Era uma vez uma menina de cabelos grisalhos e faiscantes
olhos azuis. Qualquer menino se apaixonaria por ela, não tivesse a pele verde
num mundo onde todos tinham a pele amarela. Vivia sozinha no seu pedacinho de
mundo, o pedacinho que encontrou, diminuto, mas aconchegante como ela. Lá
inventava histórias fantásticas e as desenhava com seus lápis de cor mágicos
que faziam suas imagens ganhar vida e flutuar pelo pesado ar de seu mundo. As
pessoas amarelas são tão pesadas, pensava ela, que se sentia tão leve que quase
podia levitar como as imagens que produzia. Um dia desenhou um par de asas de
libélula, as vestiu e saiu voando para nunca mais voltar. Ninguém deu por sua
falta e ela não também não faria a mínima questão disso. FIM
Era uma vez um garboso garboso, o mais garboso dos garbosos.
Era um garboso tão bonito, mas tão bonito que os espelhos se estilhaçavam ao
refletir a sua imagem. Os demais garbosos não podiam olhar para ele sob o risco
de ficarem cegos ou de perceberem a miséria de não serem tão garbosos quanto o
mais garboso dos garbosos. Morreu enforcado, condenado pela corte marcial como
inimigo número um do povo garboso. Da sua cova rasa brotou a mais garbosa das
mais garbosas roseiras, com pétalas de sangue. FIM
O rato roeu, roeu, roeu, mas enfim conseguiu superar a
traição de sua amada – e agora odiada – catita, seduzida pelo rabo grande da
ratazana. FIM
Em plena guerra, o soldado na trincheira conseguiu achar um
minuto de paz. Depois da guerra, nunca mais o encontrou. FIM
Amidst the cruelest war, a soldier in a trench found a
minute of Peace. After the war, he lost it completely. THE END.
O cheira-cola encontrou, porque ninguém dá nada a um
cheira-cola, só porrada mesmo, uma nota de cem reias. Não teve dúvida, resolveu
comprar logo um galão para não ver toda a desgraça da qual não conseguia
desgrudar senão cheirasse a sua colinha. Cheirou até desencarnar. E achou que
durou demais nesse mundo sem sentido para cheira-colas. FIM
A dançarina parecia flutuar no ar. Quando pousou, fratura
exposta na tíbia. FIM
Dançaram pela primeira vez. Não era a primeira vez dela, mas
era a dele. Era a primeira vez juntos. Ele pegou logo o passo, afinal ela era
uma excelente professora e ele um aluno aplicado. A coragem que ele arrumou não
sabia de onde para chamá-la para dançar o motivava. Era agora ou nunca.
Aproximou sua boca ligeiramente ofegante da ofegante boca dela. Deu nunca. E um
belo tapa pela ousadia. FIM
Depois que ela viu o vídeo dele cantando para ela no
Facebook, caiu no riso de encantamento e de graça mesmo. Como alguém se
prestava àquele papelão? Era definitivamente o homem de sua vida. Nenhum de
seus inúmeros ficantes nas infindas ficadas jamais conseguiu transbordar o
mesmo romantismo daquele ato. Nem sequer fração. FIM
Calhou de a garota da noite ser uma pessoa muito diurna.
Era uma vez que se tornou duas, três, cem, todos os dias até
o final de suas vidas. FIM
Era uma vez perdida, disse, até que se encontrou de vez. Mas
aí era tarde, Inês era morta. Atropelada pelo jovem alcoolista reformado. FIM
-x-x-x-x-
13h22. Acordei nesse sábado sem vontade para nada. Meu
primo-irmão já publica no WhatsApp a programação de hoje, vendo se atrai
interessados. Minha mãe foi pegar o meu padrasto no aeroporto e acabam de
chegar. Eu, por enquanto, não estou interessado em nada que ele propôs, mas ao
mesmo tempo sei que não quero ficar em casa e que irei aonde ele for. Meu
padrasto parece gozar de certo prestígio no meio acadêmico nacional, quiçá
internacional. Fico orgulhoso por ele. É para colher esses louros que em última
instância trabalha. Acho que ter o trabalho reconhecido é um dos combustíveis
para que siga em frente na sua brilhante carreira, construída com muito esforço
e dedicação, como é comum aos workaholics
que amam o que fazem. Será que eu poderia me dizer um workaholic que ama o que faz pelo fato de estar sempre escrevendo?
Pena que não há o mesmo reconhecimento para a minha caudalosa obra.
14h01. Congratulei o meu padrasto e ele disse que a palestra
dele foi considerada “um show”. Fiquei feliz por ele. Se há uma coisa que ele
mereça é isso. Já estou ficando com um pé atrás de sair. Não posso ser assim.
Ontem fiz o impensável, rejeitei a proposta que meu amigo jurista me fez de
deixar o Switch aqui durante o sábado para eu jogar (o Mario Odyssey, claro)
enquanto estivesse na praia. Por que recusei? Bem porque, em primeiro lugar,
não gosto de jogar em modo portátil, só gosto de videogames na tela grande da
TV. Em segundo temi danificar o console, por mais que tenha absoluta certeza de
que tomaria o devido cuidado, mas jogar na telinha do Switch para mim, não tem
graça. Disse-lhe que tinha um cabo HDMI quando ele relatou que o seu estava por
dentro da parede, mesmo assim, senti que ele não se sentiu confiante em me
emprestar o console completo, que era mais complicado, tudo, então deixei para
lá. Mas foi muito generoso em sua oferta. Me senti honrado e prestigiado e
percebi nele uma sincera preocupação comigo. Isso foi muito bom. Coisa de amigo
mesmo. Como disse, ele é um dos meus grandes amigos. Esqueci de mencionar na
lista que fiz dos meus melhores amigos, a Gatinha, minha melhor amiga. Erro
crasso. Ela foi responsável por um dos períodos mais felizes da minha vida. E
sempre traz ótimas energias e acolhimento em nossos encontros. É a pessoa que
sabe mais de mim, acredito. E vice-versa, acredito também. Estou pensando na
saída e em ficar todo empulhado como da penúltima vez. Tal pensamento já me
desanima para sair, mas tenho que fazer o movimento contrário.
15h25. Minha mãe me chamou para almoçar. Converso no
WhatsApp com o Marinheiro que não almoçou hoje e não almoçará porque está sem
grana.
15h32. Aproveitei para cortar as unhas, pense num afazer
chato. Sempre deixo um tempo a fazer antes de criar vergonha e cortá-las. Até
porque para mim é mais fácil cortá-las maiores do que pequenininhas. O corte
das minhas unhas fica todo angular, não consigo fazer todo redondinho como
deveria ser feito, eu suponho, mas dá para o gasto. Me sinto um tanto mais
motivado para sair. Tanto é que acabo de mandar um WhatsApp para o meu
primo-irmão me oferecendo para qualquer programa que porventura venha fazer. Se
não for atrapalhá-lo, acrescentei. Agora acho que vou tirar um cochilo.
16h13. Desisti de tirar o cochilo.
16h27. Me perdi no Facebook. Vou ver se meu primo visualizou
a mensagem. Não. Talvez esteja me evitando, talvez tirando um cochilo. Sei lá.
Sei que ele é de estar sempre olhando para o celular. Pelo menos é o que
percebo quando estou em sua companhia.
16h39. Por incrível que pareça, e não é tão incrível assim
vindo de mim, penso na possibilidade de encontrar a garota da noite na noite de
hoje. Se meu primo-irmão se manifestar.
16h49. Se manifestou. Vai de 18h00 para um encontro de
samba, o que quer que isso queira dizer, no Pátio de São Pedro. Eu vou. Esperar
minha mãe acordar para ver a verba. E partir. Caso ela tenha dinheiro para me
dar.
17h24. Mamãe acordou, falei do plano do meu primo. Ela
concordou, cheia de poréns, mas concordou. Que poréns? Ah, deixa para lá. Fato
é que concordou e vou.
17h48. Já estou pronto para ir.
Pátio de São Pedro. Pedra secular maculada pela necessidade de autoafirmação. |
Pátio de São Pedro, sítio histórico da cidade. Repleto de
gente, mas não lotado. Agradável até. Gente da classe média e média-baixa, além
de catadores, guardadores de carros e uma alcoolista miserável, na faixa dos
seus quarenta e poucos anos, que vestia um vestido vermelho e que, a certa
altura da noite o levantou revelando a sua calcinha para quem quisesse ver. Era
o dia nacional e municipal do samba e uma homenagem ao ritmo estava para
acontecer quando nós chegamos. Primeiro encontrei meu primo-irmão e o seu amigo
psicólogo 1, num bar perto de sua casa. O amigo psicólogo 2 passou por lá com
sua esposa avisando que estava indo para o pátio, nós pedimos a conta e fomos
ao encontro deles. Ao chegar no Pátio fizemos hora até o show começar no Buraco
do Sargento. Ah, passamos por uma praça pequena e redonda povoada de
indigentes, muitos já em idade avançada, a maioria, não havia jovens ou
crianças, então ali não era uma mini-cracolândia, poderia ser o reduto de
bebuns, no máximo, afinal há de se dar vazão a condição tão miserável de alguma
forma. Passei muito rápido e foi isso que apreendi. Ou o que me chamou atenção.
Alguém no carro disse que alguns trabalhadores quando saíam do trabalho
sentavam na praça para conversar, o que indica a ausência de perigo naquele local
e reforça a minha impressão. Era como uma reunião dos indigentes do bem, ou
seja, inofensivos à sociedade mais abastada que é quase toda a sociedade. De
toda sorte sentamos à mesa do Buraco do Sargento e a conversa orbitou sobre psicologia,
mesmo quando falaram do filho do casal de amigos, foi de uma forma psicológica.
E se autoanalisaram, relatando queixas dos pais, de como estes faltaram em um
aspecto ou outro e que é permitido sentir raiva, ou rancor ou mágoa dos pais,
mas que as pessoas não se sentem permitidas a sentir isso pelos pais porque os
pais são como que uma instituição sagrada que nada pode macular. Björk canta no
meu quarto às 4h42 da manhã, “I care for
you, care for you, care for you...”. O show começou e fomos lá para fora.
Alguns cantores fracos, mas a qualidade foi aumentando à medida que o show
progredia. Os dois últimos foram bons, um senhor e depois uma senhora
considerada a Alcione daqui. Tiveram que arrastá-la literalmente para fora do
palco. Essa parte foi cômica. E ela saiu cantando. Hahahaha. Eita sede de
palco. A parte mais emocionante da primeira parte da noite, foi que um cara que
demonstrou ser da Mocidade Independente trouxe sua cuíca e veio para perto de
mim e fez um incrível solo do instrumento. Às vezes o tornava agudo e
frenético, excitado como um macaco selvagem enjaulado. Às vezes parecia um
grave lamento. Foi um show à parte só para mim. Observei atentamente a forma
como tocava o instrumento. É bastante interessante. Se despediu com uma
elegante saudação tirando seu chapéu de sambista. Também tocou frigideira, que se
mostrou ser um sonoro instrumento. A presença desse sambista perto de nós a mim
já valeu essa parte da noite. Por falar em chapéu, várias pessoas vestiam esses
chapéus de sambista, homens ou mulheres, numa clara reverência ao ritmo. Não
sei os usam no seu cotidiano, mas nessa noite, ostentavam-nos até com
propriedade, o que os empoderava de certa maneira. Quem se divertiu mais foi o
amigo psicólogo 2, que conhecia quase todos os sambas e os entoava de coração. Aquela
definitivamente era a sua vibe. Meu
primo-irmão comentou conosco que não tinha a mínima relação com samba. O casal
foi embora quando começou a última atração da noite, a banda Patusco.
Assistimos praticamente até o final e fomos para o primeiro lugar ermo da noite
pegar Uber, a saída do Pátio de São Pedro. Local que achei um tanto sinistro,
vai ver que estou herdando a paranoia de mamãe. Com a ausência do casal e a
partida anterior do amigo psicólogo 1, ficamos Tracy, amiga que chegou depois, meu
primo-irmão e eu. Partimos os três para o Recife Antigo que pensei ser o fim da
nossa noite.
Fomos deixados no Marco Zero, onde grupos de jovens se
reuniam aqui e ali, não somando mais que 50 pessoas. Ao chegarmos no palco Rec
n’ Play (ou algo assim) o anunciante anunciava que era o fim do evento naquela
noite. Foi o público com quem mais me identifiquei durante a saída, o do Recife
Antigo. Embora os ache a maioria bem mais jovens que eu. Adultos, entretanto.
Ou melhor dizendo, maiores de idade. “Adultez” é algo que nem eu adquiri
direito, acho eu. De qualquer forma, do meio da multidão que se esvaziava,
surgiu para a minha surpresa o nosso amigo bonitão com a ideia de irmos para um
coco em Olinda. Devido à demora do Uber, pedido pelo meu primo-irmão, nosso
amigo bonitão insistiu para que fôssemos de táxi, o que concordamos em fazer.
Fomos os quatro bater no Largo do Guadalupe. Foi no Recife Antigo que tirei as
fotos mais legais eu acho.
Não aguentei e fui dormir. Acordei há pouco, são 16h28. Não
estou com muito saco para narrar o resto da noite de ontem, mas me esforçarei
para tal. Bem, nosso amigo bonitão foi no acento da frente do táxi e começou a
inquirir, num bate papo descontraído, sobre a vida e os hábitos do motorista,
que se animou com a conversa botou alto os bregas que costuma escutar quando
vai no Clube Bela Vista, depois de afirmar que não era crente graças a deus. Bem,
descemos do táxi num local aparentemente vazio e seguimos até o Largo do
Guadalupe. Um beco todo urinado em ascendente surgiu à nossa frente e seguimos
por ele. A música já se fazia ouvir. O beco dava para uma estreita rua numa
ladeira, onde estava estacionado um veículo todo colorido e iluminado, quase
fechando a rua, que meu primo-irmão identificou como sendo do Som na Rural. À
frente dele os músicos, vi jovens mulheres cantando e outro jovem num dos
tambores. Não pude ver muito mais pois a rua estava completamente tomada de
gente. Tão ou mais apertada que o carnaval de Olinda. A maioria do povaréu era
composto por pessoas da comunidade. Minha mãe e meu padrasto discutem. Coloquei
Björk para abafar a discussão. Estava
impraticável para mim ficar no meio daquela compacta massa humana e começou a
me bater um certo desespero claustrofóbico. Por sorte a turma resolveu subir a
ladeira e com muito esforço, temendo naquele aperto que levassem os pertences
que estavam em meu bolso, típico pensamento elitista diria minha amiga Tracy,
chegamos a uma parte mais despovoada da ladeira, passando por uma mulher com
marcas de umbanda nas costas, duas pequenas cicatrizes em forma de cruz nas
costas, uma de cada lado. Certamente uma iniciada. Algumas pessoas dançavam
quase em estado catártico pelo caminho. Não sei se movidas apenas pela música
ou se havia algum aditivo psicoativo. Chegando lá em cima, decidi, tomado de
alívio, que ali eu ficaria, independentemente de quaisquer decisões ou motivações
que movessem a turma. Só sairia dali para ir embora. E assim fiz. Meu
primo-irmão e o amigo bonitão ainda se arriscaram a ir para o meio da massa, mas
acabamos ficando todos a maior parte do tempo no lugar mais livre. A energia
daquele lugar era diferente, era muito diferente, mais negra, afro, olindense,
pensei que não existiria outro lugar com similar energia que não Olinda no
mundo. Pela primeira vez entendi o neologismo “afrociberdelia” cunhado por
Chico Science e Nação Zumbi. Era um local onde pessoas da classe média alta
poderiam se imiscuir com tranquilidade na classe média baixa, das gentes das
periferias, sem problemas. Esse acolhimento sem preconceitos, nem muitos
olhares estranhos, foi o ponto alto desse momento. Meu primo-irmão pediu uma “passarinha”,
a iguaria vendida nos subúrbios segundo ele, que consistia numa carne de uma
parte não identificada do boi, mas ele disse que das partes mais baratas, bem
frita. Não me aventurei a experimentar. Tracy ainda deu uma mordida e disse que
parecia fígado bem chicletudo. Tracy parece nome de prostituta nova-iorquina,
mas ela é o contrário disso, brasileiríssima, super gente boa e nem um pouco
vulgar, pelo contrário, uma pessoa inteligente, sensível, de ótimo vocabulário,
excelente formação, inclusive moral, uma grande pessoa enfim. Coloquei o codinome
Tracy para tirar onda, por mais que ela nunca vá ler isso. Não tem problema, me
divirto sozinho. À medida que outros personagens entram nessa narrativa, fica
cada vez mais complicado inventar alcunhas para eles. Bem, quando o nosso amigo
bonitão deu por visto ou se entediou do local, nos convocou a partir. Fiquei
impressionado com a sua capacidade de impor a sua vontade aos demais, eu
incluso. Decidimos ou decidiram ir para o Empório Sertanejo dali e partimos os
quatro para descer a ladeira e nos depararmos com um lugar de periferia muito
ermo e suspeito, ainda mais para quatro pessoas de classe social tão destoante
do local. Eu e Tracy avistamos a lua, ela que já vinha sendo a minha companheira
desde o pátio de São Pedro. Tracy colocou “Lua de São Jorge” de Caetano para
tocar no Spotify do seu celular enquanto esperávamos pelo Uber. Foi um dos
momentos mais agradáveis e pacíficos da noite, mesmo com o alerta de que havia
dois caras de moto assaltando naquela região. Não passaram por ali, graças. O
Uber chegou e ingressamos rumo ao Empório. No meio do caminho, nosso amigo
bonitão decidiu ir para uma festinha na Gervásio Pires, se bem me recordo, que
tinha que pagar entrada. Ainda bem que meu primo decidiu ficar no Empório. Não
que eu goste do lugar, mas não tinha dinheiro para pagar a entrada e tomar Coca,
já eram mais de três da manhã e estava cansado de peregrinar pelo grande Recife.
Tracy decidiu seguir o bonitão para a festa e ficamos nós dois no Empório.
Em vez de irmos para o Empório propriamente, fomos para o
Saideira, que fica em frente, é uma salinha com um balcão e dois freezers e uma
simpática mulher a atender-nos. Meu primo-irmão me deu uma aula de ousadia
pedindo, do nada, o Instagram da atendente. Essa se saiu dizendo que o Saideira
tinha um Instagram, mas que ela não sabia o endereço. Que ela tirava as fotos,
mas o carinha que trabalha com ela é quem publicava, que ela não sabia mexer
nessas coisas. Ficamos conversando na calçada ao lado do lugar e observando o
movimento. De todas as pessoas a que mais me chamou a atenção foi um cara que
de blazer preto, na faixa dos 40 que veio da esquina dando uma risada digna de vilão
que derrota o mocinho e esmurrando uma caixa de luz ou telefone de metal com substancial
força. Na minha opinião estava travado de pó e uísque ou era um alcoolista
bastante resistente. De qualquer forma, pelo estado em que estava não parecia
estar tendo uma relação saudável com um ou com outro.
Acho interessante como as meninas vão bem produzidas para o
Empório Sertanejo, local de classe média e classe média alta, embora do outro lado
da rua, onde ficamos agrupam-se pessoas de classes menos abastadas.
Interessante não haver choque aqui também, há uma cisão entre os dois lados da
rua, mas não há confusão e a fusão é pouca. Fiquei mais ligado nessa coisa de
classes sociais e rememorei que passei por todos os extratos da sociedade porque
Tracy disse que houve um período da vida dela em que aquela história do coco da
periferia, ou coco de raiz, fazia muito sentido para ela, que ela se sentia em
casa ali, mas que hoje em dia, depois de vários anos, viu-se uma outsider
naquele meio, temendo estar elitizada. Depois desse comentário e de dizer-lhe
que eu sempre me sentiria um outsider num local como aquele, porque outsider
deveras sou, não faço parte daquela comunidade, vim do outro lado da selva de
pedras, de um bairro nobre, obviamente me sentirei deslocado ali. Pode ser que
indo repetidas vezes, algo que não farei, o vínculo se estabeleça. Mas não
gosto da música, não gosto de dançar, sou careta, então nunca entrarei numa
catarse e sairei dançando naquele amalgamado de gente. Posso queimar a língua,
mas é assim que agora vejo.
Voltando ao Empório Sertanejo, acho a vibe, não gosto de usar a palavra energia, me soa muito esotérica, também
não gosto de vibe, mas me faltam
alternativas vernaculares, aura talvez, mas fico com vibe, o Empório pelo menos nessa hora tão adiantada, que é quando
apareço, geralmente, me parece um antro de viciados, de quem não consegue parar,
de compulsivos por algo. Posso estar redondamente enganado. Mas todos os
cheiradores de pó do Recife com quem estive internado mencionaram o Empório. Ou
quase todos, bem, não sei quantos, mas o suficiente para me dar essa ideia de
que o local é repleto de cocainômanos. Principalmente a horas tão avançada da
madrugada. Acho que até em horas ainda mais avançadas, como depois de o sol
raiar, é que a coisa tome ainda mais essa cara. Só devem chegar caras – e
garotas – nas últimas. Deve ser um inferno para os garçons. Mas é um local que
nunca fui para estar vazio. Deve dar um bom dinheiro. Depois de tomar a
saideira no Saideira e de pedirmos dois Uber, finalmente zarpamos para casa.
Ainda fumei um cigarro na piscina ouvindo o meu bom e velho iPod (com fone
novo) e subi. Minha mãe estava acordada e me fez um pequeno interrogatório
antes de voltar a dormir. Tinha profundas olheiras nos olhos e um zilhão de
neuroses na cabeça. Por isso que digo, vá para a terapia. Eu preciso ir. E ao
mesmo tempo não quero ir. Nem um pouco. Mas irei. Abaixo mais algumas fotos dos
locais acima mencionados.
Largo do Guadalupe. |
Ímã de geladeira coletado no Saideira. |
Sarjeta da rua do Empório, onde ficamos. |
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