16h18. Ainda nem postei o outro, mas a vontade de escrever continua. Escrevo isso e a vontade se esvai, coisas desse eu contraditório e desobediente que sou. Me incomoda esse medo de Blanka, não posso mistificá-la nem mitificá-la. É uma pessoa extraordinariamente diferente de mim que o acaso-destino fez com que eu conhecesse e estabelecesse um compromisso inusitado. Mas estou com medo dela. De trocar os pés pelas mãos, de dar certo. Estou com medo de toda e qualquer possibilidade de desdobramento dessa história.
17h06. Às vezes sinto ânsia de voltar ao meu quarto-ilha, é
definitivamente o centro do meu universo, meu útero fora do útero. Meu amigo da
piscina sempre vem com inúmeras sugestões de atividades e rumos de vidas que
deveria seguir, acha que eu deveria sair do Brasil para virar imigrante ilegal
num dos países em que os meus irmãos moram, vivendo de subemprego. Essa foi a
última dele. E algo que já repetiu algumas vezes para mim. Ontem redargui que vivo
a vida que escolhi e elenquei como a melhor para mim, sei que as minhas
escolhas fazem pouco ou nenhum sentindo para alma aventureira e irrequieta dele,
mas estou seguindo o caminho que me faz mais bem ao espírito. É composto de
muito pouco, mas para mim é o suficiente. Quanto à escolha de Blanka ele também
é reticente, mas, pondo o medo à parte, é precisamente o que quero para a minha
vida. Acho que a história toda se desenrola de forma muito esquisita e
peculiar, mas eu sou esquisito e peculiar, combina bem comigo. Eu sou o ser que
se escreve e não sou muito mais que isso. Aliás, sou muito mais do que isso,
mas este eu que se diz é o eu que mais me satisfaz e mais me faz conectado com
a vida, por mais contraditório que possa soar; é quando me sinto produtivo,
mesmo que produzindo conteúdo inútil aos olhos alheios, mais pleno de mim e das
minhas capacidades, mais vivo e em sintonia com o universo. Espero que Blanka
venha acrescentar outra forma de plenitude à minha vida, uma completude que
estranho e acho esquisita e assustadora porque há muito não experimento. Tenho
mais receios que expectativas, o que me causa preocupação, a covardia frente o
inevitável ou o que eu não quero evitar porque sei que essa criança chorona e
acanhada não pode derrotar o homem que quero ser. Farei o que tiver
disponibilidade de fazer. Vou fumar porque me sinto perturbado por esse
assunto.
17h33. Pensei em ligar para Maria e desisti. Vou ligar.
Péra.
17h51. Liguei, falei, a achei meio desencantada da vida, ela
disse que é a velhice. Falei de Blanka para ela, mas ela não botou muita fé
porque eu disse que ela era bem novinha. Se ela soubesse da missa o terço... Olhei
minha aba de e-mails e só dá Black Friday, tenho medo de cair em tentação e
acabar comprando o Superman com 30% de desconto e mandar o Azure Dragon às
favas. Vou fumar um cigarro.
18h06. Fui tomado por um súbito prazer por estar vivo, posto
dessa forma, nessas condições. Me veio do nada e para lá voltou, deixando-me
apenas a memória e a gratidão que me tomou. Fico grato que tudo passa, que eu
passo e um dia passarei em definitivo. Irrelevante como o meu passado, que é o
meu presente e que só a mim importa, pelo menos importa a pessoa que realmente
deveria importar, creio. Já tirei da cabeça, ou quase, pois esperança sempre
há, fazer diferença para o mundo. Todos aspiramos ser heróis ou relevantes de
alguma forma. A maioria não consegue, eu faço parte dessa maioria e isso não me
desagrada ou incomoda. Já incomodou bastante. Eu acreditei por muito tempo na
mentira de que eu tinha a obrigação de ser alguém grande para o mundo. Sofri
muito por não conseguir. Hoje já não sofro, usufruo do que tenho e tenho tudo o
que desejo. Seria impudico pedir mais. A relevância que não alcanço é
compensada pelo prazer de estar vivo, vivendo a vida exatamente do jeito que
desejo viver e isso é para poucos, sou nesse caso uma exceção, um felizardo.
Obviamente há limitações, mas essas são tão poucas e tão pouco importantes
diante dos meus desejos e prioridades que não incomodam. Há coisas que ainda
desejo mudar, não muitas. A maior mudança, a qual peço à existência há muito
mais tempo do que é sadio agora me mete medo: um relacionamento. Olha o que
quase mando para Blanka: “Quero que me ajude a não ter medo de você”. Não
mandei, mas ainda vejo pertinência em fazê-lo. Deixa para lá. Quero que ela me
responda primeiro. Nossa comunicação é muito partida. Mas teremos oportunidade
de conversar bastante quando nos encontrarmos pessoalmente. Sábado da semana que
vem. Queria ter um encontro prévio, mas minha mãe não vai querer pagar motel
para a gente, menos ainda recebê-la aqui em casa, como deixou deveras claro.
Gosto da vida nesse momento. É tão bom gostar da vida, é a melhor coisa. Eu que
passei muitos anos odiando a existência sei o valor que esse estar bem no
mundo, estar bem consigo representa e é valioso. E ter uma gata de 19 anos,
mesmo que numa relação aberta e torta, faz um bem enorme para o ego. Em verdade
a relação ainda nem começou. Ou começou ciberneticamente. Se houvesse um
exemplo de relacionamento moderno a ser colocado nalgum tipo de dicionário, o
nosso seria o exemplo perfeito. Nunca imaginei viver algo assim, mas pensando
bem, é exatamente o que buscava.
19h01. Meu amigo da piscina me chamou para fumar um cigarro
na escada, onde me mostrou vídeos com vaginas e falou que fugiu de um encontro
ao se deparar com a figura como realmente é, sem filtros. Uma das que dei match
no Tinder falou comigo, não estou interessado em responde-la porque ela não me
interessa e mora longe. Mas me sinto compelido a responder, acho indelicado o
descaso.
19h06. Bom, respondi. Vamos ver no que vai dar. Disse-me
escrevendo, não sei se ela vai respeitar o meu momento que está muito meu e
muito bom assim, tanto que dispensei um encontro com meu amigo da piscina mais
tarde.
19h14. Conversei com a moça do Tinder um pouco, ela parou de
responder. Então estou de volta, já com vontade de fumar um cigarro e abrir a
segunda garrafa de Coca. Será que minha mãe do médico foi ao shopping em plena
Black Friday? Corajosa, se for o caso. Se não for o caso, está demorando
bastante. Me dá ideias, mas acho que deixarei para a noite alta, prefiro assim.
Não quero fazer exame de sangue amanhã e não sei se farei. Queria sair e tomar
umas cervejas, mas prometi à minha mãe que só depois de o meu irmão ir embora.
Então, cerveja para mim, só no ano que vem. Nossa, a Black Friday me atrai a
gastar, muito. Ofertas impensáveis, tem uma loja de pôsteres que está vendendo
tudo pela metade do preço, mas não sei se a minha ideia do “pendurador de pôsteres”
na porta vai vingar. Fora que estou com a grana contada para o Azure Dragon. A
tentação maior é o Superman, essa está quase irresistível. Gostaria que a
garota do eBaymag me respondesse, mas aparentemente sumiu do mapa. Isso está
prejudicando as minhas vendas quando deveria ajudar.
19h36. Sendo bastante contraditório com o que acabei de
dizer postei o terceiro item no eBaymag na vã esperança de que os meus três
itens sejam vistos em todos os eBay do mundo, o que não está acontecendo.
Dane-se, são itens difíceis de vender.
19h46. Estava lá calibrando os fretes para outros locais do
mundo, negócio chato. Vou fumar um cigarro. Estou meio sem saco de escrever no
momento. Espero que, com o cigarro, a vontade volte. Minha mente é só Black
Friday no momento.
19h56. Volto do mesmo jeito que parti, com uma boa dose de
Blanka no meio. Não consigo entender o receio, esse medo covarde em mim. É uma
coisa boa na minha vida, muito desejada e vai ser supertranquila. Não terei nem
obrigação de penetrar. Posso acabar com a relação na hora que eu quiser. Não há
problemas, é só uma garota que decidiu repartir uma parte do seu tempo comigo.
Quando penso em levá-la ao cinema, minha alma serena mais. Queria ver Alita Battle Angel com ela. Nem sei se
queria por causa desse medo que sufoca qualquer prognóstico bom que eu faça.
Saco isso. Vou mergulhar na Black Friday, ver todas as gostosuras que a
internet me oferece.
20h28. Cometi a loucura que estava louco para cometer,
gastei quase todo o meu saldo do PayPal achando que com isso estava poupando
dinheiro ao invés de gastar. A grande enganação da Black Friday. E de qualquer
desconto. Gastar achando que se está poupando. Economizando. Economizar é não
gastar. Espero que o truque da MoAF funcione realmente para o Batman Branco e
para o Superman. Eu me descontrolei agora. Fui levado pelo impulso do desconto
nunca dado antes. Economizei mais de duzentos dólares. Ou seja gastei dinheiro
com algo que queria. Tenho que incluir o Superman na lista de bonecos. Agora
terei um dos maiores ícones da cultura pop na minha coleção. Não me arrependi.
Ainda. O Azure Dragon virou um sonho distante. Espero que mamãe não leia esse
post, acho que não vou publicá-lo. Vou é fumar um cigarro e pensar no que fiz.
Não me sinto excitado, diria que estou até um pouco decepcionado comigo.
20h53. Não fumei um, mas dois cigarros e não consigo me
arrepender da decisão se o truque da MoAF funcionar. Eu nem estava mais tão
interessado no Azure Dragon. Me arrependo de ter feito o cara da Gantaku fazer
tudo o que disse que fez, no caso, reservar a versão exclusiva para mim. Troco
o espaço de um pelo outro e acho que o Superman ocupa menos espaço lateral e de
profundidade. Bom, está feito e não pode ser desfeito. Se vender um dos dois
itens que pus à venda, os mais caros, pode ser que consiga o fôlego financeiro
que preciso para o Azure Dragon, mas não vejo isso acontecendo. São itens muito
difíceis de vender. Que seja, tenho Superman na minha coleção agora, foge menos
dos padrões que o Azure Dragon, mas é um personagem que não poderia faltar. Nem
ele, nem o Batman. Estou com um sentimento ruim.
21h15. Mamãe chegou e continuo com um sentimento ruim.
Trouxe um lanche do McDonald’s, mas estou sem fome alguma, vai ficar para as
altas da madrugada. Blanka me mandou uma mensagem, mas demorei a responder pois
estava com a minha mãe e ela sumiu.
0h56. Conversei mais com Blanka e ela deu mais um sumiço,
esses contatos fazem o medo diminuir. Ainda com o Superman na cabeça. É meu.
Estará um dia nesse quarto, se tudo der certo.
-x-x-x-x-
8h53. Esperei Blanka me mostrar os vestidos o máximo que
aguentei. Me veio com uma desculpa do porquê não o fez e eu tento acreditar.
Pedi a ela apenas que, em não podendo fazer o combinado me avise de que não é possível
para eu não ficar fazendo papel de besta a esperar pelo que não vai ocorrer,
afinal isso é respeito, é o que uma pessoa que se importa com a outra faz.
Mamãe já disse que não bota fé nesse relacionamento e que ela vir aqui em casa não
se dará nem tão cedo. Mamãe deveria enxergar por outro prisma, ela é mais do
que uma acompanhante terapêutica para mim, ela me suprirá todas as carências,
então é, economicamente falando, um investimento campeão. Embora eu veja a
coisa toda por um viés muito mais sentimental, acho que afeto pode surgir, mas
será devagarinho. Ou não. Minha mãe acha que eu vou entrar numa pior se perder
ela e talvez até entre, mas será muito melhor ter vivido isso que continuar
apenas no ostracismo. Entrei na quarta página, vou revisar e postar.
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