentendido/escondido que conecta as idéias que, à superfície, parecem disparatadas; logo, consigo entendê-la).

Como também mencionei anteriormente, sinto nela uma sexualidade latente, que ela gosta de sentir e que ela liberta de formas infantis.

(Nota 03/09/11: talvez nutra algum desejo sensual/sexual por mim? Será que fui capaz de construir isso? Certamente o desejei e desejo. Relendo estes textos enquanto digito percebo que o desejo estava lá, em mim, desde o início. É estranho que o óbvio seja tão invisível em determinados momentos. Acredito que o sentimento de cuidar, curar foi, desde o início, um interesse de um garoto por uma garota e que, por algum motivo obscuro da psique, não consegui enxergar.)

 A manifestação mais erótica aconteceu quando ela passou na minha frente e levantou a blusa até que eu visse seus seios/mamilos, isso acompanhado de um sorriso de molecagem.

(Nota 03/09/11: seios quase inexistentes, mamilos marrons, o que poderia haver de esteticamente mais desinteressante para mim, mas achei o gesto e os seios lindos e até agora estão impressos em minha memória como uma poesia, como um sopro de tudo o que uma mulher poderia oferecer a um homem.)

Não sei o que sentimos um pelo outro, sei que é diferente do que sentimos pelos(as) demais. É quase um amor, amor de loucos num manicômio. Amor de pai-criança por uma mulher-criança. Eu me sinto bem quando ela está por perto. Ela me permite esse tipo de “namoro” mais inocente e sem as pressões e vaidades sociais. Carinho é mugir. Às vezes tento tocar/encostar sua mão (algo muito diferente e distante de ousar segurar, de fato, sua mão). Ela está chateada comigo agora. Pediu para eu parar de olhar para ela, que eu estava olhando demais para ela. Concordei. Tenho essa compulsão de olhar para o que me atrai/alegra, como se quisesse sorver aquela beleza e sentimento e imortalizá-lo dentro de mim (talvez numa luta desesperada contra o fato de que minha memória é cada vez mais fraca). E fiquei olhando para o teto, à espera da caneta que estava emprestada. Sorte que logo tive a caneta em mãos e novamente e cá estou.

XXXXX

Já fantasio em morar com Adeline (uma das coisas mais belas nela é seu nome e como ele combina com a pessoa), vivendo de acordo com as nossas leis, que não são as leis do mundo (essas leis que decidem que pessoas como ela só cabem num manicômio).

Os seios dela não são nem bonitos, nem feios. Suas mãos e braços são bonitos, finos e delicados, brancos, com uma penugem rala, lisa, escura, penteada naturalmente, pela delicadeza/finura natural dos fios. Seu corpo é magro, sem grandes protuberâncias e sua postura é naturalmente encolhida, ensimesmada como sua alma. Seu cabelo é bonito, escuro e tem um corte curto, acima dos ombros, moderno (ou o fato de estar sempre lindamente despenteado o faça parecer como moderno). Tem a franja geralmente presa atrás da orelha. Seus olhos e nariz são bonitos, a pele do rosto marcada por espinhas (nada aberrante, mas longe da textura/lisura sedosa-pêssego das que tem o interesse, o cuidado e os métodos para vencer as espinhas). Nada é especialmente lindo, mas o conjunto é mágico. Ah, ela sempre usa roupas coloridas, muitas vezes de cores disparatadas; nunca nada sensual, geralmente uma calça ou bermuda na altura dos joelhos e uma camiseta. Uma vez a vi com o broche de uma pequena bonequinha de vestidinho vermelho, não maior que uma moeda, pregada no peito da camiseta. Há vaidade nela, dela, moda única de alma única. Ela também usa o que julgo ser um escapulário ou qualquer outro desses colares religiosos, delicado (e prateado, se não me engano)

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Agora, na outra mesa, o profeta, o endiabrado e L. comungam qualquer Jesus, qualquer religião, qualquer paz que os alivia de uma forma semelhante e, ao mesmo tempo, completamente díspar.
Vou ficar perto de Adeline mais um pouco. Ver se está arredia ou com “saudade” de mim.


(Nota 14/11/11: lendo estes textos agora que os corrijo para postagem, fica claro que não pedi alta por causa de Adeline, mais um fato óbvio que não vi nem quando estava no manicômio, nem quando digitei. Outra coisa que noto é como estou desesperadamente carente e como qualquer retribuição de uma pessoa interessante torna-se logo uma paixão dessas de querer morar junto [como ficará provado mais adiante]. Por mais carente que esteja, entretanto, ratifico o que direi adiante: Adeline é uma das três pessoas mais puras e naturalmente boas que conheci e acredito sinceramente que nunca a esquecerei.)

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