quinta-feira, 15 de novembro de 2018

RESSIGNIFICAÇÃO DO EU



[16:59, 11/15/2018] Primo-irmão: Os problemas: 1) você é adicto, o que implica dizer que apesar de você se encontrar em abstinência, você pode reativar a adicção - vide as vezes em que recaiu na cola depois de passar um tempo bebendo (baile do Chapolin); 2) você é curatelado, o que faz com que você não responda legalmente por si no caso de algo acontecer com você, sendo essa responsabilidade delegada à sua cuidadora (mãe)
[16:59, 11/15/2018] Primo-irmão: São esses os problemas reais
[17:00, 11/15/2018] Primo-irmão: Ou seja, não me refiro ao relacionamento com a garota, pois acho isso saudável. Me refiro à essa autonomia que você almeja que inclui a bebida no meio, saca?
[17:14, 11/15/2018] Mário Barros: Entendo. E diria que o estigma de adicto está hoje muito mais na cabeça dos que me cercam que na minha. E nunca cheirei cola por causa de birita. Você deve estar confundindo as bolas. O processo da cola é todo outro. Não vou nunca pôr os pés num armazém, por exemplo, pois isso me traz memórias eufóricas, da mesma forma nunca vou beber em Boa Viagem porque Boa Viagem me lembra crack. Há coisas a evitar, mas creio que tivemos uma noite tranquila e sem intercorrências no último sábado. Sei que para conquistar a confiança com a história de vida que eu tenho fazendo sombra e assombrando vai ser difícil. Até você que tem a mente aberta tem dificuldade em acatar o meu reposicionamento social. Como disse vou seguir com segurança e tranquilidade, plantando coisas boas para colhê-las quando a época da colheita se fizer.
[17:18, 11/15/2018] Mário Barros: Me sinto mais maduro e mais seguro comigo mesmo do que jamais estive. Estou aprendendo a me respeitar e me dar ao respeito, é um processo que está sendo mais doloroso do que supunha, mas aceito a dor, ela vai passar e ficar no passado como todas as dores muito maiores que já passei.
[17:19, 11/15/2018] Mário Barros: O que é bom permanecerá, as conquistas são para a vida.

17h40. Hoje tive, além desse debate, outro com a minha mãe, inclusive incluindo Blanka e me confesso emocionalmente abatido. São batalhas que têm que ser travadas, para me colocar no mundo da forma que eu acho válida e que é estranha aos demais por ser nova, mais autônoma e confiante. Não tenho medo, acredito nas minhas escolhas e estou seguro delas. Aos poucos, à revelia, contragosto e estranhamento de muitos eu vou delimitando o meu novo espaço, o espaço que quero agora ocupar. É um processo lento e sofrido, de conflitos e contestações, mas que estou disposto a enfrentar. A impressão é de que as pessoas ao meu redor julgam ter mais certeza a respeito do que sou do que eu mesmo. E tentam me enquadrar num molde que não reconheço mais como meu. Ao meu lado, por ora, apenas Ju. Mamãe, tenho certeza, nutre preconceito em relação a ela, pois eu estou deixando de ser a pessoa encolhida em mim mesmo e abrindo as minhas asas, me permitindo o novo, deixando mais vida entrar na minha alma. Nesse processo é necessário dizer o que ninguém gosta de ouvir: não. O “não” se faz necessário para estabelecer os limites do novo eu. Minha mãe é a que mais sofre com a transformação, acomodada que estava com o Mário “só sins”. Ela tenta me coagir esfregando na minha cara que é minha curadora, mas muita calma aí, ser curatelado não significa ser escravo das vontades e expectativas alheias. Se há vontades e expectativas que eu tenho que perseguir são as minhas. Como serei feliz de outra forma, como me sentirei um indivíduo independente de outra forma? É fato que nunca serei um indivíduo independente como um todo por causa da minha condição jurídica de incapaz civil, porém posso ser mais independente do que sou e sinto necessidade disso. Falo isso e a criança dentro de mim fica com medo, teme sair da zona de conforto. Mas já saí dela com Blanka ou com o Tinder antes disso ou com o porre na Vila Edna. Extrapolei limites inesperados para os demais. Alarguei as minhas possibilidades. Meu primo-irmão me ofereceu um alento agora.

[17:34, 11/15/2018] Primo-irmão: Entendo. E apesar de não confiar, eu aposto algumas fichas
[18:34, 11/15/2018] Mário Barros: Eu também te entendo e essas poucas fichas são valiosíssimas para mim. O sentimento que tenho por cada uma delas é de gratidão. Por apostar que eu posso me ressignificar e sair do lugar em que me coloquei por tempo demais. A mudança de postura gera desconforto natural nos demais, pois o novo é imprevisível, repleto de incertezas. Mas sei que o que eu busco é o melhor para mim, não estava preparado para a resistência dos que me cercam, mas compreendo e seguirei da forma mais pacífica que posso de maneira a amenizar ao máximo tais conflitos, embora certo de que eles vão haver. Você bem sabe que quando uma pessoa assume um novo papel social, todos ao redor são obrigados a se readequar também para que o novo papel possa ser exercido em sua plenitude. Não busco grandes revoluções, mas elas são hiperdimensionadas aos olhos alheios pelo nigérrimo passado que possuo. Perseverança e calma são as palavras de ordem agora, eu creio. Tentar entender o outro para que ele possa me entender. Novamente obrigado pelas fichas, espero que sejam as primeiras de muitas. Agora, vá curtir a vida, amado primo!

18h40. Uma oportunidade de um evento surgiu e não sei o que esperar a respeito dele. Fui convidado à Vila Edna e consentiram que eu levasse Blanka nesse domingo. Fiz a proposta a ela certo de que só receberei resposta quiçá amanhã. Eis o que escrevi para ela:

16:10 - Tranquilo, Bi. Aproveite.
16:16 - Domingo, das 16h às 19h o mais tardar vai ter um encontro na casa dos pais de umas amigas minhas, são gente da melhor qualidade, o astral é sempre muito bom. Gostaria imenso que você me acompanhasse. Pense com carinho na proposta. Acho que você vai gostar. Depois nos falamos. Saudades.
17:51 - É um local frequentado só por pessoas próximas, mas eles abriram uma exceção para você, por respeito a mim. São uma parte importante da minha vida, são como uma segunda família, e queria repartir isso com você, seria um momento muito especial para mim.

18h47. Gostaria muito que ela se disponibilizasse a ir. Ao mesmo tempo isso me enche de medo e receio, pois é duplamente novo. Será a primeira vez que sairemos como um casal e não sou um casal com ninguém há dez anos. E será a primeira vez que esse casal – de idades inusitadas – encara a realidade, o julgamento de pessoas muito estimadas por mim. Estou apavorado com o que construí para mim (e para Blanka) ao mesmo tempo que acho que é um desafio necessário, essencial, para ambos. Será difícil, mais difícil do que encontrar com a turma do meu primo-irmão, por exemplo, mas estou disposto a enfrentá-lo, acho que precisamos nós dois desse choque de realidade que espero não traga nenhuma animosidade para conosco. Não creio nisso. Mas a criança dentro de mim chora desesperada por ser muito, mas muito além do que julga confortável. Acho que todos os envolvidos estão meio desconfortáveis e apreensivos pois é novo para todos. A criança em mim torce para que Blanka não possa ir. Eu que sou indissociável da criança, mas que estabeleço limites para ela, também estou tomado de receios. O homem em mim, entretanto, acha que tem o direito de tentar ser feliz com uma garota de 19 anos de idade que consentiu em repartir uma parcela da vida dela comigo. E não tem vergonha de ela ser mais humilde, da nossa diferença de idade e quaisquer dessemelhanças ou discrepâncias que possam haver entre nós, visto que a discrepância maior é que eu sou um homem e ela é uma mulher, a diferença maior e mais significante é essa e essa nunca impediu nenhum casal de construir afeto, cumplicidade e intimidade, de erigir uma relação que se torna mais ampla e mais sólida a cada nova interação. Como dito, não me incomoda em nenhum aspecto que a nossa relação seja aberta, me dou satisfeito por tê-la quando se nos for possível. Mas tudo não passa ainda de um rascunho de palavras trocadas pelo anjo casamenteiro do século XXI, o Tinder. Não sabemos se durará um dia, uma semana, dez anos. Não sabemos nem se sobreviverá a esse possível primeiro encontro como casal na Vila Edna. A verdade é que tudo é novo para nós dois e que vamos descobrir juntos até onde estarmos juntos vai nos levar.

20h02. Fui comprar Coca e voltei e já contei que estou com uma paquera para o meu tio-vizinho e para o pessoal da pizzaria, anunciando o que nem de fato é. O que de fato nem sei se vai ser. Pode ser que ela mude de ideia daqui para domingo. Quando uma coisa é tão airosa assim, tão impalpável assim, todas as possibilidades ficam escancaradas com suas bocarras, das mais felizes às mais nefastas. Cheek To Cheek toca. “Heaven I’m In Heaven”. Confesso que quando estamos conversando pelo Tinder eu me sinto assim. Mas quando vem para o plano do real fico intranquilo. É uma mudança radical na minha vida (isso é a criança falando). É o que eu passei dez anos esperando que se realiza do jeitinho que eu sempre sonhei (isso é o adulto falando). Os dois são eu. Os dois estão certos, mas a fala do adulto é confortante enquanto a da criança me perturba. Uma confortável perturbação no espírito. Lembrei a Blanka que seria o nosso primeiro encontro como casal ou seja lá como pode ser chamada a nossa relação. Nossa, até nisso eu fujo dos padrões. Ponto totalmente fora da curva, mas que como a estatística mostra é tão pertinente e parte do conjunto de pontos como qualquer outro, talvez tenha propriedades diferenciadas e talvez isso não seja uma coisa ruim. Para mim não é.

20h50. Passei um tempo olhando a internet e volto aqui sem os temores infantis que me dominavam, trago agora uma esperança boa e amiga de que vai tudo dar certo. Que tudo o que me faltava na vida vai dar certo. Posso me decepcionar tremendamente. Ela pode dizer que não pode vir. Que mudou de ideia em relação a mim. Como disse, tudo pode ser, inclusive ser bom. Afinal são pessoas que respeitam pessoas, todos os envolvidos nesse possível encontro do domingo. Senão irei só e pouco, menor, ao encontro e mesmo assim será feliz, creio eu.


21h04. Fui fumar um cigarro e me distanciei um pouco de toda essa problemática e me lembrei que terei meu quarto reconfigurado para abrigar a minha linda, aos meus olhos, coleção de bonecos. Quero me deixar embebido nisso por enquanto. A Rebel Terminator (que é a cara de Natalie Portman, na minha opinião) terminará de ser paga de forma abrupta e brutal em fevereiro, com parcelas altas e uma sobretaxa pelo lançamento antecipado de lascar. O Azure Dragon depende da Gantaku me contatar com os custos de envio para o Brasil para ver se tenho grana no PayPal para ele. Os bonecos que vendi não renderam o esperado. Sempre que ouço Resto do Mundo fico deprimido e sem compreender porque eu mereço tanto se meu coração não tem a pureza dos de muitos miseráveis. Não há como entender porque não há explicação é tudo obra do acaso-destino que não é guiado pela justiça, a justiça é uma abstração humana, um ideal que ela não consegue alcançar e os Estados falham em outorgar a seus cidadãos. Eu sou um abençoado e agradeço sempre por isso, minha gratidão só encontra equiparação à culpa que tenho por não produzir nada de válido e útil à sociedade e me beneficiar de tudo o que de melhor há nela, de tudo o que me agrada, especialmente agora que tenho o que vou ousar chamar de uma namorada. É uma palavra forte e carregada de um significado que uma relação tão frágil não suporta ostentar. Vamos ver o que o tempo, esse senhor surpreendente, vai fazer de nós antes de voltarmos ao nada de onde viemos. Vou revisar e postar isso. Estou com sono. Vou dormir.

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