domingo, 9 de setembro de 2018

QUADRO

18h02. Tentei revisar a revisão do livro, mas não suportei fazer por muito tempo.

18h15. Deixe-me estar na internet e não me agradei do maravilhoso mundo dos bonecos. Antes me agradava muito. Meu amigo da piscina me chamou para ir à casa dele. Disse que iria pensar. Minha mãe certamente virá aqui antes de ir ao restaurante. Falarei com ela sobre a ideia. Ela talvez me motive. Eu não tenho motivação por mim mesmo. Não estou bem. Isso, sentir-me assim, não é normal. Droga de cabeça cheia de caraminholas. Me vejo numa situação sem saída. Estou passando muito tempo sozinho a remoer as minhas neuroses. É um ciclo que se autoalimenta.

18h25. Meu amigo da piscina quer vir aqui jogar videogame. Acho que vou concordar com isso e ir um pouco mais além. Não estou com vontade. Mas é algo que acrescenta mais do que rouba. E vai deixá-lo feliz. Uma boa ação. Vou fumar um cigarro. Eu não mereço existir, mas inexplicavelmente existo. É algo que não faz muito sentido para mim.

19h42. Mamãe vai voltar a ler esse blog, coisa mais curiosa. Acabo de volta da casa do meu amigo da piscina onde ele me incentivou a fazer um curso, me disse que eu deveria ter levado o curso de pintura até o final para só aí, tendo estudadas as técnicas todas, ou as do gosto do professor, eu desenvolveria a minha. O que ele não entendeu é que eu já tinha a minha própria técnica. A que eu fazia sem técnica alguma só por prazer e pela experiência adquirida com a prática. A parte da minha vida em que pintei mais foi durante um internamento no Raid. Foi quando vendi o meu primeiro quadro, o que causou o desligamento do comprador, um sociólogo que fazia um estudo lá, da instituição de forma bastante dura. Ele aprendeu da forma mais difícil e clara que não se pode dar dinheiro a viciados em estado de fissura. Bom, nessa época eu era um eu muito mais seguro e de bem com a vida, é como se eu tivesse realmente envelhecido em espírito. Ou tenha encontrado o meu verdadeiro espírito. Mas não acredito nisso. Um espírito válido é um que gosta e está em harmonia com a existência. Como a existência é muito caótica eu me agarro a esse computador onde tenho quase controle total (a internet é indomável e são muitos). Em breve o meu amigo da piscina deve surgir aí e mostrarei a pintura que fiz no centro da sala. Chamo de “Virgem” e pintei durante a fase de internamentos do Raid e continuei pintando quando saí, e estava a pintar o quadro no momento em que meu pai morreu. Então é um quadro com muitas vivências atreladas, mas saiu um quadro alegre, mesmo e apesar das situações. Eu acho às vezes que causei a morte do meu pai por estar produzindo algo que ele achava válido e ele se viu pela primeira vez menor que eu, mais adoecido do que eu e tal constatação, quando somada a todas as outras, aos remédios com bebida... acho que morreu sufocado no próprio vômito. Eu nada ouvi pois estava na varanda pintando e ouvindo música muito contente de mim. Enquanto no banheiro trancado ele tinha a convulsão fatal.

20h13. Fui tomar uma Coca e fumar um cigarro. Meu pai é um ser mítico para mim. Um ser sobre-humano, inalcançável ou pelo menos essa era a ideia que vendia de si e a qual comprei integralmente. Como todo o ser humano, com a convivência nos seus últimos anos de solidão, percebi falhas estruturais, mas nada que o fizesse viver em desacordo com os seus iluminados valores. Sofria bastante para imprimi-los sobre a Terra, mas era a sua missão pessoal ser o melhor. Pelo menos eticamente e profissionalmente. Com as mulheres, acho que nunca levou muito jeito e parece que herdei tal defeito. Herdei os defeitos todos e nenhuma das qualidades. Meu amigo acabou de mandar uma mensagem dizendo que não vem. Bem, vou apagar todas as luzes da sala, que havia ligado para mostrar o tal quadro que me trouxe à relação que tenho com meu pai. Vou tirar uma foto para postar. Vocês vão achar uma merda. Hahaha.





20h31. Estou me sentindo bem, tranquilo. Uma pausa no sofrimento existencial. Me sinto bem estando só em casa no momento, sinto que meu reinado se expande à toda a área comum do apartamento. Vou pôr Arisen My Senses. Vou não, a sequência de Björk que vem depois dessa música muito me agrada. Acho que vou tomar um banho. Bem quente.

20h48. Mudei de ideia por enquanto. Vou fumar outro cigarro e ver se daí a coragem de tomar banho ressurge. Deixaria a minha mãe feliz. E vou fumar na escada para não poluir o corredor.

20h59. Minha mãe acaba de telefonar. Disse que não vai poder pegar o carro para dirigir e, portanto, não haverá Cocas, isqueiro ou lanche. Trará um prato do japonês para mim e me financiará para que compre os refrigerantes, espero que na pizzaria. Estou com vontade de fumar mais um cigarro antes de eles chegarem. Não sei bem por quê. Acho que é porque é um cigarro mais livre. Eu peso às costas da família, mas ela também pesa às minhas. Estou tranquilo e acho que o que vou fazer é tomar banho mesmo. Vou à pizzaria de banho tomado, que mal há nisso? Vou fumar e tomar banho, pronto.

21h34. Acabei de voltar da escada, estava fumando. Eles chegaram. Estava pensando ao me olhar nu no espelho em como a minha vida seria diferente se tivesse menos cérebro e mais pau. Certamente não teria conseguido alcançar o status de célula praticamente autônoma do sistema, de alcançar o meu sonho profissional de escrever. Seria alguém que ainda estaria acorrentado às engrenagens da máquina, adequado ao sistema, com emprego, profissão, esposa, filhos. Seria completamente outro. Acho que a minha tacada de mestre, o meu momento de maior genialidade foi reverter todas as merdas, todos os equívocos, todos os excessos, todo o meu rastro de autodestruição em algo que me garantisse a liberdade para exercer esse ofício. O que se passa atualmente é que percebo que isso se prova insuficiente e que me tornei talvez excessivamente autônomo socialmente a ponto de ter dificuldade severa ou de faltar disposição sincera de me socializar. Daqui a pouco minha mãe vai me chamar para tomar os remédios. Que são o que me impede de cair em depressão de fato, na minha opinião. Amanhã terei um desafio para o qual não me sinto nem minimamente preparado. Só teria disponibilidade, eu acho, para conviver com as filhas da minha tia, mas, pensando na minha tia, não me parece tão difícil interagir com ela também. Com certo esforço me socializo com os demais, mesmo que breve e superficialmente. Pintei no quadro que deu início a esse post lágrimas que resisti derramar no funeral do meu pai. Só as chorei muito depois, quando de uma recaída pesada de cola que me deprimiu profundamente. Foi necessário ir a tal extremo para chorar a morte dele, enjaulado no Manicômio, sem ninguém para me oferecer ombro ou consolo. Foi a última vez que chorei e ainda me lembro quão libertador o choro pode ser, como serve como unguento para a alma. Sei que teria muito o que chorar nas atuais condições, mas lágrima não me vem. As lágrimas são quando as máscaras caem, quando toda a dor se mostra plena e é expiada ou expelida. Pelo menos temporariamente. Acredito que melhor as chorar que prendê-las, mas não consigo fazer de outra forma, não sei me fazer chorar. Acho que me tornei emocionalmente frio demais em relação à morte. Talvez por me ser uma coisa secretamente desejada. Acho que só falo asneiras, isso sim.

21h56. Me perdi na internet por alguns poucos minutos. É uma pausa necessária, um alienamento de mim. Tomei também alguns refrescantes goles de Coca e isso me pôs mais em paz e satisfeito com a minha existência. A vontade de fumar um cigarro me toma e vou ceder a ela, dessa vez fumando no hall, visto que meu padrasto não mais sairá de casa e no hall posso beber Coca e fumar sem sujar o chão, além de espiar a noite do bairro pela janela. Vou-me lá.

22h19. Estou empanzinado pela comida que mamãe trouxe, enorme quantidade de arroz. Fumei dois cigarros, um antes e outro após a refeição. Tudo o que falam ou que o meu padrasto assiste é sobre o atentado a Bolsonaro. Me deu certo enjoo por alguns momentos a comida. Já tomei os remédios. Não sei se tardo aqui, pois, como disse iremos à Porto amanhã cedo. Não sei se leve o computador. O pen drive certamente levarei. Acho que levarei tudo. Já é quase de praxe que fique escrevendo em meio à família, o que chega a ser um acinte social, mas é o que posso oferecer em troca da minha nula presença. Queria que mamãe lesse este post, não sei por quê. Escrevo pensando nela mais das vezes. Algo daqui quero comunicar, não sei precisar qual ou quais partes, mas não me incomodaria que começasse a sua leitura do blog por esse post. Tomaria pé rapidamente do que vai em mim. Não de todo, mas mais revelarei quanto isso se fizer presente na minha cabeça. Quero divulgar esse blog no Facebook também. Acho-o, como dizer, diferenciado em relação aos dois últimos que escrevi. Não tenho nada no momento a acrescentar, então vou dar um pulo no ciberespaço.

22h57. Estava perdido na internet. Vou fumar um cigarro já com o pensamento em ir dormir. Resistirei ainda, entretanto.

23h05. Fumava e pensava em algo que não é meu e que mesmo assim é muito meu. Irrealidades. Sonhos que a alma em vão sonha.

23h09. Chega uma hora em que me dá um enfado de viver de lascar.

23h13. Acabei de ver o Tinder e nada. E nada da única garota real que me curtiu simultaneamente. Acho que era real. A outra que reportei como fake começou a me seguir no Instagram, pedi para seguir ela de volta, mas ela – ou ele, fiquei nessa dúvida – precisa me dar permissão. Quero mergulhar mais profundamente nessa história, estou curioso. Ver se me aproximo dos fatos. Se fosse realmente a garota que está na foto e me desse bola, seria quase que a concretização de um sonho. Deve haver algo de errado. E é isso que quero descobrir. Meu ar não está gelando o suficiente. Não quero ir para a cama. Não quero nada, voltou o meu desinteresse pela minha existência. Não acredito que haja “tampa para toda panela” como popularmente se diz. Não há luz no fim do meu túnel. Terei que fazer a volta e andar tudo de novo em direção à saída. Eis o que não me disponho a fazer. Tenho um plano de anos, fadado ao fracasso completo e absoluto, do qual não quero abrir mão. E a coisa mais saudável seria descartar tudo. É só perda, só resulta em perda. Se essa garota me aceitar, a do Instagram que era do Tinder, vou pedir para ter uma conversa privada com ela. Estou realmente curioso. Pelo menos é algo que desfoca um pouco de mim, que abre para o outro, aponta para outra direção. Me ocupa a mente sem ter que mergulhar em mim.

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Hoje é domingo, 13h33, não escrevi ontem pois fui a Porto e não tive disposição. Dormi cedo. Levei meu computador, mas não usei, achei que, da maneira em que a mesas foram colocadas, seria insensível demais da minha parte me alienar da companhia da família escrevendo. Foi bom, ouvi muito mais que falei, mas participei, estava presente à reunião. Minha tia me achou mais gordo, o que me incomodou, mas que é um fato e que não sei como reverter. Só se cortasse a Coca Zero, é a única coisa que pode estar me engordando. Relutei um pouco hoje em voltar para as palavras e a página acabou. Vou revisar, publicar e divulgar. 

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