Acho que a garota do Tinder quer me fazer de palhaço, que
deveras sou, pois vê as mensagens e não responde. Bom, que seja. Está fora do
meu controle. Loser passando, bela
coincidência. Estou empachado, mamãe me botou para comer mesmo eu estando sem
fome. Ela e a fantástica faxineira intuíram que o meu estado de espírito era
causado pela fome. O que posso dizer? Minha mãe me liberou comprar duas cocas
na pizzaria, o que foi ótimo. O que tenho que fazer é suportar as horas que me
separam do meu subterfúgio. Vou ter que levar a fantástica faxineira lá embaixo
para chamar-lhe um Uber. Tenho 8% de bateria. Espero que dê. E, se não der, é a
vida. A vida, a vida, a vida. Acho uma palavra tão bonita. Acho que daria até
nome para uma filha. Que nunca terei. Melhor assim. Tanto para mim quanto para
a suposta filha. E a mãe, cadê? E minha parceira nessa jornada, onde encontro?
Aparentemente não no Tinder.
19h40. Passei um sermão na garota do Tinder. Hahaha.
20h03. Voltei lá de baixo.
20h13. Estava lendo uma carta sobre Trump que a minha irmã
mandou ou foi vírus, sei lá, acho que foi ela mesma. De volta ao meu mundinho
particular aqui no quarto-ilha. A carta dizia que os próprios homens do
presidente, à sua revelia e muitas vezes sem o seu conhecimento ou
consentimento tomavam decisões políticas saudáveis ao país apesar de Trump.
Interessante a leitura. Bem, agora de volta mesmo ao meu quarto-ilha.
21h00. O meu amigo da piscina está aqui ao lado a jogar Call of Juarez. Eu me sinto como se
estivesse vivendo um sonho do qual vou despertar em breve. Tive a sensação
nítida de que iria morrer quando fui comprar mais Cocas na pizzaria. O cara da
pizzaria perguntou quanto eu já havia escrito. Novamente a sensação de que não
passava dessa noite se deu muito forte durante o banho. Não sinto que meu corpo
está legal, há algo de errado com ele. É assim que me sinto nesse momento. Sei
que é tudo ilusão.
21h27. Passou mais.
21h37. Ainda estou meio nesse clima de despedida da vida, é
tão estranho. É como se pressentisse que algo vai falhar no meu corpo e causar
a minha morte. Não sei por que esse pensamento me assalta. Não estou nem dando
atenção ao meu amigo em meio ao constante tiroteio do game.
22h07. Minha sensação de morte praticamente se esvaiu. Diria
que se esvaiu quando joguei um pouco do Uncharted:
3 com ele, mas não estou com saco de resolver o quebra-cabeças da vez. Não
achei divertido ou lógico. Ou não compreendi a lógica.
22h22. Meu amigo da piscina acaba de me deixar, confesso que
estou mais feliz sozinho. Parece que nosso elo de tantos anos o faz perceber
que prefiro a solidão hoje. Ainda estou com um sentimento ruim, a tal sensação
ridícula de morte. Mesmo assim acho que apelarei para o meu subterfúgio hoje.
Não sei por que me quero tão mal. Preciso aprender a me querer bem. A única
coisa que funcionou, mesmo que momentaneamente, foi repetir “eu gosto de mim”
diversas vezes para mim mesmo duas vezes ao dia. Não sei. Só sei que me sinto
fisicamente mal. Pode ser psicossomático. Mas a sensação que tenho é que hoje
ultrapassei algum limite e que meu corpo está padecendo por conta disso. E o
mal-estar se alastra para o meu próprio eu. Ou do eu irradia para o resto, vai
saber.
22h32. Minha mãe acabou de vir aqui e me perguntar se eu
estava sentindo algo físico. Outra que parece que pressente. Respondi o que
escrevi acima, que eu me sinto meio mal, mas não sei a causa. Ela me dará dois
ansiolíticos. Acho que me sentiria grato se essa fosse a minha última noite na
Terra. Recebi muito e do melhor sem oferecer nada em troca, só esses escritos e
um ou outro momento marcante na vida de algumas pessoas. Mas, falando
racionalmente, eu não acho que vou morrer, isso tudo é drama, frescura. Quero
fumar outro cigarro. Sentimentozinho desagradável esse. E essa autopiedade
toda, para quê? Nada demais vai acontecer de hoje para amanhã. Provavelmente
acorde melhor. Como irei nesse estado de ânimo para Porto de Galinhas depois de
amanhã? Reunião familiar e eu me sentindo completamente esgotado psicológica e fisicamente?
Será o mesmo que uma sessão de tortura. Não quero ir para canto algum. Não
quero sair do meu quarto. Só para fumar e encher o copo de Coca-Cola. Vou pegar
o remédio e fumar um cigarro. Nem os cigarros estão me descendo bem hoje. Nem
eles, nem a Coca-Cola e insisto em consumir os dois. Vou lá.
22h59. Hoje me sinto realmente diferente, isso é inegável.
Desde que comecei a tomar café. E fumar. A sensação é que o meu organismo
chegou ou ultrapassou algum tipo de limite. Me sinto sonolento, mas isso passa.
Estou me sentindo completamente estranho. E não de uma forma prazerosa. Fico
até curioso em como as horas vão decorrer daqui por diante. Vou olhar a
internet, de nada me custa e geralmente me deixa melhor.
23h13. Recebi um e-mail do meu irmão muito bonito,
emocionante. Não saberia o que responder ou não sei no momento. No momento só
consigo pensar em meu estado que não saberia descrever. Meu irmão diz que não
devo me isolar mas procurar pessoas que me validem. Mas não quero ver ninguém.
Exceto Ju. Ela é o meu principal elo com a humanidade e que belo elo fui
escolher, figura maravilhosa, admirável. Generosa, boa, cuca superfresca e bem
resolvida, acolhedora e inteligente. E ainda por cima é jovem e não é de se
jogar fora. Hahaha.
23h42. Lullaby remix
toca e todo o sofrimento passou. Que alívio, que bem-estar. Pensar que tenho
que esperar tanto para estar assim talvez amplifique a sensação. Muito melhor
que a sensação de morte. Coloquei a comida que deveria comer num Tupperware na
geladeira. Não pretendo comer, mas as coisas podem mudar. Será que acho aquele
livro de Frakenstein? Acho que não, acho que por não ter capa dura, mamãe o
descartou como obra menor. Tinha ilustrações fantásticas, em preto e branco, sempre
muito escuras, se bem me lembro, mas não deixando de ser reveladoras. Que bom
que pensei nisso e noutras coisas pensarei mais, espero que diferentes da
existência que levava minutos atrás. Não posso ficar só dependendo disso, desse
subterfúgio. Preciso gostar do meu dia. Mas não quero pensar nisso, é
desperdício e desgaste emocional. Close
To Me, clássico do The Cure, também versão remix. Há uma força me levando
para dormir. Talvez ceda. Mas daqui a dois cigarros ao menos. Um vai ser agora.
0h04. A sensação de morte se foi, vim lembrar dela agora que
sentei aqui. Lembrei do que estava pensando, mas é muito grande e inútil para
narrar aqui; tinha a ver com salão de beleza. Nada a ver. Acho que uma mudança
legal poderia começar da iniciativa de pessoas físicas agindo coletivamente.
Como em um condomínio de alto padrão. Que, além de tudo, é formador de opinião.
Haveria um ônus nisso, mas talvez temporário. Não sei e não quero falar disso,
já pensei demais sobre o assunto agora. Não vale a pena repetir. Nossa, o que
me assolou hoje me assolará amanhã? Seria péssimo. Espero que não. Acho que vou
comer. Fumar um cigarro bebendo uma Coca e ir dormir. Podia ter como sobremesa
o iogurte de frutas vermelhas.
-x-x-x-x-
15h18. Como se vê, acordei, estou vivo e toda aquela
paranoia de morte não passou disso. Sinto que meu corpo ainda não está 100%,
mas me sinto muito melhor que ontem. Dormi bastante, mais de doze horas. Meu
amigo da piscina já perguntou se eu acordei. Não estou propriamente acordado
ainda ou com disposição para interações sociais no momento.
15h31. O sol da tarde agride meu rosto enquanto trago um
cigarro que não me desce bem e sua fumaça infla os meus pulmões, que existência
sem propósito. Abaixo, uma menina desafinada atrapalha a banda da festa. Já
estive muito no papel dessa menina quando bebia. Novamente que vida sem
propósito. Ainda não me sinto disposto a responder o meu amigo da piscina. Acho
que ele vai querer vir jogar videogame aqui. Não é uma má ideia, só não estou
preparado para ela agora. Sei que vai ficar mais interessante com a presença
dele aqui, mas não estou a fim no momento. Loser
passa de novo. Está no começo da lista 6, visto que Beck é com “B” e a lista
está organizada por ordem alfabética dos artistas. Antes, Sabotage dos Beastie Boys, lembranças do tempo em que a MTV formava
nossas opiniões musicais. A menina do Tinder leu o meu sermão e nada me
respondeu. Dou como um esforço perdido. Nada virá do Tinder. Penso na garota
dos Correios. Não me custa muito. Só uma grande dose de coragem. Ela é linda
aos meus olhos. Deve ter seus 30.
15h55. Acho que vou responder o meu amigo. Já estou mais
preparado para tê-lo aqui.
15h58. Respondi. Não sei o que fazer do meu tempo livre.
Estou me sentindo moderadamente angustiado. Não é legal sentir angústia. O pior
é que não quero sair desse lugar onde me coloquei. É a única posição de vida
aceitável para mim.
16h03. A internet me distrai um pouco, mas quando volto para
mim e minhas palavras a vida dói, algo em mim reclama, sofro. O cigarro é um
escape, uma pausa. Minha mãe não deixou cigarros como lhe pedi e está dormindo
o sono da tarde agora. Tenho alguns poucos que espero que me supram até que ela
me dê nova carteira. A carta do meu irmão ainda ressoa na minha cabeça. Eu
estou supersensível, superfrágil ou me sinto assim. Qualquer coisa que
interrompa esse estado de coisas em que me encontro só o faria piorar, por isso
prefiro minha mãe dormindo por ora e a ausência de resposta do meu amigo da
piscina. Se bem que ele não viria me roubar de mim, acrescentaria algo de
positivo à minha prisão autoimposta no quarto-ilha. Vou pegar mais Coca e fumar
um cigarro.
16h29. Minha mãe veio aqui, queria me levar para almoçar com
o meu padrasto num restaurante japonês aqui perto. Obviamente tive um bloqueio
imediato à ideia. Também me mostrou que o Netflix voltou a funcionar, mas não
estou com vontade de nada. Muito chata essa fase. Espero que seja uma fase.
Terei que ir a Porto amanhã encontrar com a família. Nossa, como será difícil e
desgastante. Estou deprimido, não consigo ver outra razão para as coisas em mim
se darem assim. E não quero mudar. Arrotei, foi bom. Acho que vou fumar um dos
novos cigarros que mamãe me deu. Na escada, visto que eles vão sair dentro em
breve. Acabou-se a página três. Vou publicar. A minha propaganda do Profeta do
YouTube pulou para cinco visualizações. Interessante.
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