20h45. À espera de uma foto chegar para colocar num post do
maravilhoso mundo dos bonecos e então me conectar ao meu Facebook brasileiro
para divulgar a nova postagem do Profeta.
21h36. Mandei duas mensagens para a garota do Tinder. Tem 23
anos, não é feia e tem um belo nome, o que me agrada. O corpo também me agrada.
Pelo pouco que se revela dele. Enfim, me gerou atração. Vamos ver se alguma
conversa se desenrola. Estou com preguiça de existir hoje, espero que isso mude
mais tarde. Mas não posso ficar dependendo de subterfúgios para tornar a
existência mais interessante. Ou transformá-la de suportável em agradável. Ela
tem que me ser agradável em sua maior parcela. Isso significa que estou vivendo
de forma errada. Agora, há uma variável nova na minha vida. A garota do Tinder.
Caso venhamos a ter uma conversa mesmo. Ela pode ter clicado no meu perfil por
engano. Hahaha. Não me lembro de tê-la curtido, essa para mim é a parte mais
curiosa. Ela teria que ter desperdiçado um precioso superlike em mim. Sei lá. Vai ver que a curti e não lembro.
22h36. Não sei como uma hora se passou. Isso é bom. Uma hora
a menos disso que chamo de vida. Eu tenho a convicção que se não fossem os
remédios eu estaria em depressão. Santos remédios. Queria magicamente pular
mais uma hora. O que posso fazer? Não quero fazer nada. Queria que a garota do
Tinder me respondesse. Isso seria deveras interessante.
23h00. Cruzei com minha tia-vizinha e ela me contou da
viagem a São Paulo, estava acabando de chegar. Boas novidades todas. Disse que
somos e seremos sempre provincianos comparados a São Paulo. Deve estar certa.
Mas desse tamanho para mim está bom. Não dependo de muito. E tudo o que
necessito chega aqui. A menina do Tinder respondeu. Disse que me curtiu porque
achou o meu sorriso sincero. Vamos ver no que isso vai dar. Perguntei se ela
havia lido o meu perfil, para saber a diferença de idade entre nós. E que tenho
bucho.
23h30. Acho que vou fumar mais um cigarro. E analisar a
situação dos demais habitantes. Quero muito ter a noite só para mim hoje. Não
acho que o negócio do Tinder vá vingar. Seria ótimo que estivesse enganado. Eu acho,
embora seja uma coisa meio assustadora. A casa em breve será minha. Meu irmão
mandou as fotos do Iron Man. Já as coloquei no eBay e comuniquei aos possíveis
compradores.
0h13. A noite é minha e está agradável, gostosa de ser
vivida e apreciável, ela bem que poderia ser assim por mais tempo. Poison Ivy,
uma barata voadora inexistente. Essa barata me levou longe. Pensei que a minha
existência seria muito mais agradável, tranquila, legal, se baratas voadores não
existissem. Daí pensei como seria insensível da minha parte roubar da
existência um ser que consegue sobreviver a uma hecatombe nuclear, que segundo o
conhecimento popular é imune à radiação que erradicaria praticamente a vida como
um todo desse planeta, ela subsistiria e em sobrevivendo ela e outros poucos
seres vivos restantes conseguiriam formar um novo ecossistema, uma outra cadeia
alimentar para que algum provável ser mais evoluído intelectualmente surgisse
que a predasse. Será que algumas ilhas esquecidas, com seus ecossistemas próprios,
sobreviveriam, escapariam ao ataque irracional e suicida de humanidade, da sua
sede de poder que o levaria a quase matar a Natureza (embora acredite que ela seja
maior que todo o poder de destruição humano), se a radiação não alcançar
algumas áreas da Terra onde há vida, onde exista uma fauna e uma flora
desenvolvidas e ricas, um ecossistema evoluído, com vários degraus da cadeia
alimentar será que emergiria daí, em anos de evolução, os mesmos anos que
levaria talvez para a Terra ser habitável uma vez mais, outro ser tão
ou mais inteligente que o homem? Seria a inteligência a virtude ou atributo mais
importante a ser desenvolvido para que um ser domine e subjugue os demais? Ou
haveria outro? Acho difícil, acho que a inteligência leva à tecnologia que
evolui mais rápido que a evolução das espécies, permitindo ao ser mais
inteligente manipular a natureza a seu favor, criando tecnologia a priori para matar e se proteger. Que
são o bem comum. As tecnologias só servem ao bem comum, exceto pelas armas,
elas deveriam ser de uso muito restrito, se possível, impossíveis de serem
letais para ao homem. Poderiam agredir, se necessário, pois a coerção às vezes é necessária. E cada um poderia
escolher uma arte marcial para se especializar e haveria estudiosos pensando
em como evoluir tais artes marciais para se tornarem mais eficazes pelo menos
as lutas praticadas pelo poder coercivo do estado, se estado se desenvolvesse.
1h04. Eu fui fumar e estou a fim de botar o Álbum Branco dos
Beatles e falar sobre baleias e krils (não sei como escreve). Eita, Pagan Poetry. Vou ouvir, merece e eu
mereço. Queria que Björk abolisse as máscaras. Se assumisse com a idade que
tem. Isso não alienaria o seu público.
1h16. Muita coisa aconteceu desde o parágrafo anterior, eu
coloquei o Álbum Branco, recebi outro like
do Tinder. A garota para quem dei o superlike
hoje. Muito legal isso acontecer.
1h41. Estou conversando com essa segunda que deu like no Tinder.
1h57. Falei um monte de coisa lá ela não respondeu, voltei
para cá. E coloquei Björk porque o Supercombo do qual ela gosta não estava me
agradando muito. O Utopia me é
familiar e gostoso de ouvir do início ao fim. Estou pensando na figura do Tinder. Que pena
que ela não respondeu.
2h28. Acho que destruí o papo. Não sei. Qualquer coisa ela
pode dar o unmatch em mim ou até me
bloquear. Vamos ver no que dá. Sugeri que migrássemos para o Facebook para que
eu pudesse utilizar o teclado do notebook e conhecer um pouco mais sobre ela.
Mas está tarde, acho que ela deve ter ido dormir, sei lá. O acaso/destino
decidirá. Fiz a minha parte e diria que fui além. Demais. Descobriremos. Ela é
linda e gosta de malhar, embora não tenha um corpo voluptuoso, mas um corpo que
muito me agrada. Ah, se ela pintasse para mim, seria magnífico. Não acredito
que seja capaz disso. Ela já fez intercâmbio, o que significa uma educação
legal, eu assumo. Mas não conseguirei. Bom, enquanto ela não me tirar, há
esperança. Mudaria completamente a rota dos meus planos.
2h43. Descobri que era um fake user pelas fotos e havia uma
mensagem estranha dizendo que o verdadeiro nome era vitóriaAndré. Ouxe, que
ozzy.
3h04. Fui fumar um cigarro, mas antes deixei uma mensagem
para a que julgo que seja real.
3h06. Estou sem sono nenhum. Estou achando ótimo estar aqui
a escrever. Quando acordar, vou fazer um café para mim. Vai ser bom. Gosto do
meu estado de espírito atual. A minha única neura é mamãe vir me pastorar. E
esquecer de pedir a carteira de amanhã a ela. Ju quer me libertar das correntes
em que me aprisiono. Quer que eu me veja de outra perspectiva, mas não consigo
sequer imaginar outra perspectiva. Outra pessoa que eu namoraria tranquilamente
é com a moça dos Correios. Qualquer dia que me bater no tino, vou levar uma
rosa e o meu endereço de Facebook e WhatsApp para ela. Dizendo que prefiro o
Facebook, pois, como disse ao fake, somos desconhecidos e não troco telefone
com desconhecidos. Acho que fico por aqui. Vou dormir. Amanhã acabo.
-x-x-x-x-
15h24. A pior parte do despertar já passou. Acordei por
volta das 14h. Nenhuma comunicação da garota do Tinder. Não sei se virá. Dei o like para uma prostituta. Estou curioso
no que vai dar. Não tem nem foto. E ainda é casada. Não sei por que fiz isso.
16h47. Fui preparar o café e falei com o meu amigo cineasta.
Reparti com ele o vídeo de divulgação do Jornal do Profeta. Minha mãe me ligou
e trará novo lanche do McDonald’s para mim hoje. Estou curioso no que
conversaria com uma mulher teoricamente de 20 anos que é casada e se prostitui.
Por que cliquei nela? Por causa do nome. Os nomes podem ser atrativos ou
repelentes para o meu interesse por uma garota. Aposto que seu nome verdadeiro
não seja o que colocou no Tinder. Ela parece ser profissional demais para isso.
E não escreve um mau português, isso também me interessou. Teria mil coisas a
perguntar a ela.
16h53. Sem ímpeto para coisa outra que não escrever. O café
me desce bem e me anima. Estou ouvindo o playlist
do meu amigo cineasta.
17h06. Fumei um cigarro e pus mais café. Nara Leão passa no
som, fazia muito tempo que não ouvia. Ela tinha um charme que me encantava.
17h11. Ouvindo uma música bem antiga Camisa Amarela, que em tempos feministas como os de hoje seria
vista com preconceito pelas moças mais bem esclarecidas e engajadas.
17h56. Surpreendente, a garota do Tinder me mandou o seu
WhatsApp. Adicionei e mandei duas mensagens para ela. Esperar resposta. Se esta
vier. Mas já me sinto mais animado. Não posso me depreciar para ela. Esse jogo
não funciona. Mas seguirei no meu ritmo. Não quero me violentar com isso, mas
também não posso ser tímido demais. Se chegar ao ponto de ser presencial, como
lidarei com isso? Estou com calor. Minha mãe me vê abatido. É essa falta de
interesse por tudo. Espero que a garota do Tinder traga uma luz para a minha
vida. Será uma experiência curiosa.
18h26. Não sei se quero alguém outra que a minha paixão
platônica. Mas não posso viver de irrealidades. Vamos ver se algum papo se
desenrola. É a vez de ela responder. Ouvindo Desafinado com João Gilberto e talvez Stan Getz.
18h35. Parei de ouvir a lista do meu amigo cineasta, pois
começou a se repetir. Vou ver se minha mãe achou a chave do carro.
18h48. Fumei outro cigarro. O mal-estar que comer uma
batatinha do McDonald’s me causou está finalmente cedendo. Só tenho uma Coca de
dois litros para o resto da noite, isso é mau. Pois quero a minha noite longa
como ontem. Eu não sei definir como me sinto, talvez acelerado e moderadamente
angustiado como um sufocamento da alma. Estou na expectativa sobre o contato da
garota do Tinder, mas menos do que poderia supor. Na verdade, nesse momento não
queria conversar com ninguém. Não queria fazer nada. Mas a despeito das
vontades da alma o corpo segue existindo e eu sigo com ele. Acabou-se a página
três.
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