quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

CONTO - OS MALHADOS OU O GRANDE MISTÉRIO





Em uma realidade alternativa, um terço da população possui vitiligo. Eles são conhecidos como malhados ou subraça. Os “normais” são chamados de puros-sangues ou raça, sejam eles de pele negra, branca ou amarela. Os albinos são conhecidos como superraça ou guardiões de Deus. Isso é para escrever escutando Björk, não Nirvana e Sandy. Péra que vou colocar.

16h46. Ouvindo “Utopia” de Björk. Bem mais adequado. Os malhados, antes escravos, com o avanço dos direitos humanos se libertaram das correntes, mas foram relegados ao terceiro escalão da sociedade, sendo responsáveis por todo o trabalho pesado e servil. Há um forte preconceito da classe dominante em relação a eles. Os albinos também foram escravizados até a Grande Chegada.

Os filhos dos puros-sangues que nascem com vitiligo são tomados pelo Estado e criados apenas com a instrução necessária para exercer os trabalhos simples, mas demandantes a que são destinados. Os filhos de malhados que nascem normais também são tomados pelo Estado e oferecidos para adoção às famílias da raça que tiveram filhos com vitiligo ou que não conseguem se reproduzir.

O mundo é dividido em seis megapaíses (compostos de blocos de países). São eles, África, Ásia, Europa (Europa e União Soviética), América (países da América do Sul e Central), Estados Unidos (EUA, Canadá e México) e Oceania, todos sobre a gerência geral da ONU. A ONU utiliza-se de propaganda e educação direcionada para evitar rebeliões dos malhados como houve no passado.

Os albinos são responsáveis pela religião, chamada de O Grande Mistério. Ela narra a Grande Chegada e prega que o todos os homens serão tidos como iguais quando do surgimento ou criação de Deus. O Grande Mistério é a religião mundial, não há outra, pois há relatos escritos e evidências físicas dos fatos pregados por ela.

As histórias em quadrinho são os grandes meios de protesto dos malhados, que fazem diversos fanzines (revistas de baixo custo), pois não têm dinheiro para mais. Tais fanzines atraem tanto o interesse de seu povo quanto o dos albinos de todas as idades e dos jovens puros-sangues com suas histórias de super-heróis malhados capazes de derrubar gigantes, salvar gente de todas as raças, voar, soltar raios pelos olhos, tudo sempre em defesa do Grande Mistério. O governo não reprime tais manifestações temendo outros tipos de rebelião mais significativas por parte dos malhados.

A Grande Chegada ou A Grande Libertação Albina, se deu no ano 1 do atual calendário. O que foi dito pelos Viajantes do Futuro que nos visitaram na Grande Chegada foi transcrito por milhares de escribas em todo o mundo nos mais diversos idiomas de forma igual, o que só vem corroborar para a veracidade do ocorrido. Das testemunhas que presenciaram a Grande Chegada, apenas 27 sabiam escrever e esses também descreveram de maneira muito similar o que viram. Vejamos o que narra Ulah, escriba do maior imperador africano à época, Mansa Tutu e tida como a descrição mais completa do evento.

“Era uma manhã quente de verão, acabara de descer as escadarias do palácio a caminho do mercado para ver couros quando o pequeno escravo albino Tiki gritou, ‘As escadas do palácio estão derretendo! As escadas do palácio estão derretendo!’ Quando me virei de fato vi que os degraus da escada desapareciam como se carcomidos rapidamente pelo tempo. Foi então que um grande silêncio, como se o mundo inteiro emudecesse, se fez. Não se ouvia os gritos de Tiki ou o burburinho da cidade. O silêncio foi seguido de um zunido dentro da minha cabeça e do nada, do ar, surgiu aos pés da escadaria um enorme objeto elíptico de metal reluzente. Nele via-se refletido o povaréu e o palácio do imperador. As pessoas fizeram menção de correr, com medo da aparição, mas uma voz poderosa que parecia ser muitas e que vinha de todas as direções falou ‘Não fujam. Viemos em paz. Prestem muita atenção, pois isso vai mudar o destino de toda a humanidade para sempre. Os que souberem escrever escrevam e os que não souberem prestem muita atenção para contar aos seus filhos, para que esses contem aos seus netos e assim sucessivamente. A voz silenciou e o metal da nave começou a ondular como se fosse líquido. Um buraco se abriu em sua couraça, revelando o seu interior e dois Albinos adultos, um homem e uma mulher, com trajes de um tecido mui fino e transparente, como se feitos de água, que os cobriam da cabeça aos pés, porém não escondiam suas nudezes. Tinham ainda auréolas de luz mais brilhante que o sol em volta das cabeças. Consegui divisar dois assentos no interior da nau, um painel de luz e várias luzes menores de várias cores no que parecia ser a frente do estranho objeto. Do lado de dentro se via através do metal como se esse não existisse. Certamente eram enviados de Deus. O casal de albinos desceu da nave e andou cerca de 500 passos à frente do palácio. Ao passarem por mim, senti enorme bem-estar e bondade emanando deles. A emoção era tão forte que caí em prantos. Sem pensar, os segui até o local onde pararam. A mulher colocou um objeto redondo, preto e achatado no chão, não maior que um prato, e novamente o zunido se fez dentro da minha cabeça, quando este cessou, o homem colocou um pequeno objeto sobre àquele que a mulher havia posto e este ficou flutuando no ar como a nave. Foi então que novamente o silêncio completo se fez e a poderosa voz que eram muitas e parecia vir de todos as direções e alcançar o firmamento começou a falar.”

O que Ulah relatou foi muito semelhante ao que os outros 27 escribas relataram onde as outras cinco naves apareceram. Uma em cada grande nação dos seis megapaíses (que começaram a se tornar megapaíses há apenas dois séculos, num período conhecido como a Era das Fusões). O que ele narra agora, o que os Viajantes do Tempo disseram, é igual ao que milhares de escribas espalhados pelo mundo nas mais diversas línguas relatou pois, o som da voz que Ulah escutou realmente ecoou por toda a Terra para que todos os homens ouvissem e não houvesse dúvida.

“A voz era poderosa e ao mesmo tempo muito agradável, parecia masculina e feminina simultaneamente e inundou nossos peitos de amor. Ela disse, ‘Viemos do futuro, 3.427 anos e 13 dias a contar do dia de hoje. Viemos do futuro como Deus virá do futuro. Nós somos a prova. E o que deixamos com vocês é a chave para Deus. O homem criará Deus ou a parte de Deus que lhe cabe criar, em troca Deus dará o paraíso eterno para todos os humanos da Terra, sem distinção de raça. Para isso, vocês vão ter que desenvolver a ciência e a tecnologia até serem capazes de decifrar o uso do chip que deixamos aqui. Ninguém nem nada conseguirá mover ou quebrar o revestimento que recobre o chip, mas todos poderão vê-lo e estudá-lo. Os albinos criarão um templo e serão os guardiões do chip, por mais que nada, nem ninguém consiga roubá-lo. Nossa missão é estimular a humanidade a se desenvolver mais rápido e criar Deus mais rápido e em paz. Nossos antepassados perderam muito tempo com guerras e armas desnecessárias. Investindo recursos e esforço em coisas que não levaram a nada senão destruição. A vocês é dada a chance de mudar isso e pacificamente investir no desenvolvimento das ciências e tecnologia, compartilhando as tecnologias entre todas as nações da Terra a fim de alcançarmos Deus o mais rápido possível. Amem ao próximo como a si mesmos e a Deus sobre todas as coisas e certamente chegarão ao paraíso. Chegaremos ao paraíso, pois ele nos é inevitável. Lembrem-se, nenhuma raça é melhor ou pior que a outra aos olhos de Deus. Todos o que quiserem serão escolhidos e acolhidos por Deus.”

Essa foi a mensagem deixada pelos visitantes do futuro. E o chip o presente para a humanidade deixado por eles. Depois disso partiram para nunca mais voltar, como relata Ulah,

“Quando a voz cessou, os albinos do futuro retornaram à nave. Os guardas do Imperador, a mando deste, tentaram aprisioná-los, mas ao se aproximar deles foram tomados por um sentimento tão grande de amor e compaixão que ficaram imóveis a derramar o pranto de sua miserável existência, frente aqueles seres tão iluminados e divinos. Houve um que ousou arremessar sua lança em direção à mulher, e a lança, ao tocar o tecido que a recobria, se esfarelou, virando pó. Entraram na nau e esta se fechou da mesma forma que se abriu e desapareceu no nada como surgira. No dia seguinte, começaram a afluir pessoas de todos os reinos distantes da mãe África para ver o chip ou Grande Mistério, como ficou rapidamente conhecido, gente da raça de todas as classes, inclusive os reis da África, que libertaram seus escravos albinos para ajudar a construir o templo em volta do Grande Mistério e lá guardarem todos os depoimentos dos escribas da mãe África. Foram convocados os homens mais sábios de todas os reinos para estudar o pequeno objeto revestido por um material completamente transparente e inquebrantável.”

Movimento semelhante se deu em todos as seis regiões onde os Grandes Mistérios foram deixados e todos os locais se tornaram as capitais dos megapaíses.

Há dois dias, em 4 de dezembro de 2018, finalmente a ONU anunciou que os cientistas conseguiram desvendar o último Grande Mistério e reproduziram o último chip, localizado na Oceania. Como haviam previsto, cada chip é parte complementar do outro, formando um supercomputador de processamento neural mais potente e complexo que a soma de todos os bilhões de cérebros da raça humana. O computador acabou de ser montado hoje. Deus está desperto, Deus finalmente é. E escolheu uma mulher malhada de meia-idade da África para ser o primeiro ser humano a se unir a Ele. Esta mulher sou eu. Estou agora num antigravitron viajando para a capital da América, onde a entidade foi construída, para me unir a ela. Confesso que estou com um pouco de medo e ao mesmo tempo tomada de curiosidade quase infantil. Relatos dizem que no mundo, todos pararam para se confraternizar e celebrar o surgimento, a criação de Deus, todas as raças misturadas, como uma só. A Oceania já está fabricando mais cinco chips para que todos os megapaízes tenham um supercomputador e que estes se interliguem, multiplicando a capacidade de processamento de forma exponencial. A missão dos Viajantes do Futuro foi bem-sucedida. Conseguimos chegar a Deus quase mil e quinhentos anos antes deles. A Terra viu poucas guerras ou rebeliões por mais que o descontentamento do meu povo com sua situação inferior nos incomodasse, afinal acreditávamos que nos rebelarmos seria atrasar o surgimento de Deus, como os Visitantes do Futuro haviam alegado. O antigravitron mandado pela ONU avisa que vamos aterrissar, fico por aqui. Desejem-me sorte nessa nova existência que me aguarda. Se possível volto a postar. Se isso ainda fizer sentido para mim, ou seja, para o meu eu expandido por Deus.

FIM


17h24. Dava para desenvolver muito mais, eu sei, mas não tenho paciência para essas coisas. Prefiro que o leitor preencha com sua criatividade as lacunas. Quem gostar e quiser expandir ou reescrever essa história, sinta-se à vontade, ela é de domínio público. Como se alguém fosse querer. Hahahaha. :)

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