Resumo da minha vida, Mario Odyssey, bonecos, Coca, Vaporfi e o computador. Esse é o meu cotidiano, o núcleo do meu quarto-ilha. |
15h06. Almocei, enchi a água da geladeira, coloquei os
pratos para lavar, fumei dois cigarros, tomei o restinho da Coca, peguei
algumas estrelas no Mario Odyssey e estou meio morgado. Não estou com saco de
escrever e isso é mau. Não consigo me concentrar com a porta aberta e minha mãe
falando ao telefone. Vou botar o som.
15h20. Dormi bem de ontem para hoje. Tenho vaga impressão de
um sonho, sei que sonhei, mas não consigo lembrar o conteúdo do sonho, só um
sentimento difuso remanescente do que foi sonhado. Sentimento bom e um pouco
melancólico.
15h26. Me peguei pensando em Clementine e se as observações
estéticas que fiz a respeito dela, as observações críticas, digo, de alguma
forma a influenciaram. Na minha imaginação distorcida tendo a crer que sim. Fiz
duas em toda a minha vida, sobre suas sobrancelhas e sobre suas pernas. Ambas
as coisas melhoraram sensivelmente após os comentários. Mas não sei se tal
mudança foi causada por meus comentários. E tanto faz. Ela está mais linda do
que nunca. Desde a última vez que a vi, pelo menos.
15h40. Mamãe fez um café na sua máquina. Tomei fumando um
cigarro. Não estou com meu astral bom ainda. Não sei quanto o jogo do Mario é
persistente nas alterações que operei no mundo. Peguei até um número bom de
estrelas nessa última sessão. Não estou com vontade de nada como me acontece
algumas vezes. É a parte mais chata da minha vida quando estou assim. Da minha
vida de agora, livre de depressão e vício, quero dizer. Minha cabeça me levou
até o Iraque agora, bar que visitei nesse sábado, mas nada que mereça ser
narrado aqui. Acho que fiquei de ganhar uma estrela no Mario por causa de umas
frutas, por isso queria saber se o mundo é persistente ou se terei que pegá-las
todas outra vez. Não estou com disposição de descobrir isso agora. Queria uma
Coca-Cola Zero, aliás, duas. Para poder tomar a quantidade que quisesse. Sobre
o que posso discorrer? Vou procurar perguntas difíceis no Google.
Achei um vídeo no YouTube com oito perguntas difíceis de responder.
1 – Você mata
acidentalmente uma pessoa e é o único que sabe a verdade, uma outra pessoa é
condenada em seu lugar, você se entregaria?
Sim, viver com a culpa de dois crimes seria insuportável
para mim. Eu me entregaria mesmo se não houvesse outra pessoa sendo
incriminada. Assumo a responsabilidade por coisas sérias, sou mais malandro
quando a transgressão é pequena.
2 – Você tem a chance
de salvar a vida de cem pessoas, mas para isso tem que abdicar da própria vida.
O que faria?
Como já vivi tudo o que queria viver, me sacrificaria pelas
pessoas. A dúvida só me bateria se a forma de morrer fosse muito dolorosa.
Sendo uma morte rápida, não teria problemas em me sacrificar. Eu não acrescento
quase nada ao mundo mesmo e não há nada nele que me inspire a permanecer nele
tanto assim.
3 – A qual das opções
você dá maior prioridade em sua vida: um relacionamento estável, realização
profissional, Deus ou a família?
Essa é um tanto complicada para responder, pois não
trabalho, estou solteiro e sem aspirações para ter um relacionamento no momento
e não acredito em Deus como pregam as religiões. Me restaria a família que,
dentre eles, é o que mais cultivo. Porém se contarmos a escrita como a minha
profissão, sem dúvida alguma, a resposta seria a realização profissional.
4 – Há dois caminhos:
uma que leva a paz e harmonia (sem muito dinheiro) e outro que leva a muito
dinheiro (sem paz e harmonia). Qual escolher.
Acho que minha opção de vida é uma resposta em si mesma.
Fico com a primeira opção sem sombra de dúvida. Prefiro estar em paz e harmonia
um milhão de vezes. Já conheci a falta de paz e harmonia, o inverso de paz de
harmonia e é terrível, não quero nunca mais voltar àquele estado.
5 – Você tem 24 horas
de vida, o que faria nesse curto espaço de tempo?
Acho que chamaria a garota da noite para sair ou cheiraria
cola ou ficaria aqui em casa escrevendo uma carta de despedida para a minha
família. Se todos os meus soubessem que só tenho 24 horas de vida, chamaria
todo mundo para uma festa aqui no prédio, para curtir todas as pessoas queridas
da minha vida uma última vez.
6 – Você está diante
de Deus e em algumas horas será enviado para uma região de trevas onde passará
os próximos 300 anos, o que diria a Deus?
Eu faria uma entrevista com ele. Há uma série de perguntas
às quais gostaria de ter resposta. Começaria perguntando porque ele me enviaria
para esse local de trevas se ama todas as suas criaturas? Que tipo de amor
punitivo é esse? E por que eu mereceria tal punição? Já não bastaria o que eu
sofri em vida?
7 – Meu filho está na
calçada e é atropelado por um motorista desgovernado. Qual a pena que deve ser
aplicada ao infrator: pena de morte, prisão perpétua ou eu o perdoaria?
A pena prevista pela lei. Não sei se o perdoaria, mas tendo
em vista o amor que os que conheço têm por seus filhos, acredito que não seria
capaz de gesto tão magnânimo quanto o perdão. Só se a causa do atropelamento
fosse um defeito no veículo.
8 – O cara do YouTube
inverte a situação e agora é meu filho que atropela um homem. O que eu desejaria
entre as três opções da resposta anterior?
Novamente, a pena prevista em lei. Se meu filho está
dirigindo é porque é adulto e responsável pelos seus atos. Eu o perdoaria com
facilidade, eu acho que os pais têm coração mole assim, mas não o ajudaria a
fugir das penas que lhe cabem. Tentaria proporcionar a melhor defesa que eu
fosse capaz de oferecer, o que não é muito.
9 – A pessoa com a
qual me relaciono há 3 anos me traiu com o meu melhor amigo. Alguns meses
depois esse amigo está em dificuldades, o que eu faria?
Acho que não faria nada. Não vou pagar de bonzinho aqui e
dizer que perdoaria o meu amigo pelo que fez. Se minha mulher tivesse acabado o
relacionamento para então ficar com o meu amigo, doeria, mas aceitaria numa
boa, cada um tem direito a ser feliz da melhor forma que puder, mas os dois me
enganando, fazendo teatro para mim, e eu descobrir, os vínculos afetivos que
teria com ambos se esfacelariam eu creio. E creio que se o amigo tem um pingo
de dignidade, não viria pedir ajuda a mim. Se viesse, talvez aquilo mexesse
comigo e talvez o ajudasse, tendo eu condições para tal, pois também não gosto
de ver ninguém sofrendo.
16h41. Acabou. Pelo menos me entreteve por alguns minutos.
Gostava mais dos questionamentos filosóficos, mas já respondi muitos e eles
acabam se repetindo. Vou ver se acho mais perguntas.
16h47. Minha mãe me deu dinheiro para comprar duas Cocas,
mas quando fui, estavam pegando lixo no elevador e o novo elevador da frente
não estava funcionando corretamente a meu ver, então voltei ao quarto. Vou
ligar o ar, já que mamãe pediu para eu fechar a porta. Sim, vou procurar mais
perguntas.
Achei mais oito perguntas difíceis de responder, essas de
caráter mais filosófico. (Perguntas e explanações em negrito retiradas de http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=28649
)
1 – Por que há algo
em vez de nada? Parece justo que a existência seja o primeiro destes grandes
enigmas. Por que algo existe quando parece perfeitamente possível que nada
fosse a norma? Que impulso secreto do universo físico foi decisivo para que o
nada se convertesse em algo?
Bem, partamos do final, a razão do universo existir, a
Supraconsciência Universal, soma de todas as Singularidades Tecnológicas do
universo. O universo foi criado para que desse origem à sua criadora, a
Supraconsciência Universal. Na minha visão, o universo tende a gerar
Singularidades Tecnológicas, em outras palavras, tende a níveis de complexidade
e inteligência cada vez maiores que findarão por resultar na soma/fusão de
todas essas Singularidades numa Supraconsciência Universal, de natureza
tecnológica que terá a capacidade de lançar ao passado, ao nada, ao
espaço-tempo zero, o estopim que dará origem ao universo que, por sua vez é
finamente calibrado para dar origem à entidade capaz de gerá-lo. Nesse caso o
ovo veio antes da galinha. No caso da galinha também, na minha opinião. Um
bicho que não era ainda galinha, pôs um ovo de com mutações genéticas
aleatórias, que resultaram na primeira galinha (ou galo). Voltando ao universo,
o nada é maior que tudo, pois no conjunto nada, além de todos os elementos de
tudo há o inverso de tudo (o -tudo, digamos) que o anula em nada. Enfim, a
Supraconsciência Universal, soma das Singularidades Tecnológicas do universo
(dentre elas a terrestre) mandará ao nada o estímulo que gerará o desequilíbrio
entre o tudo e o -tudo fazendo surgir a existência que resultará
inexoravelmente na Supraconsciência Universal.
2 – Nosso universo é
real? Uma das perguntas mais recorrentes do pensamento humano: a constante
dúvida sobre a realidade deste mundo. Dos textos sagrados do inguísti a Jean
Baudrillard, parece que não há recurso mental que nos permita discernir a
realidade real de nossa realidade (assim tão redundante e tautológico como pode
ser nosso pensamento). E ainda que, em certo momento de seu desenvolvimento
intelectual, Wittgenstein assegurou que na dor seria possível encontrar o
fundamento da realidade, a questão permanece aberta. Por mais complexa que seja
a noção de dor, por mais subjetiva e personalíssima, não poderia uma
inteligência superior que nos mantenha neste mundo simulado simular também, com
todos os detalhes, essas sensações?
A realidade para mim é tudo o que é. De pensamentos, a borboletas,
ao sundae do McDonald’s, a nébulas. Ninguém é capaz de apreender a realidade
por completo, infelizmente. Tenho as minhas dúvidas de que a Supraconsciência
Universal o seja. Mas será a entidade que mais perto chegará do intento.
3 – Temos livre arbítrio?
“O ser humano nasceu livre e por toda parte está acorrentado”, escreveu
famosamente Rousseau. O paradoxo da liberdade é que, ainda que uma condição
supostamente possível, acontece em um contexto contingente no qual é
condicionado por um monte de fatores. Às vezes pensamos que quando tomamos uma
decisão plenamente conscientes, considerando suas causas e suas consequências,
os motivos pelos quais a tomamos, essa decisão é já por isso uma decisão livre.
Mas isto é verdadeiro? Ou só é um autoengano de quem anseia desesperadamente
crer em liberdade? São os outros, os que pensam que a liberdade é absolutamente
impossível, que têm a razão neste dilema?
Minha resposta para o dilema do livre-arbítrio é que se há
dúvida, há livre-arbítrio. A dúvida é a manifestação mais clara da
possibilidade de escolha, mesmo que não possamos escolher ou poder tudo, por
limitações de ordem material, física, cultural, orgânica etc., podemos sempre
escolher algo. Quanto mais pessoal, tanto mais podemos. Se há liberdade? Sim. Não
a liberdade absoluta, mas um grau aceitável de liberdade. Até quem está preso
tem liberdade, nem que seja em seus pensamentos. Não há liberdade absoluta a
não ser dentro dos nossos mundos interiores. E mesmo aí somos limitados pelo
que sabemos e por nossa limitada capacidade de abstração.
4 – Deus existe? Uma
entidade onisciente e todo-poderosa governa este mundo desde sua criação até
sua destruição, compensando e retribuindo, castigando, ou mantendo à margem,
mas igualmente com um plano secreto que de qualquer forma terminará por
acontecer. Uma entidade metahumana que dá ordem e sentido ao que vemos e
vivemos, ao que existe, inclusive quando esta ordem toma a forma do caos e do
incompreensível. Uma vez imaginado, é possível demonstrar sua existência ou sua
inexistência? E um paradoxo lógico para incrementar o impasse: pode Deus criar
uma pedra tão pesada que nem sequer ele mesmo pode carregar? Se não pode então
não é onipotente, mas se pode então também não é onipotente, porque não tem a
força para inguís-la. Esta redução ao absurdo mostra-nos, em todo caso, que não
é com a linguagem humana ou com a razão que se distingue um Deus.
Simplificando, não podemos saber se Deus existe ou não. Ambos os ateus e
crentes estão errados em suas proclamações, e os agnósticos estão certos. E,
como mencionado anteriormente, podemos viver em uma simulação onde os deuses
hackers controlam todas as variáveis. Quem vai saber?
Não acredito no criador como um ser onipotente, onipresente
e onisciente. Acredito na Supraconsciência Universal que embora muito poderosa
e inimaginavelmente inteligente é limitada pelas constrições físicas do
universo, que possui uma quantidade limitada de energia. Sobre estarmos numa
simulação, acredito que não estamos. Não ainda. Deixo essa parte para a próxima
pergunta.
5 – Há vida após a
morte? É muito possível que o medo à morte, ou o fato de que não entendamos seu
significado, tenha dado origem à crença de que a vida não termina com esta.
Talvez, neste caso, antes de responder se há vida ou não após a morte –uma vida
que, ademais, imaginamos essencialmente idêntica à que agora temos-, teríamos
que responder em primeiro lugar por que devemos morrer. A ciência moderna
considera a morte como um buraco negro, um horizonte de acontecimentos do qual
nada se pode dizer, nenhuma informação a extrair, já que ninguém regressou
deste estado para contar. O budismo tibetano por outro lado considera que todos
regressamos da morte, nesse ciclo kármico da existência, e inclusive criaram um
manual para escapar da reencarnação.
Não acredito em vida depois da morte do corpo, por enquanto.
Acredito, entretanto que, quando do advento da Singularidade Tecnológica
terrestre, nossa essência possa ser uploaded
para a Singularidade e aí vivermos numa simulação, se quiser por assim, ou numa
realidade inimaginavelmente expandida pela capacidade da entidade tecnológica.
6. Há algo que em
realidade possamos experimentar objetivamente? A dualidade entre objeto e
sujeito é um dos pilares do pensamento humano, ao que parece herdado das
filosofias orientais aos primeiros grandes pensadores de Ocidente. Em essência
trata-se de um conflito com nossa percepção, da qual obtemos uma versão da
realidade que, ao mesmo tempo, intuímos que não corresponde exatamente com algo
que poderíamos chamar de realidade real, a realidade objetiva. Se tivéssemos a
capacidade visual dos falcões ou a olfativa dos cães, como mudaria a realidade
que percebemos? Ou, sem incorrer nestas fantasias, pensemos quão limitado pode
ser o mundo para alguém que nasce cego ou surdo. Sabemos que existe uma
realidade absoluta para além de nossos sentidos, mas ao mesmo tempo parece que
estamos condenados a nunca ser capazes de discernir essa realidade.
Concordo com a explanação, não conseguimos apreender a
realidade objetivamente, muito menos por completo, visto a limitação de nossos
sentidos e que tudo o que é percebido por eles é interpretado por um sujeito, o
que torna toda e qualquer percepção da realidade em algo subjetivo, nunca
objetivo. Quanto mais interesse ou repulsa tenhamos pelo que é percebido, tanto
mais subjetiva será a nossa percepção.
7 – Qual é o melhor
sistema moral? A moralidade, essa série de costumes e normas que, de algum
modo, nos permitiram sobreviver coletivamente como espécie, vem mudando
substancialmente com o tempo, conquanto há alguns elementos mais ou menos
comuns a todas as culturas e épocas. Por exemplo, o incesto, amplamente
estudado pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss. No entanto, também cabe a
possibilidade de que a moralidade seja uma tela que as narrativas históricas se
encarregaram de sobrepor a determinadas épocas, por comodidade discursiva, mas
que não necessariamente tenha sido a norma e, na prática, no cotidiano, o ser
humano seja tão liberal ou tão reprimido, tão relaxado ou tão estrito, tanto na
época vitoriana quanto no medievo ou na que agora vivemos.
Para mim, meu pai sintetizou de forma magistral o princípio
moral básico que deveria determinar todas as nossas ações: ser feliz
honestamente.
8. Que são os
números? Uma das invenções mais geniais da mente humana, os números são no
entanto de uma natureza em essência incompreensível. Imprescindíveis no uso
diário e, no entanto, enigmáticos e quase inexplicáveis. O que é 2? O que é 5?
De novo a tautologia como único recurso. Parece que só podemos dizer que 2 é 2
e aceitar que estamos em um beco sem saída (ou é um assunto de semântica? Um
problema nada mais que linguístico?). Estruturas matemáticas podem consistir em
números, conjuntos, grupos e pontos, mas eles são objetos reais ou simplesmente
descrevem relações que necessariamente existem em todas as estruturas? Platão
argumentou que os números eram reais (não importa se você não pode vê-los), mas
os formalistas insistiram que eles eram meramente sistemas formais (construções
bem definidas de pensamento abstrato com base em matemática). Este é
essencialmente um problema ontológico, onde ficamos confusos sobre a verdadeira
natureza do universo e que aspectos são construções humanas e que são realmente
tangíveis.
Acho que todo o conceito de números adveio da percepção da
presença e ausência dos elementos em determinado contexto. Ovelhas em um
rebanho por exemplo. Mas realmente nada posso acrescentar ao que foi dito.
18h33. Fui comprar as Cocas e depois devolver à portaria
umas camisas de carnaval que foram deixadas teoricamente para mim, mas que
duvido que sejam. Disse que se ninguém der pela falta das camisa, eu pego de
volta. Bem, estou envergonhado com as respostas que dei às perguntas
filosóficas, expor assim a minha ignorância. Dane-se, foram as respostas que
achei para tais insondáveis questões.
18h43. Fui pegar Coca e me dei conta de que já estou velho
demais para arrumar uma namorada e não posso constituir família no meu atual
estado civil, que não quero abandonar de forma nenhuma. Além do que acho que estou
velho demais para ser pai. Não quero ser pai, em verdade. Mas a constatação que
meu tempo para várias ou quase todas as coisas já passou me incomoda. Vivo uma
ilusão. Ao chocar a ilusão com a realidade dá-se uma dolorida desilusão e uma
perspectiva de solidão afetiva que me assusta.
19h37. Fui jogar um pouco de Mario Odyssey para espantar
pensamentos derrotistas. Fui derrotado no jogo inúmeras vezes e voltei para cá.
Pelo menos peguei mais umas estrelas. Ah, lembrei de uma coisa no jogo. Havia
esquecido completamente. Parece que vendem o sangue extra na loja de roupas!
Isso vai ser uma mão na roda na fase em que estou. Com os objetivos que ela me
apresenta. Vai ficar bem mais tranquilo enfrentar o que me é proposto.
Confirmarei a seguir tal suposição. Mas agora vou pegar um copo de Coca.
19h49. Gosto mais do dia no horário em que estou acostumado
a vivê-lo, quando acho vinte para as oito cedo, pois ainda tenho muita noite
pela frente. Ontem foi um dia muito contrário à minha rotina. Acordar de cinco
da matina e ir dormir antes das onze da noite é totalmente fora dos meus
padrões. Gosto mais assim, acordando por volta do meio-dia e indo dormir por
volta das duas ou três da manhã. Minha querida mãe vai me fazer uma paçoca com
a charque que a fantástica faxineira fritou. Delícia. Tenho duas Coca-Colas
para beber. Essa vai ser uma boa despedida do meu quarto-ilha. Amanhã já
dormirei na casa do meu primo-irmão. Acho que vai ser legal também, quero
assisti-lo jogando o Mario, quero poder absorver os visuais e assistir o
desempenho dele. Tomara que ele goste do jogo. Se está esperando um novo
Galaxy, vai ficar decepcionado com o Odyssey. Eita, os remédios. Mamãe nem
comprou. Vai se dar conta dentro em breve. Essa camisa que estou usando, cuja
estampa fala dos meus 40 anos, me deixou encasquetado com o peso que tal idade
tem para mim, pois acho que ela tem uma conotação negativa para as garotas que
me atraem. Penso no meu amigo padeiro, pouco mais velho que eu, mas ostentando
tudo o que alguém nessa idade pode almejar, sucesso profissional, uma família
linda, uma amada esposa, amigos, exercícios, ou seja, cumpre toda a cartilha
social de um homem exemplar. É até cruel me comparar a ele. Mas o faço com
certa ponta de inveja. Mas só uma ponta porque desde que o conheço, desde que
repartíamos apartamento juntos, ele se preocupava com essas coisas. Saúde,
status, imagem, networking, sucesso profissional. Eu desde lá não fazia
planejamentos a longo prazo, não me preocupava com a minha imagem, não dava a
mínima para status. Por que inventei de dar importância a tudo isso que nunca
me importou logo hoje? Ah, por ser um cara de 40 anos completamente fora dos
padrões, aliás, para quase todos os padrões, um fracassado na vida e, para
completamente todos os padrões, um inútil. O pior, ou melhor, é que se não
olhar para esses rótulos sociais, eu gosto da vida que construí para mim. Eu
faço quase que exclusivamente o que gosto, sigo a minha cartilha que eu mesmo
escrevi e continuo escrevendo. Lembrei agora de uma paixão que tive na quarta
ou quinta série. Sei por que lembrei dela. Ela tinha um LP de Ultraje a Rigor e
eu estava cantarolando na minha cabeça “Inútil”. A mente traça arcos muito
interessantes. De qualquer forma, segui a cartilha da sociedade mais da metade
da minha vida. Até que me peguei olhando para o teto do meu bom apartamento,
pago com o meu salário, e pensando, isso é tudo? É para isso que serve a vida?
Me matar de trabalhar, chegar nesse apartamento bacana e ficar olhando para o
teto me indagando isso? A vida inteira vai ser assim? Foi o começo do meu
segundo burnout, talvez o mais severo
de todos. A vida só voltou a fazer sentido quando encontrei a Gatinha. Ela diz
que durou dois anos apenas. Para mim me pareceu bem mais. Formamos um casal
muito afinando, mas aí foi a vez de a droga, a (Nor)cola, destruir tudo. Não
tardou muito para o meu quarto e último burnout.
Quando do início do quinto, eu parei de trabalhar de vez. O processo de
curatela já estava rolando, eu consegui o benefício e cá estou digitando essas
palavras. Isso é um resumo dos meus últimos vinte anos. Pois é, completaria em
2018 21 anos de trabalho, completaria 12 anos de relacionamento, mas só
completarei mesmo 41 anos de idade e 3 anos de curatela, eu creio. Eu dei o meu
melhor para seguir a cartilha social, mas há algo de muito troncho em mim, algo
de realmente diferente que não me encaixo nos ditames da sociedade, não acho
eles adequados a quem eu sou. Ou a quem me tornei. Com isso, com esse enorme
distanciamento do que é visto como louvável socialmente, me privo de muita
coisa e só posso imaginar o que a dita sociedade fala de mim pelas costas.
Desde o meu núcleo familiar até os mais distantes conhecidos. Essa constatação
de que sou um inútil infantilizado tem me incomodado nos últimos tempos.
21h17. Acho que a Gatinha vem se distanciando de mim, creio
que é o mais saudável para ela. Está com um namorado gente fina, prosperando no
trabalho, não há espaços emocionais que eu possa preencher, logo me torno
figura terciária no seu grau de prioridades. Nada mais justo. Sou só eu que
estou percebendo isso ou o meu texto está me pintando como uma figura
deprimente? Como um frustrado? Como um inútil? Que coisa mais chata, eu preciso
entender e aceitar quem eu sou. É tudo o que tenho e, afora pela namorada, não
há nada que a sociedade e seus pré-requisitos possam me oferecer. Sim, não
posso esquecer das saídas com os meus amigos, isso a sociedade me oferece e é
muito importante também. Mesmo sendo um pária social, sinto vontade de imergir
na sociedade uma vez ou outra, respirar outros ares, ver novas cores, outras
ideias, rostos amigos. Ver sorrisos. Me divertir de forma outra que não
escrevendo. Mas esse pensamento de que sou...
21h32. Minha mãe entrou aqui para me dar as últimas
instruções da noite e esqueci o que estava dizendo, só lembro que era coisa
baixo astral. Quanto mais me fecho em mim, mais difícil fica fazer o movimento
contrário, me abrir para o mundo, me mesclar à sociedade. Mesmo os meus amigos.
Mas vou deixar isso tudo para lá e me focar no aqui e agora, na minha despedida
do quarto-ilha. Acho que, para variar, vou escrever no Desabafos do Vate. Faz
tempo que não publico nada lá. E vou jogar o Mario. Isso eu vou fazer agora.
Descobrir se a loja de roupas vende sangue extra. Vai vender. 21h40. Vamos ver.
1h02. Vendeu e eu consegui três objetivos, de cinco ou seis.
Depois fui escrever dois contos eróticos no Desabafos do Vate. Foi um exercício
diferente. Vou ligar o ar. O mundo é tão diferente para mim agora. Eu me torno
outra pessoa. Uma pessoa avessa às pessoas. Uma pessoa às avessas. Não sei mais
bem o que é ser um ser social. Às vezes cogito abandonar de vez a sociedade e
não sair mais do meu quarto. Isso nos períodos de pico como agora. Por outro
lado, minha mãe disse que meu padrasto ficou impressionado em quão querido eu
era pelos seus filhos. Isso é porque guardam recordação de um eu que não existe
mais. Eu praticamente desisti da vida para me tornar escrita. Nesse momento,
não quero mais nada do que o que tenho aqui e agora, Coca Zero, o Vaporfi,
alguns Marlboros ainda para fumar, uma temperatura agradável, paçoca para comer
com feijão, a madrugada ao som Björk e, claro, o meu computador e isso. Com o
Mario, lido quando acordar. Ou não. Sei que quero poupá-lo ao máximo. Não tão
ao máximo assim. Tem duas roupas do Mario que são... não sei nem dizer, um
grande bônus para o jogo. Uma ainda não consegui. Mas conseguirei. Estou me
sentindo menos bicho do mato agora. Ainda bem que passou mais. Acho que vou
jogar um pouco. Vou nada. Lembrei agora do busto do Hulk. Eita negócio invocado
danado. Como já disse em outro post, poucas pessoas vão captar o que vejo na
peça, mas ela será impactante para quase todos que a virem pela primeira vez.
Pelo menos, assim eu suponho ou desejaria que fosse. Minha mãe vai achar a
Björk dos bonecos, ou seja, o único que ela não vai gostar nem a pau. Utopia
tem uns sons que só se percebe muito depois. Ou eu só percebo muito depois.
Será que aquele fone que enfia no ouvido faz realmente mais mal que o outro
normal? Earbuds fazem mais mal que headphones?
2h04. Estou sem vontade de escrever aqui. Acho que vou
dormir dentro em breve. Já estou com o calção do pijama, pense numa peça de
roupa confortável e agradável de usar. Prefiro usá-la a dormir nu, até porque
tenho vergonha da minha nudez. Olhei para o Homem-Aranha Simbionte, estátua
pequena que tenho ao lado do meu computador, e me lembrei do maravilhoso mundo
dos bonecos porque tentei uma entrevista com os escultores dessa peça sem nenhum
resultado. Kucharek Brothers. Se não me engano escreve assim.
2h30. Meu irmão EUA indicou que assistíssemos “What The
Health” no Facebook. E ele não é de Facebook, deve ter ficado muito
impressionado com o documentário. Anotei aqui para quem sabe lembrar. Se ele
recomenda, eu recomendo, mesmo sem ver.
-x-x-x-x-
12h06. O despertar, sempre um momento baixo do meu dia.
12h19. Parece que o meu primo urbano quer passar aqui hoje a
julgar pela última mensagem que me enviou. Não abri o seu chat no WhatsApp para
ler as demais mensagens que enviou porque não quero marcá-las como lidas, não
tenho certeza se estou disposto a me encontrar com ele hoje. Meu quarto está
todo desarrumado. Agora certamente não quero encontrar, ainda estou acordando e,
portanto, muito antissocial. Ai, ai, o começo da minha jornada diária na
existência sempre é desconfortável para mim. Tenho que quebrar esse mito que
estou criando em minha cabeça. Mas acho despertar um saco. Hoje até que as
coisas então engrenando rápido.
12h40. Estava enchendo o Vaporfi e olhando a internet.
12h48. Vou me dar uma hora de aclimatação com a realidade
para tomar um banho e arrumar a sacola de roupas que levarei hoje para a casa
do meu primo-irmão. Penso em arriscar mudar a data de cobrança do busto do Hulk
para o final do mês, mas tenho medo que isso acarrete novos problemas com o
cartão de crédito, então melhor não mexer. Fevereiro vai ser o porradão no meu
cartão de crédito. E depois vem a porrada ainda maior quando o Hulk chegar ao Brasil.
O que mais temo é que violem a caixa, tenho a sensação de que farão isso. Torço
muito que não arranhem a pintura da peça e que de fato entreguem, coisa que não
aconteceu com as camisas que comprei, as últimas coisas que pedi para serem
enviadas do estrangeiro para cá. Meu sobrinho, filho do meu irmão JP, disse que
gostou do meu tênis. Curioso um guri de quatro anos se interessar por isso. Acho
que estou começando a despelar da praia. Sim, estou. Tirei uma outra foto do “resumo
da minha vida” e vi um vídeo que enviaram onde mulheres agridem homens, na sua
maioria ébrios. Não entendo como compartilham isso, coisa mais degradante. A
miséria humana não tem limites.
13h19. Começo a ficar mais esperto e mais propenso a receber
o meu primo urbano aqui em casa. Por outro lado, bate uma preguiça forte de
tomar banho. Quando der 14h30, no máximo, eu vou tomar banho e arrumar as
minhas coisas e aí leio as mensagens do meu primo e respondo. Vou revisar e
postar esse texto. Como combinei, um dia por texto.
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