quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Diário de um Albergue de Drogados - Aterrissagem Forçada ou Recaída

Recife, 29 de novembro de 2011.

Meu novo mantra! :D


Recaí. Cheirei cola ontem. Que merda. Acho que minha recaída começou quando quebrei o trato com Dr. Edward e bebi cerveja. Depois desta quebra era só questão de tempo. E veio rápido. No domingo, minha mãe botou na minha mão quatro reais para a passagem de ônibus, mais simbólicos sete reais para duas carteiras de cigarro. Simbólicos porque a latinha de Norcola custa exatamente sete reais onde compro. O clique se deu na hora (chamo de clique o momento em que decido usar droga e não tem mais volta [aliás, acho que este clique é o meu grande problema. A irreversibilidade que empresto a este momento, como se eu não pudesse mais desistir de forma nenhuma é um engano, uma peça que insisto em pregar em mim mesmo]).

Não vou contar as peripécias que se fizeram necessárias até o uso. Fato é que comprei cola, cheirei, minha mãe me pegou (sem nenhum escândalo dessa vez [pelo menos não na minha frente]) e me trouxe para o albergue.
Não cheirei muito e mesmo com esse pouco tempo (no máximo duas horas e meia), a lombra já entrou no tedioso looping de idéia fixa e estéril do qual não consigo escapar, como se o CD do pensamento emperrasse num trecho e ficasse repetindo o mesmo pedaço de música ininterruptamente. (Nesse caso, qualquer coisa sobre a celebração dos 25 anos de Zelda misturado com Minecraft [duas coisas que estavam fortes e frescas na minha cabeça]. Via o corrimão vermelho da escada onde cheirava como parte do logotipo dos 25 anos e acreditava que eu estava lá fazendo parte do logo por ser um grande fã*. Pense numa viagem troncha. E que não saía disso.)

Falta a imagem da escada. Prometo providenciar.


Há males que vêm para o bem, entretanto. Depois dessa recaída, finalmente os contras superaram os prós. E, depois de uma conversa com Crica, eu acho que sou viciado e não tenho controle sobre a cola. A ficha caiu. Cola nunca mais. Não vale mais a pena. Simples assim.

XXXXX

Por causa da cola, tormento familiar. Por causa da cola, culpa e mentira e estupro de consciência. Por causa da cola, até tomar uma com os amigos é visto com desconfiança. Por causa da cola, vivo praticamente recluso e sobre perene vigilância. Tudo em troca de viagens cada vez menos prazerosas (esta última, inclusive, nem prazerosa foi; além do looping, fui tomado por uma enorme culpa no começo e cheguei a cogitar parar e ligar para minha mãe pedindo ajuda, mas o medo da reação dela me fez desistir e me afundar ainda mais vorazmente na embriaguez).

Chega. Posso chegar a lugares melhores – lugares reais – sem a cola. Realmente acredito que agora alcancei a mudança de paradigma essencial para mudar de vida. Pelo menos neste crucial aspecto. Sei que grande parte deste grande nada em que vivo é culpa/responsabilidade minha, independentemente da cola. Mas não mais desejá-la é um grande passo. Passo que não esperava dar nunca. E agora ando na direção de nunca mais usá-la. Estou animado com este novo caminho. O caminho por onde seguia não trazia animação alguma, não tinha vontades outras além da porra da cola. Agora não sei que vontades tenho, mas sei que poderei ter muitas. Sei pelo menos que tenho vontade de nunca mais usar cola e que essa vontade por si só é muito mais prazerosa que a vontade de tê-la. É como escolher algo que faz bem, que alimenta a alma ao invés de devorá-la. Faz tanto tempo que não escolho algo assim que nem me lembro. É um prazer singular e profundo. Uma alegria verdadeira. Ah, uma alegria verdadeira! Que ocorrência rara em mim. Talvez dela decorram outras, mesmo que menores.

Espero continuar firme nesse caminho. Espero, não. Vou. Porque esse é o bom caminho. E não precisa ninguém me dizer. Eu sei. Eu sinto. Finalmente.

Considero este o primeiro dia do resto da minha vida. Hoje eu sou mais eu. E eu sempre fui tudo menos isso. “Hoje eu sou mais eu. Cola nunca mais.” Este é o meu novo mantra! Hoje me tornei definitivamente Boto de Gatas.

XXXXX

*É engraçado e acho que é generalizado: os grandes fãs todos se acham “o” fã mais especial, “o” cara que entende melhor o trabalho ou a personalidade ou seja lá quem ou o que for o objeto do seu fanatismo. Todo grande fã se acha o fã número um, o grande cara que a pessoa admirada acharia mais interessante, mais especial conhecer. Todo grande fã acha que a pessoa admirada mereceria, aliás, amaria conhecê-lo, posta a completa identificação que tal fã acredita ter com o objeto de adoração. Ser um grande fã tem algo de egolatria transversa, mascarada; é um amar a si próprio ao amar o outro; é se sentir tão especial quanto aquilo que acha absolutamente especial e adorável. É sentir-se o número um de quem é o seu número um. Todo mundo quer ser o número um em algo, mesmo que seja em uma ilusão. Eu sou assim. Por isso as paixões platônicas, que nada mais são que uma modalidade de fanatismo. Ou vice-versa. Fanatismo e platonismo são filhos das mais enormes carências. É o que sinto e sei.

Um comentário:

  1. Ao ler esse blog, meu desejo é somente lhe dar um sincero e carinhoso abraço. Não sei se o que escrevesse aqui ainda é o que corre por sua cabeça, mas só em saber que isso esses pensamentos (que você tem valor, ou que voce é o valor que você se dá) passaram por sua cabeça algum dia me trazem alegria.

    Reiterando seus pesamentos, há lugares melhores e eu adoraria compartilhar deles contigo. Sua presença é única e insubstituível para muitas pessoas, principalmente para mim.

    E, oficialmente, existe alguém que lê seu blog...e envia comentários! :) Consegui terminar o primeiro mês, yes! Continuarei lendo, podes ter certeza, pois estou adorando. Espero que isso não o iniba.

    P.S.: Engraçado, tu mencionas tanto tuas viagens nos teus posts que a propaganda que estou vendo aqui é sobre passagens de avião com desconto. Até a AI (inteligência aritificial) da Google é ruim, impressionante. Pessoas como eu ainda têm muito trabalho pela frente.

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