domingo, 15 de julho de 2018

TRISTE-FELIZ




11h30. Hoje acordei mais cedo do que me é habitual, por volta das 10h30. Tico e Teco ainda estão reativando. Eu começo o meu dia bastante devagar. Estão a pedir o almoço, chinês e indiano.

11h59. Será que depressão só acomete os fracos de espírito? Ou será mesmo uma condição patológica? Sinto muitas vezes que, não fora as medicações, eu já teria caído nas garras da maldita há muito tempo. Me sinto um espírito incomodamente frágil. Difícil me concentrar com os meninos cantando e meu cunhado filmando.

14h08. Estão preparando as coisas aqui para a chegada dos pais do meu cunhado, avós dos meus sobrinhos. Apostei 2 a 0 para a Croácia contra a França, acho um placar meio impossível de se dar. Mas no futebol tudo é possível. Nada da portuguesinha até agora.

16h59. A portuguesinha respondeu, mas o jogo vai começar.

19h15. Estou feliz e triste. Não porque a Croácia perdeu mesmo tendo jogado mais. Estou feliz porque a portuguesinha vive o sonho que um dia vivi e que sonharia viver novamente com alguém como ela. Ou seja, ela já vive um grande amor, uma parceria, reparte a vida com ele, formam mais que um par, um lar. E fico sinceramente feliz por ela ter construído isso que a mim é tão inalcançável e precioso, rogo para que não perca e que ambos cultivem um ao outro como pessoas entrelaçadas pelo acaso-destino e pela escolha; nesse caso o livre-arbítrio é determinante, eu acho. Pelo menos comigo é. Triste fico pois me sinto mais uma vez profundamente só e sem esperança de desfazer esta medíocre condição. Esperança essa que alimentei sozinho, ela em nada contribuiu para isso. Desde sempre foi impossível, mas eu que sou dado a alimentar fartamente o impossível, servi-lhe lauto banquete. É indigesto saber que tem a vida amorosa tão concretizada. A portuguesinha não merece menos do que isso. Merece muito mais e mais vai alcançar. Há uma longa e vitoriosa jornada a seguir e tem pernas para isso. E, pelo visto, trilhará esse caminho muito bem acompanhada. Só posso desejar o melhor para ela, seria injusto desejar diferente a alguém que me fez tão bem.

20h21. Minha mãe me questionou porque eu estava tão macambúzio. Quando lhe expliquei a situação, disse-me que tivesse calma que essas coisas às vezes não duram. Hahaha. Mães sendo maternais são uma graça. Hahaha. Fico surpreso como sou transparente para a minha mãe, ela consegue me enxergar profundamente. Resta-me a esperança de que a portuguesinha não abandone a leitura dos meus textos. Mas nem isso acalenta-me a alma no momento. Acho que hoje tomo um banho de banheira – há uma banheira aqui –, creio que é um agrado a mim mesmo que me fará bem. Um prazer descoberto em Lisboa, no hotel onde a portuguesinha trabalha. Resta-me ainda a minha última ilusão, tão irrealizável quanto a portuguesinha. Ousaria dizer que até um pouco mais, mas creio que essa eu carregarei até o túmulo. Ou melhor até que me torne cinzas. Sei lá, que façam o que quiserem com o meu corpo quando cessar de habitá-lo. Está mais perto do que longe pela forma como cuido da cada vez mais velha máquina de carnes e emoções. Meu cunhado ouve Jimi Hendrix e agora Creedence, acho que vou fechar a porta da sala e botar Caetano, que foi a trilha sonora dessa paixão platônica e como tal paixão, embora moribunda, pois fatalmente sangrada pela afiada realidade, ainda resista, ouvir o baiano cai bem.

20h40. Pronto. Coloquei o “Livro”, nunca imaginei que este disco me soaria um dia tão lusitano, aliás nunca imaginei que poria os pés em Lisboa. Afora do aeroporto, digo. Nunca imaginei que parte do meu coração insistiria e insiste em permanecer lá. E em vez de partir, permanece lá partido. Mas estou acostumado a desilusões como já enunciei aqui mais vezes do que me seria agradável. Nossa, como a música de Caetano me encanta. Lembro do sorriso dela, o seu sorriso. Lembro das suas caretas, você é cheia de caras e bocas e move-se graciosa pelo mundo, com uma feminilidade ao mesmo tempo pueril e sensual. Há quanto tempo não digo um “eu te amo” de amor de amantes. Não vai ser dessa vez que poderei dizê-lo, por mais que a vontade haja, esta calará para sempre dentro de mim.

21h46. Houve uma complicada complicação em relação ao voo de volta de mamãe de Lisboa para Recife, mas aparentemente minha irmã, minha cunhada e eu conseguimos desenrolar o novelo. Foi uma tarefa árdua com direito a lágrimas e dores de cabeça. Mas, enfim, a passagem de mamãe há e parece que está tudo ok. Está tudo ok. Tem que estar.

21h58. O uso do bidê foi a revelação de um grande mistério, no Brasil, há décadas, utilizamos apenas papel higiênico. Curioso, mais que as partes íntimas, do que vagamente suspeitava, foi utilizar aquilo para lavar os pés. Hahaha. Outra curiosidade brasileira é que o seu “apelido” no Brasil é chamado de “sobrenome”, apelido para nós equivale a nickname. Mas você já deve saber disso. Bom, sei lá. As gírias pernambucanas – Pernambuco é o estado onde resido – para “fixe” e “é seca” são “massa” e “ozzy”, respectivamente.  

23h29. Estava vendo “Big Bang Theory” com dois físicos, experiência única. É uma série engraçada, mas não costumo rir dessas coisas. Achei interessante assistir, entretanto. Saiba que dificilmente a verei apenas como amiga, por mais que valorize amizades e as verdadeiras são das coisas mais preciosas que podemos cultivar, o meu bem querer por você está um degrau acima. Sei que isso não faz a mínima diferença, não muda nada, mas não posso negar nem sentir de outra forma, a não ser que de alguma maneira que não diviso, um milagre talvez, eu arrume alguém, daí sim isso torna-se imediatamente possível. Entretanto, como sou, como vivo e minhas exigências absurdas em relação à pessoa a ser amada tornam tal acontecimento quase impossível. Bom é a vida e segue incontinente rumo à morte. Um dia isso acaba para mim, tudo vai ter fim, a ilusão, a esperança, os platonismos. Deixarei para trás um bando de bonecos inúteis e um bando de texto perdido, à deriva no mundo cibernético até quando a Google achar por bem exterminar o meu blog e com ele seus espirituosos comentários. Que papel ridículo esse que desempenho na existência, sou um ser inútil, completamente desnecessário. E tanto mais ridículo o torno exaltando alguém que tem tudo o que desejo, mas que não rola. Acho que desaprendi a amar de verdade, só sei amar sonhos, o éter. Estou mais triste que feliz nesse momento. Mas pensar que você vive a vida em sua plenitude, com metas que sem dúvida alcançará, me aquece a alma. É melhor me focar nisso. Voltei a ouvir Caetano desde que os físicos, minha irmã e meu cunhado, foram dormir. Assim como minha mãe. Achei curioso da parte dela querer alimentar o meu inútil devaneio a seu respeito. Talvez ache que porque você me responde, haja alguma possibilidade. Ou quem sabe sopra a ferida como uma mãe faz com o machucado da criança. Tanto faz. Sinto que meu tempo de conquistar uma garota que me interesse passou, saí de validade para as coisas boas do coração. Foda-se. Tenho raiva de mim mesmo. Tudo o que tenho é esse esconderijo eletrônico onde me escondo do mundo para me revelar para ele. É paradoxal, eu sei, mas foda-se isso também. É a minha vida, é o que sei fazer do meu ócio, é o que continuarei fazendo. Vou comer o resto do bolo de fubá com calda de chocolate e fumar um cigarro com Coca cereja.

0h48. Sentimentos, coisas mais perniciosas, tão essenciais à experiência humana e tão cruéis algumas vezes. Queria afirmar com convicção que me torno mais insensível, mas isso não é verdade, o fato é que cada vez me desiludo mais com os meus sentimentos e tento reprimi-los, mas não consigo, simplesmente não consigo. Asshole, você sabia desde o começo que era impossível, por que ainda insiste? Não sei, superego. Não estou insistindo muito depois da revelação do último comentário. Ela, a portuguesinha, tem algo muito concreto no peito, creio que ela crê que achou o parceiro ideal. Quem sou eu frente ao Rick Martin lusitano? Não, mãe, não foi dessa vez. Não vai haver uma nova vez. Não no meu atual status quo e com o meu modus operandi. Tudo em mim me empurra para longe de um novo amor. E sabe de uma coisa, cansei de correr atrás, de me desgastar com tanto investimento emocional para receber somente desilusão. Meu acaso-destino é a solidão, me conformei com esta triste sina. Amei muito e fui muito amado. Era o que a vida havia reservado do mais inebriante e recompensador dos sentimentos, visto que estou velho demais para filhos. Foda-se. Foda-se eu e minha simbiótica solidão. Vou revisar esse agridoce texto.

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