Era – ou se tornara – um garoto recluso. Seu principal companheiro era o computador, onde criava, escrevia e encontrava os amigos quando tinha disposição para eles. Vivia com uma coisinha ruim no juízo, como um besourinho triste e agoniado que zunia descontente. Geralmente, quando acordava, o besourinho zunia mais forte e tornava a inevitável tarefa de existir mais dolorosa. Porque, para o garoto recluso, existir doía sempre, há vários anos. Às vezes mais, às vezes menos, mas doía. Ele chegou a conjecturar que sua antena de sentimentos havia quebrado e ficara eternamente sintonizada nas ondas longas da melancolia.
Se havia um enterro ao qual o garoto recluso realmente gostaria de ter ido era ao de sua esperança. Gostaria de saber quando, como e por que ela morreu, mesmo que isso não mudasse muita coisa. A morte da esperança foi a morte em vida do garoto. Pois a morte da esperança levou consigo todos os seus membros: as aspirações, a determinação, a vontade, a confiança, o amor-próprio. Por falar em amor-próprio, o garoto nunca conseguiu entender direito este conceito, provavelmente por nunca tê-lo sentido de fato. De confiança nem é bom falar, pois os que mais o amavam eram os que menos confiam nele, já que eram os mais sensíveis às maquinações egoístas do menino desde que começou a colar suas idéias como os sapateiros fazem com solados.
O menino se lembrava do tempo em que acreditava que mudaria o mundo e criaria o paraíso na Terra. De como tudo era perfeitamente claro para ele: a internet levaria à democracia de fato, a informática levaria à criação de realidades alternativas com possibilidades inimagináveis, a descoberta de conhecimentos sobre-humanos que iluminariam toda a raça. O surgimento do grande cérebro onde participaríamos como neurônios, permanecendo autônomos como indivíduos, mas interdependentes como sistema. Tudo passado, tudo o peso de nunca ter sido dito – como o menino por mais de uma década planejou e desplanejou. Tudo fracasso – uma das autodefinições do garoto recluso.
Exatamente. Em uma palavra, o garoto recluso era um fracassado. Improdutivo, infeliz, parasitário de sua mãe, distante do mundo, imerso e aprisionado em si, a passar os dias em vão, ouvindo o besourinho. Existindo por não morrer. Existindo porque metabolicamente a natureza ainda queria assim. Apodrecendo, enrugando, atrofiando a cada dia. A cada dia ficando menor ante o crescente peso de tudo o que veio antes e de tudo o que não é. Covarde, covarde. Incapaz de tomar alguma, qualquer iniciativa.
Havia uma memória, entretanto, que ainda brilhava dentro do garoto recluso. Era como o fantasma sorridente da esperança o assombrando. A lembrança de amar e ser amado, com todos os abraços, beijos, gargalhadas e calor, com toda a reciprocidade, sincronia e intimidade, com todo o apaixonado amor, enfim. Recluso em seu quarto, apertando letras na tela, o menino matava o sonho de amar. Em vão. Em vão achando que o amor pudesse calar o impertinente besourinho.
Eu desisti de mim e esta não deveria ser uma alternativa possível caso houvesse um deus bom.
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